Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 866/2024-T
Data da decisão: 2025-03-03  IRC  
Valor do pedido: € 995.092,38
Tema: IRC – Tributação de rendimentos decorrentes de operações de locação obtidos por não residentes.
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SUMÁRIO

  1. Conforme jurisprudência do TJUE, o Direito da União Europeia opõe-se a uma legislação nacional que tributa os rendimentos derivados de prestações de serviços realizadas por entidades residentes noutro Estado membro, sem dar a possibilidade de deduzir os custos diretamente relacionados com a obtenção desses rendimentos, quando tal tributação pelo rendimento líquido é conferida aos sujeitos passivos de IRC residentes.
  2. Integram-se no conceito de prestação de serviços as operações de locação operacional e financeira em que o locador é uma entidade residente na Irlanda, pelo que a incidência da retenção na fonte sobre o valor bruto das rendas recebidas é contrária ao princípio da livre prestação de serviços previsto no TFUE.
  3. Estando em causa rendimentos derivados da locação financeira e operacional obtidos por residentes na União Europeia, a lei interna prevê a possibilidade de dedução dos encargos diretamente relacionados com a sua obtenção, como resulta do disposto no artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC, que remete para o disposto no artigo 71.º, n.ºs 8 a 11 do Código do IRS.
  4. No caso de rendas derivadas da locação financeira, deve deduzir-se a parte correspondente ao capital e, no caso das rendas da locação operacional, devem deduzir-se os gastos derivados da depreciação do ativo. Devem ainda ser deduzidos outros encargos comprovados que estejam diretamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português.
  5. Tendo a Requerente sofrido tributação por retenção na fonte sobre o valor (bruto) das rendas de locação recebidas, a liquidação de IRC deve considerar uma tributação em consonância com o disposto no artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC.  

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (Presidente), João Santos Pinto e Jorge Belchior de Campos Laires (Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

I.         RELATÓRIO

  1. A... (“Requerente”), com sede em ...,  ..., ..., Irlanda, titular do número de identificação fiscal na Irlanda ... e em Portugal ..., veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1,  alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) relativamente à apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes ao exercício de 2022, peticionando o reembolso de imposto alegadamente retido em excesso no valor de € 995.092,38
  2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 11/07/2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
  4. Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros signatários em 04/09/2024, sem oposição das partes.
  5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 24/09/2024.
  6. Em 24/09/2024 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT.
  7. Em 30/10/2024 a Requerida apresentou a resposta.
  8. Em 04/11/2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Compulsados os autos, constata-se que não há prova testemunhal a produzir, nem foi suscitada ou identificada matéria de exceção. Assim, se não se verificar oposição das Partes no prazo de 5 (cinco) dias, determina-se a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). Notifiquem-se ambas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 10 (dez) dias, cuja contagem se inicia após o decurso do prazo de 5 dias referido no parágrafo anterior. A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao termo do prazo para apresentação de alegações e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD (v. artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).”
  9. A Requerida apresentou alegações escritas em 19/11/2024.
  10. Em 14/02/2025, o tribunal emitiu o seguinte despacho: “Perspetiva este Tribunal Arbitral a aplicação ao caso do disposto no artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC e 71.º, n.ºs 8 a 11 do Código do IRS, com as necessárias adaptações, conforme também preconizado pela Requerente em sede de requerimento de reclamação graciosa. Notifiquem-se as Partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC. Prazo: 5 dias”.
  11. Requerida e Requerente responderam em 17/02/2025 e 19/02/2025, respetivamente.

 

II.    SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado em 11/07/2024, portanto no prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir data em que se presumiu o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente (13/04/2024).
  3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
  4. Não se verificam nulidades. As partes não suscitaram exceções.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade residente para efeitos fiscais na Irlanda – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o PPA.
  2. A Requerente é, para efeitos fiscais portugueses, uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal – cfr. facto alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
  3. A Requerente pratica operações de locação operacional e de locação financeira de equipamento informático, na qualidade de locadora, a locatários em Portugal – cfr. facto alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida, estando em consonância com os exemplares de contratos juntos com o PPA.
  4. No âmbito dessas locações operacionais e financeiras a Requerente faturou aos clientes portugueses no exercício de 2022 o montante de € 12.794.129,80, dos quais € 4.692.301,88 referentes a locação operacional, e € 8.101.827,92 referentes a locação financeira – cfr. documentação junta com o PPA, remetendo-se para o ponto desta secção “Motivação quanto à matéria de facto”.
  5. Os clientes portugueses, locatários, retiveram na fonte a título definitivo 10% do valor bruto da faturação, por se tratar de rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC, e nos n.ºs 2 e  3 do artigo 12.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e a Irlanda – cfr. documentação junta com o PPA, remetendo-se para o ponto desta secção “Motivação quanto à matéria de facto”.
  6. As referidas retenções na fonte foram no montante total de € 1.279.412,98 – cfr. documentação junta com o PPA, remetendo-se para o ponto desta secção “Motivação quanto à matéria de facto”.
  7. Os rendimentos auferidos em Portugal em resultado das referidas operações de locação não constituem o rendimento líquido auferido pela Requerente, desde logo porque parte da renda recebida na locação financeira constitui o reembolso de capital, e, no caso da locação operacional, há custos imputáveis relativos à depreciação dos ativos dados em locação – cfr. facto alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
  8. No valor total recebido pela Requerente a título de rendas de locação financeira, uma parcela de € 7.724.805,58 corresponde a amortização de capital - cfr. extratos da contabilidade no documento n.º 6 junto com o PPA.
  9. No que se refere ao valor total recebido pela Requerente a título de locação operacional, o valor das depreciações relativas ao ano de 2022 do material informático ascenderam a € 3.863.170,41 - cfr. extratos da contabilidade no documento n.º 6 junto com o PPA.
  10. Em 13 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou por correio eletrónico reclamação graciosa contra as referidas retenções na fonte, no sentido de solicitar à AT a consideração do rendimento pelo valor líquido e consequente anulação parcial dessas retenções – cfr. documento n.º 1 junto com o PPA.
  11. Na reclamação graciosa foram apresentados os mesmos factos e documentação juntos com o presente PPA, incluindo todos os elementos relativos às retenções na fonte sofridas e demais elementos relativos a rendimentos e custos respetivamente imputáveis – cfr. documento n.º 1 junto com o PPA.
  12. A reclamação graciosa não tinha sido decidida pela AT na data da propositura da presente ação arbitral – facto alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

  1. Factos não provados

Não se provou que os rendimentos de fonte portuguesa tenham representado para a Requerente custos de financiamento no montante de € 324.216.

  1. Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. Conforme decorre da informação fornecida no PPA, durante o exercício de 2022 a Requerente recebeu rendas de mais de duas centenas de locatários em Portugal. Nesse sentido, a Requerente junta como documentos n.ºs 6 e 7 a lista exaustiva desses locatários, estando os nomes completos das empresas devidamente identificados, bem como discriminados os valores de rendas cobradas e a retenção na fonte sofrida.
  2. A Requerente junta igualmente uma lista que inclui a identificação do número das guias de pagamento entregues pelos locatários, incluindo a identificação dos Modelos n.º 30 onde tais rendimentos e retenções foram reportadas pelos locatários à AT.
  3. A Requerente junta ainda um número considerável de cópias de guias de pagamento que lhes foram fornecidas pelos locatários, e que representam a maioria do valor invocado de retenções na fonte.
  4. Na sua Resposta, a Requerida afirma que “consultadas as Declarações Modelo 30 do referido ano no sistema informático da AT, verifica-se que foi declarada a distribuição de rendimentos à Requerente, a título de royalties, prestações de serviços e outros rendimentos, no montante de € 600.296,75 e retenção na fonte à taxa de 10%, no montante de € 58.055,67”.  
  5. Porém, a Requerida não retira daqui qualquer consequência concreta, nomeadamente a impugnação especificada de qualquer dos montantes invocados pela Requerente. Além de que, conforme se assinalou no ponto 3 acima, a Requerente juntou aos autos guias de pagamento que representam a quase totalidade do valor invocado, pelo que não se percebe a invocação da Requerida de que apenas foi validado um montante de € 58.055,67.
  6. Acresce ainda que, em face da extensíssima informação fornecida pela Requerente, incluindo as guias de retenção na fonte e a identificação dos Modelos n.º 30, a AT teria sempre o poder-dever, quer durante o procedimento administrativo, quer no decurso do processo arbitral, de averiguar os factos alegados pela Requerente, o que não fez. Bastaria para tal ter oficiado os locatários, pelo menos os mais relevantes, para que confirmassem as retenções na fonte operadas, tarefa que se encontrava muito facilitada com os dados fornecidos pela Requerente.
  7. Nessa medida, o Tribunal considerou provado, pela análise da documentação e por ausência de impugnação concreta por parte da Requerida, que o valor de rendas recebidas ascendeu a € 12.794.129,80 no exercício de 2022, tendo sofrido uma retenção na fonte de 10%, totalizando um valor de IRC pago de € 1.279.412,98.
  8. Relativamente aos custos de financiamento a deduzir, não se considerou provado o respetivo quantitativo, porquanto resulta de uma imputação proporcional cujos pressupostos carecem de validação. 
  9. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO
  1. Posição das partes

Posição da Requerente

Nos pontos abaixo resume-se a posição da Requerente.

  1. Alega que as operações de locação financeira e operacional que constituem a atividade da Requerente em Portugal no período de 2022, são prestações de serviços e, simultaneamente, movimentos de capital (financiamento a empresas portuguesas).
  2. A Requerente cita jurisprudência do TJUE e nacional no sentido de que colide com os princípios da liberdade de prestação de serviços e livre circulação de capitais previstos no TFUE uma legislação, como a que está em causa, que determina a tributação dos rendimentos auferidos por não residentes sobre o seu valor bruto, sem possibilidade de dedução de despesas da atividade, mencionando, entre muitos outros, o acórdão proferido no processo n.º C-18/15 (Caso Brisal), que envolveu uma entidade portuguesa, que conclui que “o artigo 49.º CE opõe-se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.”
  3. Segundo a Requerente, para que se conclua haver discriminação contrária ao direito da União Europeia, basta constatar que o não residente, contrariamente ao residente, é tributado pelo rendimento bruto, isto é, é tributado sem possibilidade de deduzir as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, sendo irrelevantes quaisquer outras considerações, como sejam as alegações da AT de que “em compensação” a taxa do não residente é mais baixa, de que são diferentes das portuguesas as regras de tributação no seu país de residência ou de que haverá possibilidade de crédito de imposto a utilizar no Estado de residência.
  4. Começando pela locação financeira, a Requerente alega que as prestações ou “rendas” faturadas são compostas de duas componentes: o juro/rendimento da locadora (ora Requerente), e a amortização ou reembolso de capital (custo de aquisição do equipamento) que a locadora debita também ao seu Cliente (que no final, por regra, fica com o equipamento mediante exercício de opção de compra e pagamento do valor residual do capital à data ainda por amortizar/reembolsar).
  5. Segundo a Requerente, nas faturações de prestações de 2022 de locações financeiras, num total de € 8.101.827,92, o montante de € 7.724.805,58 diz respeito a amortizações (reembolso) de capital adiantado para a aquisição pela locadora, e apenas € 377.022,34 diz respeito a rendimento (juro implícito na locação financeira)
  6. Defende que, ainda que fosse legalmente admissível sujeitar a tributação sobre o rendimento por retenção na fonte também a parcela de amortização de capital, por força da proibição de discriminação supra passada em revista esta tributação sobre o reembolso de capital sempre teria de ser afastada, uma vez que uma entidade residente com os mesmos contratos de locação financeira com clientes portugueses, jamais veria incluído no cômputo do lucro tributável as parcelas das faturações respeitante à amortização do capital adiantado para a compra do equipamento entregue em locação financeira ao Cliente português.
  7. Na locação operacional, ao contrário da financeira, a Requerente alega que o locador é contabilisticamente tratado como o titular dos equipamentos, que como tal procede ao registo da depreciação dos mesmos, havendo um total destas depreciações de equipamentos informáticos objeto de locação operacional a clientes portugueses, no ano de 2022 aqui em causa, de € 3.863.170,41.
  8. Segundo a Requerente, para além da parcela “reembolso de capital” na locação financeira e da parcela “gasto com depreciações” na locação operacional, um outro item tem ainda de ser deduzido às faturações brutas a clientes portugueses, como sejam os custos de financiamento da Requerente proporcionalmente imputáveis às suas locações em Portugal, que em 2022 representam, na média dos doze meses desse ano, 0,95% da operação mundial do A... . O apuramento de rendimento líquido e retenção na fonte a restituir de € 995.092,38 consta do seguinte quadro elaborado pela Requerente:

 

 

  1. Transcreve-se abaixo o peticionado pela Requerente:

Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa supra melhor identificada e, bem assim, a ilegalidade dos atos de retenção na fonte referentes ao exercício de 2022 supra melhor identificados, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente do montante de imposto de € 995.092,38, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 13 de abril de 2024 inclusive até ao seu integral reembolso.

 

  1. Subsidiariamente, caso o Tribunal entenda não ser de concretizar o exato montante a reembolsar, a Requerente pede então que a anulação das retenções na fonte seja acompanhada do julgamento de que (i) o reembolso de capital na locação financeira não está sujeito a retenção na fonte ou, subsidiariamente, que entra como custo para apuramento do valor líquido sobre o qual pode incidir a tributação a final, (ii) que a amortização dos equipamentos na locação operacional até à taxa máxima prevista na legislação fiscal portuguesa entra a deduzir como custo no apuramento do valor líquido sobre o qual pode incidir a tributação a final, que (iii) os gastos gerais de financiamento entram igualmente a deduzir, na proporção imputável ao negócio financeiro em Portugal (de locação financeira e operacional), no apuramento do valor líquido sobre o qual pode incidir a tributação a final em Portugal.

 

  1. Com interesse para a presente causa, importa notar que, em sede de reclamação graciosa, a Requerente afirmou que: “não obstante o procedimento adotado, o RECLAMANTE entende que, por remissão expressa do n.º 8 do artigo 94.º do Código do IRC, às regras de retenção na fonte previstas no Código do IRC deve ser aplicado, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 8, 9, 10 e 11 do artigo 71.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”)”.

 

  1. Prosseguindo dizendo: “ora, o n.º 10 do artigo 71.º do Código do IRS veio prever a possibilidade de as sociedades não residentes em Portugal solicitarem a devolução, total ou parcial, do imposto retido e pago, mediante o cumprimento de determinadas condições. Com efeito, atendendo ao disposto no referido artigo, cabe ao A... “solicitar a devolução, total ou parcial, do imposto retido e pago na parte em que seja superior ao que resultaria da aplicação da tabela de taxas prevista no n.º 1 do artigo 68.º, tendo em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”

 

  1. Refere ainda que “numa primeira instância, para que haja lugar à devolução do imposto retido em Portugal, o dito imposto deverá exceder o imposto que resultaria da aplicação das taxas previstas no n.º 1 do artigo 87.º e no n.º 1 do artigo 87.º-A do Código do IRC (com as necessárias adaptações), caso o beneficiário dos rendimentos fosse residente em Portugal”.

 

  1. Conclui que “não obstante o RECLAMANTE considerar que embora lhe seja atribuída a possibilidade de solicitar a devolução, total ou parcial, do imposto retido e pago na parte em que seja superior ao que resultaria caso o beneficiário dos rendimentos fosse residente em Portugal, o procedimento adotado revelou-se discriminatório. Na medida em que a base de incidência de imposto e respetiva taxa aplicável foram díspares face ao que seria aplicado caso o RECLAMANTE se tratasse de uma sociedade residente para efeitos fiscais em território português, considera a mesma estar perante uma clara e manifesta violação dos princípios da igualdade e da justiça tributária e da não discriminação (este último previsto no Tratado de Funcionamento da União Europeia – “TFUE”)”.

 

  1. Em resposta ao Despacho em que se convidou as partes para se pronunciarem quanto à perspetiva do tribunal de aplicação do artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC e 71.º, n.ºs 8 a 11 do Código do IRS, com as necessárias adaptações, a Requerente produziu um conjunto de alegações que, no seu entender, contribuem para que este Tribunal leve em conta o princípio pro actione, por oposição a segmentações formais contra actione.

 

Posição da Requerida

A posição da Requerida pode resumir-se como segue:

  1. Alega que os contratos apresentados não correspondem ao montante total peticionado no caso concreto, tratando-se de uma mera amostra (“exemplares de alguns contratos”), não há prova cabal das faturas que justificam os pagamentos, respetivas retenções na fonte, e os reembolsos que a Requerente se arroga. Adicionalmente, a lista de devedores e retenções apresentada é um mero documento particular, cuja assinatura não está comprovada pelo respetivo documento de identificação do seu autor, nem reconhecida. Finalmente, contesta que a declaração de rendimentos (equivalente à Modelo 22 de IRC) apresentada pela Requerente junto das autoridades fiscais da Irlanda, comprove a não utilização de crédito de imposto por dupla tributação.
  2. Alega ainda a Requerida que nada impede que a Requerente, no seu Estado de residência, tenha levado a gastos os custos incorridos para obtenção do rendimento em Portugal.
  3. Mais alega que o STA concluiu, em uniformização de jurisprudência, que “as retenções liberatórias na fonte relativas a rendimentos de capitais auferidos por não residentes, declaradas ilegais por desconformidade ao Direito Europeu, por não incidirem sobre os rendimentos líquidos, mas apenas sobre os rendimentos brutos, só podem ser objeto de anulação integral”.  No caso visado pelo referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, foi entendido que nada mais restava ao Tribunal que anular integralmente o imposto, dado que só a AT reunia condições de proceder ao cálculo do valor líquido, após a entidade não residente ter apresentado os documentos que comprovadamente refletissem os encargos necessários, e que estejam direta e exclusivamente relacionados com a obtenção dos rendimentos em causa.
  4. Segundo a Requerida, no caso em debate, tal análise poderia ter sido efetuada, mas somente se a Requerente tivesse entregado os documentos comprovativos dos encargos que entende ter o direito de deduzir (o que só aconteceu em sede de audição prévia da revisão oficiosa, e não em momento anterior)[1].
  5. Em todo o caso, a Requerida alega que jamais poderia a AT efetuar a tributação pelo valor líquido, conforme pretendido, na medida em que não tem forma de saber quais as despesas efetivamente suportadas relativas aos rendimentos cuja retenção na fonte está aqui em discussão. Sendo que o ónus da prova recai sobre quem invoca os factos (n.º 1 do artigo 74.º da LGT), e a Requerente (quem invocou os factos em apreço), não o logrou fazer.
  6. Noutro plano, diz a Requerida que, para que se verificasse a discriminação invocada, esta teria que integrar duas componentes: ser formal e materialmente objetiva, e conferir um tratamento diferenciado para as mesmas situações, e nas mesmas condições, somente pela diferença do local de residência, beneficiando os contribuintes residentes de um Estado face aos não residentes (desse Estado).  Ora, a verdade é que se aos residentes é permitida a dedução de alguns encargos, a taxa aplicável (21% de IRC + 7% de Derrama) é superior à aplicável aos não residentes, nomeadamente as taxas reduzidas estabelecidas nas CDT´s (e que no presente caso ascendeu a 10%), sendo ainda possível a estes eliminar a dupla tributação no seu Estado de residência através do mecanismo do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
  7. Diz ainda a Requerida que os encargos dedutíveis não serão, nem terão forçosamente de ser, iguais em todos os ordenamentos jurídico-fiscais, de onde resulta que a diferença na tributação decorrerá sobretudo das flutuações nos volumes de negócios e nos rendimentos auferidos, nos lucros ou nos prejuízos dos sujeitos passivos, e não do estabelecimento de um pretenso regime fiscal que discrimine positivamente entidades residentes face a entidades não residentes.
  8. Alega que é perfeitamente legítimo questionar a oportunidade das alegações da Requerente, na medida em que esta omite o direito ao crédito imposto acima mencionado, somente porque, em virtude do seu alegado prejuízo fiscal na Irlanda, não o pode aproveitar. E se, porventura, tivesse lucro, e deduzisse na Irlanda, para efeitos de eliminação da dupla tributação, o imposto suportado em Portugal, será que a sua argumentação se manteria, caso a tributação nesses moldes fosse inferior à de um residente em território português?
  9. Segundo a Requerida, o que está em causa nos autos, pelo menos parcialmente, quanto aos rendimentos resultantes dos contratos de locação operacional são “royalties” e não prestações de serviço, que a Requerente, aparentemente, pretende atribuir (erroneamente) o mesmo enquadramento. Pelo que a jurisprudência europeia e nacional invocada pela Requerente no PPA não é aplicável no caso concreto aos rendimentos resultantes de operações de locação operacional.
  10. Nota ainda que, in casu, a Requerente limitou-se a meramente alegar nos artigos 27.º e 28.º do PPA que sofreu uma discriminação desfavorável em virtude da base de incidência, sem na verdade detalhar e/ou concretizar em que se traduz essa discriminação, o que, conforme resulta do mencionado acórdão era seu ónus.
  11. Diz finalmente a Requerida que, ao não ter detalhado, provado e distinguido quais os rendimentos referentes a locação financeira dos rendimentos referentes a locação operacional (fazendo mera referência genérica “conforme exemplares de algumas facturas” – V. artigo 19.º do ppa), a Requerente incumpriu com o ónus de provar que efetivamente € 8.101.827,92 se referiam a contratos de locação financeira.
  12. A Requerente conclui assim pela improcedência do pedido.
  13. Em resposta ao Despacho em que se convidou as partes para se pronunciarem quanto à perspetiva do tribunal de aplicação do artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC e 71.º, n.ºs 8 a 11 do Código do IRS, com as necessárias adaptações, a Requerida veio alegar que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes, verificando-se que, no PPA, a Requerente não logrou requerer a aplicação dos normativos invocados pelo tribunal.

 

  1. Análise

 

  1. Conforme alega a Requerida, e relativamente às objeções levantadas quanto à fidedignidade da documentação apresentada pela Requerente, “a AT não se pronunciou sobre esta prova, em tempo, pelo que, cabe ao tribunal, perante a prova documental apresentada pela Requerente, verificar se esta cumpriu o ónus de prova que lhe competia”.
  2. Esta matéria já foi tratada na secção relativa à motivação quanto à matéria de facto, sendo que as objeções relativamente esparsas levantadas pela AT não têm para este tribunal força suficiente para abalar a extensa e detalhada informação fornecida pela Requerente (incluindo as guias de pagamento das retenções na fonte) e que teria permitido à AT, em tempo, fazer o respetivo cruzamento com os devedores/substitutos tributários.
  3. Assim, uma vez que a Requerente identificou locatários, montante das rendas, valor das retenções na fonte, guias de pagamento e Modelos n.º 30 entregues, tendo inclusivamente apresentado cópia das próprias guias que lhe foram fornecidas pelos locatários (que representa a maioria do valor em causa), foi dado como provado que a Requerente sofreu efetivamente a retenção na fonte de € 1.279.412,98 relativamente aos rendimentos derivados de locação.
  4. É incontestado que os devedores do rendimento aplicaram a retenção na fonte à taxa de 10%, conforme previsto na CDT, sobre o valor (bruto) das rendas pagas.
  5. Finalmente, também não se contesta que uma empresa locadora que fosse residente em Portugal teria uma tributação incidente sobre o seu lucro, pelo facto de os custos imputáveis serem por regra dedutíveis em sede de IRC, além de que, no caso do “leasing”, a componente qualificada como capital nem constituiria sequer um rendimento relevado na contabilidade, logo não seria uma componente positiva do lucro tributável.
  6. A Requerente alega que estão em causa os seguintes princípios previstos no TFUE:

Artigo 56.º

1. No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação.”.

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

  1. A Requerente invoca que a tributação das rendas pelo seu valor bruto fere os referidos princípios, na medida em que implica um tratamento fiscal discriminatório face a residentes, logo um entrave quer à livre prestação de serviços dentro da União, quer à livre circulação de capitais.
  2. Existe diversa jurisprudência do TJUE sobre a avaliação, face ao Direito da União Europeia, da retenção de imposto operada sobre os rendimentos pagos a uma entidade não residente, quando a legislação do Estado da fonte não possibilite a dedução dos gastos imputáveis.
  3. A primeira decisão foi tomada no Processo C-234/01 (Caso Gerritse), no sentido de que “os artigos 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado (atual artigo 50.° CE) opõem-se a uma legislação nacional que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas”. Reafirmando-se igual conclusão no Processo C‑290/04 de que aqueles princípios se “opõem a uma legislação nacional que exclui que o destinatário de serviços, devedor da remuneração paga a um prestador de serviços não residente, deduza, quando procede à retenção do imposto na fonte, as despesas profissionais que esse prestador lhe tenha comunicado e que estejam diretamente relacionadas com as suas atividades no Estado‑Membro em que é realizada a prestação, quando um prestador de serviços residente nesse Estado apenas está sujeito ao imposto sobre os seus rendimentos líquidos, isto é, sobre os obtidos após dedução das despesas profissionais”.
  4. Mais recentemente, e estando em causa a legislação fiscal portuguesa, no Acórdão do TJUE no Caso Brisal (Processo C‑18/15) discutiu-se a circunstância de nos empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a empresas residentes, os juros auferidos ficarem sujeitos a retenção na fonte sobre o seu valor bruto, ao passo que, sendo um financiamento concedido por uma instituição financeira residente, esta seria tributada em sede de IRC pelo lucro (rendimento líquido). Concluiu o TJUE que: “O artigo 49.° CE opõe‑se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado‑Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.
  5. De notar que, relativamente à defesa apresentada pela AT de que as empresas residentes estão sujeitas a taxas mais elevadas (ou seja, a taxa de 21% de IRC compara com a retenção na fonte de 10%), o TJUE considera que tal circunstância não obsta à julgada discriminação, conforme se transcreve do citado Acórdão: “31. A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes. 32.No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.° 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.° 31)”.
  6. Adicionalmente, a eventualidade de o imposto português poder vir a ser creditado no imposto devido no Estado da residência, ou deduzido como custo, não tem sido considerada pelo TJUE como um elemento que possa afastar a referida discriminação, pelo que não pode ser considerado igualmente esse argumento apresentado pela Requerida.
  7. Por outro lado, as operações de locação operacional e financeira são prestações de serviço para efeitos do artigo 56.º do TFUE, sendo que, no caso da locação financeira, ainda que se fosse de qualificar como uma forma de financiamento, o TJUE foi claro no Caso Brisal de que os financiamentos são uma forma de prestação de serviços bancários. Não pode, assim, atender-se ao argumento da Requerida de que estão em causa “royalties” e não serviços.
  8. Por isso, dúvidas não restam que a conclusão do TJUE é de que uma regra que imponha a incidência da retenção na fonte sobre a renda bruta recebida é incompatível com o TFUE.
  9. Todavia, estando em causa rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento, é crucial realçar que a lei interna prevê a possibilidade de que o rendimento tributável para efeitos de IRC seja o respetivo valor líquido.

Vejamos:

  1. O artigo 94.º do Código do IRC, que regula as regras de retenção na fonte, estipula no seu n.º 8 que “é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.os 8, 9, 10 e 11 do artigo 71.º do Código do IRS”.
  2. Preceituam os n.ºs 10 e 11 (conforme numeração à data dos factos) da referida norma do Código do IRS o seguinte:

 

Artigo 71.º CIRS

10 - Os titulares de rendimentos referidos nas alíneas a) a d), f), m) e o) do n.º 1 do artigo 18.º sujeitos a retenção na fonte nos termos do presente artigo que sejam residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa em matéria fiscal equivalente à estabelecida na União Europeia, podem solicitar a devolução, total ou parcial, do imposto retido e pago na parte em que seja superior ao que resultaria da aplicação da tabela de taxas prevista no n.º 1 do artigo 68.º, tendo em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 

11 - Para os efeitos do disposto no número anterior, são dedutíveis até à concorrência dos rendimentos, os encargos devidamente comprovados necessários para a sua obtenção que estejam direta e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português ou, no caso dos rendimentos do trabalho dependente, as importâncias previstas no artigo 25.º.

 

  1. Os rendimentos derivados do uso ou da concessão de uso de equipamento (locação) estão expressamente incluídos no artigo 18.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRS, sendo, portanto, aplicável o disposto nos referidos n.ºs 10 e 11 do artigo 71.º, e, por sua vez, sendo aplicável a sujeitos passivos de IRC, por via da remissão do Código do IRC que se referiu.
  2. Pelo que a lei fiscal portuguesa, no que respeita aos rendimentos em questão, prevê a possibilidade de imputação de encargos diretamente relacionados com a sua obtenção, não se podendo afirmar que ela seja discriminatória, até porque o citado n.º 10 prevê a equalização com a carga tributária das empresas residentes.
  3. Embora no PPA a Requerente tenha enveredado por uma defesa baseada no facto de ter sofrido uma tributação discriminatória, a verdade é que, em sede de reclamação graciosa, invocou as referidas normas dos Códigos do IRC e IRS, tendo fornecido os elementos relativos às retenções na fonte sofridas, e procurado fazer o necessário exercício quanto aos custos imputáveis ao respetivo rendimento.
  4. Desta forma, em sede de reclamação graciosa a Requerida deveria ter agido em conformidade com o que dispõem as citadas normas dos Códigos do IRC e IRS, anulando parcialmente as retenções na fonte sofridas.
  1. Assim, deve ser julgado procedente o pedido de anulação das liquidações resultantes das retenções na fonte sofridas pela Requerente, devendo ser recalculada a base de incidência do imposto, na qual será dedutível ao valor do rendimento bruto, o montante de €7.724.805,58 correspondente à amortização de capital, nas rendas de locação financeira, e o montante das depreciações de € 3.863.170,41, nas rendas da locação operacional.
  1. A AT deverá ainda tomar em consideração outros custos diretamente ligados à obtenção destes rendimentos, e que sejam invocados e demonstrados pela Requerente, não podendo, porém, o valor a reembolsar ser superior ao valor que é pedido pela Requerente, ou seja € 995.092,38, por força do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código do Processo Civil.
  2. Resta por fim referir que não assiste razão à Requerida quando, em resposta ao Despacho em que se convidou as partes para se pronunciarem quanto à perspetiva do tribunal de aplicação do artigo 94.º, n.º 8 do Código do IRC e 71.º, n.ºs 8 a 11 do Código do IRS, veio alegar que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes, verificando-se que, no PPA, a Requerente não logrou requerer a aplicação dos normativos invocados pelo tribunal.
  3. Deve notar-se que o PPA tem como objeto imediato o indeferimento presumido da reclamação graciosa apresentada, tendo aquele normativo sido expressamente invocado pela Requerente em sede de reclamação graciosa. Ainda que assim não fosse, e no que se refere ao objeto mediato do PPA, que é a anulação parcial das liquidações em crise, o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos e não está impedido de lançar mão do referido normativo, uma vez que o princípio geral expresso no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determina que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.  

 

Juros indemnizatórios

  1. Entende a Requerente que a procedência do PPA implica o reembolso do valor peticionado e o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
  3. No caso sub judice, os erros que afetam as retenções na fonte contestadas não são imputáveis à AT, visto que não foram por ela praticadas. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento (presumido) da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
  4. Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.
  5. No que se refere ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07-04-2021: “(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.”
  6. No caso vertente, a Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa contra as retenções na fonte contestadas em 13/12/2023, tendo-se formado o indeferimento tácito em 13/04/2024, conforme o prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT.
  7. Assim sendo, o Tribunal determina que os juros indemnizatórios sobre o valor a reembolsar deverão ser contados a partir de 14/04/2024 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente (nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).

 

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral julga integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anula as liquidações de retenções na fonte de IRC impugnadas, referentes ao ano 2022, com a consequente:

  1. Restituição à Requerente do valor das retenções na fonte de IRC liquidado em excesso, a determinar em execução da presente decisão, considerando o montante de €7.724.805,58, correspondente à amortização de capital, a deduzir à rendas de locação financeira, bem como a importância de depreciações de € 3.863.170,41, a deduzir às rendas da locação operacional, e demais custos diretamente ligados à obtenção destes rendimentos, invocados e demonstrados pela Requerente, com o limite peticionado de € 995.092,38;
  2. Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse montante, contados desde 14/04/2024 até ao integral reembolso.
  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 995.092,38.

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.770,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 3 de março de 2025    

 

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins (Presidente)

 

 

 

 

 

 

João Santos Pinto

 

 

 

Jorge Belchior de Campos Laires

 



[1] Conforme se analisará mais à frente, este argumento da Requerida assenta num lapso manifesto, na medida em que a Requerente apresentou uma reclamação graciosa, não tendo sequer sido ainda apreciada pela AT.