Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 875/2024-T
Data da decisão: 2025-02-25  IRC  
Valor do pedido: € 170.192,58
Tema: IRC. RFAI. Investimento inicial. Aumento da capacidade produtiva. Diversificação da produção.
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Decisão Arbitral

 

 

              Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Armindo Fernandes Costa e Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-09-2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

             

A..., S.A., NIPC ..., sociedade incorporada por fusão na sociedade B..., S.A., NIF ... com sede na ..., ... e ..., ...-... ..., doravante apenas “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação

–  da liquidação de IRC n.º 2023 ..., de 24/05/2023, relativa ao exercício de 2019, no valor de 60.204,88 Euros; liquidação de juros compensatórios n .º 2023..., no valor de 5.376,17 Euros e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.° 2023...), no valor de 120.120,62 Euros, já pago pela Requerente em 12/07/2023;

– da liquidação de IRC n. 2023..., de 26/05/2023, relativa ao exercício de 2020, no valor de 74.016,10 Euros; liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de 3.305, 37 Euros e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.2023 ...), no valor de 51.071,96 Euros, já pago pela Requerente em 14/07/2023.

 

A Requerente pede devolução das quantias pagas com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-07-2024.

Em 04-09-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 24-09-2024.

A AT apresentou resposta em que informou que foi revogada uma das liquidações impugnadas, suscitou a excepção de ineptidão da petição e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Em despacho de 26-11-2024, foi ordenada a notificação da Requerente para se pronunciar sobre o prosseguimento do processo e feito convite à Requerente para correcção do pedido de pronúncia arbitral.

              A Requerente pronunciou-se defendendo que deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide apenas quanto aos montantes de SIFIDE do período de 2020, que devem ser revistas as liquidações de juros compensatórios, que se mantém a utilidade da discussão da legalidade das correcções em sede de RFAI e que deve ser considerada  improcedente a excepção de ineptidão.

Em 05-12-2024, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral corrigido.

Em 07-02-2025, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Excepção de ineptidão

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a excepção de ineptidão porque, em suma, a Requerente não incluiu na petição a indicação do pedido.

              Na sequência de convite do Tribunal Arbitral, efectuado ao abrigo do artigo 18.º, alínea c), do RJAT, foi apresentado um novo pedido pronúncia arbitral corrigido.

              A Autoridade Tributária e Aduaneira não veio suscitar qualquer excepção em relação a este pedido de pronúncia arbitral corrigido.

              Assim, não se verifica já o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para suscitar a excepção de ineptidão da petição inicial.

Improcede, assim, esta excepção.       

             

3. Revogação parcial da liquidação impugnada

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou que revogou parcialmente a liquidação impugnada relativa ao exercício de 2020, na parte respeitante o valor do a correcções relativas ao SIFIDE a deduzir.

Essa correcção relativa ao SIFIDE não tinha sido contestada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, pelo que aquela revogação parcial não altera o objecto do presente processo.

 

 

4. Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

              Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Foi realizada uma inspecção à Requerente relativa aos anos de 2019 e 2020, ao abrigo das ordens de Serviço 012022... e 012022..., em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

V.1.1.3. Análise do investimento – RFAI 2019

No exercício de 2019, a listagem de investimento considerado elegível pelo SP ascende a € 646.351,22 euros, correspondendo a uma dotação de RFAI de € 161.587,81 euros, conforme Anexo 5.

 

(a) Investimentos em aquisições isoladas

 

Conforme referido anteriormente retira-se da descrição do projeto de investimento, ponto III.1. do relatório de enquadramento do RFAI incluído no dossier RFAI para o período 2019 a 2021, que o projeto de investimento desenvolvido para este período, visou o “…aumento da sua capacidade produtiva, pretendendo alcançar os seguintes propósitos:

Desenvolvimento e lançamento de novos produtos, indo ao encontro das necessidades e tendências do setor; 

Obtenção de ganhos de produtividade, assegurando a manutenção da flexibilidade produtiva característica, traduzindo-se no incremento dos níveis de competitividade da Empresa; 

Consolidação e crescimento no mercado nacional.

 

O investimento realizado contemplou ainda a adoção de significativamente melhorados processos, com o objetivo de potenciar a flexibilidade e eficiência produtivas e a competitividade dos seus produtos, assegurando-se assim os elevados padrões de qualidade dos produtos.”

     

Contudo, no exercício de 2019, o SP adquiriu diversos equipamentos que se elencam no quadro abaixo que não constituem ativos elegíveis para efeitos de RFAI uma vez que não se enquadram no conceito de investimento inicial. De facto, a sua aquisição e entrada em funcionamento, é perfeitamente independente do projeto descrito no dossier do RFAI, uma vez que não contribuiu para o aumento da capacidade produtiva instalada nem tão pouco para a criação de postos de trabalho. A sua aquisição, instalação e entrada em funcionamento poderia ocorrer em qualquer momento da vida da empresa, visando apenas assegurar o normal funcionamento da empresa.

 

É este o caso bomba de engrenagem adquirida para aplicação na linha bystronic da B..., da máquina de lavar, dos tapetes e motores correia, das bancadas trabalho basculantes, do kit remoção de riscos e polidora bosch, das ligações elétricas à máquina bystronic 9 mt e das ventosas para transporte de vidro. Não se vislumbra o contributo que estes equipamentos possam ter dado ao aumento da capacidade produtiva instalada na empresa, constituindo sim equipamentos enquadráveis no regular funcionamento da empresa, visando apenas a modernização.

No dia 09-11-2022 o Administrador declarou: “o equipamento produtivo – motores e tapetes de correia no valor de € 75.000,00, fatura n.º 88/2019 de 26-07-2019 identificada no mapa de reintegrações e amortizações com o código 2285 – Transfers para bilateral e incluído no projeto RFAI da B..., foi adquirido para a máquina bilateral que é propriedade da B... e para a lavadora Triulzi propriedade da A... . Justificou o declarante que este investimento serviu para aumentar a capacidade instalada do layout fabril.”

Se por um lado este equipamento foi adquirido para integrar um layout produtivo que é da B... no qual foram acoplados equipamentos da A..., no caso, a lavadora de vidro, por outro, estes transfers / tapetes de correia, quando muito, servirão para aumentar a eficiência do layout produtivo previamente instalado, cuja capacidade já existia antes da sua aquisição e que, eventualmente estava subaproveitada.

Por outro lado, o Administrador declarou ainda neste dia, 09-11-2022: “Os equipamentos transfers – motores e tapetes de correia, a mesa basculante, localizada na saída da sala de pintura Diptech, a máquina de limpeza de jets e ainda a ponte de 8 ton estão localizados na mesma área produtiva (pavilhão 2) e aumentam, em conjunto, a capacidade de produção de vidro com pintura digital da A... .”. Ora, a pintura digital da A... é executada com recurso a uma máquina de pintura digital adquirida em 2015, máquina esta que tem uma capacidade máxima instalada desde a sua aquisição, e que foi utilizada ao longo dos anos pela A..., dependendo das necessidades da empresa, a 100% da sua capacidade ou subaproveitada. Importa aqui precisar que todos os equipamentos acoplados a esta máquina, mais não fizeram do que contribuir para que a mesma

visse aumentada a sua eficiência, nunca a sua capacidade produtiva instalada. Esta capacidade produtiva instalada corresponde à capacidade produtiva original, está na empresa desde a data da sua aquisição e é inerente às caraterísticas de fabrico da própria máquina de pintura digital.

 

 É este o entendimento vertido na Informação Vinculativa, Processo n.º 2020 001469 PIV 17279, sancionado pela Diretora de Serviços de IRC por despacho de 28 de maio de 2020, quando refere que “nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015 de 21 de Setembro, que procede à regulamentação do RFAI, para efeitos do disposto no artigo 23.º do CFI, apenas são elegíveis as aplicações relevantes que respeitem a investimentos iniciais, considerando-se como tais, nomeadamente o enquadramento atribuído pelo SP ao investimento, “o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”. Concluindo que “para que o

investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de “investimento inicial”, não se considerando como aplicação relevante a “aquisição isolada” de ativos que não integrem tal conceito…”.

Acresce, ainda, o estabelecido na mesma Informação Vinculativa que: “tem sido entendimento que a referida norma [alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015] pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, realidade que não se compagina com a aquisição isolada de qualquer bem do ativo.”

Acresce, ainda, o estabelecido na mesma Informação Vinculativa: “não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento

com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas”.

Assim, face ao exposto, atendendo à alínea a) do § 49 do artigo 2.º do RGIC, alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, não é possível aceitar tal investimento como aplicações relevantes, para efeitos de RFAI, pelo que o sujeito passivo apurou uma dotação

indevida em sede de RFAI 2019 de 27.171,72 euros [108.686,88 € x 25%].

 

(b) Investimentos em equipamentos utilizados em atividades não elegíveis

 

Conforme já anteriormente referido, no dia 02-11-2022, questionado sobre o enquadramento do projeto de investimento, o Administrador declarou que: “Foi desenvolvido um projeto de investimento para efeitos de RFAI, com início em 2019 e termo 2021 enquadrado no aumento da capacidade instalada de um estabelecimento já existente. O Administrador Dr. C... esclareceu que a empresa aumentou a capacidade instalada através da extrusora que permite siliconar o vidro na instalação na casa do cliente, a viatura pesada de mercadorias que tem associada uma grua que permite aumentar a capacidade de instalação de vidro nos clientes…”, entre outros.

 

Ora, estes equipamentos, extrusora que permite siliconar o vidro na instalação na casa do cliente e a viatura pesada de mercadorias que tem associada uma grua que permite aumentar a capacidade de instalação de vidro nos clientes, consistem, de facto, em equipamentos associados a prestação de serviços assimilados a serviços de construção civil, abrangidos pela inversão do SP prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA que determina que são sujeitos passivos de IVA as pessoas coletivas com sede em território nacional que pratiquem operações que confiram direito à dedução de imposto, “… quando sejam adquirentes de prestações de serviços de construção civil…”, dispondo o n.º 13 do artigo 36.º do CIVA que a fatura emitida pelo prestador do serviço deve conter a menção “IVA – autoliquidação”. E, de facto, constata-se no ficheiro SAFT-PT da faturação do SP a existência de diversas faturas nas quais não foi liquidado IVA, com a menção de “IVA – autoliquidação”.

A este propósito consulte-se o ofício circulado nº 30101 de 24-05-2007 que determina que “Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização.” E ainda: “Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.”

Na alínea a) do ponto 1.5.4 do mesmo ofício clarifica-se que “A instalação de portas e janelas, independentemente do tipo de material utilizado, se considera abrangida pela regra de inversão.”

Por outro lado, retira-se da lista I anexa a este ofício circulado – Lista exemplificativa de serviços aos quais se aplica a regra da inversão, a menção aos seguintes serviços de construção civil:

 

- Execução de tetos e pavimentos falsos e divisórias;

- Instalação de pavimentos, portas, janelas, roupeiros, ladrilhos

 

Conclui-se, portanto, que estes equipamentos estão associados a uma atividade desenvolvida pelo SP que tem enquadramento, nos termos do DL 381/2007 de 14-11 - Classificação portuguesa das atividades económicas (CAE) — Rev. 3, no CAE 43 Atividades especializadas de construção, 433 Atividades de acabamento em edifícios, 433440 pintura e colocação de vidros, atividade esta que é considerada não elegível em sede de RFAI nos termos dos n.º 1 do art. 22.º e n.º 2 do art. 2.º do CFI (DL 162/2014, 31-12 atualizado pela Lei n.º 71/2018, 31/12) e da Portaria n.º 282/2014 de 30-12.

 

 (c) Investimentos em Obras/construções em terreno alheio 

 

 Por outro lado, e ainda no âmbito das declarações prestadas em 02-11-2022 o Administrador C... reconheceu que: “No âmbito do projeto RFAI foram incluídos os serviços prestados pelos fornecedores D... Lda, NIF..., faturas n.ºs 28 de 07-08-2019, 48 de 04-12-2019, 49 de 4-12-2019 e do fornecedor E... Lda., fatura n.º 20200321 de 09-07-2020. Estes serviços de construção e instalação elétrica foram realizados no pavilhão 4 nas instalações da B... na zona industrial dos viadores na..., Mealhada.”

 

Ora, se por um lado estes serviços de construção foram prestados em terreno alheio, por outro, o pavilhão 4, propriedade da B..., de acordo com os esclarecimentos prestados pela Administração em 22-07-2022 na resposta ao pedido de elementos de 24-06-2022 (Anexo 8), que possui a uma área de 1.500,00 m2, está parcialmente arrendado à empresa F... S.A., e ocupado pela ferramenta para refiar latão em fresadora adquirida em 2018 e pela estrutura metálica adquirida em 2020, ambos pela B... .

Verifica-se ainda que a empresa A... suportou as despesas de construção de um pavilhão localizado num terreno propriedade da B..., e incluído no complexo industrial construído e ampliado pela B... nos anos de 2015 a 2020, para o qual foi entregue pela B... em 22-07-2022, a declaração Modelo 1 de IMI com o n.º de registo..., associada ao motivo “Prédio melhorado/modificado/reconstruído” com o artigo provisório P... que agrega os artigos matriciais urbanos ...  e ... e rústicos ..., ... e ..., com uma área total do terreno de 36.627 m2, área bruta de construção de 18.748,30 m2 e área de implantação do prédio de 16.966 m2.

Face ao exposto estes serviços de construção em nada contribuíram para o aumento da capacidade instalada de estabelecimento existente e, assim sendo, não constituem investimentos elegíveis nos termos ii) a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI .

 

Síntese das correções ao benefício fiscal RFAI

 

Tal como foi relatado ao longo do relatório e aqui se reforça, o RFAI é um benefício fiscal automático (não dependente de reconhecimento), desencadeado pela declaração do sujeito passivo na qual este invoca o seu direito ao mesmo. A inobservância das condições impostas faz extinguir este direito. (artigo 14.º n.ºs 1 e 2 EBF e artigo 14º da LGT).

Resumidamente, do exposto neste relatório conclui-se que a A... adquiriu um conjunto de equipamentos que foram utilizados para melhorar a performance e complementar o funcionamento das máquinas que já detinha e incluídas num layout fabril que pertence essencialmente à empresa B..., sua relacionada. Estes equipamentos concretizaram-se em equipamentos isolados que visaram modernizar e complementar equipamentos já existentes, melhorando a performance quer da linha de fabrico da B... quer da pintura digital da A..., integrada nesta linha de fabrico/transformação de vidro, que é igualmente utilizada pelas duas empresas.

Por outro lado, verificou-se ainda que a A... adquiriu equipamentos para utilização numa atividade não elegível - 433440 pintura e colocação de vidros.

Assim, face ao descrito a dotação de RFAI no montante de € 136.587,81 do período de 2019 é ilegítima, na  medida em que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na sua parte I relativa aos princípios gerais, “os benefícios fiscais (…) caducam (…), quando condicionados, pela verificação

dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário”. 

Consequentemente, nos termos dos artigos 1.º e 22.º a 26.º do CFI, importa proceder à correção do valor inscrito no quadro 074 do anexo D da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2020, eliminando o montante de € 136.587,81, correspondente à dotação de RFAI dos investimentos não elegíveis, bem como corrigir a dedução indevida de € 108.817,89, inscrita no campo 355 do quadro 10 da referida declaração de rendimentos.

 

  1. Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações:

– de IRC, relativa ao exercício de 2019, com o n.º 2023 ... no valor de € 60.204,88; a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., no valor de € 5.376,17 e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.° 2023...), no valor de € 120.120,62; (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– de IRC, relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2023..., no valor de € 74.016,10; a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 3.305, 37 e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.° 2023...), no valor de € 51.071,96; (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 12-07-2023 e 14-07-2023, a Requerente pagou as quantias liquidadas de € 120.120,62 e € 51.071,96, respectivamente (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 08-11-2023, a Requerente reclamou graciosamente das referidas liquidações, o que deu origem ao procedimento de reclamação graciosa n.º  ...2023... (processo administrativo);
  3. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 17-04-2024 proferida pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ... (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Naquele despacho manifesta-se concordância com a Informação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

E, tal como é amplamente descrito no RIT, e afirmado na resposta à reclamação graciosa, o layout fabril da A... não é autónomo e próprio, mas sim partilhado com a B..., que é a detentora da maioria dos equipamentos. No RIT é afirmado que as máquinas da A... visualizadas integram, intercaladamente, o layout fabril da A..., formando conjuntamente com os equipamentos da A..., uma única linha de produção/transformação. A título de exemplo, no RIT descreveu-se a localização de alguns equipamentos da A...: a linha de corte e o forno HST estão no pavilhão 1, a máquina de arestas straight line edging, a lavadora triulzi e a linha de pintura digital estão no pavilhão 2, os transfers para bilateral que estão a servir a máquina bilateral propriedade da B... e a Triulzi da A... localizam-se no pavilhão 3.

De facto, de acordo com o RIT, o que se concluiu nesta visita, face ao observado, é que, não só o layout fabril do complexo industrial B... é único, como também é utilizado pelas duas empresas em função das decisões da administração que é comum às duas empresas, inexistindo segregação de linhas de fabrico/transformação do vidro de uma e de outra empresa.

E mais se refere no RIT que todo o espaço é partilhado pelas duas empresas, os funcionários de ambas circulam livremente pelas instalações e os softwares Infraspeák e ERP, adquiridos pela B..., são utilizados para controlar o processo de fabrico no complexo B... incluindo máquinas propriedade da

B... e máquinas propriedade da B... .

É ainda mencionando no RIT que, no mail remetido em 22-11-2022 anexo ao RIT, a Administração veio esclarecer as áreas ocupadas pela empresa A... nas instalações da B... dando-se nota da exiguidade do espaço ocupado pelas máquinas propriedade da A..., (319 m2 em 16.725 m2 da área global dos 5 pavilhões do complexo B...). Ou seja, quando o Sujeito Passivo no ponto 7. da audição prévia à reclamação graciosa afirma que "os investimentos realizados se relacionam com o aumento da capacidade de um estabelecimento existente", está a referir-se a um estabelecimento existente que é propriedade de outra empresa (a B...), no qual existe um layout fabril, utilizado por ambas as empresas, A... e B..., ao abrigo de um contrato designado de prestação de serviços em que a maioria dos equipamentos pertencem à B..., e onde, intercaladamente, conforme demonstrado no RIT e descrito também na resposta à reclamação graciosa, foram instaladas máquinas da A..., que ocupam 319 m2 em 16.725 m2 da área global dos 5 pavilhões do complexo B... .

Face a estas conclusões, decorrentes da prova recolhida e anexa ao RIT, fica claro que os investimentos realizados pela A..., mais não são do que equipamentos isolados. A A..., ao abrigo de um contrato de prestação de serviços realizado com a B..., instalou as suas máquinas intercaladamente com as máquinas da B..., num estabelecimento existente propriedade da B..., complementando o layout fabril da B..., layout este que ambas as empresas utilizam ao abrigo do tal contrato de prestação de serviços.

E o facto de a B... e a A... serem empresas do mesmo grupo económico em nada altera a interpretação do n.º 2 do artigo 22 do CFI, pois estão em causa sujeitos passivos diferentes.

O facto é que o estabelecimento existente, cuja capacidade produtiva a Reclamante quer fazer crer que foi aumentada com a aquisição dos equipamentos arrolados no RIT, é propriedade da B..., sendo que os equipamentos que integrou nesta linha são efetivamente equipamentos isolados, que serviram para complementar e modernizar uma linha de fabrico que na essência não é da sua propriedade.

Face ao exposto e, de acordo com o descrito no RlT, concluíram os SIT, e muito bem, que os investimentos realizados pela empresa em 2019 e em 2020, se tratam de aquisições de equipamentos isolados, não contribuindo para o aumento da capacidade instalada de estabelecimento existente, incumprindo o disposto na alínea a) do $ 49 do artigo 2.° do RGIC, alínea d) do n.° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de setembro, e alínea f) do n." 4 do artigo 22.° do CFI, concluindo-se, portanto, pela não aceitação de tais investimentos como aplicações relevantes, para efeitos de RFAI.

Por outro lado, e referindo-nos agora à "extrusora que permite siliconar o vidro" e à "viatura pesada de mercadorias e grua" o Sujeito Passivo vem, de novo, contestar que a AT tenha considerado em sede de RIT que os mesmos se relacionam com atividades especializadas de construção, não elegíveis em sede de RFAI nos termos dos n.° 1 do art. 22.°e n.º do art. 2.° do CFI (DL 162/2014, 31-12 atualizado pela Lei n.º 71/2018, 31/12) e da Portaria n.° 282/2014 de 30-12.

Ora, foi o próprio Administrador da empresa que detalhou esse facto no dia 02-11-2022 prestando as declarações escritas anexas ao RIT, nas quais assumiu que "Foi desenvolvido um projeto de investimento para efeitos de RFAI, com início em 2019 e termo 2021 enquadrado no aumento da capacidade instalada de um estabelecimento já existente. O Administrador Dr. C... esclareceu que a empresa aumentou a capacidade instalada através da extrusora que permite siliconar o vidro na instalação na casa do cliente, a viatura pesada de mercadorias que tem associada uma grua que permite aumentar a capacidade de instalação de vidro nos clientes e (...)". Aliás, também do termo de declarações de 09-11-2022 anexo ao RIT, consta uma grelha de verificação dos equipamentos da A... na qual está anotada relativamente à "Extrusora de butilo manual 7,5 kg n.° série 20053" a menção "máquina utilizada na prestação serviço instalação do vidro na casa do cliente."

Conclui-se, portanto, que, foi o próprio Administrador que enquadrou esta atividade no âmbito dos serviços de instalação do vidro na casa do cliente, e, por conseguinte, no âmbito dos serviços assimilados a serviços de construção civil, abrangidos pela inversão do SP prevista na alínea j) do n." 1 do artigo 2.° do CIVA.

Acresce referir que se retira inclusivamente do RIT, que no ficheiro SAFT-PT da faturação da A... constam diversas faturas nas quais não foi liquidado IVA, com a menção de "IVA - autoliquidação" referindo-se inclusivamente que em 2020, esta faturação correspondeu a € 1.570.791,45, (FT + ND-NC)

Em face do exposto, e com base no incumprimento do disposto na alínea a) do $ 49 do artigo 2. do RGIC alínea d) do n." 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de setembro, e alínea f) do n.° 4 do artigo 22.° do CFI, os investimentos em causa não são elegíveis em sede de RFAI e, portanto, somos de PARECER que a petição em análise deve ser indeferida.

 

3. CONCLUSÃO

 

Em face do exposto, somos de parecer que será de decidir de harmonia com a proposta acima referida, já notificada ao sujeito passivo, no sentido do indeferimento.

 

 

  1. Em 15-07-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
  2. Em 21-10-2024,  a Subdiretora – Geral da Área da Gestão Tributária IR, decidiu manter a liquidação relativa ao período de tributação de 2019 e anular parcialmente a liquidação relativa ao exercício de 2020, quanto ao valor do SIFIDE a deduzir (documento junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Na sequência da decisão referida na alínea anterior, a Requerente manifestou interesse na continuação do presente processo, para que seja apreciada a legalidade das correções efetuadas (tanto em 2019 como em 2020) pela AT em relação ao RFAI;
  4. A Requerente emitiu as facturas que constam do documento n.º 6 cujo teor se dá como reproduzido;
  5. A A... S.A. (doravante “A...”)  adquiriu por fusão a Requerente (certidão permanente junta aos autos, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira o documento denominado «Enquadramento do Projeto de Investimento no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento de 2019 a 2021» que consta do Anexo 4 do Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere o seguinte:

Neste âmbito, os investimentos efetuados pela Empresa, iniciados em janeiro 2019, inserem-se na tipologia de “Aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, na medida em que visam a concretização de um conjunto de investimentos de índole produtiva que permitirão dotar a Empresa de equipamentos state-of-the-art necessários à produção de novas gamas de vidros com caraterísticas técnicas diferenciadoras face aos existentes no mercado, sem descurar as caraterísticas estéticas e funcionais destas novas soluções.

Neste sentido, o presente projeto assenta na criação das condições técnicas e tecnológicas indexadas à inovação de produto, com claros efeitos diferenciadores e únicos a nível nacional e no contexto do setor em que a A... atua, através do aumento da capacidade instalada existente no pré-projeto, de forma a garantir a conceção, preparação, produção e lançamento de novos produtos, os quais, pelas características diferenciadoras que exibem, permitem antecipar e dar resposta às tendências emergentes do setor»;

 

  1. A Requerente e a B... integravam o mesmo grupo e partilhavam instalações, aproveitando sinergias para terem ganhos de escala e produtividade e estratégias comerciais complementares (depoimentos de G... e H...);
  2. A Requerente produzia vidro para clientes nacionais tradicionais, mais reduzidos, enquanto a B... produzida para grandes clientes e obras, tendo um número mais reduzido de clientes (depoimento de G...);
  3.  A Requerente subcontratava à  B... actividades em que não era autónoma que não tinham a ver com os investimentos considerados para efeitos de RFAI (depoimento de G...);
  4.    A Requerente fabricava vidros que nenhuma empresa fabricava em Portugal, designadamente vidros curvos e com pintura digital e vidros temperados duplos entre os 6 e 9 metros quadrados (depoimentos de G... e I... facturas que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. A bomba de engrenagem Bystronic é necessária para fabricar vidro duplo para fazer a selagem em silicone (depoimento de G...);
  6. Os motores e tapetes de correia transportadores automáticos, permitiram aumentar a produção, evitando paragens que o sistema anterior implicava para limpeza (depoimento de G...);
  7. O equipamento automático de manipulação de vidros de grandes dimensões, com ventosas, permitiu à Requerente produzir vidros de dimensões superiores (depoimento de G...);
  8. Todos estes equipamentos são utilizados pela Requerente, mas com uma lógica de grupo com a B..., aproveitando sinergias e fazendo economias de escala, na medida em quantas mais horas os equipamentos forem utilizados maior é a rentabilidade deles (depoimentos de C..., I... e H...);
  9. A viatura com guindaste serviu para transportar vidros de grandes dimensões às casas dos clientes, possibilitando fazer vendas que não seriam feitas se não fosse assegurado o transporte (depoimento de C...);
  10. Os investimentos em equipamentos efectuados em 2019, permitiram à Requerente aumentar a sua actividade, a gama de tipos de vidros produzidos (como vidro temperado, vidro duplo, vidro curvo e vidro com pintura digital) e o volume de negócios, bem como criar 10 a 15 postos de trabalho, que se mantiveram (depoimento de I... e documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. Todos os vidros com pintura digital são produzidos pela Requerente (depoimento de C...);
  12. A extrusora destina-se a fazer a 2.ª selagem do vidro em silicone na fábrica, o que é uma etapa produtiva (depoimento de C...);
  13. Em 01-01-2014, a Requerente celebrou com a B... o contrato de prestação de serviços que consta do anexo 3 do Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido;
  14. A mesa basculante, a máquina de limpeza de jets e ponte rolante de 8 toneladas permitiram o aumento da capacidade de produção de vidro, nomeadamente no que concerne à pintura digital associada à sala de pintura Diptech da aqui Reclamante, que passou a ser executada de forma mais rápida e eficaz, por dispensarem paragens para limpeza (depoimento de C...);
  15. A viatura com grua foi adquirida para transportar vidros de grandes dimensões aos locais onde são instalados (depoimento de C...); 
  16. Os espaços das instalações da A... e da B... não eram separados (depoimento de C...);
  17.  A Requerente pagava uma renda de 25.000 euros por mês à B... pela utilização das instalações desta (depoimento de C...);
  18. A máquina da pintura digital é da Requerente bem como os equipamentos complementares (depoimento de C...);
  19. A extrusora de butilo manual 7,5 kg foi adquirida em 2020 pelo valor de € 26.5000,00 e era utilizada na instalação de vidro nas casas dos clientes, encontrando-se quando foi efectuada a listagem que consta da página 21 do Relatório da Inspecção Tributária «deslocada em serviço» (Relatório da Inspecção Tributária e depoimento de H...);

 

 

4.2. Factos não provados

 

4.2.1. Não se provou que a extrusora adquirida em 2020 se destinasse a ser utilizada nas instalações da Requerente.

O depoente C... referiu que a extrusora que falou está na linha de montagem e o equipamento que permite siliconar na casa do cliente será um equipamento portátil.

Será a esse equipamento portátil que se refere o Relatório da Inspecção Tributária, ao referir que se destinava a ser utilizado na casa do cliente.

No entanto, é irrelevante apurar qual a utilização da extrusora, pois o valor da que se refere no Relatório da Inspecção Tributária (€ 26.500,oo) não foi considerado nas correcções efectuadas com fundamento em se trata de actividade de construção civil, pois reportam-se apenas a investimentos efectuados em 2019, como se vê a páginas 45 do Relatório da Inspecção Tributária.

 

4.2.2. Não se provou em que medida o «Kit remoção de riscos e polidora Bosch» possa ter contribuído para aumento da capacidade da Requerente.

De resto, nem no pedido de pronúncia arbitral nem nas alegações a Requerente explica como desse investimento possa ter resultado um aumento da sua capacidade    

             

 

 

4.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base nos depoimentos de parte e das testemunhas.

Os depoentes aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

O depoente C... trabalha na Requerente desde 2009 e é actualmente administrador da B..., em que foi incorporada a Requerente.

A testemunha I... é consultor da Requerente desde 2015.

A testemunha H... é a inspectora tribuária que efectuou a inspecção referida nos autos.

 

5. Matéria de direito

 

Nos períodos de 2019 a 2021, o sujeito passivo A... S.A. procedeu à criação de dotações de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) nos montantes de 169.087,81 euros, 11.496,78 euros e 9.949,39 euros, as quais foram sendo parcialmente utilizadas ao longo do próprio e do período seguinte por deduções à coleta inscritas no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC.

No ano de 2019, foi efectuada dedução à colecta no valor de € 133.817,89, tendo transitado para o ano de 2020 o valor de € 35.269,92, que neste foi utilizado para dedução à colecta ao abrigo do RFAI.

Na sequência de uma inspecção à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções em sede de IRC, relativas a deduções à colecta efectuadas por aquela ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), nos exercícios de 2019 e 2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções com base em três tipos de fundamentos:

 

(a) a A... adquiriu um conjunto de equipamentos que foram utilizados para melhorar a performance e complementar o funcionamento das máquinas que já detinha e incluídas num layout fabril que pertence essencialmente à empresa B..., sua relacionada. Estes equipamentos concretizaram-se em equipamentos isolados que visaram modernizar e complementar equipamentos já existentes, melhorando a performance quer da linha de fabrico da B... quer da pintura digital da A..., integrada nesta linha de fabrico/transformação de vidro, que é igualmente utilizada pelas duas empresas (€ 27.171,72)

(b) a A... adquiriu equipamentos para utilização numa atividade não elegível - 433440 pintura e colocação de vidros (€ 66.434,59).

(c) Investimentos em Obras/construções em terreno alheio  (€ 42.981,50).

 

No presente processo, a Requerente apenas contesta as correcções referidas nas alíneas (a) e (b).

 

5.1. Equipamentos adquiridos pela Requerente relacionados com a sociedade B..., S.A.

 

O artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC), estabelece, entre outras, as seguintes definições, no que aqui interessa:

41) «Auxílios regionais ao investimento», os auxílios com finalidade regional concedidos para um investimento inicial ou um investimento inicial a favor de uma nova atividade económica;

49) «Investimento inicial»,

a) Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; ou

 

Idêntica definição do «investimento inicial» é efectuada no artigo 4.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento (CFI) em que se esclarece que

Consideram-se projetos de investimento inicial os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo global de produção de um estabelecimento existente.

 

Semelhante definição de «investimento inicial» é adoptada na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, em que se refere que

 

Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

 

O n.º 49 do artigo 2.º do RGIC, o n.º 2 do artigo 4.º do CFI  e o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015 apenas exigem, no que aqui interessa, que os investimentos estejam «relacionados» com aumento da capacidade de um estabelecimento existente.

Basta a relação desses investimentos com o aumento da capacidade produtiva para assegurar o direito da Requerente a dele usufruir.

As normas que prevêem benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus termos, sem ampliações ou restrições, com primazia do elemento literal, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas ( [1] )( [2] ), sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa. ( [3] ).

Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual, designadamente o de, relativamente a investimentos de que decorra que aumento de eficiência da empresa, passando ela a poder produzir mais do que antes produzia, não se  estar perante aumento da capacidade de um estabelecimento existente.

De resto, a própria posição da Comissão Europeia que a Autoridade Tributária e Aduaneira transcreve no RIT (página 42), veiculadas na FAQ n.º 26 do «General Block Exemption Regulation (GBER) Frequently Asked Questions July 2015»  ( [4] ), é no sentido de ser abrangido no conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente» qualquer aumento da possibilidade de fabricar mais produtos, mesmo que os investimentos se tenha limitado a permitir a utilização de uma capacidade de produção que estava subaproveitada.

Na verdade, refere-se nessa FAQ 26:

26.What is meant by "extension of the capacity of an existing establishment"? Is this to be taken to mean production of a greater volume of all products?

The extension of capacity of an existing establishment means that the existing establishment is put into a situation where it can manufacture more volume of at least one of the products already produced in the establishment, whilst the underlying overall production process is not fundamentally changed.

 

Isto é, em tradução livre:

26. O que se entende por "extensão da capacidade de um estabelecimento existente"? Isso deve ser entendido como a produção de um volume maior de todos os produtos?

 A extensão da capacidade de um estabelecimento existente significa que o estabelecimento existente é colocado em uma situação em que pode fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento, enquanto o processo de produção geral subjacente não é fundamentalmente alterado.

 

Como se vê, não há, quanto a este conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente», qualquer referência a afastamento das situações em que não há aumento da capacidade instalada e, pelo contrário, incluem-se neste conceito todas as situações em que, com o equipamento adquirido, o estabelecimento passa a poder fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento.

Assim, a solução da questão da aplicação destes benefícios fiscais à Requerente reconduz-se a saber se os investimentos na máquina Bystronic e respectivas ligações eléctricas, na máquina de lavar 225BAR, motores e tapetes de correia, bancadas de trabalho basculantes e ventosas para transporte de vidro, reconduz-se a saber se deles resultou que a Requerente passasse a poder produzir mais do que o que produzia anteriormente.

A prova produzida aponta no sentido de tal aumento da capacidade de produção ter ocorrido, com maior quantidade de produção e novos tipos de produtos.

Para além disso, os factos de seu volume de negócios da Requerente ter aumentado consideravelmente e de a Requerente ter contratado mais entre 10 e 15 trabalhadores, que manteve corroboram a conclusão de que houve criação de condições materiais que permitiram esse aumento, designadamente a nível de maior aproveitamento da capacidade de produção instalada.

O facto de parte do processo produtivo não ser levado a cabo pela própria Requerente, mas sim pela B... com quem contratou a prestação de serviços, não afasta a aplicação do benefício fiscal, pois não há qualquer suporte legal para vislumbrar como requisito da sua aplicação que toda o processo de produção tenha de ser directamente assegurado integralmente pela empresa que faz o investimento. Na verdade, o n.º 49 do artigo 2.º do RGIC e o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015 apenas exigem, no que aqui interessa, que os investimentos estejam «relacionados» com aumento da capacidade de um estabelecimento existente.

Para além disso, como defende a Requerente, um investimento não deve ser desconsiderado pelo facto de incidir sobre um equipamento já existente ou por integrar uma linha de produção já existente, desde que, com o adicionamento de equipamentos, passe a poder fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento.

Por isso, está-se perante uma situação enquadrável naquele conceito de «aumento da capacidade de um estabelecimento existente» utilizado na alínea 49) do artigo 2.º do RGIC, no n.º 2 do artigo 4.º do CFI e na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro.

Pelo exposto, as correcções efectuadas em sede de RFAI relativas à máquina Bystronic e respectivas ligações eléctricas, à máquina de lavar 225BAR, aos motores e tapetes de correia, às bancadas de trabalho basculantes e às ventosas para transporte de vidro, enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam  a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

Dessas correcções de RFAI no valor de € 27.171,72 efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira a título de «aquisições isoladas», que apenas relativamente ao «Kit remoção de riscos e polidora Bosch», em relação ao qual a Requerente declarou um crédito de RFAI de € 170,46, não se fez prova de que esteja relacionado com o aumento da capacidade da Requerente.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne às correcções denominadas como baseando-se em «investimentos em aquisições isoladas», quanto ao valor de € 27.001,26.

 

 

5.2. Actividades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como sendo de construção civil

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como equipamentos não elegíveis para o RFAI, por serem utilizados em actividades não elegíveis os seguintes:

 

 

 

 

Tanto a viatura como a grua eram utilizadas pela Requerente para transportar e instalar vidros para casa dos clientes, pelo que são de considerar serviços prestados no âmbito de actividade de construção civil, já que o transporte e a colocação de vidros em casas são actos necessários para a concretização de uma obra.

Por um lado, o transporte de vidros e sua montagem em casas de clientes não tem potencialidade para aumentar a capacidade de produção do estabelecimento da Requerente, pelo que, desde logo, não se inclui no âmbito do RFAI, na tipologia visada pela Requerente «aumento da capacidade de um estabelecimento existente».

Por outro lado, por força do preceituado no artigo 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii) do Código Fiscal do Investimento, os investimentos em activos fixos tangíveis relacionados com a construção de edifícios apenas podem incluir-se no âmbito do RFAI no caso de se tratar de «instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas», o que nem sequer é alegado.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção relativa a actividades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como sendo de construção civil, no valor de € 66.434,59.

 

5.3. Conclusão

 

De harmonia com o exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede apenas quanto às correcções denominadas ela Autoridade Tributária e Aduaneira como baseando-se em «investimentos em aquisições isoladas», quanto ao valor de € 27.001,26.

A decisão da reclamação graciosa, que manteve as liquidações quanto a estas correcções enferma do mesmo vício que afecta as liquidações, pelo que também se justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

              6. Restituição de quantia paga e juros indemnizatórios

 

           A Requerente pagou as quantias liquidadas (€ 51.071,96 e € 120.120.62, relativamente às liquidações dos exercícios de 2019 e 2020, respectivamente) e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios.

Como consequência da anulação parcial das liquidações a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou em excesso.

              Não havendo no processo elementos para determinar com segurança o valor a reembolsar, em face da revogação parcial das liquidações, designadamente em face da revogação parcial decidida por via administrativa, o montante a reembolsar deverá ser determinado em execução da presente decisão arbitral.

 No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso em apreço, os erros que afectam as liquidações são imputáveis â Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base na quantia a reembolsar, relativamente a cada liquidação desde a data do respectivo pagamento, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

                 7. Decisão      

 

              De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente parcialmente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2023..., de 24-05-2023, relativa ao exercício de 2019, e a liquidação de juros compensatórios n .º 2023..., e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.° 2023...), bem como anular parcialmente a liquidação de IRC n. 2023..., de 26/05/2023, relativa ao exercício de 2020, a  liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., e respectiva demonstração de acerto de contas (liquidação n.º 2023...), nas partes em que têm com pressuposto a não dedução à colecta do montante de € 27.001,26, com fundamento no RFAI;
  4. Anular parcialmente a de decisão da reclamação graciosa n.º ...2023..., na parte em que não anulou as liquidações relativamente àquele montante de dedução à colecta;
  5. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o que for determinado em execução da presente decisão arbitral.
  6. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, contados nos termos referidos no ponto 6 desta decisão arbitral.

 

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 170.192,58, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

9. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 84,13% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira 15,87% .

 

Lisboa, 25-02-2025

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Armindo Fernandes Costa)

 

 

 

(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)

 



[1](  )     Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

           Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[2](  )    O TJUE também tem decidido que as normas derrogatórias, como são as relativas a isenções e benefícios fiscais, devem ser objecto de interpretação estrita (acórdãos 14-06-2007, processo C-434/05, n.º 16; de 05-03-2015, processo C-553/13, n.º 39; de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, n.º 26; de 08-10-2020, processo  C-235/19, n.º29; de 12-03-2015, processo C-594/13, n.º 17). 

[3](  ) Essencialmente neste sentido, CLOTILDE CELORICO PALMA, Enquadramento das operações financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, in Colecção Cadernos IDEFF, n.º 13, [Coimbra], Almedina, 2011, páginas 60-63.