Consultar versão completa em PDF
SUMÁRIO:
I – Considera-se que um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada. Acresce que se encontra devidamente fundamentado o ato que, diretamente ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão.
II – Tendo a Requerente sido chamada a pronunciar-se sobre o Projeto de Relatório de Inspeção, ficou por este meio devidamente assegurada a audição do interessado antes da conclusão do procedimento inspetivo [alínea e) do n.º 1 deste art.º 60.º], pelo que não havia necessidade de a notificar para exercer de novo esse direito em relação à versão final do relatório que deu origem ao ato de liquidação.
III - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efetuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados. Ainda que seja da competência de cada um dos Estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º1 do artigo 1.º da LGT.
IV – Resulta da interpretação dos artigos 103.º da CRP e 98.º do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes em Portugal são meros documentos “ad probationem”, podendo tal prova ser realizada por qualquer outro meio idóneo.
A árbitro Filipa Barros designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
-
RELATÓRIO
A... S.A., titular do número de identificação de Pessoa Coletiva (NIPC)..., com sede social no ..., ..., (doravante "Requerente"), tendo sido notificada do ato de liquidação adicional de Retenções na Fonte de IR relativo ao ano de 2021, sob o numero 2024..., e respetivos juros compensatórios cuja data limite para pagamento era o dia 27 de junho de 2024 (cf. documento n.º 1), vem, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), no artigo 6.º, n.º 1, no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conjugado com o disposto no artigo 99.º, alínea a) e artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do aludido RJAT -, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação adicional de imposto, por via de retenção na fonte por supra identificado e respetivos juros compensatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária” ou “AT").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 30 de setembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 13 de novembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral encontra-se, desde 03 de dezembro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 21 de janeiro de 2025.
Por despacho de 27 de janeiro de 2025, o Tribunal Arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, salvo oposição das partes manifestada no prazo de cinco dias, tendo concedido a faculdade para produzirem alegações escritas, no prazo de dez dias, com caráter simultâneo, cuja contagem se inicia após o decurso do referido prazo de cinco dias.
Determinou-se que a prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo o Requerente proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Requerente e Requerida não apresentaram alegações escritas.
A Requerente apresentou um total de 3 documentos com a petição e não arrolou testemunhas.
-
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente alega em suporte da pretensão deduzida vícios formais de falta de fundamentação e de preterição de formalidade essencial consubstanciada na omissão do direito de audiência prévia à liquidação.
Invoca, também, a título material, o vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, nos termos seguidamente expostos:
-
Começa por referir que o ato de liquidação de imposto e de juros compensatórios não se encontra fundamentado nos termos legalmente adequados, violando o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT);
-
A Requerente entende que não se encontram explicitados os fundamentos que determinam a emissão do ato de liquidação, sendo apenas indicado um conjunto de valores, o exercício e o imposto a que respeitam, o que se revela insuficiente para um destinatário normal. Para a Requerente não foi possível determinar como foi apurado pela AT o valor total de € 14.589,24;
-
Defende que sobre a AT impende o dever legal de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente, por não permitir o controlo da legalidade da decisão e prejudicar as possibilidades de defesa do sujeito passivo, devendo ter como consequência a anulabilidade do ato.
-
Refere ainda a Requerente que do n.º 2 do artigo 77.º da LGT “resulta claramente que, no caso de actos tributários – em regra, os actos de liquidação –, não basta que a fundamentação se faça por remissão para o relatório final do procedimento de inspecção tributária. Na fundamentação dos actos tributários deverão também constar “sempre” as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (...) com efeito, “os actos tributários – nomeadamente os actos de liquidação –, enquanto actos administrativos, não “resultam” do relatório de inspecção, mas sim da decisão fundamentada do órgão da administração tributária competente para a respectiva prática”.
-
Conclui a este respeito que não existindo qualquer referência expressa, ou implícita ao ato de liquidação no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) ou em qualquer outro documento, não se pode entender que no caso concreto o dever de fundamentação se tenha por cumprido, impondo-se a respetiva anulação.
-
Em segundo lugar, a Requerente invoca a preterição de formalidade legal essencial, consubstanciada na falta de audição do contribuinte visado, previamente à prolação da decisão final, em violação da alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
-
Refere a Requerente que de entre as formalidades essenciais, de carácter insuprível, está, precisamente, o direito fundamental de participação na decisão por audição prévia, pois, se exercido em momento posterior à prolação da decisão já não terá qualquer efeito útil.
-
Ora, a consequência da preterição de tal formalidade legal que conduz ao vício de forma e à anulação do ato tributário, não pode deixar de ser a ilegalidade do próprio ato de liquidação, porquanto estamos perante a preterição de formalidades anteriores à pratica do ato essenciais à sua formação e descoberta da verdade no âmbito do procedimento tributário que lhe veio a dar origem.
-
A título material a Requerente invocou que na decorrência de um procedimento de inspeção tributária a AT concluiu pela existência de IRC em falta, relativo a retenções na fonte sobre rendimentos pagos a não residentes.
-
A Requerente entende que tal liquidação adicional padece de ilegalidade, pois tratando-se do pagamento do um serviço realizado por um prestador residente nos EUA, deverá prevalecer o disposto no direito convencional internacional em vigor, nos termos da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os EUA, que limita o poder de tributação dos rendimentos em causa, com caracter de exclusividade, ao Estado da Residência, in casu aos EUA.
-
Ora, estando o direito internacional convencional colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei, em caso de conflito, o tratado prevalece sobre a ordem interna, não podendo os substitutos tributários aplicar a obrigação de retenção na fonte nos termos previstos na ordem interna, isto é, liquidando por via de retenção na fonte, o imposto à taxa liberatória definitiva de 25%.
-
Acresce que para que não restassem dúvidas quanto à residência do prestador de serviços americano, a Requerente juntou Certificado de residência fiscal relativo ao ano a que reportam os rendimentos em causa (2021), nos termos da CDT em vigor.
-
Defende a Requerente que apesar de cumpridas as formalidades previstas no artigo 98.º n.º 5 do CIRC, e o disposto nas normas convencionais, a AT veio exigir a apresentação de formulário válido (Mod. 21-RFI), recusando a adequação da prova da residência da entidade prestadora feita pelos meios apresentados pela Requerente.
-
A Requerente apoia a sua tese na jurisprudência emanada pelos Tribunais Administrativos superiores bem como pelo CAAD, no sentido em que os formulários exigidos pela AT como prova da dispensa de retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem, pelo que podem ser apresentados a posteriori, dentro dos prazos legalmente fixados e substituídos nos termos do artigo 364.º n.º 2 do Código Civil.
-
Conclui pugnando pela ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de que foi alvo, e no que se refere aos juros compensatórios, suscita a preterição do dever de fundamentação antes da liquidação e a ausência de demonstração da culpa do contribuinte no retardamento da liquidação do imposto, caso o imposto fosse devido.
II.2. Posição da Requerida
A Requerida apresentou resposta, na qual contestou de forma circunstanciada os vícios alegados pela Requerente, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Para este efeito, fundamenta a sua posição, nos seguintes termos:
-
Os factos que determinaram a liquidação de retenção na fonte de IRC constam do respetivo relatório de inspeção tributária (RIT), tendo-se considerado que o sujeito passivo não forneceu os elementos de certificação pela a autoridade tributária competente do respetivo país (EUA), entregue pela prestadora de serviços, de modo a justificar a dispensa de retenção na fonte de imposto, conforme o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do CIRC.
-
No RIT, o qual se encontra devidamente fundamentado, a AT concluiu que os rendimentos pagos a título de serviços de consultoria pelo Sujeito Passivo se consideram obtidos em território português e aquando do seu pagamento ou colocação à disposição, estavam sujeitos a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, à taxa de 25%, devendo o valor retido, ou o que deveria ter sido retido, ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte (n.º 6 do artigo 94.º do CIRC). Refere a este respeito, que a Requerente não juntou aos autos elementos de prova idóneos que permitissem afastar a obrigação de retenção na fonte;
-
A Requerida nota ainda que o Sujeito Passivo foi notificado previamente do RIT, para exercer o seu direito de audição prévia, nos termos a que se refere o artigo 60.º do LGT e o artigo 60.º do CCPITA, sendo nos termos legais dispensada a audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos o que não sucedeu no caso controvertido;
-
Em consequência das retenções consideradas em falta foram emitidas e validamente notificadas as notas de liquidação, contendo a decisão devidamente fundamentada, por remissão para o RIT, onde se encontram explicitados os motivos de facto e de direito, bem como os valores corrigidos a respetiva sujeição a juros compensatórios, bem como a indicação dos meios de defesa e os prazos para reagir.
-
Conclui a Requerida pugnando pela manutenção do ato impugnado, por entender que este não padece de qualquer ilegalidade, seja na modalidade de vício de forma ou de substância, devendo manter-se na ordem jurídica as liquidações ora sindicadas.
-
SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
As partes não apresentaram alegações.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1 – Matéria de Facto - factos dados como provados
Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma sociedade anónima de direito português a qual prossegue, no âmbito do seu objeto, a atividade de fabricação de artigos de mármore e de rochas similares; – cf. PPA.
-
A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2023..., respeitante ao ano de 2021, na qual resultou, entre outras, correções em sede de retenções de IRC, conforme respetivo Relatório Final de Conclusões, cuja cópia ora se junta - cf. doc. n.º 2.
-
Por despacho de 21.03.2024 emitido pela Direção de Finanças de Leiria foi a Requerente notificada nos seguintes termos: “Fica por este meio notificada para, querendo, exercer no prazo de 25 dias, o direito de audição relativamente ao projeto de relatório da inspeção, que se anexa e está disponível na área reservada da inspeção tributária e aduaneira do portal das finanças.” - cf. PA;
-
A Requerente exerceu o direito de audição, em 22.04.2024, tendo os seus argumentos sido objeto de análise, tal como resulta do Ponto X do RIT; – cf. RIT.
-
Subsequentemente, em 02.05.2024 foi a Requerente notificada do RIT que manteve as correções propostas no valor de € 13.000,00, referente a serviços de consultoria pagos a uma empresa não residente; - cf. RIT;
-
As correções promovidas em sede de Retenção na fonte de IRC, relativas ao ano de 2021, tiveram por base a nota de Liquidação n.º 2024..., da qual a Requerente apenas contesta a “Falta de retenção de IRC sobre serviços pagos a não residente, no montante de €13.000,00”; - Cf. cópia da Liquidação junta com o PPA, - doc. n.º 1.
-
O Relatório final de inspeção, e no que aos autos respeita, encontra-se alicerçado nos seguintes fundamentos:
(...) “No decurso do procedimento inspetivo, foi solicitado ao SP a apresentação do formulário e certificado que justificassem a dispensa de retenção na fonte de imposto, aquando do pagamento dos rendimentos à entidade não residente indicada. O SP não forneceu elementos de certificação por autoridade (tributária) competente do país respetivo (Estados Unidos da América), pelo que se considera não ter na sua posse / não forneceu qualquer formulário ou certificado válido entregue pela prestadora, conforme disposto na citada alínea a) do n.º 2 do art. 98.º do CIRC. Do enquadramento legal acima exposto, concluímos que os rendimentos pagos pelo SP a título de serviços de consultoria, se consideram obtidos em território português e, aquando do seu pagamento ou colocação à disposição, estavam sujeitos a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, à taxa de 25%, devendo o valor retido (ou que devia ter sido retido) ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte (nº 6 do art.º 94.º do CIRC). De acordo com os lançamentos contabilísticos identificados no quadro acima, os pagamentos dos referidos rendimentos ocorreram em vários meses ao longo do ano de 2021, pelo que, o imposto que deveria ter sido retido, no total de 13.000,00€, deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, nas datas e montantes descritos no quadro seguinte:
A atuação descrita neste ponto constitui infração aos arts. 94º, n.º 6 e 98º, n.º 5, ambos do CIRC. Embora o SP tenha entregue declarações modelo 30, não incluiu nas mesmas os pagamentos/rendimentos colocados à disposição de não residentes indicados no presente ponto, conforme se encontrava obrigado nos termos do artigo 128º do CIRC e do nº 7 do artigo 119º do CIRS.” – cf. PA.
(...)
“V.2.1.2. Imposto em falta de RF-IRC sobre serviços de consultoria pagos a não residente a requerente registou na conta SNC “622130 SERV. ESPECIALIZADOS, faturas de serviços de consultadoria prestados pelo fornecedor dos Estados Unidos da América B... INC, (totalizando €52.000,00), numa cadência mensal de €4.000,00 (com exceção do mês de novembro que registou duas faturas de €4.000,00 cada), que, tendo sido pagas não foram sujeitas a qualquer retenção na fonte referente a estes serviços prestados.” - cf. RIT;
-
Em face do enquadramento tributário dos rendimentos em causa efetuado no âmbito do RIT, a AT constatou que os rendimentos relativos aos serviços de consultoria em causa estavam sujeitos a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, à taxa de 25%, conforme resulta das disposições conjugadas da al. g) do n.º 1 e al. b) do n.º 3 do artigo 94.º do CIRC e o valor retido deveria ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte, nos termos do n.º 6 do artigo 94.º do CIRC. - cf. PA;
-
Da nota de liquidação consta o seguinte: “Apuramento proveniente da liquidação de retenções na fonte de IRC, decorrente do procedimento de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI 202 3..., no âmbito da qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção tributária”. - cf. cópia da Liquidação junta com o PPA, - doc. n.º 1.
-
A nota de liquidação de imposto foi notificada à Requerente, mantendo o sentido e âmbito das correções constantes do “projeto de relatório de inspeção”, bem como a identidade da fundamentação de facto e de direito, os valores corrigidos, e a sua sujeição a juros compensatórios que é feita com referência ao imposto. - cf. cópia da Liquidação junta com o PPA, - doc. n.º 1.
-
A nota de liquidação contém a indicação dos meios de defesa e o prazo para reagir, indicando a possibilidade de reclamar ou de impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT. - cf. cópia da Liquidação junta com o PPA, - doc. n.º 1.
-
No decurso do procedimento inspetivo foi solicitado à Requerente a apresentação de formulário e/ou certificado justificativo da dispensa de retenção na fonte de imposto, quando do pagamento dos rendimentos à entidade não residente indicada. – cf. PA;
-
A Requerente não forneceu aos SIT o formulário Mod. 21-RFI para justificação da dispensa de retenção na fonte. - cf. PA;
-
No âmbito do pedido de pronúncia arbitral a Requerente apresentou um atestado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais dos Estado Unidos da América (EUA), atestando a Residência naquele país da empresa B... INC, no ano de 2021, ao abrigo da CDT Portugal/ EUA bem como a sujeição a imposto sobre o rendimento, nos termos da legislação dos EUA; - cf. documento n.º 3 junto com o PPA;
-
A Requerente apresentou no CAAD, em 24 de setembro de 2024, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
IV.2 - Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do mérito da causa foram considerados provados.
IV.3 – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
-
Objecto – Thema Decidendum
Discute-se na presente ação a ilegalidade dos atos tributários reportados a retenções na fonte de IRC e juros compensatórios, relativos ao ano 2021.
São dois os vícios formais a dilucidar, relativos à falta de fundamentação do ato de liquidação, e à violação do princípio da participação do sujeito passivo.
A questão material controvertida a apreciar, na hipótese de improcedência daqueles vícios, é a que respeita a saber se a Requerente estava obrigada a proceder à retenção na fonte de 25% relativamente ao pagamento de serviços efetuado à sociedade B... INC, entidade com residência fiscal nos EUA, nos termos do disposto nos artigos 98.º n.º 5 e 128.º do Código do IRC. Ademais, cumpre dilucidar se a demonstração dos pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte se pode fazer por outros meios de prova que não apenas a apresentação do formulário Mod. 21-RFI ou certificado equivalente, designadamente, por via de um certificado de residência fiscal emitido pela Autoridades Fiscais do país de residência do prestador de serviços / entidade beneficiária dos rendimentos.
-
Dever de fundamentação
Segundo defende a Requerente a liquidação de imposto cuja legalidade se contesta é omissa quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pelo que se encontra inquinada de vício de forma por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 77.º da LGT.
Para tal, alega que o ato de liquidação sub iudice não explicita todos os fundamentos que determinaram a sua emissão, não identifica, sequer, as concretas disposições legais em que assenta, nem efetua a remissão explícita para qualquer outro documento externo que contenha essa mesma fundamentação. Considera, ainda, que mesmo que o ato tributário remetesse para o relatório isso não bastaria para cumprir as exigências de uma fundamentação contemporânea e contextual que o contribuinte não deve ter de presumir, mas sim resultar clara e inequivocamente do ato.
Ora, o princípio da fundamentação dos atos lesivos reveste importância acrescida no Estado Fiscal, cuja atuação é cada vez mais agressiva, e beneficia hoje da proteção constitucional concedida pelo artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Constitui uma garantia específica dos contribuintes e um dever geral de toda a atividade administrativa (cf. artigos 124.º a 126.º do CPA e 152.º a 154.º do novo CPA, em desenvolvimento do que nesta matéria já dispunha o Decreto-Lei n.º 256-A/77).
Tal dever impõe-se mesmo que realizado de forma sumária relativamente a todos os atos lesivos, impositivos e constitutivos de deveres ou encargos nos quais se incluem, naturalmente, os atos tributários, e desempenha funções primordiais num Estado de Direito sustentado na legalidade da atuação administrativa. Com efeito, a fundamentação permite que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade, promove a ordenação ao princípio da imparcialidade, na sua vertente de necessária ponderação dos interesses em jogo e, não menos relevante, torna acessível a garantia contenciosa. Assim, o dever de fundamentação dos atos tributários encontra-se especificamente regulado no artigo 77.º da LGT, que dispõe nos seus números 1 e 2:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
No que se refere aos juros compensatórios o artigo 35.º, n.º 9 da LGT determina que “[a] liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.”
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdão do STA, processo n.º 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006).
A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função primordial de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Considera-se, assim, que um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, processo n.º 42180, de 20 de Novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, diretamente e por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de Março de 2001).
Na situação concreta constata-se que o ato tributário, quanto à retenção na fonte de IRC (e aos juros compensatórios), contém a referência expressa de que a liquidação foi efetuada com base nas correções dos Serviços de Inspeção Tributária, numa clara alusão à atividade inspetiva realizada à Requerente, fazendo referência específica à ordem de serviços no âmbito da qual a mesma tinha sido realizada. Essa ação inspetiva, de âmbito externo que foi acompanhada pela Requerente, deu azo a um Projeto de Relatório, sobre o qual a Requerente exerceu o direito de audição, conforme resulta do probatório.
Em 02 de maio de 2024, foi emitido o Relatório (final) de Inspeção Tributária (ou RIT) que mantém as correções de IRC preconizadas no anterior Projeto A Requerente foi, de igual modo, notificada deste Relatório. Poucos dias depois, durante o mês de maio, foi emitida a liquidação de IRC correspondente (e, bem assim, a de juros compensatórios) e notificada à Requerente, mencionando que foi efetuada como base nas correções dos Serviços de Inspeção Tributária.
Constata-se que está, no mínimo, razoavelmente explícita a remissão para o RIT, i.e., que a liquidação de retenções na fonte de IRC foi emitida pelas razões constantes do RIT, o que se enquadra na permissão normativa do artigo 77.º, n.º 1 da LGT que prevê que a fundamentação consista em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Por seu turno, a fundamentação constante do RIT, à qual o ato tributário de retenção na fonte de IRC se reporta, não é sumária ou sucinta. Trata-se de uma fundamentação, de facto e de direito, extensa, suficientemente detalhada e percetível, fazendo expressa referência às normas legais aplicáveis.
Tanto que é percetível que a Requerente a percebeu, pois as alegações articuladas no seu pedido, realizadas no pressuposto (correto, aliás) de que aquela era a fundamentação do ato, evidenciam que a Requerente seguiu de forma exemplar o iter cognoscitivo e valorativo do RIT, compreendeu os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT, entendeu o seu sentido e alcance.
Questão independente, é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos essenciais à tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que adiante se aprecia.
No que se refere aos juros compensatórios, o RIT faz referência expressa aos mesmos, assim como o próprio ato de liquidação que menciona com clareza os elementos exigidos pelo artigo 35.º, n.º 9 da LGT, o valor base, os juros, o período de cálculo e a taxa aplicada.
No entanto, se dúvidas se suscitassem à Requerente esta sempre poderia lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT e, no prazo nele previsto, requerer a sua notificação ou a passagem de certidão que contivesse os requisitos omitidos. Salienta, neste âmbito, António Lima Guerreiro, na sua anotação ao artigo 77.º, que “[t]em sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, Recurso número 11.897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto. […] A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no artigo 22º do C.P.T. (37º do C.P.P.T.), nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos fundamentos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial” – cf. Lei Geral Tributária Anotada, Ed. Rei dos Livros, 2000, p. 341.
No nosso sistema, as eventuais deficiências que a notificação apresente atingem a eficácia do ato notificando e não a sua perfeição ou validade, pois, como claramente resulta do artigo 132.º do CPA (na redação em vigor à data dos factos, atual artigo 160.º do novo CPA) e do artigo 77.º, n.º 6 da LGT, a comunicação do ato impositivo ou constitutivo de deveres e encargos é apenas uma condição de eficácia.
Por isso, os problemas existentes quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem refletir na validade do ato comunicando, conforme refere a jurisprudência do STA (cf. Acórdão n.º 0872/11, de 15 de Fevereiro de 2012).
Deste modo, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação dos atos tributários suscitado pela Requerente.
-
Preterição de formalidade legal essencial - Direito de audição prévia à liquidação
A Requerente invoca que não foi notificada, em momento anterior ao da prática do ato de liquidação (ou em qualquer outro momento) para se pronunciar sobre o teor do mesmo.
Por seu turno, no que concerne a uma alegada preterição desta formalidade legal essencial, defende-se a AT, alegando encontrar-se dispensado o exercício do direito de audição, nos termos do n.°3 do artigo 60.º, da LGT, desde que o mesmo tenha sido exercido anteriormente, em qualquer das fases do procedimento, nomeadamente, as situações previstas, na alínea a) do n.º1, ou seja, no caso de ter sido exercido o direito de audição antes da liquidação.
Vejamos.
O artigo 60.º da LGT preceitua para o que aqui releva, o seguinte:
“Artigo 60.º
Princípio da participação
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)(*) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; (Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro )
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2- (...)
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.”
Dito isto, vejamos como enquadrar a materialidade fática na dispensa a que se refere o n.º 3 da norma citada.
Examinando a prova produzida, constata-se que a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção do qual constam todos os elementos de facto e de direito que levaram a AT a concluir pela omissão de retenção na fonte sobre o valor dos serviços de consultoria prestados à Requerente por uma empresa não residente (vide, pontos 3 e 4 do probatório, supra).
O direito de audição foi exercido pela Requerente, numa exposição de 7 páginas e 3 documentos anexos, conforme resulta do Processo Administrativo.
Conforme tem entendido a jurisprudência, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cf. Acórdão S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Acórdão Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; Acórdão S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no art.º 60.º, n.º 1, da LGT, constitui um vício de procedimento suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (vide, art.º 135º, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515).
A D.G.C.I., pela Circular nº.13/99, de 8/7/1999, manifestou o intuito de conciliar este direito de audição prévia do contribuinte com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, enunciados no art. 55.º, da LGT (cf. circular publicada na C.T.F. 296, pág.443).
Além do mais, na referida circular faz-se menção aos casos em que a Administração Tributária pratique um ato com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes, por a participação do contribuinte só dever verificar-se mais de uma vez quando haja factos novos no âmbito de um procedimento gracioso que tenha diversas fases ou tratos sequenciais (sublinhado nosso).
Na verdade, no que concerne ao caso em análise a Requerente foi chamada a pronunciar-se sobre o projeto de relatório de inspeção, assegurando-se a audição do interessado antes da sua conclusão [alínea e) do n.º 1 deste art.º 60.º], tendo o direito sido exercido efetivamente.
Com essa intervenção da Requerente no procedimento tributário ficou concretizado o seu direito de participar no procedimento de inspeção, pelo que não havia necessidade de o notificar para exercer de novo esse direito em relação à versão final do relatório que deu origem ao ato de liquidação (vide, neste sentido, Ac. do STA. N.º 1003/06, 2.ª Secção, de 17/01/2007).
Deste modo, improcede a invocação do vício de preterição do direito de audição prévia à liquidação, suscitado pela Requerente.
C. DO MÉRITO
Retenção na fonte sobre rendimentos obtidos por pessoas residentes em Estados com os quais Portugal celebrou Convenção sobre Dupla Tributação
A questão objeto dos presentes é determinar se a Requerente logrou ou não fazer a comprovação dos requisitos de que depende a dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, sobre o pagamento de serviços efetuado a uma entidade não residente, conforme se encontra previsto nos termos da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada, neste caso, com os EUA.
Ora, esta mesma questão tem sido colocada por diversas vezes tanto nos Tribunais Administrativos, como nos Tribunais Arbitrais que funcionam no âmbito do CAAD.
A este respeito, o STA pronunciou-se, entre outros, nos Acórdãos de 22.06.2011, no processo n.º 0283/11 e posteriormente em 2016.12.13 no processo n.º 0141/2014.
Por sua vez, no âmbito do CAAD, precederam esta decisão, a título de exemplo, as decisões proferidas nos Processos n.º 221/2017-T, de 2017.10.27, e n.º 320/2018-T, de 2019.12.4.
A jurisprudência emanada dos Acórdãos supra referidos merece a nossa total concordância, sendo inteiramente aplicável ao caso dos presentes autos.
Em termos de contexto, dir-se-á que um mesmo facto tributário é suscetível de gerar obrigações tributárias em mais do que um país. Por essa razão têm sido celebradas entre Portugal e vários países convenções bilaterais para evitar a dupla tributação e ainda por essa razão estabelece o n.º 1 do art.º 98.º do Código do IRC que não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do mesmo Código quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Por sua vez turno, estatui o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC que “Nas situações referidas no número anterior, bem como nos n.ºs 12 e 16 do artigo 14.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:
a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado;
b) Da verificação das condições e do cumprimento dos requisitos estabelecidos no n.º 13 do artigo 14.º, através de formulário de modelo a aprovar pelo Ministro das Finanças que contenha os seguintes elementos:
1) Residência fiscal da sociedade beneficiária dos rendimentos e, quando for o caso, da existência do estabelecimento estável, certificada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que a sociedade beneficiária é residente ou em que se situa o estabelecimento estável;
2) Cumprimento pela entidade beneficiária dos requisitos referidos nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do n.º 13 do artigo 14.º;
3) Qualidade de beneficiário efetivo, nos termos da alínea d) do n.º 13 do artigo 14.º, a fornecer pela sociedade beneficiária dos juros ou royalties;
4) Quando um estabelecimento estável for considerado como beneficiário dos juros ou royalties, além dos elementos referidos na subalínea anterior, deve ainda fazer prova de que a sociedade a que pertence preenche os requisitos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 13 do artigo 14.º;
5) Verificação da percentagem de participação e do período de detenção da participação, nos termos referidos na alínea b) do n.º 13 do artigo 14.º;
6) Justificação dos pagamentos de juros ou royalties”
Em 1995 foi celebrada a Convenção entre a República Portuguesa e os EUA para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT) aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de outubro.
Para efeitos de aplicação da CDT, considera-se no art.º 4.º ser residente num Estado signatário qualquer pessoa que, por virtude da legislação vigente nesse Estado, está aí sujeita a tributação, devido quer ao seu domicílio, quer à sua residência, local de direção efetiva ou outro critério de natureza similar.
Como se afirma na Decisão do CAAD proferida no processo n.º 320/2018-T, que transcreve a Decisão anterior do CAAD proferida no processo n.º 221/2017- T, as convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal são fonte de direito fiscal, conforme decorre do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Termos em que, são os requisitos estabelecidos no art.º 98.º, n.º 1 e 2 do Código do IRC e na CDT os fundamentais para dispensar a exigibilidade da retenção na fonte dos pagamentos efetuados a entidades com residência, sede ou qualquer outro critério de natureza similar nos EUA.
A prova de que a entidade a quem a Requerente procedeu ao pagamento de serviços especializados de consultoria não é residente em Portugal, nem aqui possui a sede ou direção efetiva, nem estabelecimento estável, a que sejam imputáveis os rendimentos auferidos em território nacional encontra-se realizada através da apresentação de certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais dos EUA, relativamente ao ano a que os rendimentos se reportam (vide ponto n.º 14 do probatório), encontrando-se evidenciada na referida declaração a sujeição a imposto sobre o rendimento no Estado da residência.
Com efeito, esta realidade é admitida pela AT, considerando unicamente que a declaração junta aos autos, não comprova a residência do beneficiário dos rendimentos para efeitos fiscais nos EUA e nem a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado, defendendo antes, que tal prova se efetive mediante a apresentação de Formulário Modelo 21-RFI devidamente certificado pelas autoridades fiscais do Estado da residência do beneficiário ou então “a entrega do mesmo acompanhado de documento emitido pelas referidas autoridades fiscais que comprove a residência do beneficiário, para efeitos fiscais, no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado”. Por outras palavras, segundo a AT, um certificado de residência fiscal emitido pelo Estado da residência do beneficiário, que não venha acompanhado do Formulário Modelo 21-RFI, não configura um meio idóneo de prova, sendo por conseguinte, de rejeitar o documento apresentado pela Requerente. Com efeito, perante a factualidade relatada, e estando em causa rendimentos obtidos por uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, o certificado de residência fiscal em causa, segundo a AT, não permite cumprir os requisitos para a dispensa de retenção na fonte, nos termos do n.º 2 e n.º 5 do artigo 98.º do Código do IRC.
A este respeito cumpre referir que a introdução da exigência de apresentação do formulário modelo 21-RFI foi feita por Despacho do Ministro das Finanças n.º 4743-A/2008, de 8 de fevereiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 37, de 21 de fevereiro de 2008 (depois sujeito à retificação 427- A/2008, de 25 de fevereiro publicada no Diário da Republica, 2.ª série, n.º 43, de 29 de fevereiro de 2008) cujo objetivo foi a aprovação dos formulários modelos 21-RFI a 24-RFI, destinados a permitir a aplicação dos benefícios previstos nas convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal.
Subsequentemente, reconhecendo-se a dificuldade de aplicação às autoridades tributárias de outros Estados do referido normativo interno, foi determinado por Despacho do Ministro das Finanças n.º 22600/2009, de 14 de outubro, a possibilidade de comprovação da residência fiscal através de outros meios designadamente, como se refere na alínea b) do referido despacho, “Seja emitido, pela autoridade fiscal do Estado de residência do beneficiário não residente, um modelo de certificado de residência fiscal que comporte, no mínimo, todos os elementos que constam dos referidos quadros de certificação nos formulários em vigor, ou seja, identificação do não residente (1), menção de que este é/foi residente para efeitos fiscais nos termos do artigo 4.º da Convenção aplicável (2), no ano ou anos em causa (3), estando aí sujeito a imposto sobre o rendimento (4), com identificação da entidade que certifica (5), data (6), assinatura (7) e selo oficial (8);”
Neste contexto, importa notar que as exigências resultantes dos despachos normativos internos, ulteriores à entrada em vigor das Convenções sobre Dupla Tributação são de natureza unilateral e com força normativa inferior às disposições legais, quer as que resultam dos tratados internacionais assinados pelo Estado português, quer o próprio Código do IRC. Com efeito, “o princípio da hierarquia das fontes de direito fiscal assenta na não contradição entre normas do mesmo sistema, em que uma norma hierarquicamente superior prevalece, em caso de contradição, sobre a norma hierarquicamente inferior.” (vide in Caad, Processo n.º 320/2018-T, supra citado).
Nos presentes autos, repete-se, ficou provado que a entidade à qual a Requerente efetuou pagamentos sem que tivesse procedido às respetivas retenções na fonte, tem as sua sede e direção efetiva nos EUA, sendo certo que, a prova da residência foi realizada por via da apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais dos EUA, e não através da certificação de formulário Modelo 21-RFI, conforme entendia a AT no RIT.
Ora, conforme referimos, este entendimento da AT, foi afastado de forma unânime pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. O STA, no sumário do seu Acórdão 14 de dezembro de 2016, proferido no processo n.º 141/14 afirma a seguinte: “I – Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados. II – As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna. III – Ainda que seja da competência de cada um dos Estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º1 do artigo 1.º da LGT. IV – Resulta da interpretação dos artigos 103.º da CRP e 90.º do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos “ad probationem, pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados, podendo ser substituídos nos termos do artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil.”
Mais adiante, na fundamentação do aresto entende o Tribunal “que um documento é um documento ad substantiam quando o mesmo integra a própria formação do acto ou negócio jurídico que certifica de modo que esses negócio não se considera legalmente constituído sem que essa formalidade não se efective ou seja substituído por outro documento que não seja de força superior cfr artigo 364 do Código Civil. Como ensina Mota Pinto in Teoria Geral 3.ª edição pp. 436 um documento é “ad probationem”, quando resultar da lei que a sua finalidade é apenas a de obter prova segura e não outras finalidades possíveis atinente ao acto ou negócio a que se refere”. Nesta concepção o documento ad substantiam é elemento constitutivo do acto que documenta. No caso dos autos os formulários impostos por lei como meio de prova não podem considerar-se como constitutivos da obrigação tributária a que se referem ou seja da criação do imposto e dos benefícios fiscais “in casu” a dispensa da retenção na fonte. Os requisitos constitutivos da criação dos impostos bem como dos benefícios fiscais depende exclusivamente da lei nos termos do disposto no artigo 103.º da CRP que assim estatui: 2 “Os impostos são criados por lei que determina a incidência a taxa e os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.
Nesta conformidade, embora as Convenções sobre a dupla tributação deixem à disposição dos estados contratantes a possibilidade de regularem questões procedimentais, como no caso dos autos, há, contudo, que ter em consideração que as exigências da prova não podem de forma alguma contender com os elementos materiais que determinam a aplicação da convenção. Assim, se é de aceitar que o legislador nacional proceda à aprovação da regulamentação para comprovação dos pressupostos dessa aplicação, já seria de afastar a criação de novos pressupostos de aplicação, designadamente através de meios de prova obrigatórios.
Por conseguinte, à luz da referida jurisprudência, assiste razão à Requerente quando defende que se encontram cumpridos os requisitos de dispensa de retenção na fonte de 25%, em sede de IRC, sobre os rendimentos pagos ao seu prestador de serviços residente nos EUA.
A prova realizada nos autos é clara e suficiente, encontrando-se preenchidos os requisitos de dispensa de retenção na fonte, previstos no n.º 1 e 2 do art.º 98.º do Código do IRC e da CDT. Acresce referir que tal prova, ainda que apresentada em sede de pedido de pronúncia arbitral, é de aceitar, na medida em que sendo uma mera formalidade, permite nos termos do artigo 4.º da CDT, fixar nos EUA, e para efeitos do período fiscal em causa, a residência da entidade beneficiária do rendimento obtido em Portugal, facto que é determinante para efeitos de dispensa de retenção na fonte, porquanto tais rendimentos serão tributados apenas no Estado da residência, dando-se cumprimento ao disposto na norma convencional.
Torna-se desnecessária, consequentemente, a pronúncia do Tribunal sobre a restante argumentação apresentada pela Requerente relativamente à ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.
Termos em que se julga procedente o pedido da Requerente, devendo o ato de liquidação referente à retenção na fonte de IRC n.º 2024..., relativo ao ano de 2021, ser parcialmente anulado, na parte correspondente ao montante de imposto de €13.000,00 (treze mil euros), face à sua ilegalidade, e correspondentes juros compensatórios, no montante de € 1.589,24, totalizando o valor de €14.589,24.
-
DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
-
Declarar a ilegalidade e determinar a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2024..., referente ao ano de 2021, na parte relativa ao montante de imposto de € 13.000,00 (treze mil euros),
-
Declarar ilegal a liquidação dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 1.589,24;
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
-
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 14.589,24, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
-
Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 918,00, a pagar pela Requerida, uma vez que houve total procedência do pedido, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de março de 2025
A Árbitro,
(Filipa Barros)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.