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SUMÁRIO:
O artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA exige, para a aplicação da isenção às transmissões de bens a que se refere a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 14.º, que as mesmas sejam comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, atestando-se, dessa forma, a efetiva saída dos bens com destino a país ou território terceiro.
O artigo 29.º, n.º 9 do Código do IVA “a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.”
Sendo que é a Requerente - que invoca o direito à isenção do imposto – cabe-lhe o ónus da prova da efetividade da exportação. Cfr. artigos 29.º, n.ºs 8 e 9 do CIVA e artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., SA, portadora do número de identificação fiscal..., com sede na Rua..., ..., ..., ..., ...-... Caldas da Rainha (doravante apenas designada como a "Requerente"), nos temos dos artigos 10º, n.° 1, alínea a), 59, n.° 3, alíneas a) e b) e 6º, n.º 2, alínea b) todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante designado por "RJAT"), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo para pronúncia do presente Tribunal sobre declaração da ilegalidade e consequente anulação do ato praticado pelos Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, que procedeu à liquidação n.º 2023 ..., no valor total de € 248.499,24 (duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e noventa e nove euros e vinte e quatro cêntimos), do qual € 244.375,00 (duzentos e quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e cinco euros) de IVA referente à transmissão de bens titulada pela fatura n.º 2022/48, de 29/12/2022, acrescido de € 4.124,24 (quatro mil, cento e vinte e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) devido a título de juros de IVA por alegado recebimento indevido de reembolso de IVA com referência ao ano de 2022, na sequência da Ação de Inspeção com a Ordem de Serviço n.º 012023... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
1.1. Do pedido
A Requerente a final concretiza o seu pedido: “se requer a pronúncia deste Tribunal, ordenando-se:
I. A anulação do ato praticado pelos Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, que procedeu à liquidação n.º 2023..., no valor de € 244.375,00 (duzentos e quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e cinco euros) alegadamente devido a título de IVA referente à transmissão de bens titulada pela fatura n.º 2022/48, de 29/12/2022, na sequência da Ação de Inspeção com a Ordem de Serviço n.º 012023...;
II. A anulação do ato praticado pelos Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, que procedeu à liquidação n.º 2023..., no valor de € 4.124,24 (quatro mil, cento e vinte e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) alegadamente devido a título de juros de IVA por alegado recebimento indevido de reembolso de IVA com referência ao ano de 2022 e
III. O reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente em consequência da liquidação de IVA e juros de IVA, bem como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios devidos tal como decorre do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”
1.2. Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado a 06-02-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-02-2024.
A Requerente procedeu à pela designação de árbitro, tendo nomeado a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma.
A 23-02-2024, a Requerida designou representantes processuais os juristas Drs. ... e ... a 09-04-2024, e designou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.
Os árbitros designados pelas partes remeteram para o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do Presidente do Tribunal Arbitral.
A 15-04-2024, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para Presidente do Tribunal Arbitral a Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, que, na mesma data, aceitou o encargo.
Em 15-04-2024, foram as partes notificadas da designação dos árbitros a que não se opuseram.
Assim, em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 07-05-2024.
Notificada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida em 12-06-2024, apresentou Resposta.
Por despacho de 12-09-2024 o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas, atendendo à solicitação da Requerente.
No dia 23-09-2024 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal.
O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou no termo do prazo a esta concedido.
Em 03-10-2024 a Requerente apresentou as suas alegações.
Em 01-10-2024 a Requerente juntou documentos aos autos.
Em 02-10-2024 o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:
“Tendo a Requerente junto documentos ao processo por requerimento de 27-09-2024, notificado a 1 de outubro de 2024, e considerando o disposto nos artigos 415.º n.º 1 e 427.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, notifique-se a AT para que se pronuncie no prazo de 10 dias.”
A Requerida apresentou as suas alegações no dia 18-10-2024.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos n.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente é uma empresa que exerce a título principal a atividade de comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos (CAE 46690) e a título secundário as atividades de fabricação de aeronaves, de veículos espaciais e equipamento relacionado (CAE 30300), aluguer de meios de transporte aéreo (CAE 77350), atividade de engenharia e técnicas afins (CAE 77120) e outra investigação e desenvolvimento das ciências físicas e naturais (CAE 72190); (cfr. PPA e RIT)
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Em sede de IVA a Requerente está enquadrada no regime normal mensal;
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Em 2020-07-30 foi emitida uma “Carnet A.T.A.” n.º 128/2020L – “A.T.A. CARNET/CARNET A.T.A. PARA ADMISSÃO TEMPORÁRIA DE MERCADORIAS”, com validade até 2021.07.29, em que é titular a Requerente, e onde se lê, entre o mais, que às mercadorias aí identificadas – onde se incluem mercadorias com a designação comercial “AR3” - corresponde o valor total de € 9.750,00 (nove mil setecentos e cinquenta euros); (cfr. doc 5 junto pela Requerente)
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Por carta de 2021-12-15 e após inúmeros contactos diligenciados pela Requerente a insistir para que assim o fizesse, a “B...” enviou uma ordem de compra para aquisição de um sistema ... AR3; (cfr. RIT, factos no PPA não contraditados, doc. 10 junto pela Requerente, e depoimento da testemunha C...– Kt 1, min. 0:20:15)
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A 2022-12-29, a Requerente emitiu à “D...", “NIF: IDI”, Indonésia, a Fatura “FT FT 2022/48”, no montante de € 1.062.500,00 (um milhão e sessenta e dois mil e quinhentos euros), com a “Descrição - Código AR3”, na qual não liquidou imposto invocando a isenção do artigo 14.° do CIVA, e que nunca foi paga; (cfr. doc 11 junto pela Req.te, RIT e por acordo)
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Em resposta ao solicitado na inspeção tributária para comprovação da isenção de IVA invocada na Fatura (cfr. al. anterior), a Requerente informou que: “O processo de venda de um sistema AR3 ao Exército da Indonésia (intermediado pela sociedade E...) de acordo com o levantamento efectuado iniciou-se no ano de 2020 com o envio de um sistema AR3 para demonstração, teste e avaliação. O envio do referido sistema para demonstração foi efetuado com base no Carnet ATA. (...)”; (cfr. doc 13 junto pela Requerente - RIT)
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No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI 2023..., a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial, em sede de IVA, que incidiu sobre o mês de dezembro de 2022 “(…) definida pelo código de atividade “102-28-controlo declarativo”.
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No mês de dezembro a Requerente declarou os seguintes valores:
(cfr. pág 54 do RIT)
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No decurso da ação de inspeção os SIT solicitaram à Requerente o envio dos "documentos alfandegários apropriados que comprovem a isenção do IVA invocada na Fatura n.º 2022/48, de 2022-12-29, no montante de € 1.062.500,00",
e em resposta ao solicitado esta informou que: "O processo de venda de um sistema AR3 ao Exercito da Indonésia (intermediada pela sociedade E...) de acordo com o levantamento efetuado iniciou-se no ano de 2020 com o envio de um sistema AR3 para demonstração, teste e avaliação. / O envio do referido sistema para demonstração foi efetuado com base no Carnet ATA. / De acordo com a informação recolhida após múltiplas diligencias e contactos durante o ano de 2021 foi possível, em data já muito próxima do final desse ano, obter da E... (sociedade que intermediou a operação com o Exercito da Indonésia) a ordem de compra para a aquisição daquele sistema AR3. A A... reconheceu nas demonstrações financeiras do exercício de 2021 como rendimento a ordem de compra emitida pela E... . Ou seja, concorreu para o lucro tributável do exercício de 2021. / Infelizmente, durante o ano de 2022 a E... foi sistematicamente retardando e protelando os sistemáticos pedidos da A... para a emissão da respetiva fatura, com o fundamento na gestão das verbas orçamentais do exército Indonésio. A Gestão, como ato de pressão sobre a E..., emitiu a correspondente fatura e diligenciou o respetivo recebimento, sem qualquer sucesso. Contudo, até à presente data o pagamento não foi realizado. / Fase à evolução deste processo, a Administração admite atualmente um elevado risco no não recebimento de este Cliente de nacionalidade Indonésia, bem com potencial perda associada ao próprio Ativo ("Drones")",
e enviou aos SIT os seguintes documentos:
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Os SIT concluem (v. al. anterior): Em suma, o sujeito passivo declarou que, em 2020, com base no documento designado por "Carnet ATA", enviou ao seu cliente indonésio o drone AR3 para efeitos de demonstração, teste e avaliação; (cfr. doc 13 junto pela Requerente - RIT).
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Consta do RIT, no capítulo “V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades» do Relatório de Inspeção Tributária, os Serviços de Inspeção o seguinte:
“(…)
Análise
Em termos gerais, no que respeita ao “Carnet ATA”, importa mencionar o seguinte [De acordo com a informação constante do site da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa]: O “Carnet ATA” é um documento alfandegário internacional que permite a entrada temporária de mercadorias em mais de 110 países/regiões (entre os quais Portugal e Indonésia), com o limite de um ano, sem pagamentos aduaneiros.
O referido documento cobre amostras comerciais, material profissional e mercadorias para expor em feiras comerciais, espetáculos, exibições ou similares.
As mercadorias que vão ao abrigo deste documento têm sempre que regressar ao país de origem (no
prazo máximo de 12 meses) e não podem ser vendidas.
É da responsabilidade do titular ou do seu representante validar o “Carnet ATA” junto das entidades aduaneiras, de forma a ter os registos no documento em conformidade.
No caso de a mercadoria não regressar deverá ser processada uma declaração aduaneira normal de exportação definitiva.
O conhecimento de embarque (Air Waybill) apenas é válido dentro da Comunidade Europeia para efeitos de prova da expedição ou transporte nas transmissões intracomunitárias.
De acordo com a informação constante dos documentos “Carnet ATA” e conhecimento de embarque (Air Waybill) disponibilizados pelo sujeito passivo no decurso da ação de inspeção, verifica-se que, em 2020, a empresa enviou ao seu cliente um protótipo do drone AR3 para demonstração;
Significa que, em 2020, o sujeito passivo efetuou uma exportação temporária;
Porém, o sujeito passivo não explicitou nem documentou o circuito físico subsequente do drone, ou seja, não esclareceu se o drone regressou a Portugal e foi à posteriori objeto de exportação definitiva ou se o drone já não regressou a Portugal;
De qualquer forma, qualquer um dos casos implicaria que o sujeito passivo estivesse na posse de uma declaração aduaneira normal de exportação definitiva;
O que não se verifica, porquanto, o sujeito passivo não apresentou o documento alfandegário apropriado para comprovar a isenção do imposto – A “Certificação de saída para o expedidor/exportador”.
Conclusão:
Face ao exposto, conclui-se que o sujeito passivo não reúne as condições para beneficiar da isenção do imposto na transmissão titulada pela fatura n.º 2022/48 de 2022-12-29, no montante de € 1.062.500,00, pois, não deu cumprimento ao estipulado no n.º 8 do art.º 29.º do CIVA.
Assim, nos termos do n.º 9 do art.º 29.º do CIVA, o sujeito passivo é obrigado a proceder à liquidação do imposto na referida transmissão, pelo que, no mês de dezembro de 2022 está em falta liquidação de IVA no montante de € 244.375,00 (€ 1.062.500,00 x 23%).»
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Das correções efetuadas pelos SIT (que desconsideraram a aplicação da isenção do art.º 14.º, n.º 1, al. a), do CIVA) resultou o ato de liquidação adicional de IVA relativo ao ano de 2022, no valor global de € 248.499,24, conforme liquidação adicional de IVA, juros de IVA, e demonstração de acerto de contas, nos autos, com impacto no crédito de imposto/direito ao reembolso de IVA da Requerente; (cfr. RIT, e doc. 1 junto pela Requerente).
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A 06.02.2024 a Requerente deu entrada ao Pedido de Pronúncia Arbitral.
3.2. Factos não provados
Não se provou que entre a Requerente e a D... ou outra empresa tenha havido uma compra e venda de um equipamento AR3 pelo preço de € 1.062.500,00.
Não se provou que o equipamento AR3 descrito na Fatura tenha saído do território aduaneiro da Comunidade.
O Tribunal Arbitral entende que não se provou qualquer outro facto alegado pela Requerente constitutivo do direito por si invocado.
3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
A convicção sobre os factos assim dados como provados e como não provados (acima explicitados) fundou-se nos factos alegados pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária, na prova documental junta aos autos pela Requerente nomeadamente no RIT junto pela Requerente como doc. 13, demais documentos juntos pela mesma, e ainda nos depoimentos testemunhais, tudo criticamente apreciado. Foi tido em consideração, também, que solicitada à Requerente a junção aos autos do falado contrato de representação que existiria entre si e a empresa indonésia, a mesma não o fez (bem como não juntou qualquer contrato de compra e venda reportado à operação de que se fala nos autos, e juntou, como reconhece, contrato reportado sim a outra operação com a dita empresa).
Quanto à prova testemunhal, é de salientar que os depoimentos das testemunhas, ambas funcionárias da Requerente, são contraditórios quanto à questão de o drone (equipamento AR3) poder ser localizado e ser usado.
Em qualquer caso, a testemunha F..., funcionário da Requerente que interveio diretamente no processo nos anos de 2020 e 2021 (diferentemente da primeira testemunha, C..., que apenas passou a tratar do processo em 2022), esclareceu que os equipamentos do tempo daquele em questão (2020) não permitem aferir remotamente se está ou não a voar, e/ou onde se encontra. Mais que não é possível saber com qualquer grau de certeza onde se encontra o dito aparelho. Mais que o mesmo foi enviado para demonstração pronto/apto a ser usado.
Os depoimentos são coincidentes, entre o mais, quanto a o equipamento ter sido enviado para testes/demonstração, e quanto à falada Carnet A.T.A., que teria sido obtida para envio do equipamento para esse mesmo fim, ter sido extraviada. Bem assim, quanto a Requerente ter emitido a Fatura como forma de pressão sobre a empresa E..., para “forçar que comercialmente isto se transforme num fecho”, “transformar isto numa venda definitiva” (depoimento de C...), “como forma de pressionar a E... a arrumar o assunto” (depoimento de F...).
Os depoimentos das testemunhas não são suscetíveis de provar os factos alegados pela Requerente e que dependem unicamente de prova documental.
A prova documental junta é, em qualquer caso, incoerente e é discrepante quanto a diversos aspetos, incluindo, entre o mais, a (cópia da) Carnet A.T.A. - com data de emissão de 30.07.2020, prazo de validade 29.07.2021, e sem qualquer certificação aduaneira - não indicar o valor comercial conforme o preço constante da Fatura, mas sim outro totalmente distinto (€ 1.062.500,00 versus € 9.750,00), ou a carta da E... à Requerente a confirmar a receção de um sistema AR3 ser datada do primeiro dia do mês de agosto de 2020 (“01-Aug-2020”), sábado, e aí se declarar confirmar ter sido recebido o equipamento no decurso desse mesmo mês (“has received, in August 2020”) - equipamento que teria sido recolhido em Lisboa nas instalações da Requerente a 30 de julho (cfr. PPA) - e se declarar que o equipamento foi enviado de Portugal com uma Carnet A.T.A. e que esta, não obstante, não foi possível localizar. Mais tendo a primeira testemunha (C...) desenvolvido quanto a que este tipo de equipamentos é bastante moroso de expedir, e a segunda testemunha (F...) admitido diversas possibilidades de tempo necessário para o efeito acrescentado não o chocar poder demorar um mês a lá chegar. Quanto ao aportado pela Requerente a título de documentos de transporte, a saber Air Waybill e factura de transitário: o primeiro documento é emitido por uma companhia aérea ou por um agente de cargas internacional para transporte de mercadorias, prova um contrato de transporte, é um documento de titularidade de mercadorias, que é válido dentro da UE para efeitos de prova da expedição ou transporte nas transmissões intracomunitárias; o segundo é afinal uma cotação de carga aérea.
Quanto em especial aos factos não provados, de especial nota, quanto ao primeiro, a confissão da Requerente (cfr. PPA) de que foi por sua insistência e pressão que a empresa indonésia emitiu uma ordem de compra já no final de 2021, e de que, depois, mais um ano decorrido, procedeu à emissão da Fatura como forma de pressão. Mais, nunca ter sido junto aos autos qualquer contrato entre a Requerente e a empresa indonésia de que se fala, seja contrato de compra e venda do equipamento em questão, seja um contrato de representação - de que em especial a primeira testemunha, C..., falou no seu depoimento. Tudo em coerência, ademais, com o não pagamento até ao presente da Fatura.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pela Requerente e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
4. Matéria de direito
4.1. Questão decidenda
A questão a decidir é a de determinar se estavam reunidas as condições de aplicação da isenção do imposto na transmissão titulada pela fatura n.° 2022/48 de 2022-12-29, no montante de € 1.062.500,00, e se a Requerente deu ou não deu cumprimento ao estipulado no n.° 8 do artigo 29.° do CIVA.
Está em causa decidir sobre a legalidade da liquidação adicional originada na correção que desconsiderou/não aceitou, na fatura de 29 de Dezembro de 2022 (“a Fatura”) emitida pela Requerente, a aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea a) do CIVA.
4.2. Posição das partes
a) Da Requerente
Nas suas alegações a Requerente entende:
“Ora, atenta a prova (testemunhal e documental) produzida, dúvidas não restam relativamente aos seguintes factos:
A Requerente e a E... (E...) mantiveram uma relação comercial próxima e de grande confiança entre os anos de 2018 e 2023, tendo a Requerente fornecido diversos equipamentos à referida empresa, sempre sem qualquer problema, tanto nos envios como na receção dos respetivos pagamentos.
No início do ano de 2020, a Requerente foi contactada pela empresa E..., a qual demonstrou interesse na eventual aquisição de um sistema aéreo não tripulado AR3 (vulgarmente designado de drone) com determinadas características, o qual se destinava a ser operado pelas Forças Armadas da Indonésia, tendo nessa medida recebido uma Request Testing Letter que confirmava o referido interesse.
Tendo em vista o fornecimento acima mencionado, a Requerente diligenciou pela sua creditação junto as autoridades indonésias.
O colaborador da Requerente, F..., realizou várias viagens (nomeadamente à Indonésia e a Paris) tendo em vista a organização e conclusão do negócio.
Sucede que em resultado da pandemia do COVID 19, a Requerente não pode cumprir o calendário de viagens a que se tinha proposto durante o ano de 2020.
Sem prejuízo, e a pedido da E..., a Requerente procedeu ao envio do equipamento em causa em agosto de 2020, tendo diligenciado pela emissão do Carnet ATA n.º ... para efeitos do cumprimento das formalidades aduaneiras decorrentes do mesmo.
Com o mesmo propósito, organizou a Requerente o transporte do referido equipamento para a Indonésia, tendo para o efeito contratado os serviços da empresa transitária ... .
Foi também emitido o documento de transporte Air Waybill n.º ..., de 28/07/2020, o qual titulou o envio do equipamento em causa do Aeroporto de Lisboa para a o Aeroporto de Jakarta (Indonésia).
A Requerente recebeu uma carta da empresa E..., datada de 1 de agosto de 2020, na qual a referida empresa declara expressamente ter recebido o equipamento não obstante o extravio do Carnet ATA n.º... .
Já em 2021, em virtude dos constrangimentos da pandemia no plano de demonstrações anteriormente em discussão e das limitações de deslocação das equipas da Requerente à Indonésia, a E... foi forçada a adaptar a sua interação com os potenciais clientes locais, incluindo entidades governamentais, e deixou de fazer sentido que a equipas da Requerente fossem à Indonésia assegurar as demonstrações dos seus equipamentos.
A Requerente perdeu o rasto ao seu equipamento, assumindo que tal equipamento se encontra na posse da empresa E..., pese embora nenhum pagamento tenha sido efetuado até à data.
Sucede que a E... emitiu, em dezembro de 2021, uma ordem de compra para aquisição do sistema ... AR3, assumindo assim o compromisso de proceder ao pagamento daquele equipamento, que se encontrava já em seu poder desde 2020.
Durante o ano de 2022, a E... foi sistematicamente retardando e protelando os sistemáticos pedidos da Requerente para a emissão da respetiva fatura, com o fundamento na gestão das verbas orçamentais do exército Indonésio.
A Requerente emitiu a fatura n.º FT2022/48, de 29/12/2022, no valor de € 1.062.500,00.
A referida fatura não foi, até à data, liquidada pela E..., não obstante os sistemáticos contactos da Requerente neste sentido.
Tendo em conta o supra exposto relativamente à transação em análise nos presentes autos, e não obstante as particularidades do caso em apreço, entende a Requerente ter ficado demonstrado que o equipamento AR3 aqui em discussão foi efetivamente vendido à E... e exportado de Portugal para a Indonésia.”
b) Da Requerida
Na Resposta alega a Requerida:
“Os Serviços de Inspeção Tributária concluíram que a Requerente praticou a infração prevista nos artigos 29.º, n.º 8 do Código do IVA, sendo a infração punível pelos artigos 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Em suma, a Requerente alega que as liquidações de IVA ora em análise padecem de dois vícios:
a) Da violação de lei na interpretação da norma constante do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA;
b) Do vício de violação de lei por inobservância do princípio da prevalência da substância sobre a forma;
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, são isentas de IVA as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade, pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste.
Significa, portanto, que, as transmissões de bens, na aceção do artigo 3.º do CIVA, que sejam realizadas em território nacional, podem beneficiar da isenção do IVA caso tenham como destino um país terceiro ou, face ao disposto no artigo 102.º do Código do IVA, um território terceiro.
Sendo as transmissões isentas em território nacional, cabe ao adquirente dos bens atribuir-lhes o respetivo tratamento fiscal no local de chegada dos bens – perspetiva do adquirente, como decorre do princípio da tributação no país de destino. Doutro passo, ocorrendo transmissão de bens para fora do território da UE, tal implica a sujeição das mercadorias ao regime aduaneiro de exportação e, ainda, o cumprimento de atos e formalidades previstas em regulamentação aduaneira – perspetiva do transmitente.
É assim, por isso, que o n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA exige, para a aplicação da isenção às transmissões de bens a que se refere a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 14.º, que as mesmas sejam comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, atestando-se, dessa forma, a efetiva saída dos bens com destino a país ou território terceiro.
Acresce ainda que, em complemento do exposto, o n.º 9 do artigo 29.º do Código do IVA «a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.».
E o que entender por documentos alfandegários apropriados?
Na vigência do atual Código Aduaneiro da União (CAU), aprovado pelo Regulamento UE 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, o destino aduaneiro das mercadorias é atribuído através do documento administrativo único (DAU) a que se refere o artigo 2.º, § 5, do Anexo B ao Regulamento Delegado EU 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, e cujo modelo de formulário consta do título III.
O DAU pode ser apresentado às autoridades aduaneiras pelo importador ou pelo seu representante, por via eletrónica, ou mediante entrega direta nos locais da estância aduaneira.
A Direção de Serviços de Regulação Aduaneira, no Ofício-circulado n.º 15327/2015, de 9 de janeiro, veio clarificar que a autorização de saída e a certificação de saída têm efeitos distintos e que se materializam em documentos distintos.
Com efeito, consta do mencionado ofício que «(…) é a certificação de saída que comprova para os devidos efeitos, a exportação das mercadorias, nomeadamente para efeitos de comprovação da isenção do IVA nos termos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do Imposto dobre o Valor Acrescentado (CIVA).».
Assim sendo, por documento alfandegário apropriado entende-se a certificação de saída, emitida através do Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação (STADA – Exportação), que comprova, nomeadamente em sede de isenção de IVA, à luz do n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, a exportação das mercadorias.
A transmissão de bens isenta, para país fora da UE, deve ser comprovada com o documento emitido nos termos da legislação aduaneira aplicável ao regime aduaneiro de exportação, no qual conste a confirmação de saída da mercadoria do território da comunidade.
Para efeitos de aplicação e comprovação da isenção do IVA, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º com o n.º 8 do artigo 29.º, ambos do Código do IVA, é apenas a certificação de saída que comprova a exportação das mercadorias.
Estando em causa a aplicação de uma norma de isenção de imposto e recaindo, especialmente, sobre o transmitente dos bens a obrigação de comprovar, através de documentos alfandegários apropriados, que a transmissão de bens se considera isenta, parece claro que é à Requerente que cabe o ónus da prova dos factos de que depende a atribuição da isenção tributária, de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT.
O que não fez.
A Requerente argumenta que «(…) este é um daqueles casos em que outros documentos comprovativos da exportação deverão ser aceites para efeitos de confirmação da exportação e consequente isenção de IVA, [designadamente], os documentos comprovativos da exportação (Carnet ATA), os documentos de transporte (Air Waybill e fatura do transitário), os documentos contabilísticos (fatura e contabilidade) e a declaração da empresa E... que confirma o recebimento do bem.»
Acontece que os documentos acima referidos, em que a Requerente suporta a sua alegação, não são aptos a comprovar a exportação.
O “Carnet ATA” é um documento alfandegário internacional que permite a entrada temporária de mercadorias em mais de 110 países/regiões (entre os quais Portugal e Indonésia), com o limite de um ano, sem pagamentos aduaneiros. Cada país aderente ao sistema “ATA” (“Admission Temporaire/Temporary Admission”) tem uma única entidade garante aprovada pelas autoridades alfandegárias nacionais e pela WCF (Federação Mundial das Câmaras de Comércio), que em Portugal é a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP).
O “Carnet ATA” é um documento utilizado apenas para exportações temporárias, portanto, todos os bens devem regressar à origem após a utilização no estrangeiro e dentro da validade do documento.
Importa, ainda, sublinhar que: «[as] mercadorias que vão ao abrigo deste documento [“Carnet ATA”] têm sempre que regressar ao país de origem (no prazo máximo de 12 meses) e não podem ser vendidas. (…) No caso de a mercadoria não regressar deverá ser processada uma declaração aduaneira normal de exportação definitiva.»
Ora, o Carnet ATA só é válido até 29-07-2021.
Até essa data, deveria a Requerente ter procedido à exportação definitiva do bem.
Veja-se que até a própria fatura de venda do bem foi emitida pela Requerente muito para além da data de validade do Carnet ATA.
Ademais, o Carnet ATA não tem aposto nenhum carimbo ou qualquer outra certificação de recebimento por parte de qualquer entidade ou estância aduaneira.
Não se sabe sequer se foi entregue a alguma entidade competente para a verificação e/ou certificação.
Excetuando a primeira página, todo o restante documento se encontra por preencher.
O “Air Waybill”, por sua vez, é o conhecimento de embarque aéreo (AWB), e é emitido por uma companhia aérea ou por um agente de cargas internacional, para transporte de mercadorias e uma prova do contrato de transporte.
Em suma, é um documento de titularidade das mercadorias.
O conhecimento de embarque (Air Waybill) apenas é válido dentro da Comunidade Europeia para efeitos de prova da expedição ou transporte nas transmissões intracomunitárias.
Por outro lado, a “fatura do transitário” não é uma fatura, mas sim uma cotação de carga aérea.
Bem vistas as coisas, a Requerente não explicitou nem documentou o circuito físico subsequente do drone, ou seja, não esclareceu se o drone regressou a Portugal e foi à posteriori objeto de exportação definitiva ou se o drone já não regressou a Portugal.
Para além disso, no caso dos presentes autos, conforme acima já se deixou dito, a comprovação da transmissão dos bens, para efeitos de isenção de imposto, terá de ser feita através dos documentos alfandegários apropriados - certificação de saída, emitida através do Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação (STADA – Exportação).
Em conclusão, os documentos juntos pela Requerente não comprovam a exportação do bem.
Não existem outros elementos, nos próprios documentos alfandegários ou em documentos de suporte da expedição internacional dos bens, que demonstrem, sem margem para dúvidas, que os requisitos materiais da isenção à exportação e a efetiva saída dos bens do território da União, ocorreu efetivamente. (...)”
Nas alegações a Requerida defende que:
“Analisadas todas as provas, tanto documentais, como testemunhais, conclui-se não existir qualquer prova de que a exportação aconteceu.
A segunda testemunha afiançou que era possível que o protótipo remetido para a cliente da Requerente na Indonésia podia – como pode, atualmente – estar em circulação e devido uso, sem que a Requerente consiga rastrear o paradeiro.
Nenhuma das testemunhas deu certezas do paradeiro do protótipo.
Das afirmações da segunda testemunha, conclui-se que a cliente E..., da Indonésia, tem meios técnicos e humanos para colocar o protótipo a funcionar e/ou comercializá-lo, à revelia da Requerente.
Não existem evidências documentais de que a Requerente tenha pressionado a sua cliente E... a efetivar o negócio entre os anos de 2020 e 2022.
Não existem e-mails e outra correspondência que prove que a Requerente e a empresa E... estavam efetivamente a negociar a venda de um drone, objeto do hipotético contrato.
Segundo as testemunhas, os contatos eram sobretudo telefónicos e demoravam horas por dificuldades na língua, o que, salvo o devido respeito, no mundo dos negócios, para mais tratando-se de atividade cujo objeto se situa na tecnologia de ponta, é, convenhamos, inusitado que uma negociação envolvendo valores de milhões de euros não fosse reduzida a escrito (contratos, e-mails, missivas postais, etc.) e que a empresa indonésia não tivesse nos seus quadros profissionais correntes na língua inglesa.
Conclui-se, de ambos os testemunhos, que, não obstante ter acontecido a exportação temporária – o que está inclusivamente em dúvida -, a preocupação da Requerente foi o de expedir o protótipo para a Indonésia, preocupação que salvo o devido respeito não manifestou quanto ao envio de uma equipa apta a fazer uma apresentação do produto à cliente E... .
Equipa de técnicos essa que acabaria por nunca aterrar em território indonésio.
Mas, sobretudo, os próprios registos inscritos no documento CARNET ATA não correspondem minimamente com o material objeto de negociação entre as partes, como, aliás, foi enfatizado, e bem, pela sra. Presidente do coletivo de árbitros.
Em bom rigor, aquele CARNET ATA pode perfeitamente corresponder a outro item que não o drone objeto de negócio e ter, na situação em apreço, servido para fazer prova de uma exportação que nunca aconteceu.
A verdade é que inexistem quaisquer evidências do que quer que seja.
Mesmo a documentação junta supervenientemente não responde às questões colocadas quanto ao contrato de representação entre a ora Requerente e a E... .
Note-se que nem sequer o contrato de representação da E... a Requerente apresenta! Sendo, conforme se percebe, uma cliente que representa boa parte dos seus proventos.
Desconhece-se, por isso, se existiam ou não contratos de seguro associados à remessa de um protótipo de drone, com um valor aproximado de um milhão de euros, celebrados pela Requerente, a fim de segurar o seu material, aquando do hipotético envio aéreo para a E... .
Apenas são juntos dois documentos:
- o primeiro é uma proposta de demonstração pelas autoridades do exército indonésio;
- o segundo, uma apresentação do drone a comerciar entre as partes;
Nenhum desses documentos faz prova sequer do interesse e do envolvimento da E... no negócio, quanto mais da expedição para um país terceiro, concretizado numa exportação.
Salvo o devido respeito, o que a Requerente apresenta é uma mão cheia de nada que, por assim ser, é inapta a fazer prova do que pretende.
Tudo visto e ponderado, devem os atos tributários que vêm contestados ser mantidos na ordem jurídica, com as devidas e legais consequências.”
4.3. Apreciação
Considerando que as transmissões são isentas em território nacional, cabe ao adquirente dos bens atribuir-lhes o respetivo tratamento fiscal no local de chegada dos mesmos, em conformidade com o princípio da tributação no país de destino. Adicionalmente, no caso de transmissão de bens para fora do território da União Europeia, as mercadorias estarão sujeitas ao regime aduaneiro de exportação, conforme exigido pela legislação aplicável. Isso implica o cumprimento de todos os atos e formalidades previstos na regulamentação aduaneira, desde a perspetiva do transmitente.
Desta forma, o artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA exige que, para a aplicação da isenção às transmissões de bens mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, estas sejam comprovadas por meio dos documentos alfandegários apropriados. Dessa maneira, é atestada a efetiva saída dos bens com destino a um país ou território terceiro.
Acresce ainda que, em complemento ao exposto, o n.º 9 do artigo 29.º do Código do IVA estabelece que a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.
4.3.1. Os invocados fundamentos de ilegalidade
A Requerente invoca, como fundamento da alegada ilegalidade, “violação de lei na interpretação da norma constante do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA”.
Ora, como dito, a norma exige como condição de aplicação da isenção que as exportações sejam comprovadas por meio de documentos alfandegários apropriados. Sendo que à Requerente - que invoca o direito à isenção do imposto - cabe o ónus da prova da efetividade da exportação. Cfr. artigos 29.º, n.ºs 8 e 9 do CIVA e artigo 74.º, n.º 1, da LGT. No entanto essa prova não foi feita. Cfr. probatório, supra - factos não provados.
A Requerente não juntou - e não existe, como a própria reconhece – o documento alfandegário comprovativo de uma exportação, a Certificação de saída.
Nos termos do Código Aduaneiro da União (CAU) (Regulamento UE 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09.10.2013) - o destino aduaneiro das mercadorias é atribuído através do documento administrativo único (DAU) a que se refere o art.º 2.º, § 5, do Anexo B ao Regulamento Delegado UE 2015/2446 da Comissão, de 28.07.2015 (e cujo modelo de formulário consta do título III) -, e cfr. Ofício-circulado n.º 15327/2015, de 9 de janeiro, da Direção de Serviços de Regulação Aduaneira: «(…) é a certificação de saída que comprova para os devidos efeitos, a exportação das mercadorias, nomeadamente para efeitos de comprovação da isenção do IVA nos termos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do Imposto dobre o Valor Acrescentado (CIVA).». Certificação de saída que é emitida através do Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação (STADA – Exportação), e que - contrariamente a uma mera autorização de saída - comprova à luz do n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, a exportação das mercadorias.
A Certificação de saída é, pois, o documento alfandegário apropriado exigido pelo nosso legislador - artigo 29.º, n.º 8 do CIVA - para prova da transmissão de bens expedidos para fora da Comunidade (cfr. também artigo 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA).
E v. Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Nov.), Título IX – “Isenções”, Art.º 131.o: “As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.”
No caso, em defesa de ter provado uma exportação efetiva não obstante, como reconhece expressamente, não ter junto a Certificação de saída, a Requerente sustenta-se em a saída dos bens ter sido objeto, segundo afirma, de uma Carnet A.T.A. A saber, reconhece que “a saída dos bens em apreço não foi objeto de uma declaração aduaneira de exportação”, “não existindo efetivamente um documento de certificação de saída”. Porém defende que, ainda assim, a mencionada Carnet A.T.A. deverá ter-se por suficiente para prova de uma exportação efetiva. Ao alegá-lo, segundo expõe, sustenta-se na Jurisprudência do TJUE referida em Decisão Arbitral no Proc.º n.º 46/2023-T, que expressamente invoca.
Não colhe, porém, o argumento da Requerente. Na referida Jurisprudência do TJUE - v. Acórdão de 08.11.2018, no Proc. C-495/17 (Cartrans Spedition) -, em que a operação que estava em questão era uma operação de prestação de serviços de transporte (e não uma operação de exportação de mercadorias, não uma operação de exportação propriamente dita), expõe o TJUE, entre o mais: “A este respeito, a obrigação de proceder à entrega de tal declaração de exportação é (...) do regime aduaneiro especificamente aplicável à operação de exportação propriamente dita e não à prestação de transporte ao abrigo de uma caderneta TIR, que é um regime de trânsito. Tal obrigação não incumbe, em princípio, ao transportador ou ao intermediário (...) que, por sua parte, assumem a responsabilidade pelo transporte dos bens através da fronteira externa da União e pelo encaminhamento dos mesmos para o destino nos países terceiros e que, por conseguinte, não são necessariamente detentores da referida declaração.” (§ 51.º). Mais refere o TJUE que “(...) as obrigações que incumbem a um sujeito passivo em matéria de prova devem ser determinadas em função dos requisitos fixados expressamente a esse respeito pelo direito nacional e da prática habitual estabelecida para transações semelhantes. (...) No caso em apreço (...) a exigência de apresentação de uma declaração aduaneira de exportação não resulta da letra do normativo nacional em causa no processo principal (...).” (§ 57.º e 58.º) O TJUE insurge-se, naquele contexto, contra uma interpretação que limite a produção de prova a determinada formalidade documental, ali onde está em causa prática fiscal da autoridade fiscal (romena) que apenas aceitava como prova para efeitos da isenção ali em questão (isenção na operação de prestação de serviços de transporte) um meio específico e exclusivo. E, após, entre o mais, referir (§ 35.) a sua Jurisprudência constante no sentido de que as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita, por constituírem exceções ao princípio geral segundo o qual este imposto é cobrado por cada entrega de bens e por cada prestação de serviços efetuada a título oneroso - conclui, ali, que “uma caderneta TIR visada pelas autoridades aduaneiras do país terceiro de destino dos bens apresentada pelo devedor constitui um elemento que as referidas autoridades devem, em princípio, ter na devida conta (...).”
Desde logo, no caso dos autos, diferentemente do que ali sucedia, não só não estamos em sede de isenção numa operação de prestação de serviços de transporte, mas sim de isenção em operação de exportação propriamente dita - o que sempre requereria as necessárias adaptações (neste caso, diferentemente do que sucede naquele, é ao sujeito passivo em questão que cabe “a obrigação de proceder à entrega de tal declaração”). Como, ademais, no que respeita à isenção em questão nos autos, na nossa legislação exige-se documento alfandegário apropriado - art.º 29.º, n.º 8, CIVA. A Certificação de saída, como suprarreferido.
A Requerente não questiona assim ser. Porém (após convocar a referida Jurisprudência) defende que “não tendo sido processada uma declaração aduaneira típica (...) este é um daqueles casos em que outros documentos comprovativos da exportação deverão ser aceites para efeitos de confirmação da exportação”. Entende que “os documentos por si fornecidos à Requerida não deixam dúvidas de que os bens em causa foram efetivamente expedidos para fora do território da União”.
Pois bem. Mesmo que se admitisse que a melhor interpretação do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º e nos n.ºs 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA deveria ser no sentido da admissibilidade de outros meios de prova documental, tais meios não poderiam deixar de assentar em prova idónea - documentação oficial -, capaz de alicerçar a fundada convicção do juíz (e v. também artigo 362.º do Código Civil).
Dito isto, a Requerente não juntou qualquer prova documental certificativa da saída do equipamento descrito na Fatura para fora do território aduaneiro da União. Com efeito, mesmo quando considerando todos elementos de prova juntos - como o Tribunal não deixou de fazer - não resultava comprovada a alegada exportação. Desde logo, o Carnet A.T.A., como a Requerente bem reconhece, não se destina senão a um envio temporário para testes/demonstrações; mais, no caso a cópia do referido documento junta aos autos padece de todas as insuficiências que vimos: inexiste, aí, qualquer certificação por entidade aduaneira, a mercadoria daí constante é de valor comercial totalmente distinto do constante da Fatura, sequer permitindo concluir pela correspondência entre as mercadorias aí visadas e aquelas descritas na Fatura, e a permitir concluir que a exportação temporária que a Requerente poderá ter feito ao seu abrigo terá sido de outro equipamento que não aquele em questão nos autos. A demais documentação junta, por outro lado, não é documentação oficial e não permite fazer qualquer prova da alegada exportação do equipamento em questão. A saber, os “Air Waybill e fatura de transitário”, a Fatura em questão, e carta da E... de 01.08.2020 - segundo a Requerente suficientes, com a dita Carnet A.T.A., para confirmação da alegada exportação. Cfr. a este respeito probatório e fundamentação da matéria de facto, supra.
Não vinha assim, em todo o caso, demonstrada a materialidade da operação e saída dos bens para fora do território União Europeia. Não se provaram cumpridos os requisitos de fundo de que depende o direito à isenção. A documentação junta não permitia fazer prova de que os bens tenham sido efetivamente expedidos para país ou território terceiro (além do mais, de outro modo estaria aberto o caminho à evasão, abuso e fraude ao IVA).
Sequer se provou, ademais, uma compra e venda do bem descrito na Fatura. Não resulta dos autos ter havido o encontro de vontades que um contrato implica, e assim também o contrato de compra e venda (cfr. probatório - factos não provados, supra). Proposta e aceitação. E v., entre o mais, artigo 874.º do Código Civil.
A interpretação da norma (artigo 29.º, n.º 8, do CIVA) seguida na liquidação em crise, no sentido de que a Requerente não deu cumprimento ao aí estipulado e de que, assim, é devida liquidação de IVA (cfr. artigo 29.º, n.º 9), é a correta. O alegado vício de ilegalidade não procede com tal fundamento.
- Do vício de violação de lei por inobservância do princípio da prevalência da substância sobre a forma
Invoca ainda a Requerente vício de ilegalidade com este fundamento.
Sucede que, além do mais, como se viu, a substância que resultou demonstrada nos autos não foi a da ocorrência de uma expedição do equipamento em questão para fora do território aduaneiro da União, mas sim a da não ocorrência da mesma. Assim, desde logo por aí, a forma está em uníssono com a substância: inexiste documento alfandegário certificativo da exportação e inexiste exportação. Contrariamente ao alegado pela Requerente, e por tudo o que vimos de percorrer.
Improcede também por aqui o alegado vício. A liquidação em crise é de manter, por legal.
4.3.2. Valor probatório do RIT
Sem prejuízo de tudo quanto antecede, quanto ao valor probatório do RIT é de referir o decidido no Acórdão o Acórdão do TCAN de 21-11-2019, proferido no processo n.º 01625/16.8BEPRT:
“I) A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se especialmente regulada pelo artigo 76.º, n.º 1 da LGT, em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos, pelo que as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
(...)
Em primeiro lugar porque, de conformidade com o disposto no artigo 76º, n.º 1 da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se, pois, especialmente regulada em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos.
Como na anotação 3 ao referido artigo referem Diogo Leite Campos e outros, «Relativamente a factos a […] força probatória [das informações oficiais] existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. // No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão.// É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1, do CC), aqui já estendido aos factos determinados segundo critérios objectivos, e não seria congruente com a opção legislativa e ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia de isenção da prestação de informações.» (cfr. Lei Geral Tributária anotada e comentada, encontro da escrita editora, 4.ª edição 2012, pág. 670 e 671; no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 5). Contudo, «Para terem a força probatória referida, as informações oficiais têm de ser fundamentadas e basearem-se em critérios objectivos (…)» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 11. Assim, conforme resulta do acórdão do TCAS nº 02800/08 de 13-04-2010 «2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.»
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do TCAN de 12-01-2021 proferido no Processo 00250/15.3BEPRT.
Entende este Tribunal, sem prejuízo de tudo o que antecede e que determina desde logo a total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral, que a Requerente não fez prova da inveracidade do constante no RIT, não tendo provado que, como alega, exportou a mercadoria, um equipamento (drone) com determinadas características (modelo ... AR3) para a Indonésia, não demonstrando que pode beneficiar da isenção de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
Quanto ao pedido de devolução de quantias pagas e aos peticionados juros indemnizatórios, sendo legal a liquidação improcedem os pedidos.
Atendendo a tudo quanto fica exposto decide-se pela improcedência do pedido formulado pela Requerente.
5. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral julga totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência decide:
-
Manter a liquidação n.º 2023..., no valor total de € 248.499,24 (duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e noventa e nove euros e vinte e quatro cêntimos), do qual € 244.375,00 (duzentos e quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e cinco euros) a IVA referente à transmissão de bens titulada pela fatura n.º 2022/48, de 29/12/2022, acrescido de € 4.124,24 (quatro mil, cento e vinte e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) devido a título de juros de IVA por recebimento indevido de reembolso de IVA com referência ao ano de 2022;
-
Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
6. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 248.499,24 valor atribuído pela requerente e não impugnado pela Requerida de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se
Lisboa, 28 de fevereiro de 2025
As Árbitros
___________________
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
_______________________
(Clotilde Celorico Palma – Adjunta e com declaração de voto)
___________
(Sofia Ricardo Borges – Adjunta)
Voto de vencida
Como passamos a expor não nos podemos rever nos fundamentos e conclusões constantes da decisão em apreço.
-
Factos em apreço e questão de direito
Está em análise no presente processo se o equipamento AR3 aqui em discussão foi efectivamente vendido à E... e exportado de Portugal para a Indonésia.
Pretende-se em concreto aferir se podemos ou não concluir pela aplicação da isenção para as exportações prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA. Mais concretamente, indagar se existem provas documentais suficientes para efeitos da comprovação dos requisitos necessário para o efeito – saída dos bens do território nacional e entrada em países terceiros.
Não obstante a situação particularmente peculiar constante dos factos ocorridos estando em causa uma realidade singular na Indonésia com todas a dificuldades daí subjacentes, tal como a Recorrente notou “Ora, atenta a prova (testemunhal e documental) produzida, dúvidas não restam relativamente aos seguintes factos:
A Requerente e a E... mantiveram uma relação comercial próxima e de grande confiança entre os anos de 2018 e 2023, tendo a Requerente fornecido diversos equipamentos à referida empresa, sempre sem qualquer problema, tanto nos envios como nareceção dos respetivos pagamentos.
No início do ano de 2020, a Requerente foi contactada pela empresa E..., a qual demonstrou interesse na eventual aquisição de um sistema aéreo não tripulado AR3 (vulgarmente designado de drone) com determinadas características, o qual se destinava a ser operado pelas Forças Armadas da Indonésia, tendo nessa medida recebido uma Request Testing Letter que confirmava o referido interesse.
Tendo em vista o fornecimento acima mencionado, a Requerente diligenciou pela sua creditação junto as autoridades indonésias.
O colaborador da Requerente F..., realizou várias viagens (nomeadamente à Indonésia e a Paris) tendo em vista a organização e conclusão do negócio.
Sucede que em resultado da pandemia do COVID 19, a Requerente não pode cumprir o calendário de viagens a que se tinha proposto durante o ano de 2020.
Sem prejuízo, e a pedido da E..., a Requerente procedeu ao envio do equipamento em causa em agosto de 2020, tendo diligenciado pela emissão do Carnet ATA n.º ... para efeitos do cumprimento das formalidades aduaneiras decorrentes do mesmo.
Com o mesmo propósito, organizou a Requerente o transporte do referido equipamento para a Indonésia, tendo para o efeito contratado os serviços da empresa transitária ....
Foi também emitido o documento de transporte Air Waybill n.º ..., de 28/07/2020, o qual titulou o envio do equipamento em causa do Aeroporto de Lisboa para a o Aeroporto de Jakarta (Indonésia).
A Requerente recebeu uma carta da empresa E..., datada de 1 de agosto de 2020, na qual a referida empresa declara expressamente ter recebido o equipamento não obstante o extravio do Carnet ATA n.º....
Já em 2021, em virtude dos constrangimentos da pandemia no plano de demonstrações anteriormente em discussão e das limitações de deslocação das equipas da Requerente à Indonésia, a E... foi forçada a adaptar a sua interação com os potenciais clientes locais, incluindo entidades governamentais, e deixou de fazer sentido que a equipas da Requerente fossem à Indonésia assegurar as demonstrações dos seus equipamentos.
A Requerente perdeu o rasto ao seu equipamento, assumindo que tal equipamento se encontra na posse da empresa E..., pese embora nenhum pagamento tenha sido efetuado até à data.
Sucede que a E... emitiu, em dezembro de 2021, uma ordem de compra para aquisição do sistema ... AR3, assumindo assim o compromisso de proceder ao pagamento daquele equipamento, que se encontrava já em seu poder desde 2020.
Durante o ano de 2022, a E... foi sistematicamente retardando e protelando os sistemáticos pedidos da Requerente para a emissão da respetiva fatura, com o fundamento na gestão das verbas orçamentais do exército Indonésio.
A Requerente emitiu a fatura n.º FT2022/48, de 29/12/2022, no valor de € 1.062.500,00.
A referida fatura não foi, até à data, liquidada pela E..., não obstante os sistemáticos contactos da Requerente neste sentido.
Tendo em conta o supra exposto relativamente à transação em análise nos presentes autos, e não obstante as particularidades do caso em apreço, entende a Requerente ter ficado demonstrado que o equipamento AR3 aqui em discussão foi efetivamente vendido à E...e exportado de Portugal para a Indonésia.”
2. Nas aludidas exportações a Requerente não procedeu à liquidação do IVA, dado considerar reunir os pressupostos necessários para o efeito.
Por sua vez, a AT considera no RIT, de forma sintéctica, que a Requerente não exibiu documento comprovativo das transmissões isentas, conforme impõe o n.º 8 do artigo 29.º do CIVA.
-
Direito
No que toca ao enquadramento legal em apreço impões-se, antes de mais, apelar à correcta interpretação a conceder quando estamos perante a isenção das exportações e documentação exigida para o efeito.
Como o TJUE concluiu desde logo no Caso Netto Supermarkt, quando não estejam formalmente reunidos os pressupostos de uma isenção de IVA, caso estes se verifiquem materialmente, dever-se-á dar prevalência à substância sobre a forma, sob pena de estarmos a cercear os direitos e as garantias dos contribuintes.
Esta jurisprudência foi sucessivamente reiterada pelo TJUE em situações concreta, como, nomeadamente, nos Casos BDV Hungary Trading, Enteco Baltic, e Catrans Spedition.
Note-se que o TJUE concluiu igualmente que a doutrina e a jurisprudência aduaneiras não poderão ser transpostas para o domínio do IVA, “devido às diferenças ao nível da estrutura, do objecto e da finalidade entre este sistema e o regime comunitário de cobrança dos direitos aduaneiros.”
No Caso Catrans Spedition o TJUE, questionado sobre a imprescindibilidade da declaração aduaneira de exportação à comprovação das operações, salienta que, “....a fim de proceder às verificações a que estão obrigadas para comprovarem se estão cumpridos os requisitos materiais a que está sujeita a isenção”, as autoridades fiscais competentes devem “analisar o conjunto de elementos de que dispõem para determinar se deles se pode inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues. Em contrapartida, as mesmas autoridades não podem inferir que isso não aconteceu pelo simples facto de o transportador ou intermediário não apresentou uma declaração de exportação dos referidos bens”, sob pena de se entender que a “prática fiscal em causa no processo principal não cumpre as exigências do princípio da segurança jurídica.”
Seguiu-se recentemente o Caso Unitel, no qual o TJUE relembra que compete aos Estados membros fixar as condições da isenção nas exportações com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções e evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso, respeitados os princípios gerais do direito, designadamente o princípio da proporcionalidade, de acordo como o qual “uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas. Além disso, quando os requisitos materiais forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos.”
A jurisprudência arbitral maioritária tem aplicado esta jurisprudência do TJUE, nomeadamente a Decisão Arbitral de 13-12-2017 no Processo n.º 88/2017-T, a Decisão Arbitral de 26-09-2019, Processo n.º 621/2018-T, na Decisão de 02-06-2020, n.º 292/2019-T, na Decisão Arbitral de 10- 05-2021, no Processo n.º 265/2020-T, na Decisão Arbitral de 21-02-2022, no Processo n.º 201/2021-T, na Decisão Arbitral de 19-04-2019, no Processo n.º 262/2022-T e a Decisão Arbitral de 05-12-2023, no Processo n.º 219/2023-T.
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Factos provados
Não podemos concordar com os factos dados como provados no presente processo, concentrando-se apenas na reprodução de excertos dos Relatórios da AT e não tendo em devida consideração nenhum dos aludidos procedimentos adoptados pela Requerente, comprovados documentalmente e por prova testemunhal.
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Conclusão
Reiterando estarmos perante uma situação particularmente peculiar estando em causa uma realidade singular na Indonésia com todas a dificuldades daí subjacentes e existindo, manifestamente, dúvidas, cremos que resulta a final do exposto que, neste caso, não se pode afirmar com segurança ter sido produzida prova clara consolidada no sentido pretendido pela AT, pelo que, em nosso entendimento, estamos perante uma situação de fundadas dúvidas sobre os fundamentos subjacentes às liquidações impugnadas.
Como salientam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, cit., p. 415), “O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (…), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”
Ora, de harmonia com o disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, quando não foram utilizados métodos indirectos, “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”
Pelo exposto, justificar-se-ia, no mínimo, a anulação das liquidações de IVA impugnadas, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2025
A Árbitra Vogal
Clotilde Celorico Palma