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Sumário:
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O erro traduzido na não dedução de uma parte do IVA suportado na aquisição de inputs de utilização mista é considerado um erro de direito, pelo que, os actos tributários de autoliquidação onde se expressou o apuramento incorrecto do IVA e donde resultou a entrega indevida desse imposto nos cofres do Estado, podem ser objeto de revisão. Esta revisão pode ocorrer dentro do prazo de quatro anos por aplicação conjugada do artigo 98.º do CIVA e do artigo 78.º da LGT.
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Recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos que permitam quantificar o montante do imposto que por erro não foi deduzido.
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Os requisitos formais associados à dedução do IVA, mesmo quando estamos perante uma dedução parcial resultante da desoneração de imposto suportado em recursos de imputação mista, são de tal forma apertados que era imperativa, nos termos do que dispõe o n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, para além da apresentação de facturas emitidas em conformidade com o art.º 36.º do CIVA, a junção de outros elementos de prova que legitimassem as acrescidas deduções, só assim se demonstrando o aludido erro e a correspectiva e alegada incorreta quantificação do IVA que deixou de ser deduzido.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro presidente), Fernando Marques Simões (árbitro vogal) e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO:
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A... – SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. (doravante, designada por Requerente), NIPC..., com sede na..., n.º..., ..., ...‐... Lisboa, apresentou, em 24.06.2024, um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º conjugado com o art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”) e do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 09.08.2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28.08.2024 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 02.10.2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação. Nessa mesma data apresentou o Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA.
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Em 4.10.2024, a Requerente foi notificada do despacho que a convidava a, querendo, exercer o direito ao contraditório sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, o que fez mediante requerimento entrado do SGP do CAAD em 18.10.2024.
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Por despacho de 22.01.2025 e por não haver sido requerida a produção de prova testemunhal, foi dispensada, por desnecessidade, a realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção. Foram ainda notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 15 (quinze) dias, cuja contagem se iniciava da data da notificação às partes do referido despacho. Foi ainda determinado que a prolação da decisão arbitral ocorreria até à data limite prevista no n.º 1 do art.º 21º do RJAT, ou seja, até ao próximo dia 28.02.2025, advertindo-se a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente no prazo de 15 (quinze) dias, devendo juntar aos autos o respectivo comprovativo.
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Em 13.02.2025, a Requerente apresentou alegações finais, repristinando, no essencial, a posição que já havia sustentado inicialmente no PPA e no articulado superveniente.
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A Requerida não apresentou alegações finais.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações da Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA) e quanto à questão da (in)existência de erro imputável aos serviços a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, começa a Requerente por trazer à colação um excerto do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (doravante “STA”), de 19 de Novembro de 2014, Processo n.º 0886/14 e ainda o entendimento perfilhado no Acórdão proferido também pelo STA, a 12 de junho de 2017, no âmbito do Processo n.º 0926/17, dizendo a Requerente que igual entendimento foi adotado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (doravante “TCAS”), no âmbito do Processo n.º 2324/11.2BELRS.
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No sentido de respaldar a sua posição sobre a questão da (in)existência de erro imputável aos serviços a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a Requerente refere ainda a Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, tirada no Processo n.º 167/2022‐T.
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Enunciadas as referidas decisões jurisprudenciais, aduz a Requerente no sentido de que “(...) apresentou, no passado dia 29 de dezembro de 2023, um Pedido de Revisão Oficiosa junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual constituíram objeto os atos tributários de autoliquidação de IVA referentes aos meses de dezembro de 2019 e dezembro de 2020, nos termos dos quais, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pela Requerente, esta procedeu à liquidação (e consequente pagamento) de imposto em montante superior àquele exigido pelo princípio da neutralidade, que rege o sistema comum do IVA.”
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Dando a Requerente de seguida conta de que “(...) o referido Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido pela AT, por ofício datado de 7 de março (...), com base na alegada inexistência de um erro, independentemente da sua imputabilidade, na prática dos atos tributários de autoliquidação de IVA em crise naquela petição, entendendo antes que o que ocorreu foi uma opção legítima da Requerente pelo não exercício do direito à dedução do imposto liquidado.”
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Partindo daqui e fundada no entendimento prolatado no acima melhor identificado Acórdão do STA, tirado no âmbito do Processo n.º 0926/17, sustenta a Requerente que “(...) resulta evidente que, ainda que estejamos perante atos tributários de autoliquidação de IVA, nos quais, regra geral, não é possível imputar erros à AT, esta entidade passou a ter conhecimento de atos tributários de autoliquidação de IVA sindicados no presente pedido através do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela ora Requerente, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir a sua pretensão.”
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Intuindo dali que, suscitada a possibilidade de correcção do aventado erro junto da AT com a apresentação do pedido de revisão oficiosa e constatado o seu indeferimento, tal erro passou a ser àquela imputável.
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Quanto à qualificação do erro (que, diga-se desde já, a Requerente considera como erro de direito), começa por enunciar as disposições relevantes da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, doravante “DIVA”, aduzindo no sentido de que “O regime do direito à dedução do IVA incorrido pelos sujeitos passivos deste imposto encontra previsão legal nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA.”
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Não deixando de referir o art.º 169.º da DIVA, dizendo que ele “(...) estabelece um princípio de imputação direta, nos termos do qual o montante total do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam totalmente afetos a operações que conferem o direito à dedução poderá ser objeto de dedução – estamos no âmbito dos recursos exclusivos.” Prossegue dizendo que “A “contrario sensu”, o montante do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços afetos, exclusivamente, a operações que não conferem o direito à dedução, não é passível de qualquer dedução.” E ainda: “[E]stabelece‐se, por esta via, a exigência de um nexo objetivo integral entre a operação a montante e a operação a jusante, de forma a reconhecer‐se, ou não, o direito à dedução do imposto correspondente.”
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Quanto à desoneração do IVA suportado em custos de utilização mista, ou seja, materializados na aquisição de bens e/ou de serviços que sejam utilizados, simultaneamente, em operações que conferem o direito à dedução do IVA e em operações que não conferem esse mesmo direito, traz a Requerente à colação os artigos 173.º a 175.º da DIVA. Segue-se a transcrição do art.º 173.º da DIVA, donde se intui que relativamente aos bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações tributadas como isentas, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Tal normativo comunitário dispõe ainda no sentido de que “O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.”
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No que tange à determinação da aludida percentagem de dedução, reproduz a Requerente o disposto no art.º 174.º da DIVA, inferindo da tal normativo o seguinte: “(...) o pro rata consiste no cálculo de uma percentagem de dedução atendendo ao “peso” que as operações que conferem o direito à dedução assumem no total das operações realizadas pelo sujeito passivo.” E ainda: “[E]ste método representa uma aproximação da utilização efetiva dos bens e serviços adquiridos, através de uma presunção do peso relativo do valor das operações tributadas (e que conferem o direito à dedução) no total das operações realizadas, no período de um ano.”
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De seguida e volvendo para o quadro normativo em vigor à data dos factos e que transpôs para a ordem jurídica interna as acima citadas disposições da DIVA, a Requerente traz à discussão os artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA (doravante “CIVA”).
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Dá nota a Requerente de que não deduziu qualquer montante do IVA incorrido com recursos de utilização mista através do método da percentagem de dedução ou até mesmo através do método da afetação real a que se reporta o art.º 23.º do CIVA, retirando daqui o errado enquadramento no que tange ao direito à dedução do IVA por si incorrido na aquisição de bens e serviços que consubstanciam recursos de utilização mista.
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Concluindo a Requerente, nessa decorrência, que, nos anos 2019 e 2020, não deduziu, nos termos da lei, o imposto que deveria ter deduzido, liquidando, em consequência, uma prestação tributária de IVA superior à que resulta da lei e quantificando-a, por recurso ao mapa resumo junto ao PPA como Doc. n.º 5, refere a Requerente: i) para o ano 2019 e por aplicação do método do pro rata, ao IVA incorrido com recursos de utilização mista, considerando uma percentagem de dedução de 10%, teria direito à dedução de imposto no montante de 116.806,45 €; ii) para o ano 2020, por aplicação do mesmo método de dedução aplicável ao IVA incorrido com recursos de utilização mista, aplicando também uma percentagem de dedução de 10%, teria direito à dedução de imposto no montante de 59.078,82 €.
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Concluindo como segue: “[P]elo exposto, e uma vez que os atos tributários de autoliquidação de IVA efetuados pela Requerente, nas declarações periódicas de imposto dos meses de dezembro de 2019 e 2020, originaram uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de 175.885,27 €, constitui esse montante de imposto a prestação tributária entregue em excesso que deverá ser restituída à Requerente.”
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A propósito da alegada pela AT, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, impossibilidade de alteração do método de dedução inicialmente escolhido, fundada em argumentário que sustenta: i) inexistir uma norma do sistema comum do IVA ou da legislação nacional que viabilize uma modificação retroativa do método de dedução usado ab initio pelo sujeito passivo (afastando, em particular, a aplicação do n.º 2 do artigo 98.º); e ii) na circunstância de estar vedada tal modificação por aplicação do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, começa a Requerente por recordar que “(...) a retificação, com efeitos retroativos, do exercício do direito à dedução é genericamente possível – i.e., não se encontra vedada ab initio, nem tal poderia acontecer, por força do princípio da neutralidade fiscal do imposto – sem prejuízo de o Código do IVA prever procedimentos e prazos específicos para o efeito, consoante o tipo de situação (de “erro”) em causa.”
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Defende-o, ancorada nos ensinamentos de Raquel Montes Fernandes, in “Cadernos IVA 2023”, “A “nova” revisão oficiosa e o “atropelo” do direito à dedução de IVA”, pág. 360, quando a dado passo aquela refere “[s]endo certo que os sujeitos passivos são livres de escolher o método de dedução que, em cada momento do exercício do direito à dedução, se lhes afigura mais preciso, importa não esquecer que a correção de erros que tenham gerado uma dedução inferior ou superior à devida é, também ela, um imperativo legal (conforme resulta do art.º 184 da Diretiva IVA). Consequentemente, um e outro regime devem ser compatibilizados”.
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Segue-se a enunciação do Acórdão de 16.06.2016 do Tribunal de Justiça da União Europeia, Kreissparkasse Wiedenbrück, C‐186/15, EU:C:2016:452, n.°s 46 e 47 e a seguinte transcrição: “(...) o artigo 184.° da Diretiva 2006/112 prevê que a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito. Segundo o artigo 185.°, n.° 1, desta diretiva, a regularização deve ser feita designadamente em caso de alteração dos elementos inicialmente considerados para determinar o montante da dedução. Decorre da leitura conjunta dessas duas disposições que, por um lado, quando, devido à alteração de um dos elementos inicialmente considerados no cálculo das deduções, se torne necessária a regularização, o cálculo do montante desta regularização deve levar a que o montante das deduções operadas a final corresponda àquele que o sujeito passivo teria o direito de fazer se essa alteração tivesse inicialmente sido tida em conta.”
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E partindo das acima identificadas referências (doutrinal e jurisprudencial), conclui a Requerente no sentido de que resulta “(...) da conjugação dos artigos 184.º e 185.º da Diretiva IVA, um imperativo legal de regularização (a posteriori, com efeitos retroativos) de deduções de imposto superiores ou inferiores ao montante de dedução a que o sujeito passivo tem direito, independentemente do tipo de erro em causa (...)”, não deixando aquela da invocar ainda o Despacho do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 18.05.2021, Skellefteå Industrihus, C‐248/20, EU:C:2021:394, n.º 43, ao referir que “[O] artigo 184.º da Diretiva IVA define a origem da obrigação de regularização da forma mais ampla possível, na medida em que «[a] dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito». Esta formulação não exclui a priori nenhuma situação hipotética de dedução indevida, sendo o alcance geral da obrigação de regularização corroborado pela enumeração expressa das exceções previstas no artigo 185.º, nº 2, dessa diretiva.”, donde intui, com respaldo na vigência do princípio da neutralidade fiscal, que o sujeito passivo apenas deve ser onerado com o imposto que, na estrita medida da sua atividade, não tenha o direito a deduzir, e não com imposto que, por erro, não deduziu.
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E isto dito conclui a Requerente no sentido de que “In casu, a alteração de metodologia da dedução do IVA não se reconduz aos conceitos de erro material ou de cálculo, fatura inexata, anulação da operação ou redução do seu valor tributável, especialmente previstos no artigo 78.º do Código do IVA, sendo entendido, por grande parte da doutrina e da jurisprudência nacional, como correspondendo a um erro de direito.” (Neste sentido, remete a Requerente, a título de exemplo, para o Acórdão de 08.07.2021 do TCAS, proferido no processo n.º 984/14.1BELLE, que cita jurisprudência consolidada sobre a matéria.); aduzindo ainda que é também amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência nacional que os erros de direito são regulados pela disciplina do n.º 2 do art.º 98 do CIVA. (Neste sentido, remete a Requerente, a título de exemplo, para as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 15/2020‐T e 493/2021‐T, transcrevendo de uma delas o seguinte excerto: “[A] errada adoção de um método (coeficiente de imputação específico ou de afetação real) para apuramento do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, consubstancia um erro de direito subsumível no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, pelo que o ato tributário de liquidação (autoliquidação) em que se tenha expressado o excessivo ou indevido apuramento do IVA entregue nos cofres do Estado pode ser objeto de revisão no prazo de quatro anos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA e do artigo 78.º da LGT”].”
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E em jeito de asserção final, diz a Requerente: “Não é, como tal, correta a afirmação da AT de que “[n]ão existe qualquer norma no CIVA que sirva de suporte legal à alteração retroativa do método de dedução pretendida pela Requerente, já que esta escolha apenas pode ser realizada para cada aquisição de bens ou de serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA”.
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A Requerente traz ainda à discussão o seguinte: i) a já acima referida decisão arbitral tirada no processo n.º 493/2021‐T e ainda as decisões arbitrais prolatadas nos seguintes Processos: n.º 447/2021‐T; n.º 457/2023‐T e n.º 573/2023‐T; ii) o acórdão do STA de 12.05.2021, prolatado no Processo n.º 01023/15.0BELRS e que em parte transcreve, o que aqui igualmente se empreende: “(...) para o exercício do direito à dedução, o legislador português fixou, no Código do IVA, dois conjuntos de prazos para o efeito, consoante tal exercício se processe em termos normais ou patológicos, distinção esta que bem se compreende, se atentarmos à metodologia de autoliquidação que rege a cobrança deste imposto. Assim, o primeiro conjunto de prazos (situações normais) encontra‐se regulado nos artigos 22.º e seguintes – sendo especialmente relevante in casu o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA – e reporta‐se aos casos de relacionamento normal entre o contribuinte e a Administração Fiscal na exigibilidade do imposto; nestes casos, o exercício regular do direito à dedução é regulado consoante o método de dedução adotado, e deve ser exercido num período mais curto (naturalmente), contado a partir do momento em que o imposto se torne exigível. Já o segundo conjunto de casos reporta‐se às situações patológicas, em que o exercício do direito à dedução foi inquinado por erros, falhas ou lapsos e, por conseguinte, pressupõe prazos mais longos para a respetiva correção, devidamente adequados às circunstâncias imponderadas que estão na sua base. Tais prazos encontram‐se regulados pelos artigos 78.º, n.º 6 (sob a elucidativa epígrafe “regularizações”) e 98.º, n.º 2 do Código do IVA (sob a epígrafe “revisão oficiosa”), e são de dois e quatro anos, respetivamente”; iii) o acórdão do STA de 28.06.2017, proferido no processo n.º 01427/24, no âmbito do qual se afirmou que a “aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo e, como tal, está em causa um erro de direito”; iv) o acórdão do TCAS, no acórdão de 28.09.2017, proferido no processo n.º 263/16.0BELLE; v) o acórdão do TCAS de 24.02.2022, prolatado no processo n.º 192/09.3BESNT; vi) o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (doravante “TCAN”) de 05.03.2020, proferido no processo n.º 00412/12.7BEPRT; vii) o artigo de Alexandra Coelho Martins e André Areias, denominado “Os prazos para a regularização de erros: Análise à luz dos princípios da efectividade e equivalência”, dado à estampa in “Cadernos IVA 2017”, pág. 48; viii) o artigo de Raquel Montes Fernandes, denominado “A “nova“ revisão oficiosa e o “atropelo“ do direito à dedução de IVA”, publicado in “Cadernos IVA 2023”; ix) o artigo de Afonso Costa Gomes e Ricardo Henriques, denominado “Análise crítica ao procedimento a adoptar pelos sujeitos passivos de IVA para regularizar o imposto que, por motivo de “erro de direito”, não foi correctamente deduzido, publicado in “Cadernos de Justiça Tributária”, n.º 32, Abril‐Junho 2021, CEJUR.
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Feitas as aludidas referências doutrinais e jurisprudenciais, conclui a Requerente no sentido de que “(...) a adoção da norma prevista no n.º 6 do art.º 23 do Código do IVA – que regula o mecanismo de correção dos critérios de dedução provisórios após apuramento, no final de cada ano, dos valores definitivos – não afasta a possibilidade de os sujeitos passivos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do mesmo diploma, regularizarem, a posteriori, num prazo de 4 anos, uma dedução de imposto inicialmente efetuada.” Dizendo ainda: “[T]al deriva do facto de a primeira norma (n.º 6 do artigo 23.º) regular o normal funcionamento do apuramento dos valores definitivos do pro rata ou da afetação real, enquanto que a segunda norma (n.º 2 do artigo 98.º) é aplicável quando tal dedução tenha sido inquinada por erro (situação patológica).” E mais: “[U]ma e outra normas não se excluem, sendo, aliás, complementares.”
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E em jeito de asserção final defende a Requerente: “(...) a possibilidade de os sujeitos passivos poderem, com efeitos retroativos, dentro do prazo de caducidade, rever o método de dedução inicialmente aplicado na dedução de IVA incorrido em bens e serviços de utilização mista tem sido reconhecida por (toda) a jurisprudência do STA e do TCA e pela maioria (muito expressiva e significativa) dos tribunais fiscais arbitrais, em conformidade com o disposto na Diretiva IVA (...).”
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Partindo da decisão de indeferimento que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa, dá a Requerente nota de que a AT invocou ali o entendimento vertido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 804/2021‐T, a qual faz referência a outra Decisão Arbitral, proferida no âmbito do processo n.º 136/2018‐T, na qual foi determinado reenvio prejudicial para o TJUE, tendo aquele areópago proferido o Acórdão CTT (Acórdão de 30 de abril de 2020, referente ao processo C‐661/18), onde estava em causa um dissídio sobre a regularização das deduções de IVA efetuadas pelos CTT no âmbito da sua atividade de prestação de serviços postais, nos períodos de 2013, 2014 e 2015.
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De seguida, traz a Requerente à colação o segmento decisório referido no Acórdão CTT, onde o TJUE concluiu como segue: “1) O artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‐Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo. 2) Os artigos 184.° a 186.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual é recusada a um sujeito passivo que efetuou deduções de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que incidiu sobre a aquisição de bens ou de serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, segundo o método baseado no volume de negócios, a possibilidade de, após a fixação do pro rata definitivo em aplicação do artigo 175.°, n.° 3, desta diretiva, retificar essas deduções aplicando o método da afetação, numa situação em que: – ao abrigo do artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da referida diretiva, o Estado‐Membro em causa autoriza os sujeitos passivos a efetuar deduções de IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução; – no momento em que optou pelo método de dedução, o sujeito passivo ignorava de boa‐fé que uma operação que considerava isenta, na realidade, não o estava; – o prazo geral de caducidade fixado pelo direito nacional para regularizar as deduções ainda não terminou; e – a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução”.
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Na aludida decisão de indeferimento, a AT, com respaldo no Acórdão CTT, indeferiu o Pedido de Revisão Oficiosa apresentado, além do mais, por considerar que a aqui Requerente “(...) não ignorava de boa‐fé que o método do pro rata era o mais adequado para a dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, uma vez que “estamos perante uma matéria que recorrentemente, objeto de reclamação por parte da Requerente, ou de sociedades que integram o mesmo grupo económico”.”
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A Requerente refuta tal entendimento, desde logo, porquanto, interpretando a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da DIVA, o TJUE concluiu que tal normativo não se opõe a que os Estados‐Membros proíbam que os sujeitos passivos que adquirem recursos de utilização mista alterem o método de dedução do imposto após a fixação do pro rata definitivo, mas, não obstante tal posição interpretativa defendida pelo TJUE, não há, no ordenamento jurídico interno, qualquer norma que proíba a alteração da metodologia de dedução do IVA por parte dos sujeitos passivos que adquirem recursos de utilização mista após a fixação do pro rata definitivo, ou seja, o legislador português optou por não incluir qualquer norma no CIVA português que estabeleça tal proibição, ainda que aquele Tribunal a admita como conforme ao direito comunitário.
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Volvendo a Requerente, novamente, para a circunstância de, in casu, haver laborado em erro de direito, deduzindo menos imposto do que aquele que lhe era permitido pelo CIVA, sustentando estarmos aqui perante situações de regularização de imposto dedutível resultantes da aplicação dos métodos do pro rata de dedução ou da afectação real, aos quais se aplicam, para a retificação de incorreções, os prazos previstos no n.º 6 do artigo 78.º ou no n.º 2 do artigo 98.º, ambos do CIVA, que estabelecem prazos de dois e quatro anos, respetivamente.
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Defendendo a Requerente o seguinte: “Pelo que, uma vez que nenhuma das normas especiais previstas no Código do IVA se aplica à regularização de imposto motivada por erro de enquadramento das operações tributáveis dos sujeitos passivos, relativamente ao enquadramento legal aplicável a tal tipologia de erro cabe trazer à colação o já referido n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA – norma geral em matéria de direito à dedução/regularização da dedução em sede deste imposto.”
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E em jeito de Conclusão defende a Requerente o seguinte: “Em suma, em linha com o entendimento do TJUE no Acórdão CTT, não deveria ter sido negada à Requerente a possibilidade de retificar a dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista através da utilização do método do pro rata, na medida em que os requisitos mencionados na segunda conclusão do TJUE naquele Acórdão se encontram preenchidos no caso da Requerente (...).”, respaldando-se ainda na Decisão Arbitral de 20 de Maio de 2022, prolatada no processo n.º 769/2021‐T; na Decisão Arbitral de 19 de Outubro de 2022, prolatada no processo n.º 493/2021‐T; na Decisão Arbitral de 7 de Maio de 2013, proferida no processo n.º 117/2013‐T, e finalmente na Decisão Arbitral de 20 de Novembro de 2017, tirada no processo n.º 252/2017‐T. Não deixando a Requerente de ancorar a sua hermenêutica no Acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 01427/14, aduzindo como segue: “[O]ra, neste âmbito, decidiram os Doutos Juízes do STA que, o erro decorrente da aplicação do regime jurídico da dedução do IVA “não se enquadra no conceito de erro material ou de cálculo mas diversamente no conceito de erro de direito.” Dizendo mais: “E, à face do exposto, concluiu o Douto Tribunal que “o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.”.
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Por fim diz ainda a Requerente que a doutrina fiscalista adere à posição (acima explicitada) defendida pelo STA e pelo CAAD, trazendo aqui à colação os ensinamentos de Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias in “Afinal qual o Prazo para Deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In) segurança Jurídica” que, relativamente ao enquadramento jurídico a conferir ao erro de enquadramento das operações tributáveis dos sujeitos passivos, consideram que “(…) também terão enquadramento na norma geral de caducidade do número 2 do artigo 98.º do Código do IVA, a situação em que o sujeito passivo, desenvolvendo várias actividades, efectua a dedução por recurso ao pro rata num primeiro momento e passa a utilizar o método da afectação real para efectuar a dedução do imposto exclusivamente afecto a determinada actividade (…)”.
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Em jeito de asserção final sustenta a Requerente que se encontra ainda dentro do prazo para proceder à dedução do IVA por si incorrido, no montante de € 175.885,27, para os anos 2019 e 2020, que, por erro relativamente ao regime jurídico aplicável à dedução de imposto relativo a recursos de utilização mista, não deduziu.
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Peticiona a Requerente: “Termos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência: a) Anular o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado com referência aos atos de autoliquidação de IVA, referentes aos anos 2019 e 2020; b) Anular parcialmente os atos tributários de autoliquidação de IVA efetuados pela Requerente, com referência aos anos 2019 e 2020, materializados na entrega das declarações periódicas de IVA referentes aos meses de dezembro dos respetivos anos; c) Determinar a restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 175.885,27... .”
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.A) Alegações da Requerida:
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Na Resposta, a Requerida defende-se, como dito, por excepção e por impugnação.
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No que tange à defesa por excepção, adiante se explicitará a posição da Requerida.
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Já quanto à defesa por impugnação, começa a Requerida por fazer notar que mesmo que viesse a reconhecer-se a existência de um erro na autoliquidação (na medida em que por aquela foi deduzido imposto inferior àquele a que tinha direito face ao normativo em vigor e ao montante do IVA suportado, daí resultando um pagamento em excesso de IVA), com a possibilidade da Requerente poder beneficiar do prazo preclusivo, de quatro anos, para o exercício do direito à dedução que decorre do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, “(...) na prática, à luz do art.º 78.º, n.º 1 da LGT, não é possível assegurar que, de facto, tenha havido um erro com base nos elementos em anexo ao pedido de revisão e ao ppa.”
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Defendendo a Requerida que a única documentação apresentada, quer no procedimento de revisão oficiosa, quer até no PPA, mais não é do que a junção “(...) de um mero quadro interno com cálculos segundo a aplicação do método pro rata, sem qualquer outro documento contabilístico de suporte, e que, portanto, não têm relevância probatória para os referidos efeitos.”
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Suscitando a Requerida a questão do cumprimento do ónus da prova que, in casu, sobre a Requerente impendia, já que “(...) está em causa nos autos, seja por referência ao seu objeto mediato ou imediato, a aferição da ilegalidade das autoliquidações da Requerente e não uma liquidação da iniciativa da AT.”
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E no sentido de melhor estribar tal alegado incumprimento do ónus da prova por parte da Requerente, louva-se a Requerida na por aquela denominada decisão de rejeição liminar do Pedido de Revisão Oficiosa, donde retira que “(...) conhecer do mérito do pedido e concluir pelo direito ao reembolso solicitado pela Requerente no seu pedido de revisão oficiosa, por alegada entrega em excesso de imposto nos cofres do Estado, implica necessariamente que se proceda, após análise dos respetivos pressupostos processuais de acesso a este meio gracioso, à validação, entre outras, da qualificação das operações em causa e dos encargos ali suportados, e ainda da correspondência à realidade dos valores indicados.”
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Intuindo dali a Requerida que, nessa conformidade, (...) é sobre a Requerente que impende o dever de comprovar o pressuposto de que depende a ilegalidade imputada a estes atos de autoliquidação, sendo aliás, quem estará melhor posicionada para o fazer (cf. artigo 74.º da LGT).”
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E tal propósito traz a Requerida à colação o recente acórdão arbitral proferido no processo n.º 21/2019-T e ainda o acórdão do STA de 27.06.2012, proferido no processo n.º 0982/11que em parte transcreve.
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E com respaldo nas referidas decisões jurisprudenciais, conclui a Requerida não ser possível à Requerente “(...) delegar o cumprimento da prova em terceiros (neste caso, a AT), porque a lei lhes impõe que a mesma seja cumprida por si.”
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E a propósito do tipo de prova a apresentada pela Requerente, quer no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, quer até no âmbito dos presentes autos, faz a Requerida notar que ela é manifestamente insuficiente, na medida em que “(...) resulta diretamente das normas do Código do IVA que a dedução a ser permitida, como pretende a Requerente, tem de ser feita mediante apresentação das respetivas faturas (e não através de mapas síntese e outros documentos afins).”, respaldando tal hermenêutica nas seguintes decisões jurisprudenciais que, em parte, igualmente transcreve: i) acórdão do TCAS de 21.11.2006, prolatado no processo n.º 01438/06; ii) acórdão do TCAS, de 16.12.2015 (Processo n.º 07027/13); iii) acórdão do TCAN de 28.04.2016 (Processo n.º 00082/03 – Coimbra); e iv) acórdão do STA, de 07.11.2018 (Processo n.º 0359/16.8BELLE 042/18).
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E volvendo para o caso concreto, repisa a Requerida no sentido de que, para o acréscimo de dedução que está a estribar o petitório de que a Requerente efectuou entrega de IVA superior à que, face à lei em vigor, deveria ter entregue, se limita a Requerente “(...) a invocar erro no apuramento do montante de IVA dedutível, sem que comprove o alegado, limitando-se a juntar um documento que se consubstancia num quadro com os supostos cálculos, (...) o que, face ao acima exposto, não têm relevância probatória, nomeadamente que o critério de imputação referido era aquele que melhor se coadunava com a sua realidade operacional, não se mostrando assim, cumprido o ónus de prova qua sobre si impendia por força do disposto no artigo 74.º da LGT, pelo que se tem por impugnado o mencionado valor.”
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Aditando a Requerida no sentido de que “(...) a AT não tem ao seu dispor elementos suficientes que permitam aferir da aceitabilidade dos valores apurados pela Requerente nem é possível encetar diligências juntos dos SIT no âmbito deste processo arbitral, que possam confirmar a metodologia de apuramento dos valores de dedução adicional invocados.”
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E em jeito de conclusão defende a Requerida que “(...) É, assim, forçoso concluir pela efetiva falta de meios que comprovem o erro de direito nas autoliquidações de IVA, ou seja, as condições substantivas do direito à dedução, e por isso não estando comprovado o erro de direito na autoliquidação não se pode concluir pelo reconhecimento da imputabilidade aos serviços de um erro que não foi comprovado pela Requerente que sequer exista.”, pugnando pela improcedência do PPA.”
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A Requerida faz notar ainda que a decisão do pedido de revisão oficiosa, igualmente o objeto da presente ação arbitral, tem ainda como objeto mediato os actos de autoliquidação efetuados pela Requerente, cuja ilegalidade funda o pedido de condenação da AT a reembolsar o IVA nos períodos em causa, donde, uma vez que existe norma que permite à Requerida quantificar e praticar novo acto, sem que o Tribunal se substitua à Administração na fixação de outra matéria tributável, requer aquela, consequentemente, que caso se venha a concluir que as despesas em causa são afinal passíveis de dedução, que a AT seja condenada na reapreciação do pedido de revisão oficiosa, à semelhança do entendimento vertido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 539/2015-T.
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Peticionando a Requerida: “Nestes termos, entende-se, pois, que deve o pedido arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências, ou caso assim não se entenda, (...) deve o pedido arbitral ser julgado parcialmente improcedente, com a consequente condenação da Requerida na reapreciação do pedido de revisão oficiosa, nos termos acima referidos, tudo com as devidas e legais consequências.”
II. DECISÃO:
II.A) Factos que se consideram provados:
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Com relevo para a apreciação e decisão das excepções suscitadas e também dos restantes pressupostos processuais, bem como para apreciação do mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo cujo objeto social abrange também a gestão discricionária e individualizada de carteiras por conta de outrem, incluindo as correspondentes a carteiras de seguradoras e de fundos de pensões; (Cfr. art.º 69.º do PPA e fls. 12/121 do PA);
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A atividade desenvolvida pela Requerente compreende, maioritariamente, operações que não conferem o direito à dedução do IVA, por estarem abrangidas na isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do CIVA, sendo que, simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem direito à dedução do IVA, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA; (Facto não controvertido. Cfr. art.º 70.º do PPA e fls. 12/121 do PA);
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Para além das típicas prestações de serviços que realiza isentas ao abrigo do n.º 27 do art.º 9.º do CIVA, a Requerente celebrou, a 28 de Dezembro de 2018, um contrato com a B..., S.A. mediante o qual acordou prestar serviços àquela relativos à gestão corrente dos investimentos das suas carteiras, sendo as prestações de serviços efetuadas no âmbito de tal contrato tributadas em sede de IVA, à taxa normal. (Cfr. Contrato de Gestão de Carteiras, junto ao PPA como Doc. n.º 6);
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No contexto da actividade referida no ponto C) do probatório, a Requerente adquire recursos que são utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito, pelo que a atividade prosseguida pela Requerente encontra-se abrangida por distintos regimes de dedução do IVA incorrido; (Facto não controvertido. Cfr. art.º 73.º do PPA e fls. 12/121 do PA);
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A Requerente é sujeito passivo misto que se encontra sujeito à disciplina do art.º 23.º do CIVA, tendo em vista a desoneração do IVA suportado nas aquisições em que incorre e tendentes à realização de operações tributadas e isentas;
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Relativamente às situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, a Requerente aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA; (Facto não controvertido. Cfr. art.º 74.º do PPA e fls. 13/121 do PA);
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O método da imputação directa referido no ponto F) do probatório foi o usado pela Requerente no âmbito da aquisição de recursos exclusivamente afetos às prestações de serviços contratualizadas com a entidade B..., S.A., - v.g. custos de research, posteriormente refaturados àquela entidade –, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais recursos estarem diretamente ligados a operações tributadas realizadas pela Requerente, que conferem direito à dedução; (Facto não controvertido. Cfr. art.º 75.º do PPA e fls. 13/121 do PA);
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Nas aquisições de bens e serviços utilizadas exclusivamente na realização de operações que não conferem direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA; (Cfr. art.º 76.º do PPA);
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Relativamente às aquisições de bens e serviços afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), nos anos 2019 e 2020, a Requerente não deduziu qualquer montante do IVA, nem através do método da afetação real, nem mesmo mediante o método da percentagem de dedução ou pro rata. (Cfr. art.º 78.º do PPA);
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Não sendo viável à Requerente encontrar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa, a determinação do montante do IVA dedutível através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA) e quanto às aquisições de recursos de utilização mista, a Requerente aplicou o método da percentagem de dedução. (Cfr. art.º 79.º do PPA);
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A Requerente, em 3.1.2024, apresentou ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, Pedido de Revisão Oficiosa (a que veio a corresponder ao Processo n.º ...2024...) das autoliquidações de imposto referentes aos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M, o qual foi expressamente indeferido pela AT, por despacho de 7 de Março de 2024 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e fls. 1 a 88 do PA);
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A Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da Divisão de Justiça Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira, na apreciação do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente e referido no ponto K) do probatório, discorre como segue: “(...) 24. A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial das autoliquidações de IVA referente aos períodos compreendidos entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020, decorrente da alegada entrega em excesso da importância de € 175.885,27, considerando, a Requerente, tratar-se de um erro na autoliquidação consubstanciado num erro relativo ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto referente às despesas suportadas com a aquisição de recursos de utilização mista. 25. Posto isto, importa, a título prévio, aferir sobre a suscetibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de Revisão oficiosa como meio de lograr obter as pretensões formuladas em sede de petição. 26. A Revisão Oficiosa constitui uma garantia dos administrados/contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, de acordo com o previsto no artigo 78.º da LGT. 27. Tal mecanismo é igualmente aplicável quando estejam em causa atos tributários em IVA, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, onde se estatui que “Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.” 28. Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal que “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.”. 29. Quanto a esta última disposição, importa esclarecer que estamos aqui no âmbito do direito à dedução e não do direito à ReguIarização do IVA. (...) 34. No que concerne ao pedido de Revisão Oficiosa por iniciativa da AT, importa ainda realçar que, de acordo com aquela que tem vindo a ser a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA), por força da salvaguarda do princípio da segurança jurídica, no caso de a iniciativa da revisão do ato ser dos sujeitos passivos, estes também podem beneficiar do mesmo prazo que é concedido à AT, mas apenas e só quando que se comprove a existência de erro imputável aos serviços. (Nota de rodapé 6: A título de exemplo veja-se o Acórdão do STA, de 06.10.2005, proferido no âmbito do recurso n.º 0653/05.) 36. Deste modo, no presente caso, em que o sujeito passivo vem solicitar a revisão oficiosa de determinado ato tributário ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do artigo em análise, apurando-se a sua eventual ilegalidade, importa aferir a quem é imputável o erro invocado. 37. Por força do princípio geral previsto no âmbito do procedimento e do processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (no 1 do artigo 342.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 74. ° da LGT). 38. Daqui decorre que, arrogando-se a Requerente do direito à regularização do IVA que, alegadamente, foi indevidamente deduzido, cabe-lhe o ónus de comprovar a ocorrência do erro que lhe está subjacente e a efetiva imputabilidade do mesmo à AT. 39. Nesse pressuposto, apurando-se que o erro é imputável ao contribuinte, sendo o pedido apresentado para além do prazo de reclamação (2 anos a contar da entrega da declaração periódica onde se verificou o erro) a revisão oficiosa deve ser rejeitada por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos, em concreto, a tempestividade. 40. Na hipótese do mesmo ser imputável à AT, recai sobre esta o dever de apreciar o pedido, revendo o ato em causa. 41. Face à realidade dos factos descrita pela Requerente, pode concluir-se que estamos perante uma situação de alteração retroativa dos critérios que presidiram à escolha do método de dedução relativamente às despesas em causa. 42. O direito à dedução encontra-se previsto em termos comunitários, no Título X da Diretiva IVA (artigos 167.º a 192.º), e a nível de direito interno, no Capítulo V - Secção I do CIVA (artigos 19.º a 26.º). (...) 50. O regime nacional, em concreto, o artigo 22.º do CIVA, em consonância com o disposto no artigo 179.º da Diretiva IVA, determina que, em regra, o direito à dedução do imposto surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Ou seja, deve ser exercido na declaração do período correspondente à sua génese, ou do período em que os elementos necessários à sua efetivação tenham chegado à posse do sujeito passivo. Esse período, por norma, corresponde àquele em que se tiver verificado a receção das faturas. 51. A dedução do imposto pressupõe o registo contabilístico do documento de suporte das operações realizadas, em geral, a fatura, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 48.º do CIVA, após a sua receção, até à data da apresentação da declaração periódica respetiva ou até ao termo do prazo de apresentação. 52. Assim sendo, a dedução do imposto considera-se concretizada com a apresentação da declaração do período, tendo então por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte, independentemente de o encargo ter sido considerado na sua totalidade, parcialmente ou mesmo desconsiderado na autoliquidação entregue. 53. O n.º 1 do artigo 20.º do CIVA determina como princípio a dedutibilidade do IVA suportado a montante pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços que se destinem a ser por si utilizados na realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas. 54. Com efeito, o IVA suportado por um sujeito passivo em aquisições de bens e prestações de serviços utilizados na realização de operações tributadas é imediata e totalmente dedutível, enquanto o imposto suportado a montante para o exercício de atividades que não conferem direito à dedução, afasta essa possibilidade - imputação direta. 55. Na situação de estarmos perante um sujeito passivo misto, que realiza operações que conferem direito à dedução, a par de outras que não conferem esse mesmo direito, utilizando indistintamente os inputs em ambos os tipos de operações, como sucede no caso concreto, a dedutibilidade do imposto que onere as aquisições desses bens e serviços, encontra-se limitado à parte do IVA proporcional ao montante relativo às operações tributáveis que conferem direito à dedução, por força do disposto no artigo 173.º da Diretiva IVA, transposto para o CIVA através do artigo 23.º, onde se definem os diversos métodos de dedução passiveis de ser adotados pelos sujeitos passivos. 56. Os métodos previstos são dois - afetação real e a percentagem de dedução ou pro rata, este com a natureza de percentagem geral ou genérica, apelando aos montantes das transmissões de bens e prestações de serviços, montantes esses que, porque se está perante operações sujeitas ao imposto, serão os que resultam das disposições estabelecidas como base ou valor tributável pelo artigo 16.º do CIVA. Admissível como método supletivo, a utilização do método do pro rata pode ser afastada pela Administração Fiscal, exigindo a utilização do método da afetação real, quando entenda estarem reunidas e verificadas as condições previstas no n.º 3 do artigo 23.º. (...) 58. Por outro lado, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2, do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal. Trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução. 59. Ora, sendo realizada a opção pelo método da percentagem de dedução para o cálculo do IVA dedutível relativamente às aquisições de bens e serviços de utilização mista, determina o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA que: “(...) 6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.” 60. Resulta assim evidente, que quaisquer correções no cálculo do montante de dedução apurado durante um determinado ano civil, devam ser efetuadas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas. 61. De facto, este preceito legal não contempla a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos" poder alterar retractivamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. 62. De acordo com Oficio-circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, os casos como o presente não são suscetíveis de serem enquadrados nos casos de regularização previstos no artigo 78.º do CIVA, identificando o n.º 8 da mencionada instrução administrativa as situações que se encontram excluídas do respetivo âmbito, não porque não se pudessem aí incluir, mas porque a sua disciplina está regulamentada noutros normativos legais, como sejam os artigos 23.º a 25.º do CIVA. 63. O mesmo entendimento foi veiculado no parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) n.º 41/2013, de 2013-10-04, da autoria da Dr.ª Cidália Lança, com despacho concordante do Diretor do CEF de 2013-10-08, onde se refere expressamente que: “as correções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (...)”. 64. De facto, o exercício do direito à dedução está na disponibilidade dos sujeitos passivos, assim como a opção por um dos métodos previstos no CIVA. Esta é uma opção que se encontra no âmbito da autonomia da atuação permitida pelo imposto e que se encontra materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo. Nesse sentido, não se concebe que este venha invocar a ocorrência de um erro, quando não deduziu aquilo que poderia deduzir. 65. Sendo que jamais tal alegado erro pode ser imputável à AT. Esta não se pode substituir aos sujeitos passivos no exercício legítimo do direito de opção sobre deduzir ou não o imposto e em que moldes. 66. Estamos perante um ato de autoliquidação, que por definição é voluntário. 67. É esta a posição que se coaduna com a legislação em vigor. 68. Não existe qualquer norma no CIVA que sirva de suporte legal à alteração retroativa do método de dedução pretendida pela Requerente, já que esta escolha apenas pode ser realizada para cada aquisição de bens ou de serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA. (...) 71. Na presente situação, os factos e valores eram perfeitamente conhecidos da Requerente, encontravam-se registados na sua contabilidade, não advindo de qualquer circunstância que lhe fosse alheia, pelo que o direito à dedução e, ou regularização da dedução inicial não pode ser efetuado no prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, mas apenas no prazo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA. 72. Ora, determina o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, invocado pela Requerente, que “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.”. 73. Conforme refere João Canelhas Duro (Nota de rodapé 7: João Canelhas Duro, “Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, em Cadernos IVA 2015, p.327 e ss.)“(...) também o n.º 2 do art.º 98.º institui um prazo de dedução de imposto, sendo aplicável àquelas situações pouco comuns em que o registo das operações não ocorre no momento previsto no n.º 1 do artigo 48.º ou em que há uma grande dilação temporal entre a data das operações e a receção da fatura, permitindo-se que venha a ser efetuado o registo e se proceda à dedução no prazo de quatro anos. Estão em causa situações em que, por exemplo, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução não são atempadamente disponibilizados ao sujeito passivo, podendo ser exercido o direito à dedução no prazo de quatro anos. Nestes termos, o prazo de quatro anos aí previsto não é manifestamente aplicável às pretensões de regularização de imposto, salvaguardando-se apenas as situações de dedução tardia de imposto por motivo da também tardia receção do documento que titula o direito ou por inadvertida omissão no registo contabilístico, não se encontrando, em qualquer caso, o encargo registado aquando da realização da autoliquidação de imposto.” (negrito e sublinhado nossos). 74. Este entendimento quanto ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 98.º CIVA, encontra-se vertido não só no Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, emitido pela Direção de Serviços do IVA, em concreto, do seu ponto 8., como decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0966/10, de 18 de maio de 2011. 75. O direito à regularização, tal como o direito à dedução, não são absolutos encontrando-se sujeitos a determinados requisitos. 76. Daqui resulta, que no caso como o presente, em que a Requerente pretende exercer o direito à dedução relativamente ao IVA constante de documentos previamente registados na sua contabilidade, não se mostra aplicável o prazo de quatro anos previsto no artigo em causa. 77. Na verdade, o mencionado preceito legal não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento para efetuar a dedução, dentro desse período, mas sim de fixar um limite máximo a partir do qual o direito à dedução já não pode ser exercido, acautelando situações excecionais que poderiam impedir a dedução do imposto nos termos dos artigos 20.º e 23.º do CIVA. 78. A alteração pretendida pelo sujeito passivo, não é subsumível na norma indicada, que prevê̂ um prazo de caducidade, uma vez que já foi exercido o direito a deduzir ou não o imposto contido nas faturas registadas relativamente a cada bem ou serviço, pelo que o direito que a norma pretende acautelar foi praticado pelo A... . (...) 80. A dedução configura-se como um direito e não um dever. Este é indubitavelmente o entendimento que decorre da lei (artigo 19.º e ss do CIVA e 167.º e ss da Diretiva IVA) e que tem sido desenvolvido pela jurisprudência, nacional e comunitária (Nota de rodapé 8: Veja-se nesse sentido, o Acórdão do STA, de 09.02.2005, proferido no âmbito do processo n.º 0860/04; Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 20.12.2012, proferido no âmbito do processo n.º 04855/11, Acórdão do CAAD, de 15.11.2016, proferida no âmbito do processo n.º 143/2016-T; e bem assim, Acórdão do TJUE, de 08.05.2008, caso Ecotrade Spa, processo apensos n.º 95/07 e 96/07, de 12.07.2012, caso EMS- Bulgaria Transport OOD, processo n.º C-284/11.), e bem assim pela doutrina (Nota de rodapé 9: A título de exemplo: Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, Almedina, 2005, p. 157 e ss.). 81. O exercício do direito à dedução está na disponibilidade dos sujeitos passivos. Trata-se duma opção que se encontra no âmbito da autonomia da atuação permitida pelo imposto e que se encontra materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo. Este é um ato que, por definição, é voluntário. 82. Conforme decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 10.11.2010, proferido no âmbito do processo n.º 0436/10: “Com efeito, não pode, por um lado, esquecer-se o carácter formalista do IVA, que pode levar a que este seja devido, mesmo no caso de inexistirem as próprias transacções - facturas falsas - (cfr art.º 19.º n.º 3 do CIVA), ou no caso de não serem cumpridas determinadas formalidades legais nem pode, por outro lado, esquecer-se que o direito à dedução pode não ser exercido pelo contribuinte, não podendo, contudo, sê-lo pela AT (havendo lugar à dedução do imposto, esse direito só pode ser exercido pelo contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica de imposto e não pela AT, pois que esta, podendo efectuar liquidações oficiosas quando se verifiquem os respectivos requisitos legais, não pode exercer direitos que lhe não cabem, o que sucederia se procedesse à dedução oficioso do imposto), sendo certo que tal direito está igualmente sujeito a determinadas formalidades, mesmo temporais, que têm que ser acatadas pelo contribuinte.”(sublinhado nosso). 83. Daqui resulta que não se pode admitir a existência de qualquer erro suscetível de ser objeto de correção. 84. Aliás, a autoliquidação não está errada, já que a mesma reflete os registos contabilísticos da Requerente. 85. Quer a dedução, quer a liquidação do imposto, são efetuadas pelo sujeito passivo na sua contabilidade, servindo o respetivo registo de base ao preenchimento da declaração periódica. 86. A AT não pode substituir-se aos sujeitos passivos no exercício legítimo do direito de opção sobre deduzir ou não o imposto e em que moldes, sendo que ainda que o fizesse, pelo referido no ponto anterior, ao liquidar o imposto fá-lo-ia nos mesmos termos que o sujeito passivo o fez. 87. Desta forma, nestes casos, não é legítimo ao sujeito passivo vir invocar a ocorrência de um erro quando a declaração periódica apresentada materializa uma opção por deduzir o IVA nos termos em que o fez, a qual é legítima. 88. A Requerente dispunha de todas as informações para o efeito, sendo que nenhuma alteração legislativa ocorreu quanto a este tipo de encargos, não se vislumbrando qualquer razão que motivasse o alegado erro. 89. Acresce que, não se vislumbra que à data da apresentação das declarações periódicas em causa, o sujeito passivo ignorasse de boa-fé́ que o método que pretende ver agora aplicado era o mais adequado (o qual, ressalve-se, não comprova) porquanto, estamos perante uma matéria que recorrentemente, objeto de reclamação por parte da Requerente, ou de sociedades que integram o mesmo grupo económico. 90. Do não exercício da faculdade que lhe é concedida, não pode resultar a ilegalidade da autoliquidação por ocorrência de erro. (...) 94. Salvo o devido respeito, a Requerente labora em erro quanto à interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto, nomeadamente, o artigo 131.º do CPPT e 78.º da LGT, dos quais resulta, como não poderia deixar de ser, que os pressupostos para a apresentação do pedido de revisão oficiosa são aferidos por referência ao ato de liquidação contestado e à data dessa mesma liquidação, materializada na apresentação da correspondente declaração periódica. 95. Neste pressuposto, inexistindo um erro na autoliquidação, não existe fundamento para a apresentação da Revisão Oficiosa nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, que se mostra desta forma inviável. 96. Por fim, a titulo cautelar, no que concerne ao valor do pedido, por dever de mera cautela, importa realçar que a Requerente limita-se a invocar erro no, apuramento do montante de IVA dedutível, sem que comprove o alegado, limitando-se a juntar sob documento 5, que se consubstancia num quadro com os supostos cálculos, que não se afigura que têm relevância probatória para os referidos efeitos, nomeadamente, que o critério de imputação referido era aquele que melhor se coadunava com a sua realidade operacional, não se mostrando assim, cumprido o ónus de prova qua sobre si impendia por força do disposto no artigo 74.º da LGT, pelo que tens por impugnado o mencionado valor. 97. Face ao exposto, conclui-se que a Revisão Oficiosa não se apresenta como idónea a fazer valer a pretensão da Requerente, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito. 98. Nestes termos, concluindo-se que a pretensão da Requerente não tem viabilidade jurídica, fica precludida a apreciação do mérito do pedido formulado, e da legalidade dos atos de autoliquidação, designadamente, quanto à qualificação das operações em causa e dos encargos suportados, como relativamente à correspondência à realidade dos valores indicados. (Cfr. Doc. 1 junto ao PPA e fls. 90 a 121 do PA);
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No ponto VII da informação n.º 18-ISC/2024, de 7.3.2024, conclui-se como segue: “Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão", mantendo-se as conclusões de facto e de direito deste constantes, deverá o pedido formulado ser objeto de rejeição liminar, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do art.º 109.º do CPA, ex vi da al. d) do art.º 2.º do CPPT, promovendo-se, em consequência o arquivamento do mesmo, com todas as consequências legais.” (Cfr. Doc. 1 junto ao PPA e fls. 90 a 121 do PA);
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Sobre a referida Informação recaiu o despacho de 7.3.2024, do Exmº Senhor Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, por delegação e subdelegação de competência (Despacho n.º 3630/2023- Diário da República n.º 58/2023, Série II de 2023-03-22) que refere o seguinte: “[C]oncordando com o informado, determino a Rejeição Liminar do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando a Reclamante para os termos e efeitos do disposto nos art.ºs. 35.º a 41.º do CPPT.”(Cfr. Doc. 1 junto ao PPA e fls. 90 a 121 do PA);
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A notificação da decisão final que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa, datada de 07.03.2024, foi enviada à Requerente através da plataforma VIACTT, pelo que se considera aquela notificada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 10 do art.º 39.º do CPPT, no 15.º dia posterior ao registo de disponibilização. (Cfr. Doc. 1 junto ao PPA e fls. 90 a 121 do PA);
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Em 24.06.2024, pelas 18:55 horas, a Requerente, em discordância com a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
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O pedido foi aceite em 25.06.2024, pelas 15:44 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
II.B) Factos não provados:
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Não ficou provada a percentagem de dedução apurada pela Requerente para os anos de 2019 e de 2020 e que seria de 10% para cada um daqueles exercícios.
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A tal propósito a prova produzida pela Requerente consistiu apenas na apresentação de um Quadro-Resumo, junto como Doc. n.º 5 ao PPA.
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A Requerente limitou-se a juntar aos autos documento que mais não é do que um Quadro com os cálculos, para os anos de 2019 e 2020, onde se explicitam os valores correspondentes ao numerador e denominador da percentagem de dedução a que se reporta o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, apurando um coeficiente de dedução que para cada um daqueles anos se cifra em 10%, donde, partindo do valor do IVA incorrido em recursos de utilização mista de 1.168.064,45 €, para o ano de 2019 e de 590.788,21 €, para o ano de 2020, determina um total de IVA a deduzir para cada um daqueles anos, respectivamente, de 116.806,45 € e de 59.078,82 €, num total a deduzir, segundo a Requerente, de 175.885,27 €.
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De notar que não há nos autos qualquer elemento de prova que demonstre que o valor que deve constar do numerador e denominador da fracção prevista no n.º 4 do art.º 23º do CIVA; ou até mesmo do valor dos recursos de imputação mista que foi a ali referido; tal como também não está junto aos autos qualquer factura que titule os aludidos recursos de utilização mista ou até qualquer extracto contabilístico que faça a demonstração de tais valores, donde, não pode este tribunal considerar provadas as percentagens de dedução que a Requerente determinou e que justificariam o alegado excesso de IVA entregue nos cofres do Estado naqueles períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M.
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
II.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pelo Requerente e nas informações oficiais e nos documentos constantes do PA junto aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.
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A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se se basearem em critérios objectivos. (Cfr. artigos 76º, n.º 1 da LGT e 115º, n.º 2 do CPPT).
III. SANEAMENTO:
III.A) (In)competência material do Tribunal:
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Na sua Resposta, concretamente nos seus artigos 27.º a 42.º, a Requerida sustenta a incompetência material deste Tribunal quanto ao objecto do PPA por inidoneidade do meio processual, invocando, em breve síntese, o seguinte: A) “da factualidade aduzida decorre que o ppa tem por objeto imediato a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa e, por objeto mediato as (auto)liquidações IVA (...) [a]ssim sendo, encontra-se precludido o direito da sua contestação na presente ação arbitral, pois, como igualmente acima se referiu e aqui se remete, foi rejeitada a apreciação da legalidade daqueles atos tributários de autoliquidação. (...) “[C]onsequentemente, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT (e, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele)”; B) Continua a Requerida afirmando que “consubstanciando a decisão do pedido de revisão oficiosa uma rejeição liminar, a sua impugnação é através de ação administrativa especial” - cfr. artigo 40.º da Resposta; C) Conclui a Requerida que “nessa medida, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral (...) [C]onsubstanciando, portanto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência do tribunal, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição, nessa parte, da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT” - cfr. artigos 41.º e 42.º da Resposta.
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A Requerida, concretamente nos artigos 43.º a 92.º da Resposta, vem pugnar pela inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação, alegando, para o efeito, que: A) “a revisão oficiosa apresentada nestes termos exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja apresentado no prazo de 4 anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita ou a todo o tempo se o tributo não se encontrar pago; ii) tenha origem em “erro imputável aos serviços”; e iii) e proceda de iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT” - cfr. artigo 47.º da Resposta; B) Prossegue afirmando que “não se concebe que este [a Requerente] venha invocar a ocorrência de um erro, quando não deduziu aquilo que poderia deduzir. (...) [S]endo que jamais o tal alegado erro pode ser imputável à AT; esta não se pode substituir aos sujeitos passivos no exercício legítimo do direito de opção sobre deduzir ou não o imposto e em que moldes. [...] [E]stamos perante um ato de autoliquidação, que por definição é voluntário.” - cfr. artigos 63.º, 64.º e 65.º da Resposta; C) Continua a Requerida aduzindo no sentido de que “[N]ão existe qualquer norma no CIVA que sirva de suporte legal à alteração retroativa do método de dedução pretendida pela Requerente, já que esta escolha apenas pode ser realizada para cada aquisição de bens ou de serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA” - cfr. artigo 67.º da Resposta; D) Acrescenta ainda que “como se refere na decisão de rejeição liminar, na presente situação, os factos e valores eram perfeitamente conhecidos da Requerente, encontravam-se registados na sua contabilidade, não advindo de qualquer circunstância que lhe fosse alheia, pelo que o direito à dedução e, ou regularização da dedução inicial não pode ser efetuado no prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, mas apenas no prazo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.” - cfr. artigo 70.º da Resposta; E) Deste modo, sustenta a requerida que “(...) não se verifica a existência de qualquer erro suscetível de ser objeto de correção. (...) [A]liás, a autoliquidação não está errada, já que a mesma reflete os registos contabilísticos da Requerente”- cfr. artigos 72.º e 73.º da Resposta; F) Assim, defende “(...) nestes casos, não é legítimo ao sujeito passivo vir invocar, como fez a Requerente, a ocorrência de um erro quando a declaração periódica apresentada materializa uma opção por deduzir o IVA nos termos em que o fez, a qual é legitima” - cfr. artigo 76.º da Resposta; G) Dizendo mais: “(...) a existência de um erro praticado à data da liquidação do imposto, constitui um requisito material para a tempestividade do pedido de revisão oficiosa. (...) [I]nexistindo tal erro, tal pedido apenas poderá ser submetido dentro do prazo de apresentação de reclamação graciosa (2 anos, contados a partir da data de pagamento do imposto) pelo substituto ou pelo substituído (n.º 3 e 4 do artigo 132.º do CPPT), pelo que a AT, quando confrontada com um pedido do sujeito passivo relativo a um ato tributário desconforme ao ordenamento jurídico-tributário, está vinculada ao dever de pronúncia e à reposição da legalidade - mas carece de o fazer dentro dos requisitos e limites temporais definidos na lei.” - cfr. artigos 81.º e 82.º da Resposta; H) Neste pressuposto, salienta a Requerida “inexistindo um erro na autoliquidação, não existe fundamento para a apresentação da Revisão Oficiosa nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, que se mostra desta forma inviável. - cfr. artigo 86.º da Resposta; I) Em jeito conclusivo, entende a Requerida que, “não estando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de um qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – a sua tempestividade (pois, não havendo erro imputável aos serviços, não pode ser aplicado o prazo de 2 anos) –, tal determina a inimpugnabilidade das autoliquidações contestadas, impedindo relativamente às mesmas o conhecimento do mérito da causa. (...) [E]fetivamente, não estando preenchido este pressuposto específico de que depende a admissibilidade de um pedido de revisão oficiosa de um ato tributário, sendo o pedido de revisão oficiosa intempestivo, (...) o Tribunal não pode conhecer do pedido arbitral, atenta a sua inimpugnabilidade, pelo que, consequentemente, a Requerida deve ser absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o que desde já se requer.” - cf. artigos 87.º, 88.º e 89.º da Resposta.
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Adicionalmente, a Requerida vem pugnar pela existência de intempestividade parcial, alegando, para o efeito, o seguinte: A) “(...) mesmo que se venha decidir pela improcedência da exceção invocada, o que se admite por mera cautela, sem conceder, sempre o pedido de revisão oficiosa apresentado contra as autoliquidações de IVA é parcialmente intempestivo” - cfr. artigo 90.º da Resposta; B) Face ao entendimento sufragado pela Requerida, “o pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado em 2024.01.03, e face ao prazo de quatro anos (quer do art.º 78.º da LGT, quer do art.º 98.º, n.º 2 do Código do IVA), importa notar que se o IVA dedutível a que se refere a Requerente foi suportado durante o ano de 2019, não havendo base legal para refletir esse imposto na declaração do último período do ano se não está em causa o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA, ou seja, uma correção de uma dedução calculada provisoriamente, então os valores referentes aos períodos de 2019, com exceção de dezembro, são intempestivos” - cfr. artigo 91.º da Resposta; C) Em jeito conclusivo, entende a Requerida que “Assim, o Tribunal não pode conhecer do pedido arbitral nesta parte, atenta a sua inimpugnabilidade, pelo que, consequentemente, a Requerida deve ser absolvida parcialmente da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o que desde já se requer” - cfr. artigo 92.º da Resposta.
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Por fim, nos termos da dos artigos 93.º a 104.º da Resposta, a Requerida vem pugnar pela incompetência material do Tribunal Arbitral para condenação da AT no concreto reembolso dos montantes peticionados pela Requerente, alegando, para o efeito, como segue: A) “(...) o eventual provimento do pedido da Requerente, o que se admite por mera hipótese e dever de representação, não determina o reembolso automático da quantia peticionada pela Requerente” - cfr. artigo 93.º da Resposta; B) Aduzindo como segue: “[M]as, como cautelarmente se disse na decisão impugnada, caso se venha entender conhecer do mérito do pedido e concluir pelo direito ao reembolso solicitado pela Requerente por alegada entrega em excesso de imposto nos cofres do Estado, tal implica necessariamente que se proceda, após análise dos respetivos pressupostos processuais de acesso a este meio gracioso, à validação, entre outras, da qualificação das operações em causa e dos encargos ali suportados, e ainda da correspondência à realidade dos valores indicados. (...) [C]onsequentemente, sempre se dirá que não só o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento, no presente processo arbitral; é que este reembolso só deve ser quantificado pela AT, nos termos do artigo 100.º da LGT, em sede de execução do julgado aquando da anulação parcial das autoliquidações de IVA.” - cfr. artigos 95.º e 96.º da Resposta; C) Continua a Requerida afirmando que “se o Tribunal determinar um qualquer montante de reembolso em concreto na presente ação, como é peticionado pela Requerente, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo do montante a reembolsar, não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral, contencioso de mera anulação” - cfr. artigo 97.º da Resposta; D) Em jeito de conclusão, entende a Requerida que “(...) na parte em que a Requerente peticiona a condenação da Requerida ao reembolso de determinado montante, verifica-se a incompetência material do Tribunal para a apreciação do mesmo, (...) o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo nessa parte, conducente à absolvição da instância quanto a esta pretensão, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT” - cfr. artigos 103.º e 104.º da Resposta.
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Notificada do despacho de 04.10.2024, para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida e mediante requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 18.10.2024, respondendo às excepções, vem a Requerente dizer, quanto à alegada pela Requerida incompetência material do objecto do pedido de pronúncia arbitral por inidoneidade do meio processual usado, o seguinte: A) Começa a Requerente por dizer, a título meramente preliminar, que “(...) os argumentos apresentados pela Requerida colidem com os princípios que integram o sistema comum do IVA, mormente no que respeita aos princípios da neutralidade e, bem assim, da efetividade, pelos quais o mesmo se deve pautar imperativamente.”; B) Partindo dos fundamentos que estribaram a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e que estão acima enunciados, aduz a Requerente no sentido de que “(...) apesar de a AT denominar a sua decisão por “despacho de rejeição”, resulta patente a sua apreciação expressa da legalidade subjacente aos atos tributários sub judice.”; C) Dizendo mais: “[E], mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de se considerar que a conclusão pela não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a apresentação, à AT, de um pedido de revisão oficiosa, concretamente pela não verificação de um erro imputável aos serviços, comporta, por si só, a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.”. Ancorando tal hermenêutica no entendimento perfilhado na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do STA, de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, naquele mesmo sentido; D) E com respaldo na aludida decisão arbitral defende a Requerente que o presente Tribunal Arbitral Colectivo “(...) é competente para a apreciação da pretensão da ora Requerente, porquanto a AT, ao decidir conforme decidiu – indeferindo a pretensão da Requerente em sede de Pedido de Revisão Oficiosa por entender não ser possível reconhecer-se qualquer erro de direito nos atos tributários em causa – apreciou a legalidade subjacente ao ato de liquidação sub judice.”, pugnando pela improcedência da invocada excepção pela Requerida.
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Quanto à alegada pela Requerida inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação no requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 18.10.2024, onde a Requerente responde às excepções suscitadas pela Requerida e partindo dos fundamentos que estribaram a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e que estão acima enunciados, defende a Requerente o seguinte: A) começa por trazer à colação, no que tange à questão da verificação (ou não) de existência de “erro imputável aos serviços” a que se reporta o n.º 1 do art.º 78.º da LGT, o acórdão do STA de 19 de Novembro de 2014, Processo n.º 0886/14, onde a dado passo se diz: “(...) existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributaria estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”; B) no que tange à imputabilidade do erro começa a Requerida por trazer à discussão o entendimento perfilhado no Acórdão proferido pelo STA, a 12 de Junho de 2017, no âmbito do processo n.º 0926/17, onde se entendeu que “[n]o caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços, o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”.” C) afirma de seguida a Requerente que igual entendimento foi adotado pelo TCAS, no âmbito do processo n.º 2324/11.2BELRS. Referindo ainda a Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, proferida no âmbito do processo n.º 167/2022-T; D) a Requerente dá nota de que “(...) apresentou, no dia 29 de dezembro de 2023, um Pedido de Revisão Oficiosa junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual constituíram objeto os atos tributários de autoliquidação de IVA referentes aos meses de Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, nos termos dos quais, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos pela Requerente, esta procedeu à liquidação (e consequente pagamento) de imposto em montante superior àquele exigido pelo princípio da neutralidade, que rege o sistema comum do IVA.” E) informa a Requerente que “(...) o referido Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido pela AT (...), com base na alegada inexistência de um erro, independentemente da sua imputabilidade, na prática dos atos tributários de autoliquidação de IVA em crise naquela petição, entendendo antes que o que ocorreu foi uma opção legítima da Requerente pelo não exercício do direito à dedução do imposto liquidado; F) Socorre-se do entendimento firmado pelo STA no âmbito do processo n.º 0926/17, para sustentar que “(...) resulta evidente que, ainda que estejamos perante atos tributários de autoliquidação de IVA, nos quais, regra geral, não é possível imputar erros à AT, esta entidade passou a ter conhecimento de atos tributários de autoliquidação de IVA sindicados (...) através do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela ora Requerente, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir a sua pretensão.” G) Defendendo a Requerente o seguinte: “[A]ssim, a apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa pela Requerente suscitou na esfera da AT a possibilidade de corrigir o erro subjacente aos atos tributários de autoliquidação de IVA aí contestados, todavia, uma vez que a AT decidiu indeferir a pretensão da Requerente, tal erro tornou-se-lhe imputável.” H) E sustentando que o erro de direito em que laborou decorrido de um erro imputável aos serviços, entende que os actos de autoliquidação aqui em causa são parcialmente anuláveis, donde, considera aquele não devera proceder a exceção invocada pela Requerida na sua Resposta.
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Quanto à alegada pela Requerida intempestividade parcial dos actos de autoliquidação de 2019 (com excepção dos respeitantes ao período de tributação de Dezembro de 2019) no requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 18.10.2024, onde a Requerente responde às excepções suscitadas pela Requerida, defende o seguinte: A) Constatou que, “(...) com referência ao IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, nos anos 2019 e 2020, não deduziu qualquer montante do IVA incorrido com esta tipologia de recursos através do método da afetação real ou do pro rata; B) Traz à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 493/2021-T e ainda o acórdão do STA de 12.05.2021, proferido no proc. 01023/15.0BELRS e o acórdão também do STA de 28.06.2017, proferido no processo n.º 01427/24, no âmbito do qual se afirmou que a “aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo” e, como tal, está em causa um erro de direito”, sendo, consequentemente, aplicável o prazo de 4 anos previsto no n.º 2 do art.º 98 para operar a respetiva regularização/correção.” C) Em jeito de conclusão, diz a Requerente: “(...) “relativamente aos bens de utilização mista, e conforme resulta do disposto no artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA, os sujeitos passivos apenas exercem o direito à dedução na declaração do último período do ano a que respeita a dedução, uma vez que apenas naquele momento será possível aplicar os critérios definitivos para a medida da sua dedução anual. Até lá, a dedução efectuada pelos sujeitos passivos é provisória ou estimada com base no critério histórico, registado no ano precedente. Não se trata, pois, da rectificação de erros, mas do normal funcionamento do método de dedução parcial que apenas é definitivamente concluído, numa base anual, no termo do período (ano) a que respeita”.” D) A Requerente traz ainda à discussão a decisão arbitral proferida no processo n.º 447/2021-T, que a dado passo refere: “a alteração do método de dedução nos casos de sujeitos passivos mistos, pode sempre ser efectuada ao abrigo do disposto no art.º 98.º, n.º 2, do CIVA, quer a Requerida defenda que é um erro material e por conseguinte a Requerente só o poderia regularizar na “janela” do art.º 78.º, n.º 6, quer entenda que, de acordo com a redacção do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, “(...) as correcções ao cálculo da percentagem de dedução, assim como as correcções ao cálculo de dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real) devem ser concretizadas no final do ano em causa e também devem ser reflectidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa”, por ser também nosso entendimento que tais situações se enquadram no denominado erro de Direito. Em ambas as situações aplica-se o art.º 98.º, n.º 2 do CIVA”. E) Concluindo a Requerente como segue: “As declarações de IVA referentes aos meses de dezembro de 2019 e dezembro de 2020, foram entregues dentro do prazo legal previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código deste imposto, pelo que resulta demonstrado que se encontra verificada a tempestividade para o recurso ao presente meio procedimental, entendendo a Requerente que não deverá proceder a exceção invocada pela Requerida na sua Resposta.”
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No que tange, finalmente, à alegada pela Requerida incompetência material do Tribunal para a condenação da AT no concreto reembolso dos montantes peticionados pela Requerente no requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 18.10.2024, onde a Requerente responde às excepções suscitadas pela Requerida, defende o seguinte: “[A] competência do Tribunal Arbitral, contrariamente ao que sustenta a Requerida, não se limita à anulação de atos administrativos. De acordo com o RJAT, a arbitragem tributária tem competência plena para, além de apreciar a validade dos atos tributários, condenar a AT no reembolso de montantes pagos indevidamente, sempre que se verifiquem os pressupostos legais para tal. (...) Ademais, a invocação pela Requerida do artigo 100.º da LGT carece de fundamento. A norma em apreço regula a execução das decisões que reconhecem o direito ao reembolso, mas não restringe, de forma alguma, a competência dos tribunais arbitrais para fixar o montante a ser restituído. A interpretação da Requerida implicaria uma injustificada divisão entre a anulação do ato e as suas consequências jurídicas, subtraindo ao Tribunal Arbitral a capacidade de assegurar uma tutela efetiva e imediata das suas decisões. Esta cisão, além de legalmente insustentável, seria contrária ao princípio da economia processual e à celeridade que norteiam o processo arbitral. (...) Por fim, é importante sublinhar que a competência dos tribunais arbitrais para condenar a AT no reembolso de montantes específicos já se encontra amplamente consolidada na doutrina e jurisprudência arbitral (Cfr. Decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos 305/2016-T e 409/2017-T). Não se trata de uma extensão indevida das funções do tribunal, mas de uma aplicação coerente e lógica do regime jurídico aplicável, que visa garantir a plena tutela dos direitos dos contribuintes. Assim, não assiste razão à Requerida quando invoca a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a pretensão da Requerente, devendo tal exceção ser julgada improcedente.”
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Tendo em consideração as posições das partes acima traçadas, diga-se desde já como afirmação de princípio, que entende este Tribunal assistir razão à Requerente quanto à improcedência das excepções invocadas, em linha com a jurisprudência por esta referenciada e com respaldo nessa mesma jurisprudência. Vejamos,
III.A1) Da competência material do Tribunal Arbitral para apreciar as pretensões formuladas pela Requerente no PPA:
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O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
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Assim sendo, e tendo em consideração que a excepção dilatória da incompetência material poderá obstar ao conhecimento do mérito da causa e/ou importar a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 89.º do CPTA e ainda do disposto no art.º 576.º do CPC aplicáveis ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT, será, a mesma, de imediato apreciada. Vejamos,
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Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em «Noções Elementares de Processo Civil» p.p. 88 e ss., a competência dos tribunais “[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”
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A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Pº 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16/06/2015).
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A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
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A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece, no seu artigo 2.º, o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira; e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
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Isto dito, importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “[T]ermos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência: a) Anular o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado com referência aos atos de autoliquidação de IVA, referentes aos anos 2019 e 2020; b) Anular parcialmente os atos tributários de autoliquidação de IVA efetuados pela Requerente, com referência aos anos 2019 e 2020, materializados na entrega das declarações periódicas de IVA referentes aos meses de dezembro dos respetivos anos; c) Determinar a restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 175.885,27.”
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Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial dos actos de autoliquidação de IVA aqui em causa, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a pedido de revisão entretanto apresentado.
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Como visto, a pretensão de anulação de actos de autoliquidação de tributos tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT.
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Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).
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Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março.
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Deste modo, considera-se o tribunal competente em razão da matéria com respaldo também em tudo quanto foi supra aduzido e ainda no prolatado na decisão arbitral tirada no Processo n.º 206/2022-T que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=6780
III.A2) Da incompetência do tribunal arbitral por inidoneidade do meio processual:
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Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
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Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
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A Requerente, tal como sobejamente explicitado acima, sustenta que a AT no âmbito da apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado, mesmo denominando a sua decisão de “despacho de rejeição”, se pronunciou sobre a legalidade dos actos de autoliquidação entretanto controvertidos e aqui sindicados, sendo que, defende, ainda que assim se não entendesse, a decisão proferida no procedimento de revisão que fosse no sentido de não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a sua apresentação, concretamente pela não verificação de um “erro imputável aos serviços”, não pode deixar de comportar, por si só, a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação de IVA, respeitantes aos períodos de tributação de 2019.12M e de 2020.12M, ancorando tal hermenêutica no entendimento perfilhado na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do STA, de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, naquele mesmo sentido.
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O Tribunal acolhe a construção da Requerente acima transcrita e que vai no sentido de que ainda que a AT não tivesse apreciado (não concedendo) a legalidade dos actos de autoliquidação de IVA aqui sindicados na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, ou seja, caso a decisão proferida no procedimento de revisão fosse, tão-só, no sentido de não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a sua apresentação, concretamente pela não verificação de um erro imputável aos serviços, não podia deixar tal decisão de comportar, por si só, a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação de IVA, com respaldo na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do STA, de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13 que vai naquele sentido, entendimento em relação ao qual o Tribunal não vê razões para dele divergir.
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Isto dito se conclui no sentido de que na apreciação do pedido de revisão oficiosa, mesmo que a AT se houvesse limitado a analisar os aspetos processuais, ou seja, mesmo que não houvesse também entrado na apreciação da legalidade das autoliquidações ali controvertidas e aqui sindicadas e, nesse sentido, no mérito da questão apresentada, considera este tribunal que a ação arbitral constitui meio processual idóneo de reação, conforme confirmado pelas decisões jurisprudenciais do STA e do CAAD acima melhor identificadas, não procedendo a excepção invocada pela Requerida.
III.B) Da inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação:
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Tal como se referiu acima aquando da enunciação da posição da Requerida quanto às excepções invocadas, entende aquela que, “não estando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de um qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – a sua tempestividade (pois, não havendo erro imputável aos serviços, não pode ser aplicado o prazo de 2 anos) –, tal determina a inimpugnabilidade das autoliquidações contestadas, impedindo relativamente às mesmas o conhecimento do mérito da causa.
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Relativamente à apreciação sobre a questão da verificação (ou não) de “erro imputável aos serviços” a que se refere o n.º 1 do art.º 78.º da LGT, importa referir que a jurisprudência do STA vem uniformemente entendendo o conceito de “erro imputável aos serviços” de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração Tributária.
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Ademais, o acórdão do STA de 13.01.2021, tirado no Processo n.º 0129/18.9BEAVR (e bem assim como o acórdão do TCAN, de 27 de Outubro de 2021, tirado no Processo n.º 00175/21.5BECBR) pronuncia-se no sentido de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do acto tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vicio que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão.
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No sentido de melhor se dilucidar esta questão, adequado se mostra empreender a transcrição do seguinte trecho daquela decisão jurisprudencial do STA: “[A] impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. [sublinhado nosso]. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação). Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa. Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação). No caso em apreço, o pedido formulado na petição inicial, que a impugnação judicial seja “julgada procedente e, [que] em consequência, [seja] ordenada a restituição das importâncias pagas em excesso”, não é exemplar de um pedido a formular numa impugnação judicial, a qual termina, naturalmente, com o pedido de anulação (total ou parcial) da liquidação impugnada. No entanto, embora não esteja expressamente formulado o pedido de anulação da liquidação, ele está subjacente ao pedido de restituição das quantias pagas em excesso, aliás como reconheceu o Tribunal recorrido quando refere, a propósito da possibilidade de convolação, que “No fundo, o pedido formulado pela ora impugnante tem implícito um pedido de anulação parcial da liquidação…”. Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva. Assente que o pedido formulado, não obstante os reparos feitos, é adequado ao meio processual utilizado pela Recorrente, a impugnação judicial, a decisão recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento, merecendo o recurso provimento.”
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Assim sendo e atento o petitório da Requerente que elegeu como pedido principal a declaração de ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação de IVA de Dezembro de 2019 e de Dezembro de 2020, com respaldo na jurisprudência acima citada, mostra-se absolutamente indiferente o teor (formal ou material) da decisão que haja recaído sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado.
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Sendo pedida pronúncia sobre a (i)legalidade (meramente parcial) de actos de autoliquidação de IVA, estamos no domínio típico da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, igualmente no domínio da acção arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação, não devendo olvidar-se que a ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como ressalta dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que consagrou uma autorização legislativa ao Governo para a introdução da arbitragem tributária.
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Deste modo, o facto de a AT ter considerado intempestivo o pedido de revisão oficiosa por impossibilidade de imputação do erro aos serviços, donde, por inaplicabilidade do prazo de 4 anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78,º da LGT, o que, segundo aquela, determinaria a inimpugnabilidade das autoliquidações sindicadas, não impede ou compromete, entende este Tribunal (acolhendo a construção que a Requerente empreendeu na sua resposta às excepções suscitadas pela AT), a apreciação do objeto mediato da presente acção, identificado no petitório pela Requerente, ou seja, não impede a apreciação da (i)legalidade parcial dos actos de autoliquidação de IVA, respeitantes aos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M.
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Na senda do entendimento firmado pelo STA no âmbito do acórdão de 13.01.2021, tirado no Processo n.º 0129/18.9BEAVR e acima em parte aqui transcrito, com a apresentação do pedido de revisão oficiosa, a AT passou a ter conhecimento da alegada ilegalidade (parcial) de que enfermavam os actos tributários de autoliquidação de IVA aqui sindicados, tendo tomado posição quanto aos mesmos ao indeferir as pretensões anulatórias da Requerente, mesmo que se fundasse, tal indeferimento, tão-só, em razões formais e tendo aquela decidido indeferir as aludidas pretensões anulatórias da Requerente, tal erro de que alegadamente enfermam as autoliquidações, tornou-se-lhe imputável.
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E tendo a incorreta aplicação da lei decorrido de um “erro imputável aos serviços”, os actos de autoliquidação de IVA aqui em causa são actos suscetíveis de serem (parcialmente) anulados por este Tribunal, estando em tempo a Requerente para o fazer nos termos e em conformidade com o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, concatenado com o disposto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, donde, não pode deixar de improceder a excepção invocada pela Requerida na sua Resposta da inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação sindicados.
III.C) Da (in)competência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição do valor do IVA pago em excesso:
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A Requerente pede, além do mais, que em consequência do eventual decretamento da ilegalidade os actos de autoliquidação lhe seja reconhecido o direito à restituição do valor do IVA pago em excesso e apurado nas declarações periódicas dos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M, no montante global de 175.885,27 €.
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A este propósito a Requerida sustenta a incompetência material do Tribunal arbitral para a condenação da AT no concreto reembolso dos montantes peticionados pela Requerente. No essencial, a Requerida defende o seguinte nos artigos 95.º, 96.º e 97.º da sua Resposta: “(...) caso se venha entender conhecer do mérito do pedido e concluir pelo direito ao reembolso solicitado pela Requerente por alegada entrega em excesso de imposto nos cofres do Estado, tal implica necessariamente que se proceda, após análise dos respetivos pressupostos processuais de acesso a este meio gracioso, à validação, entre outras, da qualificação das operações em causa e dos encargos ali suportados, e ainda da correspondência à realidade dos valores indicados. […] [C]onsequentemente, sempre se dirá que não só o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento, no presente processo arbitral; é que este reembolso só deve ser quantificado pela AT, nos termos do artigo 100.º da LGT, em sede de execução do julgado aquando da anulação parcial das autoliquidações de IVA.” Prossegue a Requerida afirmando ainda no sentido de que “se o Tribunal determinar um qualquer montante de reembolso em concreto na presente ação, como é peticionado pela Requerente, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo do montante a reembolsar, não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral, contencioso de mera anulação.”
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Não obstante, não tem razão a Requerida. Vejamos,
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De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".
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Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
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O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art.º 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".
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O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.
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Por isso, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD proferir decisões condenatórias que se possam consubstanciar na eventual restituição do valor de IVA pago em excesso.
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Assim sendo, o Tribunal Arbitral julga-se competente para eventualmente decidir sobre a sindicada restituição do valor do IVA pago em excesso e apurado nas declarações periódicas dos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M, no montante global de 175.885,27 €, donde, não pode deixar de improceder também a excepção invocada pela Requerida na sua Resposta da incompetência material do Tribunal arbitral para a condenação da AT no concreto reembolso dos montantes peticionados pela Requerente, acaso as autoliquidações sindicadas viessem a ser parcialmente consideradas ilegais por este Tribunal.
III.D) Dos demais pressupostos processuais:
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
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O processo não enferma de nulidades ou vícios que o invalidem.
IV) Do Direito:
IV.1) Apreciação do mérito da causa:
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A questão decidenda é, no essencial, a de saber se é legalmente admissível a regularização, com efeitos retroactivos e a empreender a posteriori, do IVA ligado à incorrência de custos de imputação mista, por aplicação do pro rata de dedução previsto no art.º 23.º do CIVA (que antes não fora sequer utilizado para a imputação de quaisquer custos de utilização mista) e, caso assim seja, se a Requerente ainda está em tempo para a efectivar; bem como se logrou provar a existência efectiva do erro de direito em que diz haver laborado.
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Acolhendo a posição defendida pela Requerente e acima sobejamente transcrita, o Tribunal entende que a não determinação inicial de um pro rata de dedução (nos vários períodos de tributação de 2019 e 2020) donde decorreu a absoluta ausência de dedução de IVA ligado a custos de imputação mista incorridos pela Requerente e que, uma vez constatado o erro, pretendia aquela redundasse na alteração (a posteriori) da respectiva quantificação do cálculo da dedução do IVA (que de zero passaria ao valor aqui sindicado, por aplicação de um pro rata de 10% em cada um dos anos de 2019 e 2020), configura erro de direito regulado pela disciplina do n.º 2 do art.º 98 do CIVA, não podendo, tal erro, reconduzir-se ao conceito de erro material ou de cálculo previsto no artigo 78.º do CIVA.
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Apesar de, in casu, não estarmos perante a errada adopção de um dos métodos previstos no art.º 23.º do CIVA, mas antes perante a não utilização do método da percentagem de dedução para imputação de custos de utilização mista, pretendendo a Requerente utilizá-lo subsequentemente, louvando-se o Tribunal na decisão arbitral proferida no Processo n.º 493/2021‐T, cujo sumário, no seu ponto 3. diz: “[A] errada adoção de um método (coeficiente de imputação específico ou de afetação real) para apuramento do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, consubstancia um erro de direito subsumível no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, pelo que o ato tributário de liquidação (autoliquidação) em que se tenha expressado o excessivo ou indevido apuramento do IVA entregue nos cofres do Estado pode ser objeto de revisão no prazo de quatro anos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA e do artigo 78.º da LGT.”, considera-se aqui, repise-se, que tal factualidade também consubstancia um erro de direito subsumível no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA.
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E se o prazo aplicável era, como visto, o previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, é incontornável admitir-se que a Requerente estava ainda em tempo para efectivar a correcção pretendida.
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Volvendo agora para a matéria da prova da incorrência do erro de direito, o Tribunal sustenta que a Requerente não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, no sentido de demonstrar que as autoliquidações sindicadas enfermam, de facto, de ilegalidade parcial por aquela não haver deduzido o IVA que a lei em vigor permitiria que deduzisse. Para o advogar, respalda-se na jurisprudência identificada pela Requerida, ou seja, no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 21/2019-T e ainda o acórdão do STA de 27.06.2012, proferido no Processo n.º 0982/11.
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A invocação por parte da Requerente de que incorreu em erro de direito aquando da determinação do pro rata de dedução nos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M, enfermando, por isso, em parte, os actos de autoliquidação correspondentes de ilegalidade parcial, porquanto entregou nos cofres do Estado IVA superior ao devido, faz impender sobre ela a necessidade de demonstração do aludido erro, cabe-lhe o ónus da prova da factualidade que permita demonstrar e quantificar tal erro.
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E quanto a essa circunstância o Tribunal acompanha a Requerida no sentido de que a Requerente não produziu qualquer prova quanto ao valor do IVA suportado com a aquisição de custos de imputação mista (que indistintamente foram utilizados para a realização de operações conferem direito a dedução e para a realização de operações que não conferem tal direito).
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A Requerente limitou-se a juntar aos autos documento que mais não é do que um quadro com os cálculos, para os anos de 2019 e 2020, onde se explicitam os valores correspondentes ao numerador e denominador da percentagem de dedução a que se reporta o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, apurando um coeficiente de dedução que para cada um daqueles anos se cifra em 10%, donde, partindo do valor do IVA incorrido em recursos de utilização mista de 1.168.064,45 €, para o ano de 2019 e de 590.788,21 €, para o ano de 2020, determina um total de IVA a deduzir para cada um daqueles anos, respectivamente, de 116.806,45 € e de 59.078,82 €, num total a deduzir, segundo a Requerente, de 175.885,27 €.
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De notar que não há nos autos qualquer elemento de prova que demonstre que o valor que deve constar do numerador e denominador da fracção prevista no n.º 4 do art.º 23º do CIVA; ou até mesmo do valor dos recursos de imputação mista que foi a ali referido; tal como também não está junto aos autos qualquer extracto contabilístico que faça a demonstração de tais valores, donde, não pode este tribunal considerar provadas as percentagens de dedução que a Requerente determinou e que justificariam o alegado excesso de IVA entregue nos cofres do Estado naqueles períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M e daí a ilegalidade parcial das autoliquidações sindicadas.
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Não devendo olvidar-se que os requisitos formais associados à dedução do IVA (e ainda que de dedução meramente parcial, porquanto estamos perante recursos de imputação mista, é de efectiva dedução de IVA que estamos aqui a tratar) e previstos no respectivo Código, são de tal forma apertados que exigem, sempre, nos termos do que dispõe o n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, a apresentação de facturas emitidas em conformidade com o art.º 36.º do CIVA, o que não se compadece com a apresentação de meros quadros-síntese ou outros documentos afins como os que estão juntos aos autos, respaldando o Tribunal tal hermenêutica nas seguintes decisões jurisprudenciais que foram identificadas pela Requerida e que aqui igualmente se explicitam: i) acórdão do TCAS de 21.11.2006, prolatado no processo n.º 01438/06; ii) acórdão do TCAS, de 16.12.2015 (Processo n.º 07027/13); iii) acórdão do TCAN de 28.04.2016 (Processo n.º 00082/03 – Coimbra); e iv) acórdão do STA, de 07.11.2018 (Processo n.º 0359/16.8BELLE 042/18).
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Concluindo-se, assim, no sentido de que a prova coligida a apresentada pela Requerente no sentido de ancorar a ilegalidade parcial das sindicadas autoliquidações de IVA de 2019.12M e 2020.12M, é manifestamente insuficiente, não se mostrando, assim, cumprido o ónus de prova que sobre aquela impendia por força do disposto no artigo 74.º da LGT.
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Assim sendo e tendo a Requerente incumprido de forma grosseira o ónus probatório que sobre si impendia, i.e., não tanto por razões de direito, não pode o tribunal deixar de decidir pela improcedência do pedido principal e consequentemente, pela improcedência também dos demais pedidos, porque dependentes daquele.
IV.2) Questões de conhecimento prejudicado:
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Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, como sejam: i) a arguição pela Requerente da existência de intempestividade parcial; ii) a questão da invocação do Acórdão CTT como fundamento de recusa das pretensões anulatórias da Requerente, por consideração de que aquela não ignorava de boa-fé que o método da percentagem de dedução era o mais adequado para a concretização da dedução do IVA suportado na aquisição de recursos de utilização mista; iii) ou até a condenação da AT na reapreciação do pedido de revisão oficiosa (à semelhança do entendimento vertido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 539/2015-T e no pressuposto de que o Tribunal viesse a concluir que as despesas em causa eram passíveis de dedução), já que, tendo o Tribunal julgado improcedente o PPA, ficavam assim salvaguardadas as pretensões da Requerida da manutenção na ordem jurídica dos actos tributários de autoliquidação de IVA, respeitantes aos períodos de tributação de 2019.12M e 2020.12M.
V. DECISÃO:
De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral Colectivo em:
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Julgar totalmente improcedente o pedido principal formulado no PPA com a consequente manutenção na ordem jurídica das autoliquidações de IVA, reportadas aos períodos de tributação de 2019.12M e 2020,12M;
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Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela requerente no seu PPA.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixo o valor do processo em 175.885,27 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixa-se o valor das Custas em 3.672,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das autoliquidações de IVA sindicadas), a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2025.
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT, regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
A Árbitro Presidente,
(Carla Castelo Trindade – com declaração de voto)
O Árbitro Vogal e Relator,
(Fernando Marques Simões)
O Árbitro Vogal,
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora – com declaração anexa)
Declaração de voto
Não tendo sido julgada procedente nenhuma das excepções suscitadas, e tendo o processo seguido para a apreciação do mérito da causa, concordo em geral com o sentido final da decisão, com ressalva no que respeita à excepção de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação invocada pela Requerida na sua Resposta, a qual entendo que deveria ter sido julgada procedente (o que conduziria a que a Requerida fosse absolvida da instância).
A impugnabilidade dos actos tributários de autoliquidação contestados pela Requerente está dependente da tempestividade da apresentação do pedido de revisão que sobre eles versou. A extemporaneidade de tal pedido tem como consequência a formação de caso decidido ou resolvido, o que significa que os actos de autoliquidação deixam de poder ser contestados judicialmente.
Assim, para apreciar a impugnabilidade dos actos de autoliquidação, é necessário analisar se estavam ou não preenchidos os pressupostos de que dependia a procedência do pedido de revisão oficiosa. O mesmo é dizer que é necessário analisar se os actos de autoliquidação de IVA postos em crise estavam ou não viciados por erro imputável aos serviços e se foi respeitado o prazo, previsto no artigo 78.º, n.º 1, parte final, da LGT de impulsionar a revisão oficiosa nos quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca o direito de proceder à regularização do IVA que, alegadamente, foi indevidamente (por defeito) deduzido, dentro do referido prazo de quatro anos. Por seu turno, de acordo com a Requerida, cabe à Requerente o ónus de comprovar a ocorrência do erro que lhe está subjacente e a efectiva imputabilidade do mesmo aos serviços da AT, para que tal revisão oficiosa possa ocorrer dentro do já mencionado prazo de quatro anos.
Ora, no que tange à discussão acerca da existência (ou não) de erro imputável aos serviços da Requerida, subscreve-se, com as devidas adaptações, o entendimento professado pelo STA, no recente acórdão datado de 02.10.2024, no processo n.º 01917/21.4BELRS (sendo relator o Juiz Conselheiro João Sérgio Ribeiro), no qual é sublinhado que “estando perante actos tributários de autoliquidação de IVA e não resultando provado que tais actos padecem de um erro que possa ser imputável à Requerida, produz o efeito de vedar ao Requerente a possibilidade de, num prazo de 4 anos, recorrer ao disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT para solicitar àquela a revisão oficiosa daqueles actos”.
Seguindo-se esta mesma orientação, não decorrendo dos autos qualquer prova ou evidência de que os actos de liquidação ora postos em crise padeçam de um erro que possa ser imputável aos serviços da Requerida (nem tampouco tal imputação resulta expressamente da matéria de facto dada como provada nesta decisão), o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação devia ter sido apresentado pela Requerente, no prazo de reclamação administrativa (em regra, 120 dias; no caso em apreço, por se tratarem de autoliquidações, 2 anos).
Uma vez que as autoliquidações impugnadas nestes autos respeitam às declarações periódicas dos períodos de Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, a 3 de Janeiro de 2024 (data em que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente), o prazo para pedir a revisão oficiosa daqueles actos de autoliquidação já se havia esgotado, o que tem como consequência que estes mesmos actos tornaram‑se inimpugnáveis.
Por conseguinte, verifica-se a caducidade do direito de acção em relação a tais actos, já que só a utilização tempestiva do pedido de revisão permitiria abrir (tempestivamente) a via judicial da respectiva contestação.
Este entendimento conduziria à conclusão de que o Tribunal não podia conhecer do pedido arbitral, atenta a sua inimpugnabilidade, e, consequentemente, a Requerida deveria ser absolvida da instância (cfr. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do CPCV, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas nestes autos.
Carla Castelo Trindade
19 de Fevereiro de 2025
DECLARAÇÃO
Subscrevo integralmente a decisão proferida, tendo em conta os elementos disponíveis do processo.
Porém, quanto à questão de mérito, porque se trata não da alegação de factos, que estão na disponibilidade das partes e constituem matéria dispositiva, mas da exigência de prova de factos alegados, apenas documentados em quadros explicativos, que foram impugnados pela requerida, convidaria a requerente, antes de ser proferida decisão, a apresentar documentos que comprovassem os valores constantes dos referidos quadros, para prova dos factos alegados nos artigos 62º. a 67º. do PPA, ao abrigo do princípio do inquisitório em matéria de instrução do processo, que está previsto no artº. 411º. do actual Cod. Proc. Civil, aplicável por força do artº. 29º. do RJAT, pois o CPPT não tem qualquer norma sobre o assunto e o artº. 90º. do CPTA remete para o processo civil.
Lisboa, 19-02-2025
José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora
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