Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 612/2014-T
Data da decisão: 2015-04-01  IRC  
Valor do pedido: € 10.711,91
Tema: IRC: Derrama Estadual: Tributação na Região Autónoma dos Açores; Errónea quantificação
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DECISÃO ARBITRAL

REQUERENTE: A... (PORTUGAL) CONFECÇÕES, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Av, …nº… 2° esq. …-… Lisboa

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) representada pela Dr.ª ... e pelo Dr. ..., conforme despacho de designação do Director Geral da AT, de 13-8-2014.

I – RELATÓRIO

  1. A REQUERENTE apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2.º, e na alínea a) do nº 1 do artigo10.º RJAT e do nº 2 do artigo 102.º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), onde refere como facto objecto de litígio:

A legalidade do acto tributário de autoliquidação de IRC de 03 de Julho de 2012, com o n.º 2012…, referente ao exercício de 2011, com o valor a reembolsar de EUR. 516.646,16, na sequência do despacho proferido, por delegação de competências, pela Exma. Senhora Chefe de Divisão da Divisão de Gestão e Assistência tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 05 de Maio de 2014, que indeferiu expressamente a Reclamação Graciosa previamente apresentada, a coberto do disposto nos artigos 68º e 131º ambos do CPPT, e sobre o mesmo objecto, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 e autuada com o nº….

Vindo, a final, a Requerente a peticionar que este Tribunal Arbitral se pronuncie

  1. Pela anulação do acto tributário, sob impugnação por falta de fundamento legal, na parte e montante objecto do pedido e ordene a devolução da derrama estadual cobrada em excesso no montante de 8.915,48€:
  2. Caso assim não entenda, ordenando a devolução do montante de 1.796,43 € por inexistência no ordenamento jurídico da região Autónoma dos Açores de norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território, anulando-se o acto tributário sob impugnação por falta de fundamento legal para o efeito;
  3. Por último, condenando a AT ao pegamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT, dado haver erro única e exclusivamente imputável à AT, e do qual resultou o reembolso de IRC em montante inferior ao devido, equivalendo este ao pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  1. Pedidos estes, cuja ordem a Requerente, a 21/11/2014, sustentando haver uma mera deficiência na identificação dos mesmos, veio requerer a alteração, por forma a reflectir os diversos fundamentos invocados ao longo do pedido, pelo que o pedido actualmente constante da alínea A) passará a integrar a alínea B), ao passo que o actualmente integrado na alínea B) passará a integrar a alínea A), mantendo-se o referente à condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, pelo que decorrente do agora peticionado passa a ser pedido a este Tribunal Arbitral se pronuncie:
  1. Ordenando a devolução do montante de 1.796,43 € por inexistência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores de norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território, anulando-se o acto tributário sob impugnação por falta de fundamento legal para o efeito;
  2. Caso assim não entenda, pela anulação do acto tributário, sob impugnação por falta de fundamento legal, na parte e montante objecto do pedido e ordene a devolução da derrama estadual cobrada em excesso no montante de 8.915,48€:
  3. Por último, condenando a AT ao pegamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT, dado haver erro única e exclusivamente imputável à AT, e do qual resultou o reembolso de IRC em montante inferior ao devido, equivalendo este ao pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  1. A REQUERENTE apresentou Pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a 05-08-2014, o qual aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 07-08-2014, levou à notificação da AT, em cumprimento do nº 3 do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT).
  2. Tendo a REQUERENTE optado por não designar árbitro, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi o signatário designado árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 24-09-2014, nomeação que tempestivamente aceite foi notificada às partes que não se opuseram à referida designação.
  3. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 09-10-2014, conjugado o disposto na alínea c), do nº 1, com o nº 8 do artigo 11º, do RJAT, pelo que a 09-10-2014 foi notificada a AT para, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, apresentar Resposta e o correspondente processo administrativo;
  4. Em  Reposta a AT, a 11-11-2014, vem apresentar defesa por excepção e impugnação, suscitando, quanto àquela, a  nulidade do processo por ineptidão da petição inicial (6º a 23º) devido à ininteligibilidade da indicação do pedido (nº 22).
  5. Tendo a 20-11-2014 sido marcada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT, a mesma ocorreu a 28-11-2014, da qual se lavrou acta, onde consta a fixação da data de 04-04-2015 para prolação da decisão arbitral.
  6. Tal como consignado na referida acta, veio a Requerente, a 21-11-2014 a pronunciar-se por escrito quanto às excepções;
  7. O que suscitou nova pronúncia da AT, a 09-01-2015, quanto à verificação da já aduzida excepção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.

II – QUESTÃO PRÉVIA

A AT sustenta a excepção da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial. Para a sua apreciação importa perceber qual a posição das partes. Assim, temos:

II.A - POSIÇÃO DA AT

A AT sustenta a excepção da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial alegando, em síntese, e com relevo para a apreciação, o seguinte:

  1. A Requerente apresentou dois pedidos subsidiários nos termos do nº 1 do art.º 554º do CPC pois utiliza a expressão “caso assim não se entenda” quando deduz os pedidos, a final (cf. § 18º).
  2. Mas na formulação do pedido, a final – e a despeito do declarado designadamente no art.º 50. da sua petição -, a Requerente inverte a ordem de precedência dos pedidos atrás deduzidos” (cf. § 15º).
  3. “A verdade é que da leitura da petição na sua globalidade não é possível discernir qual será o eventual pedido principal e qual será o hipotético pedido subsidiário” (cf. § 19º).
  4. Ao que acrescenta a AT, a clara identificação do pedido principal e subsidiário cabe à Requerente, não à Requerida nem ao Tribunal, pelo que deveria a petição determinar: a) qual o pedido a decidir e; b) qual o pedido a tomar em consideração em caso de improcedência do primeiro pedido (cf. § 21º). Pelo que,
  5. Não o tendo feito a petição é inepta por ininteligibilidade do pedido, o que gera nulidade do processo, nos termos do nº 1 e da alínea a) o nº 2 do artº. 186º do CPC, a qual é de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no artigo 196º do CPC, ambos aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT (cf. § 22º).
  6. Sendo que, a nulidade do processo constituindo uma excepção dilatória obsta ao conhecimento do mérito da causa, determinando a absolvição da requerida da instância face aos disposto nos artigos 278º, nº 1 e 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea b) do CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT (cf. § 23º).

II.B - POSIÇÃO DA REQUERENTE

Tal como consignado na acta da reunião realizada nos termos do art.º 18º do RJAT, veio a Requerente, a 21-11-2014 a pronunciar-se por escrito quanto à excepção da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial alegando, em síntese, e com relevo para a apreciação, o seguinte:

  1. Que há uma mera deficiência (cf. § 8) na identificação da ordem dos pedidos formulados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral (cf. §33).
  2. Para que a petição seja inepta é necessário que se verifique uma contradição de tal forma grave e insuperável entre o pedido e a causa de pedir que impeça, não só o Tribunal, mas também a parte contrária de interpretar e contestar o referido na PI (cf. § 11), impedindo esta de exercer o contraditório (cf. § 12).
  3. “Conforme resulta da resposta apresentada pela AT, e em particular no referido nos seus artigos 24º a 74º, esta contesta, de forma expressa, e ponto por ponto, as razões de facto e de direito invocadas pela Requerente, peticionando inclusivamente, a final, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT de todos os pedidos formulados (cf. §20). Pelo que,
  4. A AT interpretou e compreendeu convenientemente o alegado pela Requerente no seu pedido de Pronúncia Arbitral (cf. §22) o que lhe permitiu contestar adequadamente (cf. §23).
  5. Ao que acrescenta a Requerente, citando mais exemplos de compreensão do pedido de pronúncia arbitral pela AT, para concluir que a AT compreendeu perfeitamente o sentido da causa de pedir e dos pedidos dela emergentes e mencionados no Pedido de Pronúncia Arbitral pois pôde contrapor os seus argumentos, apresentando, para o efeito, a sua defesa, tudo reportado aos factos constantes do aludido Pedido de Pronúncia (cf. §29).
  6. Sendo que o que releva é que a AT invoque uma putativa ineptidão da PI, e ao mesmo tempo conteste a acção proposta pela Requerente, refutando as razões de facto e de direito invocadas, pelo que a excepção alicerçada no art.º 186º, nº 2 alínea a) do CPC improcederá, não se verificando, portanto a nulidade do processo e a consequente absolvição da AT da instância (cf. § 18).
  7. Conclui a Requerente, a AT terá sanado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186º nº 3 do CPC, aplicável ex vi o disposto no artº. 29º nº 1 alínea e) do RJAT, o vício imputado (cf. § 32). Ao que,
  8. Veio a Requerente a requerer a alteração dos pedidos, como já indicado supra (§ I.2 desta Decisão Arbitral).

II.C - RESPOSTA DA AT À OPOSIÇÃO À EXCEPÇÃO

Em sede de Alegações finais a AT veio responder à oposição à excepção realizada pela Requerente, reiterando o que já resulta da Resposta, e alegando ex novo, em síntese, e com relevo para a apreciação, o seguinte:

  1. Não é a compreensão individualizada e segregada de cada um dos pedidos que está em causa. O que torna a petição inepta é a indeterminação da natureza de cada um dos pedidos – que são identificados à vez ora como principal, ora como subsidiário – e a falta de coerência que daí decorre para a petição globalmente considerada (cf. § 1 da pg. 5).
  2. Pronunciando-se novamente pela existência duma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e à absolvição da AT da instância, atento o disposto nos artigos 278º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea b) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT.

II.D - APRECIAÇÃO E DECISÃO DA QUESTÃO DA NULIDADE POR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL

  1. A Requerida suscita a questão da ineptidão da petição inicial, alegando que a Requerente apresentou dois pedidos subsidiários nos termos do nº 1 do art.º 554º do CPC pois utiliza a expressão “caso assim não se entenda” quando deduz os pedidos, a final (cf. § 18º).
  2. Independentemente da apreciação da aduzida excepção importa apreciar se os pedidos são efectivamente subsidiários.
  3. Ora, atenta a exposição dos factos e da interpretação que a Requerente faz do direito aplicável - em concreto a norma do art.º 87º-A do CIRC -, trata-se, não de pedidos subsidiários, mas de pedidos cumulativos. Senão vejamos. É peticionado que o Tribunal se pronuncie sobre:
    1. A inexistência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores de norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território, anulando-se o acto tributário sob impugnação por falta de fundamento legal para o efeito;

E como segundo pedido,

  1. Pela anulação do acto tributário, sob impugnação por falta de fundamento legal, na parte e montante objecto do pedido e ordene a devolução da derrama estadual cobrada em excesso no montante de 8.915,48€.
  2. Ora, o referido excesso de cobrança resulta das operações aritméticas de cálculo da Derrama Estadual total, subtraída do valor que, de acordo com a argumentação expendida deveria ser retirado ao lucro tributável pela proporção da participação das instalações da Requerente, nos Açores, mas também na Madeira. Ora,
  3. Se de pedidos subsidiários se tratasse, nos termos do art.º 554º do CPC, atendendo-se ao pedido principal, seria desatendido o pedido subsidiário, assim não se apreciando o suscitado erro de cálculo da Derrama Estadual, cobrada, por desconsideração da proporcionalidade da produção das Instalações da Requerente situadas na Região Autónoma da Madeira.
  4. Com efeito, determina o art.º 554º, nº 1 do CPC:

Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.

  1. Assim, embora Requerente e Requerida não se pronunciem sobre a consideração dos pedidos como cumulativos, a estrutura da Petição Inicial é clara ao suscitar a necessidade de ser apreciada a eventual errónea quantificação da Derrama Estadual (cf. § 2 e ss; 51 a 63), não apenas na RAA, mas também na RAM, ao que,
  2. Se dum pedido subsidiário se tratasse, bastava o deferimento da pretensão deduzida em primeiro lugar para não apreciar o segundo pedido, o qual, a ser deferido é de manifesto interesse à Requerente, pois ao determinar o valor do segundo pedido tem em conta a diferença de tributação resultante da não tributação que resultaria, no seu juízo, dum valor zero de derrama estadual na RAA, mas também, dum valor zero de derrama estadual na RAM (Cfr. tabela que apresenta a § 60 da PI; e § 22; 29, das Alegações Finais);
  3. Convém referir que se não fosse formulada a questão relativamente à RAM, mas tão só à RAA, aí sim, teríamos um pedido subsidiário pois que se a solução fosse pelo atendimento do primeiro o segundo teria uma apreciação inútil. Todavia, mesmo que desatendendo o primeiro, i.é, considerando haver tributação em Derrama Estadual na RAA, teria interesse apreciar se haveria ou não errónea determinação do seu valor na RAA.
  4. Já com o atendimento do primeiro pedido precludiria a hipótese de apreciação do segundo no que tange à eventual errónea determinação do valor da Derrama Estadual no que concerne à RAM, pelo que este segundo pedido, nesta parte, é cumulativo ao primeiro pedido, não subsidiário.
  5. Só assim pode ser lido o pedido em harmonia com a causa de pedir, sendo neste pressuposto que é apreciado, nos termos do RJAT:

Artigo 3.º

Cumulação de pedidos, coligação de autores e impugnação judicial

1 — A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

  1. Verificando-se estes pressupostos, pois:
    1. As circunstâncias de facto são as mesmas – o “acto tributário de autoliquidação de IRC de 03 de Julho de 2012”;
    2. Estando em causa a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, pois o que está em causa é a interpretação que é dada ao art.º 87º-A do CIRC, em articulação com a LFRA, pois procura-se saber se ele é aplicável na Região Autónoma dos Açores, de acordo com as normas dos artigos 53º, 54º e 56º da LFRA; e, por outro lado, se na sua aplicação devem ser tidas em conta os critérios de repartição de receitas fixados no nº 2 do art.º 20º da LFRA;
  2. De todo o modo, a Requerida não deixa de questionar se o segundo pedido será subsidiário, e por outro lado não manifesta certeza quanto a que o seja, quando:
    1. A § 14 da Resposta e § (iv) das Alegações Finais refere aparenta a Requerente ter deduzido um segundo (e subsidiário?) pedido. E,
    2. A § 18 da Resposta e pg. 2, in fine, das Alegações Finais refere embora aparente ser razoavelmente seguro afirmar que a Requerente deduz um pedido principal e um pedido subsidiário;

Ora, aquela interrogativa e esta aparente razoável segurança, dão expressão ao antedito, pois que de facto embora aparente ser um pedido subsidiário o não é.

  1. Por seu turno a Requerente, em resposta à excepção deduzida pela requerida, apenas se refere aos dois pedidos, suscita inversão da sua ordem, mas não afirma serem pedidos subsidiários.
  2. De todo o modo, face aos termos em que a AT vem deduzir a sua defesa por excepção, haverá que perceber se há ou não uma divergência de tal forma insanável entre o pedido e a causa de pedir que leve à ineptidão do pedido de constituição do tribunal arbitral.
  3. Atentos os princípios processuais consagrados no art.º 16º do RJAT, em particular o princípio do contraditório, que foi exercido, bem como o princípio da cooperação e boa-fé processual, entende este tribunal que não se verifica a excepção da ineptidão da petição inicial porquanto:
    1. A Requerente tal como consignado em acta da reunião do art.º 18º do RJAT e nos termos da alínea c) do nº 1, veio a corrigir a peça inicial - requerendo a alteração da ordem dos pedidos, dando a necessária coerência à petição globalmente considerada -, assim se cumprindo também ouvir a Requerente, nos termos do art.º 186º nº 3 do CPC, ao que,
    2. Tendo a AT, quer na Resposta como nas e Alegações Finais, demonstrado ser-lhe possível contestar e impugnar especificadamente cada um dos pedidos subsidiários, assim, nos termos do art.º 186º nº 3 do CPC demonstrou ter interpretado convenientemente a petição inicial.
  4. Pelo que temos de concluir que não se verifica a existência da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial que obsta ao conhecimento do mérito da causa e à absolvição da AT da instância, pelo que
  5. Improcede pois a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, suscitada pela AT, facto que determina a necessidade de apreciação do mérito do pedido, cf. previsto no art.º º 608º, nº 2 do CPC, ex vi, art.º. 29º, nº 1 alínea e) do RJAT.
  6. Atento o que antecede, e verificando-se que a apreciação dos pedidos, não como subsidiários, mas como cumulativos, não suscitam, in casu, outras questões processuais para além das referidas, bem como a determinação do valor da causa, a apreciar a final, cumpre agora passar à apreciação da questão de mérito.

III – SANEAMENTO

  1. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 2 e 6º, nº 1 do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

Pelo que se passará à apreciação da decisão de mérito

IV – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO PEDIDO

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral tem por base a legalidade do acto tributário de autoliquidação de IRC de 03 de Julho de 2012, com o n.º 2012…, referente ao exercício de 2011, com o valor a reembolsar de EUR. 516.646,16, na sequência do despacho proferido, por delegação de competências, pela Exma. Senhora Chefe de Divisão da Divisão de Gestão e Assistência tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 05 de Maio de 2014, que indeferiu expressamente a Reclamação Graciosa previamente apresentada, a coberto do disposto nos artigos 68º e 131º ambos do CPPT, e sobre o mesmo objecto, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 e autuada com o nº …2014….

IV.A - MATÉRIA DE FACTO

A matéria relevante, considerada provada, para apreciar o mérito do pedido é a seguinte:

  1. A requerente é uma sociedade anónima comercial com sede em território português;
  2. A mesma adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, sendo que vai de 01 de Fevereiro a 31 de Janeiro do ano subsequente,
  3. Tendo com referência ao exercício de 2011 submetido por via electrónica a 29 de Junho de 2012 a respectiva declaração Modelo 22 de IRC;
  4. Apurando uma recuperação de imposto de 516.664,12 €, de que houve reembolso, corrigido em 4 cêntimos, para 516.664,16 €, e realizado mediante cheque emitido pela AT com o nº …, de 13 de Agosto de 2012, na sequência da notificação da liquidação de IRC,
  5. Todavia, resultante do referido acto tributário de liquidação foi apurado o montante de 132.316,66 € a título de Derrama Estadual, nos termos do art.º 87º-A do CIRC;
  6. Não concordando a Requerente reclamou graciosamente a 05 de Março de 2014;
  7. Tendo sido notificada do projecto de decisão de indeferimento, a 09 de Abril de 2014;
  8. Não exerceu o direito de audição;
  9. E o projecto converteu-se em definitivo, e notificado à Requerente por ofício de 07-05-2014;
  10. Fundamentando a AT o indeferimento nestes termos:
    1. Haver sujeição à Derrama Estadual do lucro tributável imputável às instalações da Requerente situadas na Região Autónoma dos Açores;
    2. Não haver erro na determinação do montante da Derrama Estadual por não haver lugar à aplicação do método de cálculo utilizável na repartição proporcional das receitas de IRC pelas Regiões Autónomas, nos termos do nº 2 do art.º 20º da LFRA
  11. Não há factos não provados.

IV.B – O PEDIDO E A POSIÇÃO DAS PARTES

Sustenta a Requerente o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (§§ 21 e ss.) e os pedidos alternativos, a final, alegando, em síntese, e com relevo para a apreciação, o seguinte:

  1. Não há no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores uma norma de incidência que preveja a aplicação da Derrama Estadual nesse território, pelo que não pode nesse espaço territorial a Requerente ser tributada;
  2. Há um erro no apuramento do valor da Derrama Estadual e consequente violação do disposto no artigo 87º-A do CIRS, porquanto o valor da derrama estadual nunca poderia incidir sobre o lucro imputável as actividades desenvolvidas na Região Autónoma dos Açores e da Madeira, mas antes ser determinada proporcionalmente entre o volume de negócios relativo às instalações situadas nas Regiões Autónomas e o volume de negócios total (cf. § 21 da PI);

IV.C – POSIÇÃO DA REQUERENTE

Procura a Requerente consubstanciar os dois fundamentos nos seguintes termos:

  1. Quanto à ausência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores duma norma de incidência que preveja a aplicação da Derrama Estadual nesse território:
    1. As Regiões Autónomas dispõem de poder tributário próprio nos termos legais e constitucionais, pelo que no seu exercício poderia a Região Autónoma dos Açores ter adaptado a Derrama Estadual prevista no art.º 87º-A do CIRC à Região, ao que, não o tendo feito, não pode o Estado proceder à cobrança de derrama estadual na RAA (cf. §§ 23 a 49); pois que,
    2. Esse foi o procedimento ocorrido na Região Autónoma da Madeira, através do decreto-Legislativo regional nº 14/2010/M, de 5 de Agosto, que “aprovou” a Derrama Regional, indo ao encontro do previsto na alínea f) do art.º 37º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónomas da Madeira que confere à Assembleia Legislativa Regional (cf. §§ 31, 40 e 41):
      1. “O poder de criar e regular impostos, definindo a respectiva incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (…)”
      2. O poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificadas regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (…)”.
    3. Salientando a Requerente, Sucede, porém, que o mesmo não se verificou na RAA! (cf. § 42), pois que o decreto regulamentar regional nº 2/2020/A que prevê a execução orçamental para a RAA não veio inserir qualquer articulado no que respeita à criação de uma eventual derrama regional, ao contrário do sucedido na RAM, nem no que respeita à eventual adaptação do sistema nacional à especificidade daquela região verificando-se o mesmo no ano de 2011 (cf. § 43).
    4. Ao que a Requerente retira como conclusões (cf. §§ 44 a 49) que se a RAM criou a Derrama Regional também a RAA o poderia ter feito pelo que se o não fez tal leva a Requerente a “concluir que não foi vontade do legislador que a derrama estadual tivesse aplicação na RAA”;
    5. Ao que acrescenta que não tendo sido criada a derrama regional nem tendo sido feita qualquer adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais (§46) “a referida lacuna sustenta a pretensão de que não poderá, nunca, ser cobrada derrama estadual sobre o lucro tributável imputado às actividades desenvolvidas na RAA por entidades com sede ou direcção efectiva na RAA (…) ou ainda que desenvolvidas por entidades com sede no território continental, sejam imputadas a sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica localizada na RAA, uma vez que não foi criada ex novo qualquer derrama regional na RAA”.
  2. Quanto ao errado apuramento do valor da derrama estadual porquanto esta deveria ser determinada proporcionalmente entre o volume de negócios relativo às instalações situadas na Regiões Autónomas e o volume de negócios total:
    1. Sustentando este entendimento (cf. §§ 35 a 37; 50 a 63 da PI) no facto de que a Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) estabelece um mecanismo de repartição das receitas obtidas em cada circunscrição, em particular através do art.º 20º, nº 1, alínea b) e nº 2, que determinam o seguinte:

Artigo 20.º - Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas

1 — Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

(…)

b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no n.º 2 do presente artigo;

(…)

2 — Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

  1. Fruto desta previsão legal há lugar ao preenchimento do Anexo C à declaração Modelo 22, que permite individualizar o volume de negócios correspondente às instalações situadas nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira (cf. §§ 53 a 55);
  2. Pelo que a imputação do lucro tributável, bem com da respectiva matéria colectável a cada Região Autónoma é efectuada antes da aplicação da correspondente taxa de imposto, equivalendo a um desdobramento do cálculo do imposto em 3 cálculos individuais, um por cada circunscrição em que o sujeito passivo está presente (cf. §§ 56 e 57);
  3. Ao que conclui (cf. §§ 58 a 60) que “não se entende porque é que o mesmo entendimento não é seguido para apuramento da derrama estadual” e que se houvesse um cálculo individualizado da Derrama Estadual para cada Região Autónoma, com base nos volumes de negócios verificados em cada região, chegar-se-ia à conclusão que a derrama estadual foi calculada em excesso no montante de 8915, 48€.
  4. Isto porque (cf. § 61) “quer na RAA quer na RAM, o lucro tributável que lhes é imputado não excede o limite de Euro 2.000.000, o que se traduz na não aplicação da taxa de 2,5% prevista à data”.

IV.D – POSIÇÃO DA REQUERIDA

A Autoridade Tributária e Aduaneira consubstancia a impugnação dos dois fundamentos da requerente nos seguintes termos:

  1. Quanto à ausência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores duma norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território (cf. §§ 28º a 50º):
    1. A concretização constitucional do poder tributário próprio das Regiões Autónomas, em particular através do nº 2 do art.º 53º da LFRA confere-lhes o poder de:
      1. Criar impostos, vigentes apenas nas Regiões Autónomas respectivas, definindo a respectiva incidência, a taxa, a liquidação, a cobrança, os benefícios ficais e as garantias dos contribuintes”;
      2. Adaptar os impostos de âmbito nacional às especificadas regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, dentro dos limites fixados na lei e nos termos dos artigos seguintes”.
    2.  Sendo que quanto ao poder de criação de impostos regionais, dispunham os nºs 1 e 2 do art.º 54º da LFRA que podem ser criados impostos apenas vigentes nas Regiões Autónomas desde que não incidam sobre matéria objecto de incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta e não sujeita, ou que possam integrar essa incidência, e que da sua aplicação não resultem entraves ao comércio com os diferentes pontos do território nacional (CF. §32º).
    3. Sendo que o poder de adaptação às especificidades regionais, previsto no art.º 56º da LFRA se concretiza em três áreas: (i) diminuição das taxas de IRS, IRC, IVA e impostos especiais de consumo; (ii) concessão de deduções à colecta; (iii) concessão de benefícios fiscais.
    4. A Requerida referindo ainda o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónomas dos Açores (cf. §§ 35º e ss.) reconhece que esta Região Autónoma tem poder de adaptar as leis nacionais às especificidades da região, todavia, poder esse que pode, ou não, ser exercido, conforme a opção do legislador regional, mas, acrescenta,
    5. Sendo certo que o eventual não exercício desse poder pelo legislador regional nunca poderia ter como consequência a derrogação da lei fiscal nacional aprovada pela Assembleia da República no exercício da sua competência legislativa (cf. § 39º).
    6. A derrama Estadual foi criada por lei que definiu as respectivas incidências e taxa, nos termos da CRP (art.º 103º) e da LGT (art.º 8º), pelo que o facto de o legislador regional não ter adaptado o imposto da derrama estadual à RAA não derroga a sua aplicação aos lucros aí obtidos de acordo com a incidência subjectiva e objectiva determinada pelo art.º 87º-A do CIRC (cf. § 40º a 43º).
    7. Pois que a Assembleia da República dispõe dum poder não partilhado nem limitado para a produção de normas fiscais que vigoram em todo o território nacional, não derrogável pelo legislador regional, cuja capacidade legislativa em matéria fiscal se subsume à criação de novos impostos relacionados com as especificidades regionais e à adaptação dos impostos nacionais às mesmas especificidades (cf. § 44º a 46º), logo,
    8. Se a Região Autónoma dos Açores não adaptou a derrama estadual às especificidades da região, esse não exercício dum direito constitucional não pode ser entendido, enquanto exercício negativo, como um afastar da incidência da derrama estadual os lucros tributáveis imputáveis às instalações da Requerente, pois tal interpretação seria manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da legalidade fiscal e da competência exclusiva da Assembleia da República para legislar sobre a criação de impostos e sistema fiscal consagrados nos artigos 103º e 165º da CRP (cf. § 48º a 50º).
  2. Quanto ao errado apuramento do valor da derrama estadual porquanto esta deveria ser determinada proporcionalmente entre o volume de negócios relativo às instalações situadas nas Regiões Autónomas e o volume de negócios total (cf. §§ 50º a 73º) alega em síntese a Requerida:
    1.  O que as normas conjugadas dos artigos 227º, alí. j), art.º 2º da LFRA e nº 1 do art.º 18º da LFRA, pretendem estatuir é a participação das Regiões Autónomas nas receitas fiscais relativas aos impostos que devem pertencer-lhes, bem como de outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei (cf. § 55º). Logo,
    2. O que as referidas normas da alí. b) do nº 1 do Artigo 20.º da LFRA, com o nº 2 do mesmo artigo, estatuem é sobre as operações de apuramento das receitas fiscais atribuídas às regiões Autónomas, a qual é determinada com base na proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício (cf. § 56, 59, 60º). Sendo que,
    3. Este cálculo não tem qualquer relação com o imposto da derrama estadual, nomeadamente com a definição da sua incidência objectiva (cf. § 61º), referido ainda a Requerida que o entendimento da Requerente confunde as operações de cálculo de apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas com a definição (a montante) da incidência objectiva da derrama estadual (cf. § 69º).
    4. Para concluir que não há qualquer erro no apuramento da derrama estadual devido pela Requerente,
    5. Assim se pronunciando pelo indeferimento do pedido, também nesta matéria e,
    6. Consequentemente, pela pronúncia de que nenhum pedido deve proceder, pronuncia-se ainda a AT pela improcedência do pedido de condenação em juros indemnizatórios.
  3. Nas alegações finais, Requerente e Requerida sustentam, em substância, o que já anteriormente alegaram como fundamento das respectivas posições.

IV. E – APRECIAÇÃO E DECISÃO DA QUESTÃO DE MÉRITO

  1. Sumariamente, o peticionado, subsidiariamente, sustenta-se no seguinte:
    1. Invoca a Requerente que a RAM procedeu à adaptação da derrama estadual e a RAA não, não havendo, assim, nesta RA tributação em sede de derrama estadual.
    2. Invoca ainda que há uma errónea determinação do imposto a pagar, quer na RAA, quer na RAM, pois dever-se-ia ter presente a regra de repartição das receitas do IRC ínsita no nº 2 do art.º 20º da LFRA.

Vejamos se pode proceder algum destes pedidos:

  1. Quanto ao primeiro
    1. Para chegarmos a uma conclusão teremos de nos socorrer das regras de interpretação jurídica, pois que, se a Requerente faz uma interpretação do disposto no art.º 87º-A do CIRC e demais legislação invocada (mormente a LFRA) e a AT outra, divergente, há que interpretar os preceitos em causa.
    2. Em matéria de interpretação determina o artigo 9.º (Interpretação da lei) do CC o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

  1. Ora, de entre os vários elementos de interpretação jurídica, deve o intérprete socorrer-se, para além do elemento gramatical, ou texto da lei, também do espírito da lei, ao qual chegamos através de vários outros subelementos, tais como o elemento sistemático, o elemento histórico (realce aqui, para o occasio legis) e o elemento teleológico.
  2. Todavia, o ponto de partida é o texto da lei, conforme determinado no nº 2 do art.º 9º transcrito, pois que

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

  1. Quanto ao texto da lei, atentemos assim nos termos do nº 1 do artigo 87.º-A, Derrama estadual, aditado[1] pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas:

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.

  1. Verificámos assim que o que este art.º 87º-A veio estabelecer, no seu nº 1 são as regras de incidência, subjectiva e objectiva, o âmbito de aplicação territorial, e a respectiva taxa.
  2. Emerge dos trabalhos preparatórios, do preâmbulo da Proposta de Lei n.º 26/XI/1.ª[2], que esteve na base da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, a referência a:

Uma tributação adicional em sede de IRC, aplicando uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais às empresas cujo lucro tributável seja superior a 2 milhões de euros.

  1. Importa atentar nos termos empregues no texto da lei e nos trabalhos preparatórios, pelo que, onde constava Uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais, na Proposta de Lei n.º 26/XI/1, passou a constar Uma taxa adicional de 2,5 %, no art.º 87º-A,
  2. Percebendo-se que o legislador utilizou a expressão taxa adicional na versão final no mesmo sentido que, no mesmo contexto socioeconómico, se procedeu ao aumento – um adicional – da taxa do IVA, em 1% no tocante a todas as taxas; ao aumento, progressivo, selectivo e dirigido, das taxas do IRS, que crescem 1% nos três primeiros escalões do IRS, onde se agregam dois terços dos agregados familiares portugueses, e com o crescimento de 1,5% no quarto escalão e seguintes. Sendo que,
  3. Assim sucedeu também com a introdução de uma derrama, em sede de IRC, que se dirige, única e exclusivamente, às grandes empresas com lucros tributáveis superiores a 2 milhões de euros, uma medida que abrange, no essencial, um conjunto de cerca de 1300 pessoas colectivas (cf., infra §2.17).
  4. Explicita o antedito, que este elemento – histórico (occasio legis) – por referência ao momento ou circunstâncias em que a lei foi criada, não consubstancia a existência de regimes de excepção, de não incidência em função da territorialidade, ou de isenção.
  5. Ao invés, o momento histórico – rectius, as circunstâncias históricas, de escassez de recursos e fundos de tesouraria pública para o cumprimento das obrigações correntes do Estado – foram determinantes de que os sujeitos passivos – pessoas singulares e pessoas colectivas – que fossem dotados de especial capacidade contributiva, então definida, fossem convocados a pagar um adicional de impostos em função dessa capacidade contributiva, em sede de vários impostos, o que,
  6. Levou à criação da Derrama Estadual e à fixação como patamar de incidência objectiva a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;
  7. Para a compreensão do momento histórico - onde é expressa a finalidade da captação de receita fiscal num período económico-financeiro de grande debilidade das contas públicas - importa ainda analisar o preâmbulo da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, que aprova a Derrama Estadual, aditada ao código do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, que salienta:

Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).

  1. Medidas estas de grande urgência, patente também na data de aprovação do diploma – a meio do ano fiscal – quando se não houvesse essa urgência poderia o legislador ter optado por aprovar as mesmas na Lei que aprovou Orçamento do Estado para o ano de 2011, urgência ademais reforçada pela entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação[3].
  2.  Esta ilação decorre também dos trabalhos preparatórios e dos debates parlamentares, em sede de aprovação na generalidade e especialidade da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, bem como de outros dos debates parlamentares[4], onde é feita referência à derrama estadual, por duas ordens de razões:
    1.  Pela inexistência de qualquer referência a qualquer âmbito de aplicação facultativa da derrama estadual, no sentido de o seu lançamento ficar na disponibilidade das RA (ou dos municípios);
    2.  Pela referência ao chamamento à contribuição de todas pessoas colectivas, desde que preenchendo as regras de incidência subjectiva e objectiva – um dado volume de lucro tributável -, pois como então referira o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — então importa que esse esforço seja repartido equitativamente e que sejam sobretudo os contribuintes que mais têm os que são chamados a pagar maior imposto.
  3. É expressivo o excerto dum debate parlamentar em que é feita referência à designada derrama estadual[5], no contexto socioeconómico de crise das finanças públicas:

Foi assim também que foi aprovada nesta Casa a taxa de 45% de IRS, reforçando a progressividade de um imposto que tem já uma forte componente redistributiva e que viu já a luz do dia em publicação em Diário da República.

Com certeza que o Governo não ficará por aqui no seu esforço e trará à proposta de Orçamento do Estado para 2011 as demais medidas que figuram no PEC, uma proposta que chegará a esta Casa, como é bem sabido, nos próximos meses.

Mais recentemente, na prossecução desta política fiscal de resposta à crise, o Governo introduziu, trouxe a esta Casa e foram já objecto de votação, na semana passada, medidas adicionais que visam responder à necessidade de proceder a uma consolidação orçamental adicional, ainda no decurso do ano de 2010. Assim sucedeu com o aumento do IVA, em 1% no tocante a todas as taxas, repondo, desde logo, a taxa normal de 21%; assim foi com o aumento, progressivo, selectivo e dirigido, das taxas do IRS, que crescem 1% nos três primeiros escalões do IRS, onde se agregam dois terços dos agregados familiares portugueses, e com o crescimento de 1,5% no quarto escalão e seguintes, rateados, em qualquer caso, em 7/12 para o exercício de 2010. Assim sucedeu também com a introdução de uma derrama, em sede de IRC, que se dirige, única e exclusivamente, às grandes empresas com lucros tributáveis superiores a 2 milhões de euros, uma medida que abrange, no essencial, um conjunto de cerca de 1300 pessoas colectivas.

Com estas medidas de resposta à crise, o Governo tem procurado, ao longo deste ano, construir uma política fiscal enérgica, coerente e eficaz de resposta à circunstância difícil que o País atravessa, política essa que assenta em duas preocupações essenciais: em primeiro lugar, numa preocupação de urgência, porque temos a consciência de que há que agir rápido e há que mostrar que temos a capacidade e a habilidade e reunimos o consenso político necessário para avançar com medidas de consolidação em matéria fiscal, por impopulares que elas por vezes surjam; e, em segundo lugar, numa preocupação de solidariedade, porque se chegou a hora — e sem dúvida que ela chegou — de todos fazermos um esforço adicional em matéria fiscal,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Todos, ponto e vírgula!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — » então importa que esse esforço seja repartido equitativamente e que sejam sobretudo os contribuintes que mais têm os que são chamados a pagar maior imposto.

Também por esta razão de solidariedade, o Governo optou por antecipar, já para 2010, a tributação das mais-valias bolsistas e o escalão de 45% de IRS. Foi também por razões de solidariedade que se construiu um agravamento progressivo e selectivo dos escalões do IRS. Por estas razões se construiu a nova derrama estadual, olhando apenas às grandes empresas.


  1. Numa outra sessão legislativa[6]:

Em primeiro lugar, justiça na repartição dos encargos; justiça reconhecida no aumento para 45% da taxa máxima de IRS; justiça na tributação das mais-valias; justiça numa diferenciação das novas taxas em matéria de IRS; justiça ao tratar de forma privilegiada as pequenas e médias empresas, ao excluí-las da tributação da nova derrama estadual em matéria de IRC.

 

  1. Atentemos no que poderemos considerar um “lugar paralelo” em sede de interpretação jurídica, os termos da (agora) revogada[7] Lei das Finanças Locais - Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro[8] -, a qual estatuía no seu artigo 14º - Derrama:

1 — Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

  1. Ora, se a derrama municipal é de fixação facultativa pelos municípios[9], distintamente, nada há que permita inferir que o legislador criou uma Derrama Estadual de fixação facultativa pelas Regiões Autónomas.
  2. A razão desta diferença sustenta-se no facto de que no caso da Derrama Municipal o sujeito activo do imposto é cada município que procede ao seu lançamento;
  3. No caso da Derrama Estadual esta constitui um imposto estadual, é dizer, um imposto cujo sujeito activo é o Estado, pelo que não está na disponibilidade de quaisquer outros sujeitos activos de relações jurídicas tributárias;
  4. Imposto que foi lançado pelo Estado, sobre os sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português,
  5. Mais, o princípio da territorialidade ­ – que emerge da aplicação da lei tributária no espaço, ínsito no art.º 13º da LGT –, na sua vertente ou sentido positivo, significa que as leis tributárias portuguesas se aplicam ao território português[10], mesmo aos sujeitos passivos de imposto que não nacionais. Ora
  6. O Território – art.º 5º da CRP – abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
  7. Pelo que, quando em aditamento ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, se estatuiu no nº 1 do artigo 87.º-A, que a Derrama Estadual tem como sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português,
  8. Nada há que permita interpretar que as instalações (cf. §3 da PI) da Requerente situadas na Região Autónoma dos Açores se considerem não situadas em território português.
  9. Pelo que as mesmas se encontram sujeitas ao imposto estadual, com incidência em todo o território português.
  10. Falece assim o salto de raciocínio patente na afirmação (cf. §§ 44 a 49), ademais contraditória, de que se a RAM criou a Derrama Regional também a RAA o poderia ter feito pelo que se o não fez tal leva a Requerente a “concluir que não foi vontade do legislador que a derrama estadual tivesse aplicação na RAA”;
  11. Contraditório, este salto de raciocínio, pois a Requerente (§46) àquilo que antes designara falta de vontade do legislador regional dos Açores posteriormente se aporta dizendo que “a referida lacuna sustenta a pretensão de que não poderá, nunca, ser cobrada derrama estadual sobre o lucro tributável imputado às actividades desenvolvidas na RAA por entidades com sede ou direcção efectiva na RAA (…).
  12. Com efeito, ou há vontade de não legislar – pelo que no argumento da Requerente, por falta de lei, não haveria imposto – ou há lacuna. Ora, se é certo que não houve vontade legislativa – leia-se, no sentido do exercício das competências de adaptação, já lacuna não há, dada a própria unidade do sistema jurídico, a impor a aplicação em todo o território nacional da Derrama Estadual.
  13. Como aliás decorre do que nesta matéria se estabelece na LFRA:

Artigo 53.º

Competências tributárias

(…)

2 — A competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, mediante decreto legislativo, e compreende os seguintes poderes:

a) O poder de criar e regular impostos, vigentes apenas nas Regiões Autónomas respectivas, definindo a respectiva incidência, a taxa, a liquidação, a cobrança, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, nos termos da presente lei;

b) O poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, dentro dos limites fixados na lei e nos termos dos artigos seguintes.

(…)

SECÇÃO II

Competências legislativas e regulamentares tributárias

Artigo 54.º Impostos vigentes apenas nas Regiões Autónomas

1 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, mediante decreto legislativo regional, podem criar impostos vigentes apenas na respectiva Região Autónoma desde que os mesmos observem os princípios consagrados na presente lei, não incidam sobre matéria objecto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta ou não sujeita, ou, nela não constando, possa ser susceptível de integrar essa incidência e da sua aplicação não resultem entraves à troca de bens e serviços entre os diferentes pontos do território nacional.

2 — Os impostos referidos no número anterior caducam no caso de serem posteriormente criados outros semelhantes de âmbito nacional.

 

  1. Por isto – podem criar impostos vigentes apenas na respectiva Região Autónoma desde que os mesmos (…) não incidam sobre matéria objecto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta ou não sujeita - falece o argumento de que a derrama regional da RAM é um imposto próprio da Região Autónoma da Madeira, pois contraria o disposto nos números 1 e 2: porque se fosse criando antes (e não o foi) caducaria; tendo a Assembleia Legislativa regional da Madeira legislado sobre a Derrama Regional posteriormente à criação da Derrama Estadual, apenas duma adaptação se pode tratar, dado que nunca poderia incidir, enquanto imposto regional sobre matéria objecto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional. Assim,
  2. Antes dum imposto estadual se trata, que na Madeira adquiriu a nomenclatura “derrama regional”, no âmbito da competência de adaptação prevista na alí. b) do nº 2 do art.º 53º da LFRA, que vem consubstanciado no art.º 56º, nestes termos:

Artigo 56.º

Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais

1 — Sem prejuízo do disposto em legislação fiscal nacional para vigorar apenas nas Regiões Autónomas, a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais observa o disposto na presente lei e respectiva legislação complementar.

2 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem ainda, nos termos da lei, diminuir as taxas nacionais dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e do imposto sobre o valor acrescentado, até ao limite de 30 %, e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor.

3 — As Assembleias Legislativas podem também determinar a aplicação nas Regiões Autónomas das taxas reduzidas do IRC definidas em legislação nacional, nos termos e condições que vierem a ser fixados em decreto legislativo regional.

4 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem conceder deduções à colecta relativas aos lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos pelos sujeitos passivos.

5 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem conceder majorações nas percentagens e limites dos encargos dedutíveis à colecta do IRS, nos termos do Código do IRS, relativas a encargos com equipamentos ambientais, com habitação própria e permanente e com a saúde, apoio à terceira idade e educação.

6 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem, ainda, conceder deduções à colecta do IRS, definindo os seus limites, de despesas suportadas com a saúde, apoio à terceira idade, educação, deslocações de avião no território nacional para os doentes e eventual acompanhante e para os estudantes das Regiões Autónomas deslocados em outras ilhas ou no continente.

7 — As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem autorizar os Governos Regionais a conceder benefícios fiscais temporários e condicionados relativos a impostos de âmbito nacional e regional, em regime contratual, aplicáveis a projectos de investimentos significativos, nos termos do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e legislação complementar em vigor, com as necessárias adaptações.

8 — As Assembleias Legislativas podem aumentar ainda, até 30 %, os limites dos benefícios fiscais relativos à criação de emprego, previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

9 — O regime jurídico do Centro Internacional de Negócios da Madeira e da Zona Franca de Santa Maria regula -se pelo disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais e legislação complementar.

  1. Ora, se não se vê, em qualquer destes números, qual o salto lógico que nos permita retirar da designada Derrama Regional que a mesma consubstancia um imposto novo, distinto da Derrama Estadual, também não se vislumbra em qualquer dos números do art.º 56º da LFRA, que a derrama regional da RAM só seja possível pelo labor legislativo de adaptação.
  2. Nem tampouco, de que a falta de idêntico labor legislativo da Assembleia legislativa Regional dos Açores, pelo não exercício, leve à oblação da tributação, pois a unidade do sistema jurídico – claramente ínsita na LFRA -, que permitem às RA criar e adaptar os impostos às especificidades regionais não permitem não aplicar os impostos nacionais;
  3. Aqui chegados, e atento o disposto:
    1.  No art.º 87º-A do CIRC que estabelece que a Derrama estadual incide sobre os sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português,
    2.  No art.º 5º da CRP - Território – abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
    3. No princípio da territorialidade ­ – que emerge da aplicação da lei tributária no espaço, ínsito no art.º 13º da LGT –, na sua vertente ou sentido positivo, significa que as leis tributárias portuguesas se aplicam ao território português, mesmo aos sujeitos passivos de imposto que não nacionais.
    4.  O disposto no nº 3 do art.º 9º do CC,

Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

  1. Tem este tribunal de concluir que a derrama estadual tem incidência em todo o território nacional – como resulta de forma clara da letra da lei, mas também do seu espírito -, entendendo-se que os termos do nº 1 do art.º 87-A do CIRC foram fixados de forma clara, tendo o legislador expresso o seu pensamento em termos adequados, quando no âmbito de aplicação territorial determinou que a derrama estadual incide sobre os sujeitos passivos residentes em território português e não residentes com estabelecimento estável em território português. Assim,
  2. Nesta matéria não há porque divergir do que, sobre a derrama estadual e derrama regional, por referência às Regiões Autónomas, é expresso no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013[11], em particular sobre a referida derrama regional da RAM, aí se dizendo:

Às taxas de IRC praticadas nas Regiões Autónomas acresce a derrama municipal, nos termos gerais, bem como a derrama estadual, a qual adota, na Madeira, a nomenclatura “derrama regional” (p. 23).

 

  1. Não há, pois, qualquer suporte interpretativo, seja no texto da lei, seja nos trabalhos preparatórios, seja nos debates parlamentares, seja nos “lugares paralelos” que nos possa levar a excluir do âmbito da incidência subjectiva e objectiva quaisquer contribuintes - pessoas colectivas -, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, quando o legislador se referiu, tão só ao território português;
  2. Improcede assim o pedido da Requerente a este tribunal Arbitral, de que ordene a devolução do montante de 1.796,43 € por inexistência no ordenamento jurídico da Região Autónoma dos Açores de norma de incidência que preveja a aplicação da derrama estadual nesse território, e de que anule o acto tributário sob impugnação;
  3. Cumpre apreciar o pedido em matéria de cálculo de referido imposto, o qual, a proceder terá repercussões na receita arrecadada pela AT quer nos Açores como na Madeira.
    1. Face às razões expendidas pela Requerente, de que o cálculo do imposto deveria ter por base a fórmula de cálculo de rateio da receita entre o Estado e as Regiões Autónomas, importa ver se a mesma tem algum suporte legislativo.
    2. Vale aqui o supra referido em sede de interpretação jurídica, trabalhos preparatórios, ratio legis e texto da lei. Com efeito,
    3. Para ser procedente o pedido dirigido a este tribunal Arbitral teremos de encontrar em qualquer momento do texto da lei qualquer suporte para a interpretação que dela faz a Requerente, mediante os elementos interpretativos de que o intérprete pode socorrer-se. Vejamos então:
    4. Atentemos no artigo em questão da LFRA[12]:

Artigo 20.º - Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas

1 — Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

(…)

b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no n.º 2 do presente artigo;

(…)

2 — Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

  1. Resulta do nº 2 do art.º 20º, conjugado com a alínea b) do nº 1 do mesmo art.º que não se visa determinar o quantum de imposto devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português (e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição), antes sim,
  2. Visa determinar o quantum de receita a arrecadar por cada região autónoma, em função da produtividade das referidas sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, a qual será determinada em função da
  3. Proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
  4. Acresce que, o argumento da Requerente poderia servir às Regiões Autónomas[13] – questão política que não cabe a este Tribunal Arbitral apreciar - como forma de suscitarem junto do Estado a repartição da Derrama Estadual arrecadada proporcionalmente ao lucro tributável da Requerente em cada Região, não para determinar a (não) incidência.
  5. Por outro lado, o argumento da Requerente levaria à não tributação em derrama estadual de todas aquelas pessoas colectivas que face à existência dum lucro tributável que preenchessem os critérios objectivos, o vissem repartido por diversas sucursais – instalações, como refere a requerente -, umas nos Açores e outras na Madeira, enquanto aquelas que se situassem apenas numa das Regiões ou no Continente seriam sempre tributadas, ainda que com inferior lucro tributável; v.g., no caso, a Requerente sustenta a §§ 60 do Pedido de Pronuncia Arbitral que não seria tributada em Derrama Estadual nem nos Açores nem na Madeira.
  6. Ora, se a Requerente tivesse sede na Madeira já seria tributada; e igualmente se apenas no Continente, numa solução sem justiça fiscal, com a possibilidade de uma outra pessoa colectiva com inferior lucro tributável ser tributada se tivesse sede na RAM ou no Continente.

Termos em que,

  1. A invocação da norma do nº 2 do art.º 20º da LFRA não obtém um mínimo de suporte no texto da lei, a qual visa tão só estabelecer mecanismos de perequação financeira entre o Estado e as Regiões Autónomas, como forma de determinar a receita arrecadada por cada Região Autónoma, tendo por base um rácio do lucro tributável imputável à produtividade conseguida em cada região.
  2. Assim, cada RA arrecada uma percentagem do IRC da pessoa colectiva, à taxa geral, ou a uma taxa diferente – a taxa regional de IRC – se determinada pelo poder legislativo regional, nos termos da LFRA (artº 56º).
  3. Idêntico mecanismo poderia ser estabelecido para a Derrama Estadual. Poderia, mas não o foi. Todavia, se o fosse, não sustentaria a tese da Requerente, pois apenas serviria, em seu benefício – se houvesse distintas taxas de derrama estadual - para determinar uma eventual aplicação duma inferior taxa de derrama Estadual, à proporção do lucro tributável gerado na RA, não para afastar a regra de incidência objectiva aplicável à mesma pessoa colectiva.
  4. Há, destarte, um salto de raciocínio na invocação da norma do nº 2 do art.º 20º da LFRA que este tribunal não subscreve. Pois aquela norma serve para repartir receitas e como consequência desse critério tributar a uma taxa inferior de IRC as pessoas colectivas, não para as isentar do imposto ou as afastar da regra de incidência. Assim,
  5. Se norma idêntica houvesse em sede de Derrama estadual, o critério da proporcionalidade serviria para isto:
    1.  Não seria determinante, para efeitos de incidência objectiva, do lucro tributável da pessoa colectiva, pelo que, se superior a Euro 2.000.000, haveria sempre sujeição à Derrama estadual;
    2.  A determinação do lucro tributável imputável a cada região serviria para determinar a proporção no lucro tributável total e assim calcular a derrama estadual que constituiria receia de cada Região;
    3.  Se eventualmente houvesse diferentes taxas de Derrama Estadual numa ou ambas as regiões autónomas – à semelhança do que pode ser estabelecido em sede de taxas de IRC, de acordo com o art.º 56º, nº 2 da LFRA -, seria determinante da proporção do lucro tributável correspondente a cada região para que fosse tributado a essa distinta taxa.  
  6. Este é, no que concerne ao IRC, o mecanismo existente. Pelo que a sua aplicação “à semelhança” só poderia ter esta implicação. Não aquela que a Requerente do mesmo pretende retirar. Não vemos qualquer estribo nem na letra nem no espírito da lei (20º/2 da LFRA) que permite esse salto lógico, pelo que não o subscrevemos.
  7. Improcede assim o pedido da Requerente a este tribunal Arbitral de que decida pela anulação do acto tributário, sob impugnação por falta de fundamento legal, na parte e montante objecto do pedido e ordene a devolução da derrama estadual cobrada em excesso no montante de 8.915,48€.

V - QUESTÃO DE CONHECIMENTO PREJUDICADO - APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Estando este pedido dependente da procedência de qualquer dos pedidos precedentes, improcedendo aqueles, improcede também este, não havendo qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI - QUESTÃO DO VALOR DA CAUSA

Na acta da reunião ocorrida no dia 28/11/2014, veio a Requerida suscitar a questão da necessidade de redução do valor do pedido, constando ainda da mesma que o Tribunal remete para final, na decisão arbitral, a fixação do valor do pedido.

  1. Cumpre assim apreciar a questão à luz das normas aplicáveis, sendo estas o art.º 12º do RJAT, que remete para o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o qual manda se atenda à determinação do valor da causa nos termos do art.º 97º-A do CPPT, sendo que este determina a aplicação do CPC, como Direito subsidiário, nos termos do previsto no art.º 2.º, alí. e).

 

  1. Nos termos do nº 2, do art.º 297º do CPC, nos critérios gerais para a determinação do valor da causa, cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, que deverá ser fixado em € 10.711,91 (dez mil, setecentos e onze euros e noventa e um cêntimos).

VII - DECISÃO

Em face do que antecede, decide-se:

  1. Julgar totalmente improcedentes os pedidos;
  2. Julgar prejudicado o conhecimento da questão da condenação da AT em juros indemnizatórios.

VIII - VALOR DO PROCESSO

€ 10.711,91 (dez mil, setecentos e onze euros e noventa e um cêntimos).

IX – CUSTAS

Conforme o disposto no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se as custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros e zero cêntimos)[14]

 

 

 

Lisboa, 01 de Abril de 2015

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do art.º 131º, nº 5 do CPC, ex vi, artº. 29º nº 1 alínea e) do RJAT, com verso em branco de cada folha, sendo a ortografia anterior ao último acordo ortográfico.

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

 

Henrique Curado

                                                                                           



[1] Foram aditados ao CIRC os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, todos eles respeitantes à derrama Estadual, com o objectivo de determinação das regras de incidência – subjectiva e objectiva – bem como Pagamento da derrama estadual e Cálculo do pagamento adicional por conta.

[2] Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35339

[3] Artigo 20.º (Entrada em vigor): 1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (…).

[4] Pode ver-se no debate na generalidade: “(…) a tributação adicional em sede de IRC, aplicando uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais ao lucro tributável superior a 2 milhões de euros”, disponível em:

http://app.parlamento.pt/DARPages/DAR_FS.aspx?Tipo=DAR+I+s%C3%A9rie&tp=D&Numero=64&Legislatura=XI&SessaoLegislativa=1&Data=2010-06-04&Paginas=44-71&PagIni=0&PagFim=0&Observacoes=&Suplemento=.&PagActual=1&PagGrupoActual=0&TipoLink=0&pagFinalDiarioSupl=&idpag=521869&idint=&iddeb=&idact=

[5] Disponível em: http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r3.dar&diary=s1l11sl1n69-0010&type=texto&q=derrama%20estadual&sm=p

[6] Disponível em: http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r3.dar&diary=s1l11sl1n64-0053&type=texto&q=derrama%20estadual&sm=p

[7] Pela  Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro - Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (que também revogou o Decreto-Lei n.º 38/2008, de 7 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 120/2012, de 19 de Junho), Lei n.º 73/2013entretanto rectificada pela Rectificação n.º 46-B/2013, de 01/11 e actualizada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12.

[8] Que revogara a Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.

[9] Sendo que existem municípios que, como medida de competitividade, optam por não a cobrar. É o caso da maioria dos municípios da Madeira: em 2013, dos 11 municípios da Região Autónoma, apenas Santa Cruz e Porto Santo dispunham de derrama municipal, como refere a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (nota 17, pg. 23).

[10] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Anotada Almedina, 2012, em anotação ao art.º 13º.

[11] Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013, Relatório Final - Uma reforma do IRC orientada para a competitividade, o crescimento e o emprego (http://www.otoc.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf).

[12] A Lei Orgânica n.º 1/2010 de 29 de Março, que procede à Alteração e republicação da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro.

[13] Enquanto raciocínio meramente teórico, pois não se vê estribo legal para tal.

[14] O valor das custas não se altera em função da alteração do valor da causa, dada a fixação das custas por escalões, de acordo com o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária