Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 59/2024-T
Data da decisão: 2025-02-18   Outros 
Valor do pedido: € 197.602,74
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR). Direito de União Europeia. Competência dos tribunais arbitrais. Ineptidão da petição. Legitimidade.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

I - Não tendo o Tribunal de Justiça, no Despacho Vapo Atlantic (processo C-460/21) colocado em causa a qualificação da CSR como uma imposição indireta para efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, conclui-se que aquele tributo é um desdobramento do ISP e, como tal, um imposto.

II – Assentando o regime jurídico da CSR num princípio de repercussão legal, as entidades adquirentes de combustível e que suportem o encargo do tributo gozam de legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação, nos termos do artigo 18.º, n.º 1,

a) da LGT. Mesmo que se entenda que o regime jurídico da CSR não assenta num princípio de repercussão legal, há que reconhecer que o repercutido adquirente de combustíveis alega a titularidade de um interesse legalmente protegido para efeitos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, tendo legitimidade para intervir no processo tributário nessa qualidade.

III – O regime jurídico da Contribuição de Serviço Rodoviário, constante da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é incompatível com o Direito da União Europeia, mormente com artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE.

IV – A repercussão de um imposto – legal ou não – é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado. Não ficando a repercussão demonstrada, fica prejudicado o direito à restituição do imposto por parte da adquirente de combustível.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Carla Castelo Trindade, Marta Vicente e Raquel Franco designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 15-03-2024, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

 

  1. A..., LDA., titular do n.º de identificação fiscal ..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... ... (doravante, Requerente), apresentou, em 12-01-2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, que vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:
    1. a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 14-06-2023 junto das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo;
    2. a anulação dos atos de liquidação de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira referentes ao período entre maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022;

(ii) a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do montante de

€197.602,74 indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, d) e 100.º da LGT.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).

 

  1. Em 15-01-2024, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, a) e do artigo 11.º, n.º 1, a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as signatárias como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo devido. Em 01-02-2024, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do CAAD, solicitando a identificação dos atos de liquidação cuja apreciação se pretendia.

 

 

  1. Foram as partes notificadas da designação das signatárias, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6.º e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15-03-2024.

 

  1. Em 15-03-2024, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho, notificado na mesma data, ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17.º do RJAT).

 

  1. A Requerida apresentou resposta, em 23-04-2024, remetendo o Processo Administrativo. Em 25-04-2024, o Tribunal arbitral proferiu Despacho conferindo 10 (dez) dias à Requerente para se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pela AT. Visto que a Requerente peticionou a anulação de liquidações de CSR praticadas pela AT, mas não procedeu à sua identificação, convidou-se a Requerente, no mesmo Despacho, e também no prazo de 10 (dez) dias, a juntar ao processo cópia das liquidações objecto de impugnação, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, c) do RJAT. A Requerente respondeu à defesa por exceção por requerimento com data de 10-05-2024. Por requerimento de 29-05-2024, a Requerente peticionou a junção de um documento comprovativo da inexistência de qualquer dívida com referência aos fornecimentos de combustível em causa nos presentes autos.

 

  1. Por Despacho de 18-09-2024, o Tribunal Arbitral admitiu o documento junto pela Requerente, concedendo à Requerida o prazo de 10 (dez) dias para o exercício do contraditório – o que aconteceu, por banda de requerimento com data de 02-10-2024. Designou, ainda, o dia 18-10-2024 para efeitos da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fim de que aí pudesse ter lugar a prestação de declarações de parte e a produção de prova testemunhal solicitada pela Requerente, devendo esta indicar, no prazo de 10 (dez) dias, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta sobre os quais incidirá a prova a produzir. Sobre os demais pedidos veiculados pela Requerente no PPA e na resposta, o Tribunal arbitral decidiu nos termos que seguidamente se transcrevem:

“(...)

  1. Por fim, quanto ao pedido da Requerente para oficiar as fornecedoras de combustível ou respectivos representantes legais para confirmarem nos autos que transferiram o encargo da CSR (artigo 61.º do PPA), bem como oficiar à ERSE a disponibilização de toda a informação relevante de que dispõe e que não seja já possível consultar online (artigo 62.º do PPA), convém precisar que nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) são as partes que suportam directamente os encargos com a produção de prova, de onde se infere que é sobre elas que recai o dever de produzir a prova que entenderem necessária e de providenciar pela apresentação em juízo das testemunhas que pretendem inquirir.
  2. A razão de ser deste regime reside na natureza voluntária da jurisdição arbitral e no facto de os tribunais arbitrais não disporem de poderes de autoridade sobre terceiros, o que inviabiliza

 

 

compelir a comparência ou punir a ausência de testemunhas que tenham sido arroladas pelas partes, o mesmo valendo para a prestações de declarações ou disponibilização de documentos por outras entidades independentemente da respectiva natureza. Veja-se que nem no RJAT, nem no RCPAT se prevê o pagamento de qualquer compensação às testemunhas, ao contrário do que sucede nos artigos 16.º e 17.º, n.º 5, e Tabela IV, todos do Regulamento de Custa Processuais (“RCP”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo que também não se prevê a possibilidade de o Tribunal Arbitral cominar a falta de comparência das testemunhas ou a falta de apresentação de documentos ou prestação de declarações com a imposição de multas ou com a presença sob custódia, tal como se estabelece de resto no artigo 508.º, n.º 4, do CPC.

  1. Tendo presente estas considerações, entende-se não ser aplicável subsidiariamente à arbitragem tributária o regime previsto no artigo 119.º do CPPT relativo à notificação das testemunhas. Isto na medida em que o regime de notificações aí previsto está dependente do direito ao pagamento de uma compensação às testemunhas, nos termos previstos no RCP, pelas despesas e prejuízos decorrentes da sua comparência em juízo.
  2. Sem prejuízo do que foi dito, e na medida em que o CAAD disponha de meios para o efeito, poderá o Tribunal Arbitral determinar a notificação das fornecedoras de combustível ou respectivos representantes legais bem como da ERSE, ao abrigo do princípio da cooperação, previsto no artigo 16.º, alínea f), do RJAT e do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto no artigo 19.º, n.º 2, do RJAT, convidando-as a comparecer no dia e hora agendados e a juntar os elementos solicitados pela Requerente, com o devido esclarecimento de que o CAAD não assumirá qualquer responsabilidade ou encargo por tais actos. Caso seja determinada a notificação de testemunhas ou outras entidades pelo CAAD através de comunicação postal, as despesas com o envio de cartas registadas serão integralmente suportadas pela parte que lhes deu causa, nos termos fixados a final em regra de custas, não se inserindo em qualquer caso tais despesas nos custos do processo arbitral.
  3. Tudo isto, sendo certo que a falta de comparência das testemunhas referentes às fornecedoras de combustível e a falta de resposta da ERSE, não irão acarretar qualquer desvalor ou outra consequência processual positiva ou negativa relativamente aos factos que visam provar, prevalecendo o disposto no artigo 19.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual “a falta de produção de qualquer prova solicitada não obst[a] ao prosseguimento do processo e à consequente emissão de decisão arbitral com base na prova produzida, de acordo com o princípio da livre apreciação de prova e da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo”.
  4. Nestes termos, deverá a Requerente informar, no prazo de 10 (dez) dias, se irá providenciar pela apresentação das testemunhas em juízo e pela junção dos elementos que pretende da parte da ERSE, se mantém interesse na sua notificação pelo CAAD assumindo os respectivos custos ou se não mantém interesse nas diligências em causa. Na ausência de informação tempestiva em sentido contrário presume-se que é esta última a opção da Requerente.

(...)”

 

  1. A Requerente indicou, por requerimento com data de 04-10-2024, os factos sobre os quais recairia a produção de prova testemunhal e reiterou o pedido de que fossem notificados pelo CAAD os fornecedores de combustíveis designados nas faturas juntas aos autos com o PPA. Em 11-10-2024, a Requerente apresentou requerimento no sentido do adiamento da reunião a

 

 

que alude o artigo 18.º do RJAT, por compromisso inadiável da testemunha a apresentar. Por Despacho com data de 17-10-2024, o Tribunal arbitral determinou o reagendamento da diligência para o dia 25-10-2024, pelas 15 horas. Mais adiantou, quanto à oficiação dos fornecedores de combustível, o seguinte:

“(...)

  1. Em função da posição expressa pela Requerente no requerimento de 3.10.2024, determina-se ao abrigo dos princípios da cooperação e da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previstos no artigo 16.º, alínea f) e 19.º, n.º 2, do RJAT, a notificação dos representantes legais das sociedades B..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede em ..., ...-... ...  ... e C..., LDA., pessoa colectiva n.º..., com sede em..., ..., ...-... ..., com o convite para comparecerem na reunião agendada no ponto 1 do presente despacho de modo a que prestem esclarecimentos perante o Tribunal Arbitral sobre o objecto do processo, nomeadamente sobre a (alegada) transferência do encargo da CSR para a sociedade aqui Requerente A..., LDA., pessoa colectiva n.º..., quanto às facturas em causa nos autos, cuja consulta deverá ser atempadamente facultada, caso a mesma venha a ser requerida.
  2. Em função da posição expressa pela Requerente no requerimento de 3.10.2024, ao abrigo dos princípios já acima mencionados, determina-se a notificação da ERSE - ENTIDADE REGULADORA DOS SERVIÇOS ENERGÉTICOS, com o convite para disponibilizar nestes autos as informações que eventualmente disponha quanto aos valores (alegadamente) repercutidos à Requerente pelas sociedades B..., S.A., pessoa colectiva n.º ... e C..., LDA., pessoa colectiva n.º ..., que não se encontrem disponíveis para consulta online e que tenham sido transmitidos ao abrigo do disposto nos artigos 13.º e 15.º da Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro.
  3. As notificações referidas nos números 2 e 3 do presente despacho devem indicar expressamente que não será atribuído o pagamento de qualquer tipo de compensação às entidades notificadas e testemunhas convidadas por despesas e prejuízos decorrentes da sua comparência em juízo ou da prestação e envio de esclarecimentos, uma vez que é inaplicável à arbitragem tributária o regime previsto nos artigos 16.º e 17.º, n.º 5, e Tabela IV, todos do Regulamento de Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, mas sim o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária que nada prevê a esse respeito.
  4. As notificações referidas nos números 2 e 3 do presente despacho devem ainda indicar expressamente que está em causa um convite e não uma imposição, uma vez que os Tribunais Arbitrais não dispõem de poderes de autoridade sobre terceiros e não podem compelir a comparência ou punir a ausência de testemunhas notificadas oficiosamente para se apresentarem em juízo, designadamente através da imposição de multas da presença sob custódia, por inaplicabilidade à arbitragem tributária do regime previsto no artigo 508.º, n.º 4, do CPC, o mesmo valendo quanto ao convite para prestação de declarações, informações ou demais esclarecimentos escritos e de envio de documentos. Neste sentido, deverá ser expressamente mencionado nas notificações emitidas que a eventual falta de comparência em juízo ou falta de resposta não será censurada com qualquer tipo de sanção ou valoração positiva ou negativa da conduta processual assumida.

 

 

  1. Ressalva-se que as notificações referidas nos números 2 e 3 do presente despacho não implicam um juízo prévio do Tribunal Arbitral sobre a necessidade ou essencialidade da prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos, mas tão só uma ponderação da eventual utilidade que daí pode advir, sendo certo em qualquer caso que tal notificação ou convite não prejudica a eventual aplicação do disposto no artigo 19.º do RJAT, se for caso disso.
  2. Recorda-se também que é a Requerente que suportará integralmente todas as despesas e custos associados à produção da referida prova, nos termos fixados a final na conta de custas, não se inserindo em qualquer caso tais despesas nos custos do processo arbitral.
  3. Renova-se o conteúdo do despacho arbitral de 18.09.2024 quanto à vontade da Requerente, Requerida e testemunhas arroladas, de comparecerem na reunião arbitral nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto. Na ausência de resposta no prazo de 3 (três) dias, presume-se que as partes e as testemunhas se irão apresentar presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa.
  4. Também no prazo de 3 (três) dias, deverá a Requerente indicar os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto de prova testemunhal pelos representantes legais da B..., S.A. e C..., LDA., caso os

mesmos compareçam em juízo.

(...)”

 

  1. Não obstante as diligências do CAAD no sentido da notificação das entidades referidas no Despacho de 17-10-2024, apenas a B..., S.A. veio apresentar resposta, através de email remetido no dia 24-10-2024. Aí dando conta de que, apesar de não ter disponibilidade para comparecer na reunião agendada para o dia 25-10-2024, se disponibilizava para responder, por escrito, às questões que o Tribunal arbitral entendesse convenientes.

 

A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT teve lugar no dia e hora designados, tendo comparecido as signatárias, as juristas em representação da AT e a mandatária da Requerente. Foram tomadas declarações de parte ao Senhor D..., gerente e representante da Requerente. A Requerente declarou, de seguida, prescindir da audição da testemunha por si arrolada, o Senhor E... (cf. ata da reunião do artigo 18.º RJAT junta aos autos).

 

Ainda nessa reunião, o Tribunal arbitral concedeu 10 (dez) dias à Requerente para, em requerimento autónomo, elencar quais os factos ou questões que pretendia ver esclarecidas pelas entidades fornecedoras de combustível – a B..., S.A. e a C..., LDA. Recebidas essas questões, o Tribunal diligenciaria pela sua notificação àquelas entidades, seguindo-se depois a tramitação normal do processo arbitral.

 

Por Requerimento com data de 05-11-2024, a Requerente comunicou quais as questões que pretendia ver colocadas às fornecedoras de combustível. Tais questões são as seguintes:

 

 

“(...)

  1. Cada empresa forneceu ou não à Requerente as quantidades de gasóleo identificadas nos documentos que se anexam, e juntos ao pedido arbitral?
  2. Consequentemente, emitiram as facturas que estão identificadas nos referidos documentos?
  3. A Requerente procedeu ao pagamento a cada uma das empresas fornecedoras de todas as facturas identificadas nos referidos documentos?
  4. Cada empresa procedeu à introdução de gasóleo no consumo? Em caso afirmativo, fizeram-no no período que decorreu entre Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2022?
  5. Nas vendas de gasóleo que efectuaram à Requerente repercutiram a CSR que suportaram no preço do gasóleo vendido?
  6. Caso não tenha introduzido gasóleo no consumo, quando o adquiriam e venderam à Requerente suportaram inicialmente e repercutiram a CSR no preço do gasóleo vendido?
  7. Confirmaram expressamente estes factos à Requerente?

(...)”

 

Em 12-11-2024, foi recebida a comunicação da ERSE, onde se explica que a informação à disposição da ERSE, por força das obrigações instituídas pela Lei n.° 5/2019, de 1 de janeiro, e concretizadas através do Regulamento n.° 141/2020, de 20 de fevereiro, se limita “às páginas de internet dos comercializadores e às informações publicamente disponibilizadas, incluindo a desagregação dos componentes de preço nas faturas”, não dispondo de “acesso a quaisquer informações adicionais sobre os valores da CSR que possam ter sido repercutidos, para além das que já são disponíveis online”.

 

Por Despacho com data de 10-12-2024, o Tribunal arbitral determinou notificação, através de correio postal registado, das sociedades fornecedoras de combustível B..., S.A., e C..., LDA., convidando-as a esclarecer, no prazo de 10 (dez) dias após a notificação, as questões formuladas pela Requerente no requerimento de 05-11-2024. Nesse Despacho, foi reiterado o conteúdo do Despacho de 17- 10-2024 quanto à natureza do convite formulado pelo Tribunal arbitral e a ausência de sancionamento das entidades notificadas em caso de falta de resposta. O serviços do CAAD diligenciaram no sentido do envio daquela correspondência, a qual ocorreu no dia 11-12-2024.

 

Por requerimento com data de 06-01-2025, a B..., S.A. confirmou que forneceu à Requerente as quantidades de gasóleo identificadas nas faturas juntas aos autos e que os montantes faturados foram integralmente pagos. Esclareceu, todavia, que não é sujeito passivo de ISP nem de CSR, “motivo pelo qual não poderia ter repercutido CSR na Requerente”.

 

A C..., LDA. não apresentou resposta.

 

 

Por Despacho de 17-01-2025, o Tribunal arbitral notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, por prazo sucessivo de 15 (quinze) dias.

 

A Requerente apresentou alegações escrita em 07-02-2025; a Requerida apresentou alegações escritas em 12-02-2025.

 

  1. Compulsado o PPA e as respostas, a posição das Partes é, em síntese, a seguinte:

 

  1. A Requerente alega que as suas fornecedoras de combustíveis – a B..., S.A. e a C..., LDA. – repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente aos litros de combustível adquiridos, no montante global de €197.602,74 (cf. documentos n.ºs 02 a 05 e 06 a 103 juntos com o PPA);

 

  1. A CSR é um imposto, não se detetando na sua estrutura e no seu regime jurídico qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos sujeitos passivos sobre os quais recai o encargo do tributo (pontos 18.º a 28.º do PPA).

 

  1. A Requerente, enquanto suportadora do encargo inerente à CSR, tem legitimidade para a propositura da presente ação arbitral, nos termos conjugados dos artigos 9.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 4, a) e 95.º, n.º 1 da LGT e do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, independentemente de estar em causa repercussão obrigatória ou voluntária. Esta interpretação encontra respaldo, segundo a Requerente, no Despacho Vapo Atlantic (processo C-460/21), do Tribunal de Justiça, e na nova redação do artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro. No entender da Requerente, “aquele que demonstrar ter suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental e/ou processual para contestar a legalidade das liquidações, quer detenha ou não a qualidade de sujeito passivo” (pontos 29.º a 60.º do PPA).

 

  1. A Requerente requer ao Tribunal arbitral que, caso considere necessário, em obediência ao princípio do inquisitório, oficie as entidades fornecedoras de combustível – a B..., S.A. e a C..., Lda. – a fim de que estas venham aos autos confirmar que efetivamente transferiram o encargo da CSR para a Requerente. Ademais, visto que, nos termos dos artigos 13.º e 15.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, os comercializadores de combustíveis estão obrigados a disponibilizar informação sobre os preços dos combustíveis, a Requerente pede ainda ao Tribunal arbitral que oficie a Entidade Reguladora do Setor Energético (ERSE) no sentido de que esta disponibilize toda a informação relevante que esteja na sua posse e que não seja possível consultar online (pontos 61.º e 62.º do PPA).

 

 

  1. O regime jurídico da CSR, instituído pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é incompatível com o Direito da União Europeia (DUE), uma vez que o tributo, tal como recortado pelo legislador nacional, não tem subjacente “motivos específicos” na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, tendo sido criado por razões puramente orçamentais, conclusão evidenciada pelo Tribunal de Justiça no Despacho Vapo Atlantic (processo C-460/21). Portanto, atentos os princípios do primado e do efeito direto associados ao DUE, tem o Tribunal Arbitral o dever de afastar a aplicação do regime jurídico da CSR e, em coerência, anular os atos de liquidação de CSR e proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente (pontos 63.º a 109.º do PPA).

 

  1. A Requerente peticiona, finalmente, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, d) da LGT, por estar em causa uma situação de ilegalidade abstrata atestada por decisão que declara a desconformidade entre uma norma de direito interno e o DUE (pontos 110.º a 119.º do PPA).

 

  1. A Requerida apresentou defesa por exceção e defesa por impugnação. Na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria (com dois fundamentos distintos), ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, ineptidão da petição inicial, caducidade do direito de ação e falta de pagamento de valores a título de CSR por parte da Requerente.

 

  1. Quanto ao fundo, considera que a Requerente não logrou fazer prova de ter adquirido e pago combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão. Atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando se está perante uma repercussão meramente económica (pontos 200.º a 239.º da Resposta).

 

  1. Defende-se, ainda, argumentando que inexiste qualquer decisão judicial – do Tribunal de Justiça ou de outro Tribunal – que tenha declarado ou julgado a inconstitucionalidade ou ilegalidade do regime jurídico da CSR. Contesta a apreciação do Tribunal de Justiça no sentido de que não estão subjacentes àquele tributo “motivos específicos” para efeitos do preceituado no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE. Finalmente, louvando-se no acórdão Danfoss (processo C-94/10), do Tribunal de Justiça, a AT relembra que um Estado-membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo adquirente/comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, desde que, à luz do direito desse Estado-membro, seja possível ao adquirente exercer uma ação civil de repetição do indevido e o reembolso dos montantes indevidamente suportados não se mostre, na prática, impossível ou excessivamente difícil (pontos 240.º a 259.º da Resposta).

 

 

II – Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na al. e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

 

  1. As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida, importa apreciar preliminarmente estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal, que é de conhecimento prioritário (cf. artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, c), do RJAT).

 

a) Questão da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

  1. Na Resposta, a AT arguiu a exceção dilatória de incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, a) do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT (pontos 26.º a 41.º da Resposta). Entende, em síntese, que a CSR é uma contribuição financeira, estando a sua sindicância, por conseguinte, excluída da competência material dos tribunais arbitrais tributários, à luz do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. A Requerente pugnou pela improcedência da exceção de incompetência relativa, alegando que a CSR deve, apesar do nomen iuris, ser qualificada como um imposto, em face da ausência de qualquer contraprestação indireta ou presumivelmente destinada aos sujeitos passivos por ela onerados. Assim, a Requerente conclui que todos os atos tributários relacionados com a CSR são plenamente arbitráveis, à luz do disposto no artigo 2.º do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Decidindo,

 

  1. O âmbito da jurisdição arbitral tributária conhece as limitações impostas por lei e por Regulamento. Com efeito, segundo a al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Por sua vez, o artigo

4.º do mesmo regime faz depender a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais de

 

 

portaria dos membros do Governo responsáveis, onde se estabeleça, designadamente, “o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. Em cumprimento desta delegação legislativa, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, definiu o objeto da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD como abrangendo “as pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

 

  1. A referência aos “impostos” que se encontra no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pode ser interpretada de duas formas.

 

  1. Para uma linha jurisprudencial, a designação relevante para efeitos de definição de competência é a designação adotada pelo legislador, e não aquela que o intérprete ou aplicador do direito possam reputar mais adequada. Pretende-se, com esta posição, obstar a que a jurisdição dos tribunais arbitrais se veja dependente da incerteza inerente às diversas perspetivas doutrinais sobre a destrinça entre taxa, imposto e contribuição financeira (cf. acórdão do CAAD de 29-05-2023, processo n.º 31/2023-T; e já antes, com idêntico entendimento, os acórdãos do CAAD de 22-07-2022, processo n.º 788/2021-T, e de 16-10-2018, processo n.º 115/2018-T). Ao passo que, num outro entendimento, a aferição da jurisdição dos tribunais arbitrais já dependerá do resultado que o intérprete alcance através da qualificação dos tributos em função das suas caraterísticas e do seu regime jurídico (cf., por exemplo, acórdão do CAAD 05-01- 2023, processo n.º 304/2022-T; e acórdão do CAAD de 15-01-2024, processo n.º 375/2023-T). Sobre esta questão, o Tribunal arbitral entende que, havendo jurisprudência que aponte para uma determinada classificação, não pode o intérprete e aplicador do direito deixar de daí retirar as devidas conclusões em matéria de jurisdição.

 

  1. A Constituição refere-se abertamente a três modalidades de tributos – impostos, taxas e contribuições financeiras (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP). Para cada um destes tributos, em razão do tipo de ablação patrimonial que representam para o contribuinte, prevê a Constituição um acervo de regras formais, orgânicas e materiais distinto, embora com semelhanças no plano dos tributos bilaterais (taxas e as contribuições financeiras).

 

  1. A divisão tripartida dos tributos afirmou-se com a revisão constitucional de 1997, por oposição à summa divisio, até aí vigente, entre impostos e taxas. Com a inclusão de um segundo tipo de tributos bilaterais (as contribuições financeiras) o teste da bilateralidade, segundo o qual os tributos rigorosamente bilaterais seriam taxas e os tributos não rigorosamente bilaterais seriam impostos, deixou de ser determinante no processo de qualificação. Se antes da revisão de 1997 o processo de qualificação não era simples, uma vez que uma plêiade de tributos merecia uma qualificação distinta daquela para que remeteria o seu nomen iuris (princípio da irrelevância do nomen iuris), o contencioso constitucional da qualificação dos tributos tornou-

 

 

se, a partir dessa data, ainda mais complexo, atenta a proliferação de tributos híbridos, a meio- caminho entre taxas e impostos.

 

  1. Assim, o imposto é uma prestação pecuniária e coativa, com estrutura unilateral. Cada um é chamado a contribuir para os encargos da comunidade independentemente de receber algo em troca, na medida da sua força económica ou da sua capacidade de pagar (princípio da capacidade contributiva). Os impostos pretendem arrecadar receitas para custear as despesas públicas gerais do Estado (artigo 5, n.º 1 da LGT). Coerentemente, visto que os impostos agridem o património do particular de forma mais intensa que outros tributos, a Constituição sujeita-os a um regime formal e orgânico bastante rigoroso (reserva de lei integral), colocando sob a alçada do legislador parlamentar todo o regime jurídico de cada um dos impostos.

 

  1. Já as contribuições financeiras são prestações pecuniárias coativas, assentes numa estrutura bilateral, exigidas como contrapartida de uma prestação administrativa de que presumivelmente os respetivos sujeitos passivos, por integrarem um determinado grupo homogéneo, beneficiaram ou causaram.

 

  1. A constitucionalização das contribuições financeiras, promovida pela revisão de 1997, visou abarcar uma categoria de tributos que, embora não possuíssem uma estrutura unilateral, não compartilhavam da bilateralidade rigorosa das taxas. Todavia, a circunstância de o legislador de revisão ter optado por subordinar as contribuições financeiras a um regime formal e orgânico semelhante ao das taxas é suficientemente revelador de que a estrutura e a finalidade das contribuições financeiras se aproximam mais dos tributos bilaterais do que dos tributos unilaterais.

 

  1. Como se esclarece no acórdão n.º 344/19, do Tribunal Constitucional, a propósito da “taxa” SIRCA:

A criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respetiva qualificação. Se atendermos à «natureza» que assume a prestação do ente público, a linha de fronteira entre as diferentes categorias de tributos públicos pode demarcar-se do seguinte modo: se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, ou

 

 

por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa”.

 

  1. A “prova do algodão” entre imposto e contribuição financeira é dada, portanto, pela identificação expressa ou implícita de uma prestação administrativa – ainda que grupal ou presumida, no caso das contribuições financeiras. Em termos coadjuvantes, a jurisprudência constitucional reconhece igualmente a importância do critério finalístico, admitindo que a consignação da receita do tributo – por oposição ao financiamento das despesas públicas gerais – pode constituir uma orientação relevante no esclarecimento da sua natureza. Como se lê no acórdão n.º 268/2021, do Tribunal Constitucional, a propósito da Contribuição sobre o setor bancário:

 

A distinção entre as três categorias tributárias parte da consideração simultânea de um critério finalístico a par de um critério estrutural ou do pressuposto e da finalidade do tributo (...). Em linha com a conclusão que antecede, tem sido sublinhada pela jurisprudência do Tribunal a importância de atender, ainda, ao elemento teleológico do tributo (critério finalístico), na medida em que este pode constituir um indicador determinante no esclarecimento da sua natureza (...). Nesta perspetiva, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra,

«uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais» (Acórdãos nºs 539/2015, 320/2016, 7/2019, 255/2020). (v. Acórdãos n.ºs 344/2019 e 255/2020)”.

 

  1. Com base nestes critérios, o Tribunal Constitucional qualificou como contribuições financeiras tributos tão variados como as taxas de regulação e supervisão económica (acórdão n.º 365/2008), a taxa pela utilização do espectro radioelétrico (acórdão n.º 152/2013), as penalizações pela emissão de carbono (acórdão n.º 80/2014), a Contribuição extraordinária sobre o setor energético (acórdão n.º 7/2019), a taxa de segurança alimentar mais (acórdão n.º 539/2015) ou a contribuição sobre o setor bancário (acórdão n.º 268/2021). Foram ainda qualificadas como contribuições financeiras a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (cf. acórdão do STA de 10.05.2023, processo n.º 0191/20.4BEVIS), assim como a taxa de promoção e de coordenação do Instituto da Vinha e do Vinho (cf. acórdão do STA de 26.09.2018, processo n.º 0299/13.2BEVIS 01007/17), ou a taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (acórdão do TCA de 29.09.2022, Processo n.º 21/13.3 BELRS).

 

 

  1. Uma vez denotada a estrutura bilateral ou pelo menos comutativa do tributo, as eventuais inconsistências ou incoerências do seu regime jurídico deverão ser tratadas no âmbito do princípio da igualdade material, tomado como critério de equivalência, ferindo de inconstitucionalidade material as normas do regime jurídico do tributo que o contrariem (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 344/2019, sobre a taxa SIRCA, e n.º 101/2023, sobre a Contribuição extraordinária do setor energético, quando aplicada aos operadores do setor do gás).

 

  1. Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) e constitui “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” (artigo 3.º, n.º 1). Por financiamento da rede rodoviária entende-se “a respetiva conceção, projeto, conservação, exploração, requalificação e alargamento” (artigo 3.º, n.º 2).

 

  1. A incidência objetiva do tributo coincide com a do ISP, ou seja, o tributo incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1). E o mesmo sucede com a incidência subjetiva, uma vez que os sujeitos passivos do tributo coincidem com os sujeitos passivos do ISP (artigo 5.º, n.º 1). Além disso, é aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações (artigo 5.º, n.º 1). Finalmente, o produto da CSR constitui receita própria da concessionária da rede rodoviária nacional, a EP – Estradas de Portugal, E.P.E, que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A (artigo 6.º).

 

  1. Destarte, não obstante a operação “cosmética” que o legislador ensaia na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, ao identificar como facto tributário a utilização da rede rodoviária nacional, consignando a receita do tributo à respetiva concessionária, a Infraestruturas de Portugal, a CSR aproxima-se de um simples desdobramento do ISP, partilhando com este a incidência objetiva e subjetiva, bem como os aspetos da liquidação e cobrança (cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.º ed., reimpressão, Almedina, 2021, p. 384, nota n.º 8).1

 

Como se lê no acórdão do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T, não existe “qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos”. Na verdade, «o financiamento da rede

 

 
 

 

1 Cf., igualmente, os acórdãos do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T; de 03-08-2022, processo n.º 629/2021-T; de 16-01-2023, processo n.º 305/2022-T; de 09-02-2024, processo n.º 490/2023-T; de 01-02-2024, processo n.º 332/2023-T; de 14-05-2024, processo n.º 790/2023-T, entre outros.

 

 

rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”. Falta à CSR, portanto, a estrutura comutativa ou de bilateralidade difusa que subjaz às contribuições financeiras e que as distingue dos impostos.

 

  1. Esta conclusão é corroborada pelo Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, o qual, em razão dos princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia, se projeta como elemento determinante na qualificação do tributo. Efetivamente, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. acórdãos Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, §107, entre outros).

 

  1. É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto. Entende o Tribunal arbitral, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21 – o Tribunal de Justiça não colocou em causa essa qualificação, precisamente por considerar que, pela sua estrutura e regime jurídico, a CSR preenchia as caraterísticas de uma imposição indireta, concretamente, de um imposto indireto sobre os produtos petrolíferos. Por outras palavras, foi o legislador português que, não obstante apelidar o tributo “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva, objetiva, liquidação e cobrança em termos análogos às do ISP. Em condições que levaram o Tribunal de Justiça a assumir que a CSR teria uma finalidade exclusivamente orçamental para efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, e que poderia entravar as trocas comerciais pondo em causa o efeito útil da harmonização levada a cabo pela Diretiva no domínio do imposto sobre produtos petrolíferos (Despacho Vapo Atlantic, §26).

 

  1. Não constituindo a qualificação da CSR uma questão puramente interna, há que concluir que a CSR é um imposto indireto para efeitos da Diretiva 2008/118/CE, e consequentemente, também para efeitos da legislação portuguesa que se enquadre no âmbito de aplicação da Diretiva, como é o caso da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. Ou seja, se o Tribunal de Justiça tratou a CSR como um desdobramento do ISP, não pode o intérprete e aplicador português

 

 

deixar de fazer o mesmo, procurando uma interpretação e aplicação uniformes do Direito da União.

 

  1. Termos que se julga improcedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

b) Exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, por outra via

 

  1. A AT suscita, na sua resposta, a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, mas por outra via (ou em razão da causa de pedir), exceção dilatória cuja procedência acarreta a absolvição da ré da instância (artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, a) do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT).

 

  1. Sustenta que o pedido formulado pela Requerente, que passa pela declaração de ilegalidade do regime da CSR (pontos 42.º a 51.º da Resposta), extravasa o âmbito da jurisdição arbitral tributária prevista no artigo 2.º do RJAT, que assenta num contencioso de mera anulação. Este não consente “o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-administrativa do Estado” (ponto 47.º), “não sendo da competência do tribunal arbitral (...) a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação” (ponto 48.º). Uma interpretação do artigo 2.º do RJAT que permitisse a apreciação dos pedidos formulados pela Requerente seria, no entender da AT, inconstitucional, porquanto vedada pela letra e pelo espírito da lei (ponto 49.º da Resposta).

 

  1. A Requerente contesta esta exceção, sublinhando que o objeto do pedido arbitral é a declaração de ilegalidade de atos tributários de repercussão e das liquidações de CSR que lhes estão subjacentes, em razão da aplicação, pela AT, de um regime jurídico que é comprovadamente incompatível com o DUE. A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.

 

  1. A exceção dilatória invocada pela AT não procede.

 

  1. A Requerente não pede a declaração de ilegalidade do regime jurídico onde está consagrada a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto). Pede, na verdade, a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a anulação dos atos de liquidação de CSR e dos atos de repercussão do tributo sobre a sua esfera jurídica, inerentes às faturas juntas com o

 

 

PPA. Faz assentar, porém, a anulação das liquidações num vício de ilegalidade abstrata, por oposição à ilegalidade concreta, porquanto o que está em causa é a ilegalidade do tributo (por desconformidade do ato legislativo que o criou com a CRP ou por incompatibilidade com o DUE), e não a ilegalidade do ato que faz aplicação da lei ao caso concreto (cf. acórdão do STA de 20-03-2019, processo n.º 0558/15.0BEMDL 0176/18).

 

  1. O controlo incidental ou concreto da constitucionalidade das normas assenta, precisamente, na destrinça entre questão principal e questão de constitucionalidade. Como se lê no artigo 204.º da CRP, pedra angular do modelo de fiscalização concreta português, “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas contrárias à Constituição”.

 

  1. In casu, mesmo que a inconstitucionalidade ou a incompatibilidade com o DUE seja o catalisador da impugnação, o feito submetido a julgamento não é a inconstitucionalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, nem tão-pouco a sua incompatibilidade com o Direito da União, mas a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR (artigo 99.º do CPPT).

 

  1. A idiossincrasia do modelo português de fiscalização concreta é a de que todos os juízes, em todos os tribunais, têm não só o poder-dever de verificar a conformidade constitucional das normas legais aplicáveis (poder-dever de exame), mas também de recusar a sua aplicação caso concluam pela sua inconstitucionalidade (poder-dever de rejeição). Não podendo, então, o juiz, nos termos do artigo 204.º CRP da Constituição, aplicar normas inconstitucionais, ele fica obrigado a decidir, seja a pedido das partes seja oficiosamente, a referida questão de constitucionalidade, isto é, tem de decidir previamente se a norma em causa é ou não inconstitucional. “E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais” (cfr. acórdão do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T).

 

  1. Aliás, num modelo como o português, que não conhece a figura da ação direta de constitucionalidade, entendida como o direito dos cidadãos de pedirem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas, a possibilidade de os particulares, nos feitos submetidos a julgamento, suscitarem a questão de constitucionalidade é imprescindível para assegurar o direito fundamental de acesso à justiça constitucional e a uma tutela jurisdicional efetiva em matéria constitucional. Por essa razão, não poderia o RJAT – agora sim, sob pena de inconstitucionalidade – deixar de consagrar a figura do recurso de constitucionalidade quando, na decisão arbitral, se recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade ou se aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo (artigo 24.º, n.º 1 do RJAT).

 

 

 

  1. Idêntico raciocínio é aplicável, mutatis mutandis, à incompatibilidade com o Direito da União. Também aqui, por força do princípio do efeito direto, conjugado com o princípio do primado, estão todos os tribunais nacionais, nos feitos submetidos a julgamento, sob o dever de desaplicar as normas de direito interno incompatíveis com o Direito da União. Não podendo um tal dever ficar na dependência de regras internas que atribuam aos tribunais superiores competência exclusiva para afastar a aplicação dessas normas. Foi esse o dito do Tribunal de Justiça no acórdão Simmenthal, processo C-106/77: “[Q]ualquer juiz nacional tem o dever de, no âmbito das suas competências, aplicar integralmente o direito comunitário e proteger os direitos que este confere aos particulares, considerando inaplicável qualquer disposição eventualmente contrária ao direito interno, quer seja esta anterior ou posterior à norma comunitária” (§21).

 

  1. A sustentar o seu argumento, a AT invoca dois acórdãos do STA (ponto 51.º da Resposta), proferidos no âmbito dos processos n.ºs 01390/17 e 0637/15, e um acórdão do TCA Norte, proferido no âmbito do processo n.º 00502/15.4BEPRT. Mas também aqui sem acerto.

 

Com efeito, o que estava em causa no primeiro daqueles arestos era uma ação popular administrativa na forma de providência cautelar de suspensão de eficácia do disposto na norma do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, na redação introduzida pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2017. Já no segundo, o STA limitou-se a declarar a incompetência absoluta para a apreciação da legalidade de atos emitidos no exercício da função político-legislativa (artigo 4.º, n.º 2, a) do ETAF), ajuizando que o ato em causa – um decreto-lei – apesar da sua natureza individual e concreta, não continha um ato administrativo sob a forma legislativa que o Tribunal pudesse apreciar. E no terceiro, o TCA Norte reiterou não ter competência para declarar a ilegalidade e consequente nulidade das normas públicas inseridas em atos legislativos que fixaram a introdução de portagens em auto-estradas. O que, como facilmente se percebe, nada tem que ver com um pedido de ilegalidade de um ato de liquidação de um imposto, que não é um ato da função político-legislativa, mas um ato caraterístico da função administrativa.

 

  1. Acrescenta a AT, nos pontos 52.º a 62.º da Resposta, que os atos de repercussão não integram o âmbito material de competência dos tribunais arbitrais tributários, tal como definido no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT. Os atos de repercussão não são atos tributários, não se reconduzindo a atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nem a atos de fixação da matéria tributável quando não deem origem à liquidação de tributos, atos de determinação da matéria coletável ou atos de fixação de valores patrimoniais.

 

 

  1. Também aqui não assiste razão à Requerida. O pedido de pronúncia arbitral não tem por objeto a anulação de atos de repercussão per se, mas antes a anulação dos atos de liquidação de CSR posteriormente repercutida sobre os adquirentes de combustível. Neste sentido, caso a anulação das liquidações venha a ser julgada procedente, impõe-se à AT, nos termos do artigo 100.º da LGT e do artigo 22.º da CRP, “a reposição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” e, nessa medida, também a eliminação dos atos de repercussão, sem a qual não haverá reposição da situação atual hipotética.

 

  1. Termos em que julga improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria.

 

c)  Questão da ineptidão da petição inicial

 

  1. A Requerida alega, nos pontos 128.º a 173.º da sua defesa, a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade de todo o processo, ao abrigo dos artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. b) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT.

 

  1. Acrescenta que o PPA não cumpre os pressupostos vertidos no artigo 10.º, n.º 2 do RJAT porquanto não identifica o ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, nem as declarações de introdução no consumo que deram origem às liquidações de CSR por parte da AT. E a AT – invoca-se – não tem forma de suprir esta omissão, atenta a impossibilidade de estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação de CSR junto do fornecedor de combustível e as faturas de aquisição de combustível apresentadas pela Requerente (pontos 146.º a 162.º da Resposta). Isto acontece porque os sujeitos passivos declaram a introdução de combustível no mercado em múltiplas alfândegas, submetendo as exigidas DIC, combustível esse destinado a múltiplos clientes e depois revendido a outros tantos. Portanto, as transações de combustível em que a CSR terá sido alegadamente repercutida não têm por base um ato de liquidação específico. Por outro lado, alega a Requerida que também não é possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidas no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente às suas fornecedoras, por a liquidação de CSR ter como referência uma base tributável (artigo 91.º, n.º 1 do CIEC) que não é mantida nas vendas subsequentes (ponto 147.º da Resposta).

 

  1. Existe, finalmente, no entender da AT, contradição entre o pedido e a causa de pedir, por não ser possível discernir se o objeto do pedido são as liquidações ou as repercussões, ao mesmo tempo que se indica como causa de pedir a desconformidade da CSR com o DUE (pontos 174.º a 182.º da Resposta).

 

 

  1. A Requerente, na resposta às exceções arguidas pela Requerida, argumenta que, quanto aos atos de liquidação da CSR, juntou mapa síntese da quantidade de gasóleo fornecido por cada uma das entidades e respetivas datas. Neste sentido, se a AT, não obstante toda a informação junta aos autos, afirma não conseguir identificar as liquidações de CSR inerentes às faturas, não pode tal ónus ser imputado à Requerente, que juntou aos autos toda a informação que tinha ao seu dispor.

 

Decidindo,

 

  1. O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no artigo 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT (respetivamente).

 

  1. A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória cuja verificação conduz à abstenção de conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância (artigo 278, n.º 1, al. b) do CPC). Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, conforme preceituado no artigo 196.º do CPC e também no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b), do CPTA e no artigo 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPPT.

 

  1. Do artigo 186.º, n.º 1 do CPC consta uma lista fechada de situações geradoras de ineptidão da petição inicial: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. De acordo com o n.º 3 do mesmo dispositivo, ainda que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pelo Autor e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, não procede a arguição de ineptidão da petição inicial que eventualmente seja arguida.

 

  1. Ora, a exceção relacionada com a ineptidão da petição inicial não procede, porquanto não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC. Ao contrário do alegado, não existe contradição entre o pedido e a causa de pedir. A Requerente pede a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o qual por sua vez incidiu sobre os atos de liquidação de CSR referentes ao período entre 2019 e 2022, por aquela suportada através de repercussão legal. A causa de pedir não é a repercussão de um tributo inválido, antes a liquidação de um tributo incompatível com o direito da União, a cujo reembolso o adquirente de combustível tem direito na medida em fique demonstrada a repercussão. Anuladas as liquidações, eliminam-se, igualmente, as consequências que com base nelas se hajam produzido, mormente os atos de repercussão legal na esfera jurídica da Requerente.

 

 

 

  1. Quanto à questão da identificação dos atos de liquidação impugnados, a que alude a al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, importa referir que, não sendo a Requerente sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que alegadamente suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Autoridade Tributária que impendia o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências que permitiriam verificar a existência dos atos de liquidação do imposto, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração com os contribuintes (cfr. acórdão do CAAD de 14- 05-2024 relativo ao Processo n.º 790/2023-T, §15-16).

A eventual dificuldade que a AT possa ter na identificação das liquidações a que ela própria procedeu junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado nem trazer desvantagem à Requerente (cfr. acórdão do CAAD de 13-11-2023 relativo ao Processo n.º 410/2023-T).

A Requerente fez tudo quanto poderia ter feito, juntando os documentos que tinha à sua disposição. Exigir à Requerente a identificação dos atos de liquidação numa situação com este recorte, em que o repercutido não tem meios para proceder a essa identificação nem ela se assume como imprescindível para a apurar da legalidade da liquidação de CSR que as faturas coonestam, constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP (cfr. acórdão do CAAD de 13-11-2023 relativo ao Processo n.º 410/2023-T).

 

  1. Nestes termos, entende o Tribunal Arbitral que improcede a alegada exceção de ineptidão da petição inicial.

 

d) Questão da caducidade do direito de ação

 

  1. A AT invoca, seguidamente, vários argumentos relacionados com a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, que foi objeto de indeferimento tácito, e consequentemente com a tempestividade do pedido arbitral (pontos 183.º a 199.º).

 

  1. Argumenta, em primeiro lugar, que não logrando a Requerente a identificação dos atos de liquidação impugnados, não é possível apurar da tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado em 14-06-2023 e, consequentemente, da tempestividade do PPA ora apreciado (ponto 185.º da Resposta).

 

  1. Depois, ainda que superado este obstáculo, é entendimento da AT que o pedido de revisão é intempestivo, não sendo aplicável o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, antes o prazo de 120 dias, aplicável à reclamação graciosa. Ao proceder às liquidações de CSR

 

 

impugnadas, a AT manteve-se fiel ao princípio da legalidade da administração, inexistindo in casu “erro imputável aos serviços” (ponto 190.º da Resposta).

 

  1. Alega, cautelarmente, que o artigo 15.º do CIEC, onde estão previstas regras gerais de reembolso em caso de erro na liquidação, expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, é lex specialis relativamente ao artigo 78.º da LGT. De acordo com aquele normativo, (só) os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução do consumo dos produtos em território nacional têm, no prazo de três anos a contar da liquidação do imposto, legitimidade para apresentar o pedido de reembolso (artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 do CIEC). Prazo que, em 14-06- 2023, data da receção do pedido de revisão oficiosa, já estaria terminado (ponto 195.º da Resposta).

 

  1. Assim, sendo a caducidade do direito de ação uma exceção dilatória nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, k) do CPTA, deve nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido ou da instância (ponto 198.º da Resposta).

 

  1. A Requerente argumenta, louvando-se no acórdão do CAAD de 13-11-2023, proferido no âmbito do processo arbitral n.º 410/2023-T, que o prazo aplicável é o prazo de 4 anos a contar da data da liquidação, constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, uma vez que a AT, ao liquidar a CSR, incorreu em “erro imputável aos serviços”, em especial num erro de direito, aplicando normas contrárias ao Direito da União.

 

  1. No entendimento deste Tribunal Arbitral, também esta exceção deve ser julgada improcedente, atenta a análise a seguir efetuada.

 

  1. O artigo 15.º do CIEC contém um conjunto de disposições comuns às várias modalidades de reembolso previstas no Código, seja o reembolso por erro (artigo 16.º), o reembolso na expedição (artigo 17.º), o reembolso na exportação (artigo 18.º), reembolso na retirada do mercado (artigo 19.º) e outros casos de reembolso (artigo 20.º), nos seguintes termos:

 

Artigo 15.º

Regras gerais do reembolso

  1. - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.
  2. - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea

a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.

 

 

  1. - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º.
  2. - O reembolso só pode ser efectuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25.

 

  1. Ora, como se lê no acórdão do CAAD de 14-05-2024, referente ao Processo n.º 790/2023- T, o regime especial previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC vale para o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação. Ora, no presente processo o que está em causa não é um pedido de reembolso tout court, mas uma declaração de ilegalidade de atos de liquidação de um imposto, à qual se pode seguir, verificados os demais pressupostos, a condenação da AT na restituição do imposto indevidamente pago.

 

  1. Resulta, por outro lado, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT que a revisão do ato tributário prevista naquele dispositivo constitui um meio de correção de erros na liquidação de tributos levado a cabo pela própria administração tributária (a revisão é da competência de quem praticou o ato tributário), e que pode partir da iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa (reclamação graciosa) e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou da iniciativa da administração, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

  1. É entendimento pacífico da jurisprudência do STA que, para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e em face da teleologia que subjaz ao instituto da revisão, este não abrange apenas os pedidos de revisão oficiosa da iniciativa da administração tributária, mas também a revisão do ato de liquidação requerida pelo sujeito passivo e como tal abrangida pelo prazo alargado de 4 anos. A revisão é, portanto, um afloramento do dever de revogação de atos tributários ilegais, que encontra arrimo nos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, que são princípios fundamentais da atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2 CRP e artigo 55.º da LGT). E «face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes» (acórdão do STA, 11.05.2005, processo n.º 0319/05).

 

  1. Neste sentido, a revisão do ato tributário prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT é um modo de reação complementar aos meios administrativos e contenciosos gerais e especiais, que tem o seu campo primordial de aplicação naquelas situações em que já não é possível a impugnação do ato tributário, ou seja, em todos os casos em que o contribuinte, não logrou lançar mão, por sua iniciativa, dos processos impugnatórios previstos na lei (cf. decisão arbitral do CAAD de 24.06.2021, processo n.º 500/2020-T). Como se lê no acórdão do STA de 08-06-2022, processo

 

 

n.º 0174/19.7BEPDL, “[e]m função do respetivo, integral, conteúdo normativo, o art. 78.º da LGT consubstancia, no âmbito da proteção dum Estado de Direito, um depósito de garantias, acrescidas, de defesa e reposição da legalidade, concedidas aos sujeitos de relações jurídico- tributárias”.

 

  1. Assim, ainda que versassem sobre a mesma matéria, os mecanismos de reembolso previstos nos artigos 15.º e ss. do CIEC não afastam a aplicação do artigo 78.º da LGT ao caso sub judice. O procedimento de revisão oficiosa assume-se, tanto pela sua localização sistemática (na LGT), como pelo substrato teleológico que lhe preside, como uma garantia dos contribuintes que acresce às previstas no CIEC ou noutra legislação especial.

 

  1. Esta modalidade de revisão do ato tributário só é possível nas situações em que haja “erro imputável aos serviços”, aqui compreendido não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, do qual tenha resultado, para o contribuinte, uma liquidação de imposto superior ao devido. Essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cf., entre outras, a decisão arbitral do CAAD de 24-03-2022, processo n.º 615/2021-T, e, entre outros, os acórdãos do STA de 12-02-2001, recurso n.º 26233, de 11-05-2005, recurso n.º 0319/05, de 26-04-2007, recurso n.º 39/07, de 14-03-2012, recurso n.º 01007/11 e de 18-11- 2015, recurso n.º 1509/13).

 

  1. Como se lê no acórdão do STA de 12-02-2001, recuperado recentemente no acórdão do STA de 03-06-2020, «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte (...)» (cf. acórdão do STA de 03-06-2020, processo n.º 018/10). E não valerá a pena invocar que, ao contrário dos tribunais – que têm, nos termos do artigo 204.º da CRP, “acesso direto” à Constituição – não goza a Administração Tributária do poder-dever de desaplicar normas inconstitucionais e, por maioria de razão, normas contrárias ao direito da União. Com efeito, desde a prolação do acórdão Fratelli Costanzo, pelo Tribunal de Justiça, existe jurisprudência constante no sentido de que o princípio do primado – e o seu corolário prático, o princípio do efeito direto – estende à administração pública o dever de desaplicar as disposições de direito nacional contrárias a uma norma de direito da União que goze de efeito direto (acórdão Fratelli Costanzo, processo 103/88, em particular, § 31).

 

  1. Assim, havendo – como se demonstrará claramente infra – erro imputável aos serviços, o prazo para apresentar o pedido de revisão oficiosa é de 4 anos após a liquidação, e não de 120 dias, como sustenta a AT e, dado que o referido pedido de revisão respeita ao período

 

 

compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, tendo sido recebido pela AT em 14-06- 2023, deverá ser considerado tempestivo.

 

  1. Por outro lado, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se em 14-10- 2023, ou seja, decorridos os quatro meses em que a AT fica constituída no dever de decidir (artigo 57.º, n.º 1 da LGT). Por conseguinte, o PPA, apresentado em 12-01-2024, é também tempestivo (artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT).

 

  1. Pelo que, pelas razões expostas, improcede a exceção relacionada com a caducidade do direito de ação.

 

e)  Questão da ilegitimidade da Requerente

 

  1. A AT pugna, nos pontos 63.º a 106.º da sua defesa por exceção, pela ilegitimidade processual ativa da Requerente, o que, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, a) do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) RJAT, consubstancia uma exceção dilatória, que, se verificada, implica a absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Segundo a AT, atento o regime especial previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, só o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo e a quem foi liquidado o imposto tem legitimidade para requerer a revisão oficiosa e, consequentemente, para apresentar o pedido de pronúncia arbitral. Ora, o sujeito passivo da CSR é o sujeito passivo do ISP, aplicando-se as mesmas regras em termos de liquidação e cobrança (artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto).

 

  1. Por outro lado, a AT alega que a Requerente carece de legitimidade à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, porquanto no caso concreto não estará em causa uma situação de repercussão legal, mas de mera repercussão económica ou de facto. A repercussão económica depende da decisão dos sujeitos passivos de, no âmbito das suas relações comerciais, regidas pelo direito civil, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para os seus clientes (ponto 91.º da Resposta). A Requerente não só não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras inclui o montante pago a título de CSR pelo sujeito passivo que introduziu o combustível no mercado, como não consegue demonstrar que não o terá repassado no preço dos serviços prestados aos seus clientes ou consumidores finais (ponto 107.º da Resposta). A Requerente não é parte da relação jurídica tributária subjacente à liquidação de ISP/CSR (ponto 109.º da Resposta). E sem a possibilidade de identificar os atos de liquidação subjacentes às transações posteriores a Requerida poderia, no limite, ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR a todo e qualquer operador económico interveniente na cadeia comercial (ponto 124.º da Resposta).

 

 

 

  1. A Requerente invoca que é parte legítima do procedimento e processo tributários, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, segundo o qual têm legitimidade para intervir no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido. É o caso de quem, como a Requerente, suporta economicamente o imposto, independentemente da modalidade (obrigatória ou voluntária) de repercussão em causa. Entende que o legislador pretendeu onerar, única e exclusivamente, o consumidor de combustível (enquanto putativo utilizador da rede rodoviária nacional) e não quem está a montante (os fornecedores de combustível). A Requerente invoca de igual modo o artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, considerando que, de acordo com a doutrina, não há razões para destrinçar a repercussão obrigatória de outras situações de repercussão de facto para efeitos da aferição da legitimidade processual do repercutido. Esta asserção é confirmada pelo Despacho Vapo Atlantic, do Tribunal de Justiça. A isto acresce a nova redação do artigo 2.º do CIEC (dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), através do qual o legislador tributário veio reconhecer que a repercussão de ISP/CSR sempre foi imposta pelo sistema jurídico no seu conjunto. Considerações reiteradas pela Requerente quando exerceu o contraditório relativamente às exceções arguidas pela Requerida.

 

Decidindo,

 

  1. A legitimidade é a qualidade de ser parte ativa ou passiva num procedimento ou processo tributários. Trata-se de um requisito cuja verificação condiciona a apreciação da questão de fundo e não de uma condição de procedência do pedido. Razão pela qual, nesta fase, se atende à configuração da relação jurídica tal como alegada pelo autor, sem cuidar de saber se o direito invocado efetivamente existe na sua esfera jurídica [Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. I, 2006, p. 120 (anotação ao art. 9.º)].

 

  1. A lei tributária parte de um conceito amplo de legitimidade, que não coincide plenamente com a qualidade de sujeito ativo ou passivo na relação jurídica tributária, abrangendo a AT, os contribuintes, os substitutos, os responsáveis, outros obrigados tributários e “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (artigo 9.º, n.º 1 do CPPT). Neste sentido, estão abrangidos tantos quantos possam dizer-se afetados pelo que venha a ser decidido no procedimento ou processo tributários, ou seja, que tenham nele um interesse económico a defender (Rui Duarte Morais, Manual de procedimento e processo tributário, Almedina, 2012, p. 58). Por outro lado, o artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, embora privando quem suporte o imposto por repercussão legal da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária, estende ao repercutido legal as garantias dos contribuintes, concretamente o direito de reclamação, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Entende o Tribunal arbitral que, seja pela via do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, seja pela via do artigo 18.º, n.º 1, a) da LGT, a Requerente tem legitimidade processual para apresentar a presente ação. É certo que o CIEC não continha, até à entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, 30 de dezembro, uma norma semelhante à do artigo 37.º do CIVA, ou seja, uma norma que previsse expressamente o dever de incluir no preço a pagar pelo adquirente dos bens a importância de imposto liquidada pela AT ao sujeito passivo. Todavia, entende o Tribunal arbitral que a referência à “repercussão legal” inscrita no artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT terá de abranger todos aqueles casos em que a lei, direta ou indiretamente, faz assentar o regime jurídico do tributo num princípio de repercussão legal do imposto, ou seja, em que a lei pretende que a ablação patrimonial do imposto seja suportada, não pelo sujeito passivo, mas pelo titular da manifestação de capacidade contributiva que lhe dá causa.

 

  1. É o que sucede com a CSR, que, como dispõe o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, constitui “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo de combustíveis”. A manifestação de capacidade contributiva que dá causa à CSR – e que o legislador entendeu tributar – não é a introdução dos combustíveis no mercado, mas o próprio consumo de combustíveis por parte dos utilizadores da rede rodoviária nacional.

 

  1. A nova redação do artigo 2.º do CIEC, introduzida pelo artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, 30 de dezembro, limita-se a reconhecer abertamente aquilo que já resultava do regime jurídico dos IEC na versão anterior, ou seja, que o ISP e a (entretanto extinta) CSR assentam num princípio da repercussão legal.2

 

 

 

 

2 O artigo 2.º do CIEC tem agora a seguinte redação: “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. Conclusão para que já antes apontava o artigo 93.º-A do CIEC, que se refere abertamente ao “imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos suportado pelas empresas de transporte de mercadorias e de transporte coletivo de passageiros”. Apesar da controvérsia constitucional em torno das leis interpretativas em matéria fiscal, nem todas as leis a que o legislador atribua natureza interpretativa serão retroativas e, consequentemente, inconstitucionais. No acórdão n.º 121/2023, tirado em Plenário, o Tribunal Constitucional consolidou a distinção entre leis “genuinamente” interpretativas, que são aquelas que vêm fixar um do sentidos possíveis de uma norma controvertida e que, por isso, não frustram as legítimas expetativas dos contribuintes, e as leis “falsamente” interpretativas, ou seja, leis às quais o legislador atribui caráter interpretativo, mas que têm conteúdo inovador desfavorável para o contribuinte, que são proibidas à luz do artigo 103.º, n.º 3 da CRP.

 

 

  1. O alcance subjetivo do artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT encontra igualmente reconhecimento na doutrina jus tributária. Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa escreveu, ainda antes da alteração legislativa de que resultou a atual redação do artigo 2.º do CIEC:

 

Nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o do direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18º, nº 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face dos respetivos regimes legais, a lei exige o pagamentos dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende Tributar” [Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. I, 2006, p. 106 (anotação ao art. 9.º)].

 

  1. Também Sérgio Vasques pugna pela indistinção, para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo

54.º da LGT (“As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras”), entre a repercussão prevista para o IVA e a repercussão que vale para os impostos especiais sobre o consumo:

 

“O artigo 54.º, n.º 2 da LGT acrescenta ainda que as garantias dos contribuintes se aplicam também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, “na parte não incompatível com a natureza destas figuras”. A. Lima Guerreiro (2001), 254, observa a propósito que as normas de procedimento da LGT se aplicam à repercussão obrigatória que podemos dizer existir no contexto do IVA em virtude da obrigação geral da menção em factura, e a uma repercussão facultativa, que mais frequentemente encontramos na área dos impostos especiais sobre o consumo, taxas e contribuições. E, bem vistas as coisas, faltam razões para distinguir entre uma e outra modalidade de repercussão, quando está em jogo facultar defender o repercutido contra a exigência de tributo superior ao devido (...)” [Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2021, p. 402, nota n.º 35].

 

  1. Independentemente da leitura que se faça do artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, a legitimidade processual da Requerente resulta, também, do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT e do conceito amplo de legitimidade que aí se sufraga (Bruno Botelho Antunes, “Impugnação judicial em retenções na fonte – uma nova perspetiva sobre o interesse processual”, Fiscalidade, n.º 37, 2009, pp. 101-112). Ou seja, mesmo que se entenda que o regime jurídico da CSR não assenta num princípio de repercussão legal, há que reconhecer que o adquirente de combustíveis alega a

 

 

titularidade de um interesse legalmente protegido para efeitos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, podendo intervir no processo tributário nessa qualidade (cfr., neste sentido, o acórdão do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T, a decisão do CAAD de 08-11-2023, Processo n.º 294/2023-T). Isto independentemente da repercussão se achar provada nos autos, já que a questão da prova da repercussão será apreciada posteriormente, na matéria de facto e na fundamentação de direito.

 

  1. A Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT (ponto 127.º da Resposta).

 

  1. Mas não lhe assiste razão. A chamada legitimidade substancial ou substantiva tem que ver com a efetividade da relação jurídica material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido e não uma condição para a apreciação do mérito.

 

  1. Neste sentido, a legitimidade substantiva só pode ser analisada em função dos factos que sejam dados como provados ou não provados, ou seja, aquando da apreciação do mérito do pedido, não consubstanciando, em coerência, uma exceção perentória (cfr. acórdão do CAAD de 14-05-2024, referente ao Processo n.º 790/2023-T).

 

  1. O que vem de dizer-se é extensível à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis, a que a Requerida se refere no ponto 121.º da Resposta. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral quanto ao fundo e que não integra, em si, uma qualquer exceção, nem dilatória, nem perentória.

 

III – Matéria de facto

 

  1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

a)Factos provados

 

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, construção civil e obras públicas, comercialização de materiais de construção, exploração, extracção e lavagem de inertes, prestação de serviços com máquinas e aluguer das mesmas e de outros equipamentos para a construção, recolha, tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos, valorização de resíduos não metálicos, aluguer e manutenção de veículos automóveis ligeiros sem condutor, aluguer e manutenção de outras máquinas e equipamentos (cf. Documento n.º 01 junto com o PPA)
  2. No período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu à   B...,  S.A.  e  à   C..., LDA. um total de 1 780 204, 89 litros de gasóleo (dos quais 1 726 203, 89 litros à primeira e 5400 litros à segunda) – cf. os quadros sob os documentos n.ºs 02 a 05 e as faturas que constam dos documentos n.ºs 03 a 103, todos juntos com o PPA).
  3. Nem a C..., LDA., nem a B..., S.A foram sujeitos passivos de ISP/CSR, não tendo procedido à introdução no consumo do combustível a que se reportam as faturas juntas aos autos.
  4. Em 14-06-2023, a Requerente apresentou, perante as Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, referentes ao período de maio de 2019 a dezembro de 2022, invocando que o encargo tributário da CSR foi repercutido na sua esfera jurídica pelos respetivos fornecedores (cf. Documentos n.ºs 104 a 107 juntos com o PPA).
  5. A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa até 12-01-2024, data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

b)Factos não provados

 

  1. Não ficou provado que os fornecedores de combustível da Requerente tenham apresentado à AT as declarações de introdução no consumo (DIC) nos períodos a que se reportam as faturas juntas com o PPA, nem ficou demonstrado que tenham sido emitidas quaisquer liquidações de

 

 

CSR relativamente às vendas que efetuaram. Tão-pouco se considera provado que o valor da CSR tenha sido repercutido sobre a Requerente, pelas razões seguidamente enunciadas.

 

c)Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

  1. Os factos dos pontos A, B, D e E resultam da prova documental junta aos autos, mormente dos documentos n.ºs 02 a 05, 06 a 103 e 104 a 107. O facto subjacente ao ponto C foi alegado pela Requerida (pontos 5.º, 6.º, 7.º, 113.º e 206.º da Resposta), não tendo sido contraditado pela Requerente em intervenção processual posterior. Relativamente à B..., S.A., apesar de a AT admitir que esta dispôs, em abstrato, do estatuto de Depositário Autorizado e/ou Destinatário Registado até 07-10-2020, a B..., S.A., em comunicação com data de 06-01-2025, esclareceu que não foi sujeito passivo de ISP/CSR no que respeita ao combustível adquirido pela Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022.

 

  1. A repercussão de um imposto não se presume mesmo quando seja legalmente exigida a incorporação do imposto no preço de venda dos bens (repercussão legal), ou mesmo que, habitualmente, no domínio do comércio, o imposto seja parcial ou totalmente repercutido. A repercussão de um imposto – obrigatória ou não – é uma questão de facto, sobre a qual não recai qualquer presunção nem em benefício da AT nem em benefício dos contribuintes. Neste sentido, para o Tribunal de Justiça, a repercussão tributária é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado, mormente a sua elasticidade ou inelasticidade (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44; Weber’s Wine, processo C-147/01, §96).

 

  1. Ora, não sendo os fornecedores de combustível sujeitos passivos de CSR, desconhece-se a quem terão adquirido o combustível que forneceram à Requerente e se terão suportado CSR nessa aquisição (cf., neste sentido, Processo n.º 410/2023-T, acórdão do CAAD com data de 13-11-2023). Nestas condições, o Tribunal não considera provado que o valor da CSR tenha sido repercutido sobre a Requerente. O Tribunal arbitral entende que as faturas, isoladamente consideradas, não permitem formar uma convicção segura da ocorrência de repercussão e dos seus exatos termos, a que se junta a comunicação da B..., S.A , de 06-01-2025, onde esta entidade nega ter repercutido o encargo da CSR sobre a Requerente.

 

As declarações do gerente e representante da Requerente, Senhor D..., também não permitiram ao Tribunal arbitral formar convicção distinta. Nessas

 

 

declarações, o Representante esclareceu, com interesse para os autos, que o preço de combustível adquirido à B..., S.A é por esta fixado numa base semanal, e que a Requerente não tem possibilidade de negociar o preço oferecido por essa entidade. Quanto combustível adquirido à C..., LDA., o Representante explicou que a Requerente solicitava um determinado número de litros de combustível que aquela entidade fornecia a um determinado preço, que também poderia variar semanalmente. O que em si mesmo não prova nem a ocorrência nem a não ocorrência de repercussão.

 

Apesar de ter adiantado que, antes da apresentação do pedido de revisão oficiosa, encetou contactos com os agentes comerciais com ligação às entidades fornecedoras e que estes lhe terão confirmado que pagaram a CSR e outros impostos ao Estado e depois os repercutiram sobre a Requerente, o Senhor D... não soube esclarecer se tais entidades são responsáveis pela introdução do combustível no consumo.

 

IV – Fundamentação de direito

 

  1. Da ilegalidade das liquidações: a questão da violação do Direito da União

 

  1. A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.

 

  1. Na processo de reenvio prejudicial que originou o Despacho Vapo Atlantic, processo C- 460/21, o Tribunal de Justiça foi chamado a responder à seguinte questão: “O artigo 1.°, n.º 2, da Diretiva [2008/118], e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objetivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afetada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?”.

 

  1. Entendeu o Tribunal de Justiça que a resposta à questão prejudicial poderia ser claramente deduzida da jurisprudência ou não suscitava qualquer dúvida razoável, pelo que estariam verificados os pressupostos para que pudesse pronunciar-se através de Despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. O que aconteceu, em termos que o Tribunal arbitral sintetiza da seguinte forma (§§ 20-36):

 

 

 

  1. A Diretiva 2008/118/CE não se opõe a que os Estados-membros estabeleçam outras imposições indiretas para além do imposto especial sobre o consumo mínimo. Mister é que tais imposições, no sentido de não entravar as trocas comerciais, sejam cobradas por “motivos específicos” e sejam conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto (artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva).
  2. O facto de um imposto ter uma finalidade orçamental não obsta a que possa ter uma finalidade específica na aceção da Diretiva. Mas a existência de um motivo ou finalidade específicos pressupõe que se possa estabelecer, a partir do regime jurídico do tributo, uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.
  3. A alocação da receita do tributo ao financiamento de atribuições administrativas, em particular a adjudicação da receita da CSR ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional, constitui um elemento relevante, ainda que insuficiente, para que se logre identificar um motivo específico.
  4. Para que se considere que a imposição indireta prossegue efetivamente uma finalidade específica, mormente de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, é necessário que o produto desse imposto seja obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais associados à utilização da rede rodoviária nacional. O que não acontece com a CSR, cuja receita se destina, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Acresce que a estrutura da CSR, nomeadamente a matéria coletável ou a taxa de tributação, não espelha, em termos suficientemente precisos, o propósito de reduzir a sinistralidade, dissuadir os sujeitos passivos do tributo de utilizarem a rede rodoviária nacional ou incentivar a adoção de comportamentos menos nocivos para o ambiente.
  5. A CSR tem uma finalidade puramente orçamental, na aceção da Diretiva 2008/118/CE.

 

  1. É certo que, em sede de reenvio prejudicial de interpretação, o Tribunal de Justiça se limita a esclarecer o modo como devem ser interpretadas as disposições de Direito da União (originário ou derivado) pertinentes para a resolução do caso concreto, não se debruçando sobre a questão principal do processo, que é reduto de competência do órgão jurisdicional nacional.

 

  1. Contudo, no Despacho analisado, o Tribunal de Justiça afirma claramente que as finalidades específicas apontadas pela AT – a redução da sinistralidade e a sustentabilidade ambiental – não se mostram suficientemente respaldadas na estrutura do tributo, em termos de matéria coletável ou da taxa de tributação aplicável. Esta asserção não é infirmada pelo que eventualmente resulte do clausulado do contrato de concessão da rede rodoviária nacional, ao

 

 

contrário do que sugere a Requerida. O Tribunal de Justiça é muito claro no sentido de que não se prova uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa só porque a entidade a quem está legalmente alocada a respetiva receita assumiu compromissos no âmbito da redução da sinistralidade ou da proteção do ambiente. Não tendo sido alegados elementos que permitam chegar a outra conclusão, entende o Tribunal arbitral que a CSR é uma imposição indireta que não prossegue um motivo específico na aceção da Diretiva 2008/118/CE.

 

  1. O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que os Estados-membros estão, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados por um Estado-membro em violação do Direito da União. Esta obrigação conhece apenas uma exceção, reiterada no Despacho Vapo Atlantic: um Estado-membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da UE quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por pessoa diferente do sujeito passivo e que o reembolso do imposto implicaria um enriquecimento sem causa deste último (Despacho Vapo Atlantic, §39-42; acórdão Weber’s Wine, processo C-147/01, §93-94).

 

  1. Como se adiantou supra, a repercussão tributária – legal, ou não – é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado, mormente a sua elasticidade ou inelasticidade (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44; Weber’s Wine, processo C-147/01, §96).

 

  1. Mesmo quando se prove a ocorrência de repercussão, a restituição do imposto ao sujeito passivo não consubstancia necessariamente um enriquecimento sem causa, porquanto o sujeito passivo pode sofrer prejuízos associados à diminuição das suas vendas, por comparação com produtos sucedâneos não sujeitos a idêntica imposição. A circunstância de a lei prever a repercussão não dispensa a AT ou o particular (consoante os casos) de demonstrar que essa repercussão ocorreu, cabendo a decisão ao órgão jurisdicional nacional decidir, a partir da livre apreciação dos elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44).

 

  1. Acontece que, no presente caso, e pelas razões expostas supra, o Tribunal arbitral não deu como provada a repercussão da CSR sobre a Requerente. Na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão, não tem a Requerente direito à restituição do imposto, pelo que o pedido arbitral se mostra improcedente.

 

b)Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

 

  1. Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V-Decisão

O Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções dilatórias e perentórias invocadas pela AT;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados;
  3. Julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor da causa: € 197.602,74, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas: Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa- se o montante das custas em € 3.672,00, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

CAAD, 18 de fevereiro de 2025

 

Os Árbitros

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente do Tribunal arbitral, com declaração de voto)

 

 

 

Marta Vicente (Árbitro Adjunto e Relatora)

 

 

 

 

Raquel Franco

(Árbitro Adjunto, com declaração de voto)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Acompanho a decisão deste Tribunal Arbitral quanto à verificação de competência material para apreciar a legalidade de actos de liquidação de CSR e quanto à improcedência do pedido por falta de prova da repercussão na esfera da Requerente do encargo daquele imposto. Porém, com a devida vénia, considero que o Tribunal Arbitral devia ter julgado procedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade processual activa, ineptidão da petição inicial e caducidade parcial do direito de acção, absolvendo-se consequentemente a Requerida

da instância, com as demais consequências legais.

Remeto, quanto a cada uma das excepções, para os fundamentos vertidos nos acórdãos arbitrais que integrei, no âmbito dos processos n.ºs 467/2023-T, 736/2023-T, 848/2023-T, 989/2023-T, 1062/2023-T, 76/2024-T, 110/2024-T, 121/2024-T, 167/2024-T, 185/2024-T,

240/2024-T, 292/2024-T e 329/2024-T, bem como para os argumentos constantes dos votos de vencido por mim lavrados nos processos arbitrais n.ºs 491/2023-T e 978/2023-T que, mutatis mutandis, dou aqui por reproduzidos.

 

CAAD, 18 de fevereiro de 2025

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Acompanho o sentido final da decisão, mas teria adotado fundamentos diferentes dos que foram adotados pelo Tribunal, desde logo porque considero verificada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, por entender que existem motivos para se considerar a CSR como contribuição financeira e não como imposto e, adicionalmente, por considerar que os tributos que se enquadram nesta última categoria se encontram excluídos do âmbito material da competência dos tribunais constituídos junto do CAAD. Por outro lado, estou de acordo com a decisão do Tribunal relativamente à questão da legitimidade processual da Requerente e demais exceções apreciadas.

 

 

 

CAAD, 18 de fevereiro de 2025

 

(Raquel Franco)