Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 760/2024-T
Data da decisão: 2025-02-24  IRS  
Valor do pedido: € 8.958,14
Tema: IRS: Regime fiscal aplicável aos ex-residentes (artigo 12º-A do CIRS).
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SUMÁRIO:

 

I. O artigo. 12.º-A do CIRS apela a um conceito jurídico de residência fiscal e não a um conceito físico de residência.

 

II. O requisito que consta da al. a) do n.º 1 do artigo. 12.º-A do CIRS não dispensa a consideração do conceito de residência do artigo 16.º do CIRS.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

A - Geral

 

  1. A..., contribuinte fiscal n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou no dia 17.06.2024 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, em termos imediatos, a declaração de ilegalidade da reclamação graciosa a que foi atribuída o n.º ...2023... e, mediatamente, a anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2023..., relativa ao ano de 2022, pedindo a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) a devolver-lhe a quantia de € 8.958,14 (oito mil novecentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos) e a pagar-lhe os correspondentes juros indemnizatórios, como adiante melhor se verá.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (seguidamente “CAAD”) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 27.08.2024.

 

  1. No mesmo dia foi notificado o dirigente máximo dos serviços da AT para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. A Requerida no dia 30.09.2024 remeteu a sua resposta e juntou aos autos o respetivo processo administrativo.

 

  1. Por despacho notificado no dia 07.01.2025, entendeu o tribunal dispensar a reunião do art.º 18º do RJAT, convidando as Partes a, querendo, apresentar alegações escritas simultâneas, no prazo de 10 dias, o que apenas o Requerente fez.

 

B – Posição do Requerente

 

  1. O Requerente, em Dezembro de 2018, viajou para a Confederação Suíça para aí fixar residência.

 

  1. Dispondo de um prazo de 30 (trinta) dias para comunicar a sua morada fiscal às autoridades suíças, declarou a sua morada naquele território (Av..., ... Lausanne) no dia 21.01.2019, tendo as ditas autoridades certificado essa informação no dia 05.02.2019.

 

  1. O Requerente residiu e trabalhou na Confederação Suíça desde Dezembro de 2018 até ao final de Março de 2022.

 

  1. Pouco tempo depois de chegar à Suiça, o Requerente alterou a sua morada de Av. ..., ..., ..., ... Lausanne.

 

  1. Em 2021, o Requerente apresentou junto dos serviços da AT um pedido de alteração de morada, de modo a reflectir a sua residência fiscal na Confederação Suíça, pedido que foi deferido com efeitos a 21.01.2019.

 

  1. No dia 17.01.2022, o Requerente comunicou às autoridades suíças que iria partir para Portugal no dia 31.03.2022, trocando a sua morada de..., ... Lausanne para Av. ..., ..., ...-... Lisboa.

 

  1. Regressado a Portugal no dia 31.03.2022, o Requerente passou a residir e a desenvolver a sua actividade profissional exclusivamente em território português, tendo pouco depois alterado a sua morada fiscal em conformidade junto dos serviços da AT.

 

  1. No dia 05.04.2023, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente a 2022, sinalizando o código de rendimentos 410 e preenchendo o campo E relativo ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes (art.º 12.º-A do Código do IRS).

 

  1. No dia 08.07.2023, tomou o Requerente conhecimento de que a sua declaração de rendimentos Modelo 3 havia sido rejeitada e pediu à Requerida esclarecimentos.

 

  1. No dia 28.07.2023, o Requerente obteve resposta de que “a sua declaração está errada porque até 20.01.2019 teve o seu domicílio em Portugal, não podendo assim beneficiar do Regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS”.

 

  1. No mesmo dia, o Requerente transmitiu à AT que “de acordo com o artigo 12.º-A do Código do IRS, eu não tive domicílio fiscal em Portugal 2019 [sic]. Em cada ano fiscal, uma pessoa apenas tem um domicilio fiscal, o sitio onde passa mais de 183 dias - de acordo com a lei portuguesa. Nesse sentido, 2019, 2020 e 2021 o meu domicilio fiscal foi a Suíça, e por essa razão no meu entendimento a minha declaração de IRS está correcta”.

 

  1. Ainda nesse dia, os serviços da AT esclareceram: “a sua declaração só será validada se for ultrapassado o erro já referido”.

 

  1. Ainda que inconformado, o Requerente, tal como exigido pelos serviços da AT, “ultrapassou” o alegado erro, advertindo expressamente que essa alteração “não implica, de forma alguma, uma admissão de que não sou elegível ao programa "Regressar". A minha intenção é tão somente cumprir as orientações emanadas pela AT, a fim de possibilitar a liquidação da declaração. Antes de proceder à ressubmissão da declaração, solicito, mais uma vez, uma análise cuidada e justa da minha situação. Caso a revisão, porventura realizada, não produza o resultado desejado, vejo-me obrigado a prosseguir com a submissão e, consequentemente, com uma reclamação graciosa”.

 

  1. Assim, a AT procedeu à liquidação ora posta em crise.

 

  1. Não se conformando com o referido acto de liquidação, o Requerente apresentou reclamação graciosa no dia 24.11.2023, em que pediu a anulação parcial do imposto no valor de € 8.870,86 (oito mil oitocentos e setenta euros e oitenta e seis cêntimos) e o pagamento do montante de € 8.958,14 (oito mil novecentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos) a título de reembolso legalmente devido e juros indemnizatórios calculados à data.

 

  1. A AT nunca respondeu à reclamação graciosa, razão por que se considera ter sido ela tacitamente indeferida no dia 25.03.2024.

 

  1. O Requerente foi residente fiscal na Suíça nos anos de 2019, 2020 e 2021, tendo residido efectivamente mais de 36 meses fora de Portugal.

 

  1. Devido a erro dos serviços da AT, o Requerente, em 2022, foi tributado pela totalidade dos seus rendimentos, no valor de € 50.537,50 (cinquenta mil quinhentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), não tendo sido excluído tributação, como se impunha, metade desses rendimentos, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º-A, do Código do IRS.

 

C – Posição da Requerida

 

  1. A Requerida invoca o Ofício-Circulado nº 20206, de 28.02.2019, que refere que “para usufruição deste regime devem estar preenchidos cumulativamente todos os pressupostos e condições previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º-A do Código do IRS”.

 

  1. Tornando-se, de novo, residente em Portugal em 2022, para beneficiar deste regime, o Requerente não pode ter sido residente em Portugal (total ou parcialmente) nos três anos imediatamente anteriores, isto é, 2019, 2020 e 2021, sendo este um critério objetivo.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que significa que é ao Requerente que incumbe comprovar a residência no estrangeiro (Suíça) nos referidos três anos anteriores ao seu regresso ao território nacional (2019, 2020 e 2021).

 

  1. Conforme consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que, em 11.01.2022, o estado do Requerente foi alterado para não residente (Suíça), com efeitos a 21.01.2019, pelo que se presume a sua residência em território nacional até àquela data. 

 

  1. O Requerente foi residente em Portugal no ano de 2019, mais concretamente, até 21.01.2019, de acordo com a informação constante no cadastro.

 

  1. Prevê o n.º 4 do artigo 16.º do Código do IRS (“CIRS”) que “a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, […]”, pelo que se verifica que o Requerente foi residente em Portugal no ano de 2019, mais concretamente, até 21.01.2019, data a partir da qual declarou ter alterado a sua residência para o estrangeiro.

 

  1. Não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes para o ano de 2022, nos termos do artigo 12.º-A do CIRS, nomeadamente, a não residência em território nacional na totalidade do ano de 2019, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação contestada, não sendo igualmente devidos juros indemnizatórios.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e do art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

  1. A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se, uma vez que o  art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, “quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, como é manifestamente o caso, acomoda ainda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações mediatamente postas em crise.

 

  1. O Requerente apresentou as suas alegações no dia 24.01.2025, reiterando o que havia já transmitido no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.    Factos provados

 

Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:

 

2.1.1. O Requerente, no dia 21.01.2019, declarou às autoridades suíças ter a sua morada naquele território (Av. ..., ... Lausanne), tendo as ditas autoridades certificado essa informação no dia 05.02.2019 (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2. Antes de 20.10.2021, o Requerente alterou a sua morada de Av. ... ... Lausanne para ..., ..., ... Lausanne (documento n.º 4, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3. No dia 20.10.2021, o Requerente apresentou junto dos serviços da AT um pedido de alteração de morada para ..., ..., ... Lausanne, que foi deferido com efeitos a 21.01.2019 (documento n.º 4, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.4. No dia 17.01.2022, o Requerente comunicou às autoridades suíças que iria partir para Portugal no dia 31.03.2022, trocando a sua morada de ..., ..., ... Lausanne para Av. ..., ..., ...-... Lisboa (documento n.º 5, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.5. No dia 05.04.2023, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente a 2022, sinalizando o código de rendimentos 410 e preenchendo o campo E relativo ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes (art.º 12.º-A do Código do IRS).

 

2.1.6. O Sistema de Gestão de Divergências evidenciou que aquela declaração deu origem ao erro Z10 – Regime Fiscal Ex-Residente não permitido/Reside em PT nos últimos 3 anos e Z12 - Regime Fiscal Ex-Residente não permitido/Residente Não Habitual (artigo 6.º da Resposta).

 

2.1.7. No dia 08.07.2023, tomou o Requerente conhecimento de que a sua declaração de rendimentos Modelo 3 havia sido rejeitada e pediu à Requerida esclarecimentos (documento n.º 7, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.8. No dia 28.07.2023, o Requerente obteve resposta de que “a sua declaração está errada porque até 20.01.2019 teve o seu domicílio em Portugal, não podendo assim beneficiar do Regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS” (documento n.º 7, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.9. Também no dia 28.07.2023, a AT transmitiu ao Requerente: “a sua declaração só será validada se for ultrapassado o erro já referido” (documento n.º 7, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.10.  O Requerente entregou a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, na qual mencionou ser residente em território nacional, e ter auferido rendimentos de trabalho dependente no respetivo Anexo A, da qual resultou a liquidação n.º 2023..., de 09.08.2023, com o valor a receber no montante de € 3.259,67 (documento n.º 1, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, Processo Administrativo e artigo 5.º da Resposta)

 

2.1.11. O Requerente, no dia 17.12.2021, apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação n.º 2023..., referente a 2022, a que foi atribuída o n.º ...2023... (documento n.º 2, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.12. A Requerida não se pronunciou oportunamente sobre a reclamação graciosa com o n.º ...2023... apresentada, em tempo, pelo Requerente (Processo Administrativo e artigo 8.º da Resposta).

 

2.2.    Factos não provados

 

Não se provou ter o Requerente, em Dezembro de 2018, viajado para a Confederação Suíça para aí fixar residência. Para além deste, não há mais factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.

 

2.3.    Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de seleccionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  

 

Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objecto do litígio, delimitado em função do pedido e da causa de pedir (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições que assumiram nos articulados por si apresentados.

 

  1. Matéria de direito

 

3.1. Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito, que o pedido e a respectiva causa de pedir impõem que se apreciem as seguintes questões:

 

  1. A de saber se, para efeitos do disposto no artigo 12.º-A do CIRS, se deve considerar que o Requerente foi residente em território português no ano de 2019; e

 

  1. A de dilucidar se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios caso seja julgado ser ilegal a liquidação ora em crise.

 

3.2. O regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS

 

O artigo 12.º-A do CIRS consagra o regime aplicável a ex-residentes, introduzido na ordem jurídica pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019).

 

Na versão em vigor à data a que se reportam os factos, a redacção do preceito era a seguinte:

 

 

Artigo 12.º - A

Regime fiscal aplicável a ex-residentes

 

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023:

 

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

 

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente;​

 

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

 

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

O artigo 12.º-A do Código do IRS, que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e empresariais e profissionais, obtidos por ex-residentes, estabelece uma medida excecional de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.

 

Os requisitos cumulativos que têm de observar-se para que se possa aplicar este regime, ou seja, para que possam ser excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais do sujeito passivo, são os seguintes:

 

  • Tornar-se fiscalmente residente nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023;
  • Não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores;
  • Ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente;
  • Ter a sua situação tributária regularizada; e
  • Não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

No caso sub judice, estão indisputavelmente verificados quatro dos requisitos para a aplicação do deste regime ao Requerente, a saber:

 

  • Tornou-se fiscalmente residente, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, em 2022;
  • Era residente em território português antes de 31 de dezembro de 2018;
  • Tinha a sua situação tributária regularizada; e
  • Não solicitou a sua inscrição como residente não habitual.

 

Portanto, o litígio circunscreve-se à questão de saber se o Requerente deve ser considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores (2019, 2020 e 2021).

 

Quanto aos anos de 2020 e 2021 estão as Partes de acordo: o Requerente não deve ser considerado residente em território português. Assim, o dissídio diz apenas respeito ao ano de 2019, em que a AT entende que o Requerente residiu em território português nos primeiros 20 dias do ano, razão por que não pode dizer-se que não residiu nesse ano em território português. O Requerente, por seu lado, diz que se mudou para a Suíça em Dezembro de 2018, mas a verdade é que não demonstrou não ter residido em território português no período compreendido entre 01.01.2019 e 21.01.2019, data a partir da qual declarou às autoridades suíças passou a residir nesse país. Ora, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Caberia, pois, ao Requerente o ónus de provar que não residiu em território português em qualquer dia de 2019. Assim, foi dado como assente ter o Requerente residido em Portugal até ao dia 20.01.2019, passando a residir na Suíça a partir do dia 21.01.2019.

 

Resta saber se esses 20 dias de residência em território português em 2019 bastam para que se frustre o acesso do Requerente ao regime aplicável aos ex-residentes para os seus rendimentos de 2022.

 

Esta questão já foi submetida à apreciação de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, havendo decisões contraditórias. As decisões arbitrais relativas aos processos n.º 202/2022-T e n.º 740/2022-T vão no sentido de entender que obsta à aplicação do regime consagrado no artigo 12.º-A do CIRS o facto de o sujeito passivo ter residido em território português, um dia que seja, em qualquer dos três anos anteriores ao do ano em que se torna residente em Portugal (ano de regresso).

 

Diga-se, desde já, que este tribunal não pode acompanhar aquele entendimento.

 

A alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS exige que os sujeitos passivos que pretendam beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes “não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores”. É bom notar que o legislador faz uso da expressão “não tenham sido considerados residentes em território português” o que sugere a residência, para estes efeitos, não é meramente física mas uma consideração jurídica. Convenhamos que a residência meramente física não exige qualquer consideração. É apenas fáctica. Ensinam os dicionaristas que “consideração” é sinónimo de “exame detido, reflectido”[1]. Claro está que a residência, para efeitos fiscais, em regra, se baseia na presença física no território, mas essa presença tem de ser sopesada em função dos critérios que o legislador elegeu para que ela possa, ou deva, operar. Assim, é preciso examinar detidamente, reflectir, a presença física no território para avaliar sobre o preenchimento da previsão normativa do artigo 16.º do CIRS, máxime o seu n.º 1, cuja epígrafe é, justamente, “residência”. A regra para se considerar alguém como residente em território acha-se no n.º 1 do dito artigo 16.º do CIRS. E, pelos elementos de que dispõe o tribunal, o Requerente não preenche nenhum desses critérios objectivos.

 

Vale a pena recuperar a declaração de voto de vencido da decisão prolatada no processo n.º 202/2022-T, com a qual se concorda:

 

“Concordo com o fundamento da decisão arbitral de que, no que respeita ao acesso ao regime fiscal dos ex-residentes, a redacção do artigo 12.º-A, alínea a), do Código do IRS, é clara quando refere a exclusão parcial de tributação dos sujeitos passivos que «não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores» e não, nos 36 meses anteriores. Contudo, parece-me que para chegar à conclusão a que chegou, a decisão arbitral deveria ter abordado e determinado a residência fiscal do Requerente de acordo com um critério estritamente normativo. Com efeito e no que se refere à determinação da residência fiscal, penso que a expressão «considerados residentes», constante da redacção do artigo 12.º-A, alínea a), do Código do IRS, remete decisivamente para um conceito jurídico de residência fiscal e não para um conceito físico de residência. Deste modo, a residência fiscal do Requerente, em 2017, haveria de ter sido determinada por um critério normativo e - isto independentemente de este ter residido fisicamente durante parte do ano de 2017 em território português.”      

 

Parece-nos ter sido bem ajuizada esta mesma questão na decisão arbitral referente ao processo n.º 766/2022-T, cuja fundamentação acolhemos por inteiro. Nela pode ler-se:

 

No presente caso, o que importa analisar é se os acima referidos 30 dias de comprovada permanência do ora Requerente em Portugal em 2018 (de 1/1/2018 a 30/1/2018) inviabilizam a aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes no artigo 12.º-A do CIRS – i.e., se o requisito que consta da al. a) do n.º 1 desse artigo 12.º-A do CIRS (relativo à não residência em território português nos três anos anteriores) pode dispensar a consideração do conceito de residência constante do artigo 16.º do CIRS e, nomeadamente, do que consta na parte final do n.º 4, bem como na alínea a) do n.º 14, desse artigo (alínea segundo a qual um sujeito passivo só poderá considerar-se residente em território nacional durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifique que esse sujeito passivo “a) Permane[ceu] em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano”).

Considerando ser matéria de facto incontroversa que o ora Requerente não permaneceu em território português mais de 30 dias no ano de 2018 (…), resulta evidente que não se pode considerar que o mesmo teve residência em Portugal nesse ano, dado o disposto nos já referidos n.º 4 (parte final), e alínea a) do n.º 14, do artigo 16.º do CIRS. Este artigo 16.º deve ser tido em consideração para efeitos de interpretação do artigo 12.º-A do CIRS visto que é a própria al. a) do n.º 1 desse art. 12.º-A que utiliza a expressão “não tenham sido considerados residentes” – não se exigindo, assim, para efeitos de aplicação deste regime fiscal, a ausência do território português em todos os 365 dias de cada um dos três anos anteriores (no presente caso, anos de 2018, 2019 e 2020).

 

Vai no mesmo sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 609/2023-T e também a do processo n.º 603/2023-T, onde se lê:

 

Verificamos que o Requerente face aos factos provados não pode ser considerado residente em Portugal para efeitos de tributação em IRS no ano de 2017, na verdade não preenche os requisitos do artigo 16º do CIRS. Em 01 de janeiro de 2017 iniciou o cumprimento de um contrato de trabalho no Reino Unido, deu cumprimento ao disposto no nº.5 do artigo 19º da LGT, procedendo à alteração da sua morada no cartão de cidadão com o procedimento concluído a 11 de fevereiro de 2017, ao mesmo tempo que, nem o Requerente apresentou qualquer declaração de rendimentos, nem a Requerida lhe exigiu tal procedimento, relativamente a 2017.

Por outro lado, considera o Tribunal que a expressão “Não tenham sido considerados residentes em território português…” utilizada no artigo 12º-A do CIRS (regime previsto para os ex-residentes), tem que ser interpretada de acordo com o conceito jurídico fiscal de residente estabelecido no citado artigo 16º do CIRS para efeitos de tributação em IRS que, de todo, afasta o conceito físico de residência na totalidade do ano, o que nos permite afirmar ser desnecessária a ausência em todos os 365 dias de cada um dos anos em causa, basta que não reúna os requisitos previstos no citado artigo 16º para não poder ser considerado residente em território português para efeitos de tributação em IRS.

No caso concreto, como já se viu, o dissidio estava apenas no ano de 2017 e nesse ano o Requerente, para efeitos de tributação em IRS não reuniu condições para ser considerado residente em território português.

 

Assim, entende o presente tribunal que o Requerente, no que respeita ao ano de 2019, não pode ser considerado residente em território português, nem por força do disposto no artigo 16.º do CIRS nem por aplicação das regras da Convenção entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital. Parece-nos, pois, que se acham verificados os requisitos de que depende a aplicação ao Requerente, em 2022, do regime fiscal aplicável a ex-residentes, previsto no artigo 12.º-A do CIRS. A liquidação ora posta em crise, por não ter contemplado a exclusão de tributação de metade dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais do Requerente em 2022, padece do vício de violação de lei que este lhe aponta, não podendo subsistir na ordem jurídica.

 

3.3. Da restituição da quantia indevidamente paga e dos juros indemnizatórios

 

O Requerente formula pedido de devolução de prestação tributária indevidamente paga a título de IRS de 2022, acrescida de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se mostra mais ajustada ao sentido da autorização legislativa pela qual o Governo aprovou o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT, que prevê que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito à restituição dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto à anulação parcial da liquidação de IRS referente ao ano de 2022, a saber, na parte em que não excluiu de tributação metade dos rendimentos do trabalho dependente do Requerente.

 

Ao serem excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente em 2022, exclusão que se impõe, como vimos, resulta manifesto que, após a aplicação das taxas gerais e depois das deduções legais, o imposto apurado relativamente à liquidação de IRS do Requerente para esse ano de 2022 seria inferior.

 

Assim, o Requerente tem o direito de ser reembolsado da quantia liquidada em excesso pela AT e por ele indevidamente paga, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal reembolso é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

A ilegalidade da referida liquidação é imputável à AT, pois promoveu-a por sua iniciativa, com errada aplicação do direito.

 

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente à quantia paga em excesso.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa a que foi atribuída o n.º ...2023..., com a consequente anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2023..., relativa ao ano de 2022;

 

  1. Condenar a Requerida a reembolsar ao Requerente a quantia por ele indevidamente suportada e a pagar-lhe juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia a reembolsar, desde a data em que foi efetuado o pagamento até à data de emissão do reembolso, à taxa legal supletiva.

 

  1. Condenar a Requerida nas custas.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.958,14 (oito mil novecentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos).

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2025 

 

 

 

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

 

Nuno Pombo

 

 

Texto elaborado em computador, e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas e Debates, 2003.