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SUMÁRIO
I - O artigo 12.º-A ao Código do IRS, o qual estabelece o Regime fiscal aplicável a ex-residentes, é um benefício fiscal de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições de aplicação.
II - Cumpridos os respectivos pressupostos e condições o sujeito passivo adquire o direito à exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais no ano em que reúna aqueles requisitos e nos quatro anos seguintes.
III - Sendo o Requerente, conforme decisão da própria AT, não residente fiscal em Portugal entre 22/10/2014 e 16/12/2020, o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS encontra-se preenchido.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 15-10-2024, decide no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., n.º ... Esq., ...-... ... (designado por “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer, em 07-08-2024, a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., relativo ao IRS do ano de 2022, e contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu, com vista a que este Tribunal “revogue a decisão de indeferimento da reclamação apresentada e, consequentemente, o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2023..., de 09.08.2023 no montante de € 21.955,97”.
O Requerente peticiona, ainda, o reembolso do IRS pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 09-08-2024 e automaticamente notificado às partes.
Em 27-09-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15-10-2024.
Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi emitido despacho para que a Requerida, no prazo de 30 dias, apresentasse resposta e, querendo, solicitasse a produção de prova adicional.
A Requerida, em 15-11-2024, apresentou a sua resposta - onde concluiu pela improcedência do pedido - e, posteriormente, em 28-11-2024, juntou aos autos o processo administrativo.
Em 19-11-2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para comunicar se mantinha interesse na produção da prova testemunhal requerida aquando da apresentação do PPA.
Em 29-11-2024, a Requerente informou este Tribunal Arbitral que “não mantém interesse na produção da prova testemunhal”.
Em 13-12-2024, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a dispensar a produção de prova testemunhal, bem como a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Através do referido despacho as partes foram notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias.
Em 03-01-2025, a Requerente apresentou as suas alegações escritas. A Requerida não apresentou alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente apresentou, como residente fiscal, a Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2017, conjuntamente com o seu cônjuge, em 23/05/2018 - cfr. processo administrativo.
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O Requerente, através de Despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Oeiras - ..., proferido em 26/08/2021 no âmbito do processo n.º ...2021..., foi considerado não residente fiscal em Portugal entre 22/10/2014 e 16/12/202:
(cfr. Doc. 2 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido).
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Antes de 22/10/2014, o Requerente constava como residente em Portugal com morada na Rua ... n.º ... – ... -... Carnaxide e, posteriormente, na ... n.º ... -..., ...-... Carnaxide - cfr. Despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Oeiras - ..., proferido em 26/08/2021 no âmbito do processo n.º ...2021... (Doc. 2 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido).
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A partir de 17/12/2020 o Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal - cfr. Decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, proferida, em 20-05-2024, pela Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras -... (Doc. 1 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 22-05-2022, o Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, sem mencionar, no quadro E do anexo A, o regime aplicável a ex-residentes (Art. 12.º-A do CIRS) - cfr. Doc. 9 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
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A AT procedeu à emissão da liquidação de IRS do ano de 2022 com o n.º 2023..., da qual consta o valor a pagar de €21.955,97 - cfr. Doc. 10 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
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A liquidação de IRS do ano de 2022 com o n.º 2023... foi integralmente paga em 05-09-2023 - cfr. Doc. 11 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
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O Requerente apresentou, em 18-12-2023, reclamação graciosa relativamente à liquidação de IRS do ano de 2022 com vista a beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS - cfr. processo administrativo.
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A AT, através do Ofício n.º ..., de 11-04-2024, emitido pela Chefe de Finanças do Serviço de Finanças Oeiras - ..., propôs o indeferimento da reclamação graciosa porquanto:
cfr. Doc. 12 junto ao PPA, cujo teor se dá reproduzido.
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O Requerente optou por não exercer o seu direito de audição prévia pelo que, através do Ofício n.º ..., de 20-05-2024, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi convertida em definitiva - cfr. Doc. 1 junto ao PPA, cujo teor se dá reproduzido.
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Em 07-08-2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas e nos documentos juntos pelas partes.
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POSIÇÃO DAS PARTES
No essencial, o Requerente alega que estão preenchidos todos os requisitos para poder beneficiar, no ano de 2022, do regime fiscal aplicável a ex-residentes, previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, isto porque:
(i) preencheu o requisito temporal de 3 anos quanto à sua não residência em território português até finais de 2020 – foi considerado não residente entre 2014 e 2020 - conforme resulta do despacho do Serviço de Finanças de Oeiras ... (...);
(ii) foi residente em território português em período anterior a 31 de dezembro de 2015, no caso em concreto, o Requerente foi residente em território português até 22 de outubro de 2014;
(iii) desde o seu regresso a Portugal (2020), o Requerente tem tido a sua situação tributária regularizada, e
(iv) o Requerente não solicitou a sua inscrição como residente não habitual.
Por seu turno, a Requerida alega o Requerente foi considerado residente em Portugal desde 17/12/2020, com efeitos retroativos, o que impede a aplicação do regime para ex-residentes, que exige não residência em Portugal nos três anos civis anteriores ao ano de tributação (2022). A AT argumenta que a expressão "três anos anteriores", constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS, refere-se a anos civis completos (2019, 2020 e 2021). Ora, tendo o Requerente sido residente parcial em 2020, tal requisito não se encontra preenchido. A Requerida cita, ainda, em abono da sua tese decisões arbitrais anteriormente proferidas (e.g. Proc. n.º 202/2022-T ou Proc. n.º 740/2022-T).
Conclui, assim, a Requerida pela improcedência do pedido arbitral, porquanto o Requerente não cumpre os requisitos previstos no artigo 12.º-A do CIRS para beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes.
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MATÉRIA DE DIREITO
A título prévio importa referir que, à luz do princípio da proibição da fundamentação a posteriori dos atos tributários, o Tribunal Arbitral apreciará a legalidade da liquidação de IRS em crise à luz dos fundamentos contidos na decisão de indeferimento. Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).
O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17). Ainda no mesmo sentido: “a decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).
O mesmo entendimento encontra-se vertido na mais diversa jurisprudência arbitral:Decisões Arbitrais de 2 de fevereiro de 2015, processo n.º 628/2014-T; de 11 de janeiro de 2021, processo n.º 411/2020-T; de 21 de janeiro de 2021, processo n.º 865/2019-T; de 25 de janeiro de 2021, processo n.º 851/2019-T; de 7 de setembro de 2021, processo n.º 646/2020-T; de 21 de fevereiro de 2022, processo n.º 440/2021-T; de 26 de julho de 2022, processo n.º 587/2021-T; de 9 de fevereiro de 2023, processo n.º 610/2022-T; de 29 de maio de 2023, processo n.º 762/2022-T.
In casu, os fundamentos utilizados pela AT para indeferir a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente - e, de resto, reiterados em sede de Resposta - foram os seguintes:
“(...) em 23.05.2018 havia sido entregue declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2017, na qual o reclamante como sujeito passivo B e B..., no estado de casados, residentes em Portugal e optando pela tributação conjunta de rendimentos, declararam rendimentos da categoria A, respeitantes ao sujeito passivo A, no valor de 50.759,63 €, tendo sido efectuada a liquidação respectiva nestes termos.
8 - Mais, nos termos do art° 16° do CIRS: "1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:... b) tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção actual de a manter e ocupar como residência habitual.”
9 - No presente caso verifica-se que se encontra registado contrato de arrendamento para habitação permanente, no qual o reclamante consta como inquilino, contrato esse com início em 22.10.2015 e que foi cessado em 31.05.2019, pelo que o reclamante será, nos termos do artº 16° atrás mencionado, considerado residente em Portugal no ano de 2017.
10 - Atento o prazo de caducidade de 4 anos previsto no art° 45° da LGT, bem como os prazos e fundamentos para revisão do acto tributário nos termos do art° 78° da LGT, não pode a declaração que o sujeito passivo fez de que era residente em Portugal no ano de 2017 ser revista e o mesmo ser considerado não residente para efeitos de IRS, como pretendeu ao tentar a submissão da declaração do ano de 2017 com a indicação de não opção pela tributação conjunta.
11 - Assim, face ao informado, verifica-se que não se encontra cumprido o requisito da alínea a) do n° 1 do artº 12°-A do CIRS para que o reclamante possa beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, pelo que se nos afigura que não lhe assiste razão na sua pretensão”.
Ou seja, está, pois, em causa a aplicação (ou não) do benefício fiscal constante do artigo 12.º-A do Código do IRS, i.e. o regime fiscal aplicável a ex-residentes.
À data dos factos, i.e. à data em que alegadamente o Requerente cumpria os requisitos para beneficiar deste regime fiscal (i.e. em 17/12/2020, quando se tornou residente fiscal em Portugal), o n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS estipulava que:
“1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.”
Adicionalmente, o n.º 2 do artigo 12.º-A do CIRS excluía deste regime os sujeitos passivos que haviam solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
Refira-se, ainda, que o benefício fiscal supra referido (exclusão de tributação de 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais) é aplicável por um período de 4 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 259.º da Lei 71/2018, de 31 de Dezembro). Ou seja, conforme refere a AT - e bem - no seu Ofício-Circulado n.º 20206, de 28-02-2019, “Este direito é adquirido no ano em que o sujeito passivo reúna aqueles requisitos e nos quatro anos seguintes, pelo que, (...) se o ano de regresso for 2020, o direito observar-se-á em 2020 e nos 4 anos seguintes até ao ano de 2024, inclusive, desde que se verifiquem todos os demais requisitos, nomeadamente, desde que o sujeito passivo tenha sido considerado residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015”.
Note-se, ainda, que, conforme salienta - e bem - a própria AT no seu Ofício-Circulado 20206, de 28-02-2019, o artigo 12.º-A ao Código do IRS, o qual estabelece o Regime fiscal aplicável a ex-residentes, tem um “caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições (...) Observados estes pressupostos e condições o sujeito passivo adquire o direito à exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais no ano em que reúna aqueles requisitos e nos quatro anos seguintes”.
Significa isto que, teremos de verificar o preenchimento dos respectivos requisitos de aplicação no momento do regresso a Portugal / momento em que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal (i.e. 17-12-2020) e, claro está, se o Requerente, ainda, cumpria com esses requisitos no ano ora em crise (2022). Sendo que, naturalmente, o ano de 2022 está “dentro” do período de quatro anos seguintes ao momento em que se tornou residente fiscal (em 17-12-2020).
Atenta a posição das partes, a factualidade produzida, bem como a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, verifica-se que está em causa determinar o preenchimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do IRS.
Importa começar por referir que, manifestamente, o Requerente cumpre com tal requisito.
Note-se que, os “três anos anteriores” referem-se ao ano em que o sujeito passivo se torna residente fiscal em Portugal (2020), pelo que não se alcança a referência da AT quanto ao facto do Requerente ter-se tornado “de novo, residente em Portugal em 2022” (art. 21 da Resposta). A verdade é que consta da própria da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que o Requerente “tornou-se assim fiscalmente residente em Portugal, no termos da alínea b) do n.º 1 do artº 16º do CRS, em 17.12.2020”.
Ora, in casu, o Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal a partir de 17/12/2020. Assim, importa averiguar se nos “três anos anteriores” foi ou considerado não residente fiscal em Portugal.
A resposta é simples: consta do cadastro de contribuintes que o Requerente foi não residente fiscal em Portugal entre 22/10/2014 e 16/12/2020. Tal facto é, de modo claro, assumido pela própria AT (cfr. Despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Oeiras - ..., proferido em 26/08/2021 no âmbito do processo n.º ...2021...; Doc. 2 junto ao PPA).
Razão pela qual o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS encontra-se, manifestamente, preenchido.
O facto de ter sido apresentada uma declaração de IRS, relativa ao ano de 2017, onde o Requerente consta como residente fiscal em Portugal, em nada altera esta conclusão. A residência fiscal é determinada à luz de critérios especificamente previstos no artigo 16.º do CIRS[1], sendo que a entrega da declaração de IRS como residente não é um desses critérios. É certo que tal facto poderá constituir um indício de residência fiscal em Portugal mas é, igualmente, verdade que esse indício foi afastado pelo Requerente quando solicitou a alteração retroativa do seu estatuto de residência. Tanto assim é que a própria AT confirmou, em 26/08/2021, com efeitos retroativos, a não residência fiscal em Portugal do Requerente para o período compreendido entre 22/10/2014 e 16/12/2020.
Por outro lado, tão pouco se percebe o argumento utilizado pela AT relativamente à caducidade do direito à liquidação relativo ao IRS do ano de 2017, nos termos do artigo 45.º da LGT, dado que quaisquer eventuais correções a essa liquidação poderiam ter sido efetuadas pela própria AT, em prazo, durante o ano de 2021 quando confirmou, retroativamente, o estatuto de não residente do Requerente. Acima de tudo, uma vez mais, importa reiterar que a residência fiscal é determinada à luz do artigo 16.º do CIRS (e à luz das Convenções em situações de conflito de residência fiscal) e, para o ano de 2017, a AT considerou que o Requerente era não residente fiscal.
Por fim, a existência de um contrato de arrendamento em Portugal, onde o Requerente consta como inquilino / arrendatário, juntamente com o seu cônjuge, em nada altera as conclusões acima, dado que é a própria AT que admite, também, durante aquele período, a existência de um contrato de arrendamento do Requerente em Espanha. Mais ainda, a AT confirmou a existência de um contrato de trabalho em Espanha, contribuições para a segurança social Espanhola e a inexistência de rendimentos de trabalho por conta de outrem em Portugal entre Outubro de 2014 e Novembro de 2020 (apenas em Dezembro de 2020 é que a AT confirma a existência de “DMR’s” onde consta o Requerente). Factos estes que a AT utilizou para confirmar a não residência do Requerente para o período compreendido entre 22/10/2014 e 16/12/2020.
Face ao exposto, sendo confirmada a não residência fiscal em Portugal nos “três anos anteriores” e não sendo controvertido o preenchimento dos restantes requisitos, procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2023..., relativo ao IRS do ano de 2022 e a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que não considerou aplicável o regime fiscal aplicável a ex-residentes, previsto no artigo 12.º-A do CIRS.
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JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Na sequência da anulação (parcial) da liquidação de IRS o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias indevidamente pagas relativamente à liquidação impugnada, na medida em que se considerou provado que a liquidação foi paga.
No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
É certo que o Requerente alega “foi sugerido, novamente, pelo Serviço de Finanças que preenchesse e apresentasse a declaração de IRS-Mod. 3 referente a 2022, sem a menção do regime aplicável aos ex-residentes (artigo 12.º A do CIRS), por forma a originar uma «liquidação reclamável” (Art 21. do PPA), porém, tal facto não foi provado. Efetivamente, verifica-se, isso sim, que o Requerente não indicou na sua Declaração modelo 3 de IRS o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, sem, no entanto, ser possível provar que essa “não menção” é responsabilidade da AT. Não podem, assim, conforme pedido pelo Requerente, ser requeridos juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto. No entanto, tal não significa que não exista um “erro imputável aos serviços”.
De facto, tendo havido reclamação graciosa em que a AT manteve a liquidação, o erro que a afecta é-lhe imputável pelo menos desde a data da decisão de indeferimento (20-05-2024), pelo que é a partir desta data que se devem contar juros indemnizatórios.
Esta situação de a AT manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção.
Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelo acórdão de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS: “o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T”.
Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados desde 20-05-2024, até integral reembolso das quantias indevidamente pagas, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se, neste Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2023 ..., relativa ao IRS do ano de 2022, na parte em que tem como pressuposto a não aplicação da exclusão de tributação em 50%, nos termos do artigo 12.º-A do CIRS;
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Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...;
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Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto pago em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente o que for determinado em execução da presente decisão arbitral.
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Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, contados nos termos referidos no ponto V. desta decisão arbitral.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €21.955,97.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em €1.224,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Março de 2025
O Árbitro,
Gonçalo Estanque
[1] Naturalmente, também, à luz das Convenções para Evitar a Dupla Tributação (“Convenções”) em situações de conflito de residência fiscal.