Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jónatas Machado
e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-12-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., doravante abreviadamente designado por (“A...” ou “REQUERENTE”), Instituição Particular de Solidariedade Social (“IPSS”) com o número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., números ... a ..., ...-... Lisboa apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista à apreciação da legalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e sua anulação na parte referente à derrama estadual e taxa geral de IRC de 21% respeitante ao período de tributação de 2021.
A Requerente pede ainda reembolso da quantia de € 623.270,06, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-10-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 22-11-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 10-12-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 30-01-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é um sujeito passivo de IRC que assume a forma de associação mutualista;
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A Requerente criou uma caixa económica anexa com personalidade jurídica e estatutos próprios, a B..., S.A. (B...), destinada a auxiliar a realização dos objetivos da Requerente, nomeadamente;
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Na rede de balcões do B... foram criados postos de atendimento especializados para associados do Requerente;
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Estes postos de atendimento especializados localizam-se, quer no continente, quer nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (“RAA” e “RAM”, respetivamente);
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Em 06-06-2022, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC (“Declaração Modelo 22”), com número de identificação...-... -..., referente ao período de tributação de 2021, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Com base nos montantes vertidos naquela declaração, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 134.160.001,57 e uma colecta total no montante de € 18.931.480,24 (a qual se subdivide em (i) imposto à taxa normal de 21% no montante de € 8.452.080,10, e (ii) derrama estadual no montante de € 10.479.400,14);
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Naquela declaração modelo 22 referem-se ainda, além do mais, os seguintes valores:
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A colecta de IRC da Requerente foi integralmente sujeita à taxa geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC (i.e., 21%), tendo sido devida igualmente derrama estadual sobre o lucro tributável apurado;
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Foram gerados rendimentos pelo Requerente nas regiões autónomas de Açores e Madeira decorrentes das modalidades mutualistas comercializadas através dos balcões do B...;
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O modelo oficial da declaração Modelo 22 tinha campos para apuramento de “Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores” (campo 350) e apuramento de “Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira” (campo 370), mas não tinha campos para indicar separadamente as derramas nacional e regionais, dispondo apenas de um único campo para declaração conjunta do valor de todas as derramas (campo 373 e instruções de preenchimento);
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Em 2021, a Requerente tinha sede e direcção efectiva no território continental português;
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Em 06-06-2024, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação, nos termos que constam do documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, defendeu que a repartição do seu volume de negócios é a que consta do quadro que segue:
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Nessa reclamação graciosa, a requerimento defendeu que o lucro tributável devia ser apurado em função da proporção do volume de negócios gerado em cada região, nos termos do quadro que segue:
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A reclamação graciosa teve o n.º ...2024... e foi indeferida por despacho de 23-07-2024, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, que manifesta concordância com uma Informação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
2. A reclamante vem lançar mão do presente meio administrativo de reação, tendo em vista:
i) a correção da autoliquidação acima identificada, no que concerne à derrama estadual indevidamente suportada sobre o lucro tributável alocado as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
ii) a restituição do montante de€ 623.270,06, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.
3. A fundamentar o seu pedido, a reclamante alega, em síntese, que:
- o volume de negócios, referente ao exercício de 2021, encontra-se repartido pelo Continente e pelas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, devendo o respetivo lucro tributável ser apurado em função da proporção do volume de negócios gerado em cada Região;
- atendendo à alocação do seu lucro tributável, pelos três territórios referidos, em função do volume de negócios de cada circunscrição, o lucro tributável imputável ao Continente deveria ser sujeito à taxa de IRC prevista para o Continente e a derrama estadual, ao passo que o lucro tributável imputável às Regiões Autónomas deveria ser sujeito às taxas de IRC previstas para cada Região e a derrama regional;
- aquando do preenchimento da declaração modelo 22 de IRC foi-lhe impossibilitado sujeitar o lucro tributável imputável às Regiões Autónomas a derrama regional;
- a atividade desenvolvida pelo B... através da instalação dos seus balcões nas Regiões Autónomas revela-se crucial para efeitos do escopo social da reclamante, encontrando-se, por isso, preenchidos os critérios necessários para a classificação de um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas;
- configurando a sua atividade um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas, são-lhe aplicáveis as taxas reduzidas de IRC e as derramas regionais previstas para as Regiões Autónomas;
- o seu entendimento tem vindo a ser secundado consistentemente pela jurisprudência (no seu requerimento, a reclamante identifica e transcreve vários Acórdãos que, no seu entendimento, suportam a sua posição).
(...)
6.1. Com referência ao período de tributação de 2021, a reclamante apresentou, em 6/06/2022, a declaração modelo 22, onde indicou, a título de: i) lucro tributável, o valor de € 134.160.001,57; ii) derrama estadual, o valor de €10.479.400,14.
6.2. Posteriormente (em 12/09/2022), a AT emitiu a respetiva liquidação de IRC, com o nº 2022
2910543661, onde manteve o valor referente à derrama estadual calculado pela reclamante.
6.3. Vem a requerente, com os argumentos apontados resumidamente no § 1, manifestar a sua discordância com o valor da derrama estadual apurado, relativamente ao exercício de 2021.
(...)
§ IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO
7. Está em causa, na presente reclamação, aferir se um sujeito passivo sedeado no Continente e titular de instalações nas Regiões Autónomas está sujeito a derrama regional por referência à proporção do lucro tributável imputável a cada uma das referidas circunscrições territoriais.
8. O problema colocado pela reclamante remete-nos, assim, para a temática do poder tributário das Regiões Autónomas.
9. Segundo a CRP, as Regiões Autónomas exercem "poder tributário próprio, nos termos da lei", tendo ainda o poder de "adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República", dispondo "nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado" (cf. artigo 227.º n.º 1 alíneas i) e j) da CRP).
10. Resulta, assim, que as Regiões Autónomas dispõem de um poder tributário de adaptação, um poder tributário próprio e um direito a determinadas receitas.
11. Devendo tais poderes ser exercidos em obediência ao princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais, previsto na alínea a) do artigo 55.° da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) e do princípio da suficiência (cf. artigo 55.° alínea f) da LFRA), entre outros.
12. Quanto ao poder de criação de impostos regionais, dispõe o artigo 57.° n° 1 da LFRA que aquele deve ser exercido em matérias não sujeitas à incidência efetiva ou potencial de impostos de âmbito nacional, que não funcionem como obstáculo ao comércio com o território nacional.
13. No artigo 57. º nº 3 da LFRA exemplificam-se as espécies de tributos que podem ser criados pelas Regiões Autónomas.
14. O reconhecimento de especificidades regionais levou também a que se previsse, na CRP e depois na lei, a possibilidade de adaptação dos impostos nacionais à condição especial das Regiões Autónomas.
15. Esta matéria encontra-se regulada na LFRA, nela se começando por identificar os princípios gerais a que deve obedecer a adaptação (artigo 52.º), procedendo-se depois a uma atribuição especificada de competências (artigo 59.º).
16. Assim, as regiões autónomas têm poderes de adaptação em três áreas distintas: (i) diminuição das taxas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), IRC, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC); (ii) concessão de deduções à coleta; (iii) e concessão de benefícios fiscais.
17. O poder de adaptação regional do sistema fiscal nacional tem, no entanto, limites, quer de ordem interna, atento o valor superior das normas fiscais nacionais, quer de ordem comunitária, designadamente o regime comunitário das ajudas de Estado.
18. Com efeito, as regiões não poderão exercer o seu direito tributário próprio legislando contra as leis gerais de tributação, seja revogando-as, seja introduzindo-lhes alterações, nos seus elementos essenciais.
19. A Assembleia da República dispõe de um poder não partilhado nem limitado para a produção de normas fiscais que vigorarão em todo o espaço nacional.
20. Citando Saldanha Sanches, "o poder tributário das Regiões está, pois, limitado a um direito constitucionalmente atribuído sobre os impostos cobrados na Região, à criação de novos impostos relacionadas com um interesse específico das regiões, se esse novo imposto tiver alguma razão de ser que possa considerar-se extraída de alguma particularidade existente no território das Regiões, e à adaptação não derrogatória do sistema fiscal nacional (sem a possibilidade de esta lei fiscal vir a revogar ou derrogar as leis gerais da República em matéria fiscal)".
21. Sobre o conteúdo possível de tal poder tributário regional, designadamente quanto a saber se as Regiões Autónomas podiam vir a ter o poder de alterar o sistema fiscal da República (extinguindo ou modificando um imposto), pronunciou-se o Tribunal Constitucional em sentido negativo, referindo que o poder tributário regional "se reporta unicamente à eventualidade de criar impostos regionais, não abrangendo a possibilidade de introduzir alterações ou fazer adaptações aos impostos gerais, nos seus elementos essenciais" .
2. A propósito do direito das Regiões Autónomas às receitas fiscais, dispõe o art.º 24.º da LFRA que "(. ..) as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas os impostos que devam pertencer-lhes, (. ..), bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei"
23. De entre as receitas que pertencem às Regiões Autónomas, a LFRA dá-nos, entre outros, os casos do IRS devido por pessoas singulares residentes em cada região (artigo 25.º), o IRC devido por pessoas coletivas com sede nas regiões ou sede no Continente e instalações nas Regiões (artigo 26.º), o IVA devido pelas operações realizadas em cada região (artigo 29.%), os impostos especiais de consumo cobrados sobre os produtos tributáveis que nas regiões sejam introduzidos no consumo.
24. A forma de apuramento das receitas fiscais das Regiões Autónomas encontra-se disciplinada na referida lei, que, no que toca ao IRC devido por pessoas coletivas com sede no Continente e instalações nas Regiões, dispõe que o seu apuramento se faz por referência à proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício (artigo 26.º nºs 2 e 3 da LFRA).
25. Ora, no âmbito da possibilidade de adaptação dos impostos nacionais à condição especial das Regiões Autónomas, a Região Autónoma da Madeira aprovou a denominada derrama regional através do Decreto Legislativo Regional n° 14/2010/M, de 5/08, que publicou o orçamento retificativo da Região Autónoma da Madeira para o ano de 2010.
26. Apesar de se tratar de uma medida orçamental de carácter excecional, a derrama regional tem vindo a ser anualmente prorrogada, com sucessivas alterações ao nível da base e taxas de incidência.
27. Assim, em consonância, os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.° do Decreto Legislativo Regional n" 14/2010/M, de 5/08, na redação à data dos factos, determinou que:
"Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n. 0 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n. 0 212013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:
(..)
2-O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda € 1 500 000:
a) Quando superior a€7500 000 e até € 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a€6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda € 7500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5%;
b) Quando superior a €365 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euros) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2, 1%, outra, igual a € 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5%, e outra igual ao lucro tributável que exceda € 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3 %."
28. Por sua vez, o nº 1 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional nº 21/2016/A, onde o legislador define a incidência da derrama regional dos Açores, dispõe o seguinte:
"Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte (...)":
29. Estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas.
30. Exposto sucintamente o enquadramento geral da matéria em apreço, estamos em condições de apreciar se há fundamento para a posição da reclamante, segundo a qual a proporção do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas deve estar sujeita à derrama regional e não à derrama estadual.
31. Parece-nos aqui que, na base deste entendimento, reside uma clara confusão entre dois planos completamente distintos, o plano da incidência do imposto e o plano do apuramento das receitas fiscais pertencentes às Regiões Autónomas.
32. A incidência da derrama estadual encontra-se prevista no artigo 87,-A do CIRC, sendo nesta norma que se encontram previstos os pressupostos de que cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.
33. Por conseguinte, determina quem são, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação de imposto, qual a matéria coletável, isto é, a riqueza, os valores económicos, sobre que recai a tributação, qual a taxa do imposto e qual o facto gerador que, reunindo os pressupostos tributários, permitirá que nasça uma obrigação de imposto.
34. Já no que toca à derrama regional, esta apenas se aplica a:
a) Residentes nas Regiões Autónomas;
b) Não residentes com estabelecimento estável nas Regiões Autónomas.
35. Ora, conforme se referiu anteriormente, a reclamante tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.º e seguintes do CIRC.
36. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto n"° 1 do artigo 87.ºA do CIRC se encontra preenchido, estando, por isso, a reclamante obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.
37. De maneira que, no caso dos autos, se a reclamante, no período de tributação de 2021, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontrava-se necessariamente sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.%-A do CIRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.
38. Refira-se, por um lado, que este entendimento está de acordo com o teor da Informação nº 1945/2016, da Direção de Serviços do IRC, sobre a qual foi exarado despacho, datado de 9102/2017, da (à data) Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento.
39. Por outro lado, em sentido semelhante ao aqui defendido, veja-se a decisão do CAAD, de 08104/2015, vertida no processo nº 611/2014-T, na qual se conclui que: "(.. .) [a] questão de fundo consiste em saber se os sujeitos passivos de IRC com sede em Portugal Continental e atividade na Região Autónoma dos Açores têm o rendimento submetido à incidência da Derrama Estadual prevista pelo CIRC (. ..) Note-se que adotar diferente entendimento quanto à derrama estadual seria inclusivamente violador do principio da solidariedade nacional. Como se sabe a derrama estadual faz parle conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da divida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento, que consubstancia as linhas de entendimento entre a República Portuguesa, o Fundo Monetário internacional e Instituições da União Europeia. O principio da solidariedade nacional implica necessariamente a contribuição das Regiões Autónomas para o cumprimento dos objetivos de política económica a que o Estado Português esteja vinculado por força dos tratados da União Europeia e de acordos internacionais específicos. A vigência da derrama nas regiões autónomas é inclusivamente uma exigência de solidariedade nacional, ainda que de algum modo adaptada aos seus circunstancialismos próprios, como optou por fazer a Região Autónoma da Madeira. Se a RAA preferiu não adaptar o sistema nacional só se pode entender que não pretendeu introduzir alterações ao regime geral.
No caso concreto a Requerente, que tem sede em Portugal, exerceu atividade sujeita a tributação em IRC e fez a sua autoliquidação. Está por isso sujeita às taxas e regras de liquidação expressas no IRC independentemente do local onde a sua atividade tenha sido exercida. Não oferece por isso qualquer crítica a liquidação impugnada feita pela A T. (...)". (sublinhado nosso)
40. Em suma, visto que a reclamante tem sede em Portugal Continental, preenche claramente o requisito de incidência subjetiva previsto no artigo 87.º-A do CIRC.
41. Concluindo-se pela legalidade da derrama estadual apurada e consequentemente pela legalidade do ato tributário reclamado, não se afigura de atribuir juros indemnizatórios à reclamante, nos termos do artigo 43.°, n.º 1, da LGT.
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Em 06-06-2024, a Requerente pagou a quantia liquidada (processo administrativo, páginas 63 e 66);
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A Requerente era a principal accionista do B..., sendo detentora da quase totalidade do seu capital social;
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Em 02-10-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provou que os valores de repartição do volume de negócios da Requerente entre o Continente e as Regiões Autónomas sejam os indicados pela Requerente.
Como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, dos documentos apresentados pela Requerente apenas o n.º 2 se afigura ter sido extraído da sua contabilidade, mas dele não é possível apurar a identificação dos postos de atendimento nas regiões autónomas e sua actividade, nem os descritivos permitem apurar os critérios utilizados para determinar o lucro tributável apurado com referência às regiões autónomas, distinguindo-o do lucro tributável apurado com referência ao continente.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e com base em afirmações da Requerente cuja correspondência à realidade não foi posta em causa.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto considerada provada.
3. Matéria de direito
3.1. Questões que são objecto do processo e posições das Partes
A Requerente é uma associação mutualista que tem sede no Continente e exerce actividade sujeita a IRC através de instalações do B..., situadas no Continente e nas Regiões Autónomas de Açores e Madeira.
A Requerente apresentou a declaração modelo 22 relativa ao ano de 2021, em que autoliquidou IRC à taxa de 21% e derrama estadual, prevista no artigo 87.º-A do CIRC.
A Requerente defende que exerce a sua a sua actividade nas regiões autónomas de Açores e Madeira através de estabelecimentos estáveis, pelo que não devia ter sido aplicada a taxa de IRC 21% prevista no CIRC e a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC à totalidade do lucro tributável, devendo aplicar-se ao lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira as respectivas taxas de IRC e derramas regionais, previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro, no Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto.
A Requerente diz ter feito a autoliquidação nesses termos pelo facto de o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitir outra forma forma de declaração, quanto à derrama estadual, impondo que a toda a matéria tributável seja aplicado o regime da derrama estadual.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, apenas se pronunciou sobre a questão da derrama estadual, defendendo, em suma, que a Requerente tem a sua sede em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, pelo que se verifica o requisito de incidência subjetiva previsto n.º 1 do artigo 87.°-A do CIRC, estando, por isso, a obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão da reclamação graciosa dizendo ainda, em suma, que
– a Requerente não tem estabelecimentos estáveis nas Regiões Autónomas;
– relativamente às pessoas coletivas com sede em Portugal, no território continental, apenas beneficiam da redução de taxa de IRC, aquelas que possuam uma “representação permanente sem personalidade jurídica próprias” em mais de uma circunscrição, ou seja, em território da região autónoma e desde que, não integrem um Grupo de sociedades, tributado, por opção, pelo RETGS previsto no art.º 69.º do CIRC;M
– a Requerente não é residente nas regiões autónomas pelo que não se lhe pode aplicar a derrama regional.
Assim, as questões essenciais a apreciar são as de saber se, em vez da taxa de IRC prevista do artigo 87.º do CIRC e das taxas de derrama estadual prevista no artigo 87-º-A do CIRC, devem ser aplicadas as taxas reduzidas de IRC e derramas regionais às partes do lucro tributável gerado nas respectivas regiões autónomas de Açores e da Madeira.
O artigo 227.º, n.º 1, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 227.º
Poderes das regiões autónomas
1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:
(...)
i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República;
j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;
(...)
O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro), estabelece o seguinte:
Artigo 26.º
Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas
1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):
a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;
b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;
c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.
2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
Os artigos 87.º-A e 87.º do do CIRC estabelecem o seguinte, nas redacções vigentes em 2021, no que aqui interessa:
Artigo 87.º
Taxas
1 – A taxa do IRC é de 21%, exceto nos casos previstos nos números seguintes. (redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31-12)
Artigo 87.º-A
Derrama estadual
1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:
2- O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:
a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;
b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º
Relativamente ao IRC da Região Autónoma dos Açores, o Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro, na redacção do Decreto Legislativo Regional n.º 15-A/2021/A, de 31 de Maio, estabelecia o seguinte:
Artigo 5.º
IRC
1 - Às taxas nacionais do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, em vigor em cada ano, é aplicada uma redução de 30 %.
2 - A diminuição na taxa nacional aplica-se ao IRC:
a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável nos Açores;
b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição;
c) Retido, a título definitivo, os rendimentos gerados na Região Autónoma dos Açores, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional.
3 - O imposto devido nos termos da alínea b) do n.º 2 é determinado pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas nos Açores e o volume anual, total, de negócios do exercício.
4 - Na aplicação da alínea b), relativamente aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, o volume de negócios efectuado no estrangeiro será imputado à Região se o estabelecimento estável, onde se centraliza a escrita, se situar nos Açores.
No que concerne à derrama regional dos Açores, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 1.º
Derrama Regional
É criada a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e é aprovado o respetivo regime jurídico.
Artigo 2.º
Incidência
1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:
2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros):
a) Quando superior a (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) e até (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %;
b) Quando superior a (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual a (euro) 27.500.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 5,6 %.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.
Artigo 5.º
Disposições finais
1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2 - Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A do CIRC.
Relativamente à Região Autónoma da Madeira, o Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, na redacção do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa, sobre o IRC:
Artigo 2.º
Taxas
1 - A taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, para vigorar na Região Autónoma da Madeira é de 14,7 %.
2 - As taxas referidas no número anterior são aplicáveis aos sujeitos passivos do IRC que:
a) Tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira;
b) Tenham sede ou direcção efectiva noutra circunscrição e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria na Região Autónoma da Madeira;
c) Tenham sede ou direcção efectiva fora do território nacional e possuam estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira.
3 - Incluem-se na noção de representação permanente, um local, ou estaleiro de construção, de instalação ou de montagem e as actividades de coordenação, fiscalização e supervisão em conexão com os mesmos, se a sua duração ou a duração da obra ou da actividade exceder seis meses.
4 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, no caso dos estaleiros de construção, de fiscalização ou de montagem, o prazo aplica-se a cada estaleiro, individualmente, a partir da data de início de actividade, incluindo os trabalhos preparatórios, não sendo relevantes as interrupções voluntárias ou a empreitada ter sido encomendada a diversas pessoas ou ainda, as subempreitadas.
5 - No caso de sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial, que sejam qualificados como pequena ou média empresa ou empresa de pequena-média capitalização (Small Mid Cap), nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, a taxa de IRC aplicável aos primeiros 50 000 (euro) de matéria coletável é de 11,9 %, aplicando-se a taxa prevista no n.º 1 ao excedente.
6 - A aplicação da taxa prevista nos n.ºs 5 e 8, está sujeita às regras comunitárias para os auxílios de minimis definidas no Regulamento (CE) n.º 1998/2006, da Comissão, de 15 de dezembro. 7 - (Revogado.)
No que respeita à derrama regional da Madeira, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, foi republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de Dezembro:
Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma aprova as alterações ao regime jurídico da derrama regional, aprovado pelo artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, adaptando às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
Artigo 2.º
Derrama Regional
1 - Nos termos dos n.ºs 1 e 2 alínea b) do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, conjugado com os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a aprovação nos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e alterações posteriores do artigo 16.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, de 10 de janeiro, do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 42/2012/M, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 de dezembro, o regime da derrama regional passa a ter a seguinte redação:
A redacção do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M que resulta da republicação e vigorou em 2021 é a seguinte:
Artigo 4.º
Incidência
1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:
2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:
a)) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %;
b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3 %.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.
3.2. Poderes de adaptação do sistema fiscal atribuídos às Regiões Autónomas
Como decorre do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».
O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a «adaptação do sistema fiscal nacional», consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que «as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».
No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 31 de Dezembro, o Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2021-/A, de 17 de Outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime do IRC e da derrama estadual às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respectivas regiões autónomas.
Estas adaptações têm cobertura constitucional no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP que inclui nos poderes das regiões autónomas «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».
3.3. Questão da aplicação das taxas de IRC regionais
A Autoridade Tributária e Aduaneira não explica na decisão da reclamação graciosa as razões pelas quais não aceitou a pretensão da Requerente de aplicação das taxas de IRC reduzidas regionais, limitando-se a explicar os motivos pelos quais entende que não eram de aplicar as taxas das derramas regionais.
A Requerente tinha sede no Continente e desenvolvia a sua actividade sujeita a IRC através das instalações do B..., de que detinha a quase totalidade do capital.
Nas instalações do B..., tanto no Continente c nas Regiões Autónomas, foram criados postos de atendimento especializados para associados do Requerente.
3.3.1. Aplicabilidade da taxa reduzida de IRC da Madeira
Relativamente à Região Autónoma da Madeira a redução de taxa aplica-se a sujeitos passivos de IRC que «tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira» ou «tenham sede ou direcção efectiva noutra circunscrição e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria na Região Autónoma da Madeira» [artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro].
«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro).
Por isso, a Requerente tem sede «noutra circunscrição», o território do continente, para este efeito.
Por outro lado, as instalações do B..., que dispunham de postos de atendimento especializados para associados do Requerente, constituíam uma forma de representação permanente da Requerente na Região Autónoma da Madeira.
O facto de as instalações não serem directamente propriedade da Requerente, mas apenas indirectamente, por via da detenção da quase totalidade do capital social do B..., não afasta a efectiva titularidade de uma forma de representação permanente da Requerente.
Por isso, a Requerente enquadra-se na referida alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M.
Mas, com a extensão do conceito de «estabelecimento estável» operada lela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, através das alterações introduzidas no artigo 5.º do CIRC, passou a ser suficiente para assegurar a representação permanente relevante para efeitos de IRC a existência de uma instalação fixa que seja utilizada ou mantida por uma empresa quando essa empresa, ou outra com quem essa empresa esteja estreitamente relacionada, exercer uma atividade complementar que forme um conjunto coerente de atividades de natureza empresarial, no mesmo local ou em locais distintos do território português, quando a instalação constitua um estabelecimento estável dessa empresa ou de uma outra empresa com ela estreitamente relacionada (n.º 9 do artigo 5.º).
Nos termos do n.º 10 do mesma artigo 5.º do CIRC, «uma empresa considera-se estreitamente relacionada com outra empresa quando, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, uma delas controle a outra ou ambas estejam sob o controlo das mesmas pessoas ou entidades, e, em qualquer caso, quando uma delas detenha, direta ou indiretamente, mais de 50 % do total dos direitos de voto e do valor das partes de capital ou dos direitos ou participações efetivas nos capitais próprios da outra ou quando uma outra pessoa ou entidade detenha, direta ou indiretamente, mais de 50 % dos direitos de voto e do valor das partes de capital ou dos direitos ou participações efetivas nos capitais próprios de ambas as empresas».
No caso em apreço, as instalações do B..., «estreitamente relacionadas» com a Requerente inserem-se no conceito de «estabelecimento estável» da Requerente, pois a comercialização dos produtos financeiros da Requerente é uma atividade complementar da Requerente, que os cria, que forma com esta um conjunto coerente de atividades de natureza empresarial.
Por isso, a situação da Requerente, para além de se enquadrar na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, é abrangida também pela alínea a) do mesmo número que se refere aos sujeitos passivos que «tenham ... estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira».
É, indiferente, para este efeito, que a Requerente não resida no estrangeiro, como vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, ao considerar «não residentes», a este efeito, todos os sujeitos passivos que não residem na região autónoma, quer residam no estrangeiro quer em outra parte do território nacional: «o conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)». ( [1] )
Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [2] )
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.
Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma Madeira, as razões que justificaram a criação de taxas reduzidas de IRC («favorecer o investimento produtivo contribuindo para a correcção das assimetrias de distribuição de rendimento resultantes da insularidade e para a melhoria das condições de vida dos seus residentes» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.
Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.
De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma da Madeira, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do CC). ( [3] )
E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu, no sentido de não serem relevantes apenas estabelecimentos estáveis de entidades residentes no estrangeiro.
Assim, quanto ao lucro tributável gerado por actividades na Região Autónoma da Madeira, a Requerente tem direito à redução de taxa de IRC regional.
3.3.2. Aplicabilidade da taxa reduzida de IRC dos Açores
Relativamente à Região Autónoma dos Açores, os requisitos previstos no Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro, na redacção do Decreto Legislativo Regional n.º 15-A/2021/A, de 31 de Maio, para aplicação da taxa reduzida são idênticos aos exigidos para aplicação da taxa regional da Madeira.
Na verdade, também quanto aos Açores têm direito à aplicação da taxa reduzida «pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável nos Açores» e «pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição» (artigo 5.º, alíneas a) e b) do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A).
Pelo que se disse no ponto anterior, a situação da Requerente enquadra-se em qualquer destas alíneas.
Por outro lado, também em relação aos Açores valem as razões da aplicação das taxas reduzidas, designadamente melhorar «a competitividade e criação de emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos incontornáveis da insularidade» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 6 de Março)
Assim, quanto ao lucro tributável gerado por actividades na Região Autónoma dos Açores, a Requerente tem direito à redução de taxa de IRC regional.
3.4. Aplicabilidade das derramas regionais
É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general).
A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto ( [4] ).
Está ínsito na possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.
Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua decisão, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais.
Por isso, apenas o eventual não enquadramento da situação da Requerente nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC.
Para enquadramento da situação nas hipóteses normativas das derramas regionais é necessário que elas tenham residência na respectiva região autónoma ou aí tenham estabelecimento estável.
No caso em apreço, são pontos assentes, pelo que se disse relativamente às taxas reduzidas de IRC, que a Requerente não tem residência fiscal em qualquer das regiões autónomas, mas desenvolve aí as suas actividades através de instalações (postos de atendimento especializados para associados do Requerente) que se enquadram no conceito de «estabelecimento estável», definido no artigo 5.º do CIRC, inclusivamente por serem também estabelecimento estável de uma entidade estreitamente relacionada enquadrável nos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo 5.º..
3.4.1. Questão da aplicação da derrama regional da Madeira
Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas) refere na sua alínea b) as «pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição».
«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
É manifesto que a situação da Requerente se enquadra nesta norma, pois, em 2021:
– tinha sede em território português;
– possuía estabelecimentos estáveis (à face do preceituado nos n.ºs 9 e 10 do artigo 5.º do CIRC) em mais de uma circunscrição, designadamente no continente e em ambas as regiões autónomas.
Por isso, conclui-se que à Requerente era aplicável a derrama regional da Madeira e não a derrama estadual, relativamente aos rendimentos obtidos nesta Região Autónoma.
3.4.2. Questão da aplicação da derrama regional dos Açores
No que concerne à derrama regional dos Açores, aplica-se, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
A Requerente não era residente na Região Autónoma dos Açores, mas tinha nela instalações enquadráveis no conceito de estabelecimento estável, definido no artigo 5.º do CIRC (instalações fixas consubstanciadas em postos de atendimento especializados para associados do Requerente), que são também estabelecimento estável de uma entidade estreitamente relacionada, nos termos dos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo.
Como já se referiu, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo o regime aplica-se a «sujeitos passivos não residentes» quer sejam não residentes em território nacional ou a não residentes no território da Região Autónoma dos Açores.
Por outro lado, também neste caso, as razões que justificou a criação de taxas reduzidas de derrama para entidades não residentes, que são a «promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.
Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.
De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma dos Açores, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do CC). ( [5] )
E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu.
Pelo exposto, também em relação à actividade das Requerentes nos Açores, era aplicável às Requerentes a respectiva derrama regional e não a derrama nacional.
3.4.3. Compatibilização das derramas regionais com a derrama estadual
Tendo a Requerente actividade no continente, a par das actividades nas regiões autónomas, desenvolvidas através de instalações qualificáveis como «estabelecimentos estáveis», torna-se necessário compatibilizar a aplicação das derramas.
Como se refere no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022-T, «quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região». Isto é, no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.
3.5. Conclusão
Do exposto, conclui-se que as autoliquidação efectuada pela Requerente e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa a confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC, do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro, na redacção do Decreto Legislativo Regional n.º 15-A/2021/A, de 31 de Maio, do artigo do Decreto Legislativo Regional n.º º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, na redacção do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de Dezembro, e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redacções do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.
Estes vícios justificam a anulação parcial da autoliquidação e a anulação da decisão da reclamação graciosa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Pedido de reembolso
A Requerente pede reembolso da quantia de € 623.270,06, que alega ser a diferença entre a aplicação das taxas de IRC e derramas nacionais e regionais.
Como se refere na fundamentação da decisão da matéria de facto, não foi apresentada prova que permita concluir que os valores dos volumes de negócios e os lucros tributáveis da Requerente gerados por actividades no Continente e em cada uma das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira sejam os indicados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
Assim, sendo certo que a Requerente tem direito a ser reembolsada de parte da quantia que pagou em excesso com referência à autoliquidação impugnada, tem de se concluir que não há no processo elementos que permitam quantificar o valor a reembolsar, pelo que a sua determinação terá de fazer-se em execução desta decisão arbitral, em conformidade com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Juros indemnizatórios
A Requerente pede juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento do imposto.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
A autoliquidação foi efectuada pela Requerente pelo que os erros que a afectam são imputáveis à Requerente e não à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por outro lado, a declaração modelo 22 disponibilizava os campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”) para declarar os rendimentos imputáveis às respectivas regiões autónomas, pelo que é imputável à Requerente não os ter utilizado para o efeito que pretendeu na reclamação graciosa e no presente processo.
No que concerne às derramas estadual e regionais, a declaração modelo 22 dispunha apenas de um único campo (373), com a designação “Derrama estadual (art.º 87.º-A)”, mas nas instruções de preenchimento da declaração modelo 22 refere-se que «este campo 373 também se destina a inscrever a derrama regional, no caso de sujeitos passivos com rendimentos imputáveis à Região Autónoma da Madeira (conforme Decreto, Legislativo Regional 14/2010/M, de 5 de agosto) e à Região Autónoma dos Açores (conforme Decreto Legislativo Regional 21/2016/A, de 17 de outubro)».
Por isso, a Requerente não estava impossibilitada de inserir neste campo 373 o valor de toas as derramas que considerava correcto.
Assim, quanto à autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente, direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
Mas, a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa, quando deveria ter deferido a pretensão da Requerente, quanto à aplicação das taxas regionais de IRC e derramas.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [6] )
Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 28-10-2009, proferido no processo n.º 601/09;
– de 18-11-2020, proferido no processo n.º 2342/12.3BELRS;
– de 28-04-2021, proferido no processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17;
– de 09-12-2021, proferido no processo n.º 1098/16.5BELRS;
– do Pleno de 29-06-2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB;
– de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS.
Nesta linha , o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos do Pleno de 29-06-2022 e de 22-11-2023, processo n.º 125/23.4BALSB, uniformizou jurisprudência sobre juros indemnizatórios nos casos de retenção na fonte impugnados através de reclamação graciosa, nestes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.”
Esta jurisprudência é transponível para os casos de reclamação graciosa de autoliquidação, quando não se está perante uma situação em que foram seguidas orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, enquadrável no n. 2 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 06-06-2024 e foi indeferida em 23-07-2024, dentro do prazo legal de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir de 24-07-2024, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia a reembolsar.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 24-07-2024 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente a autoliquidação de IRC plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC identificada com o n.º..., nas partes respeitantes à tributação dos rendimentos em IRC e derrama estadual, na medida em que no seu cálculo foi considerado o lucro tributável obtido pela Requerente com a actividade desenvolvida através das instalações situadas nas regiões autónomas de Açores e Madeira;
-
Anular a decisão da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução da presente decisão arbitral;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 5 desta decisão arbitral.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 623.270,06 indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 06-02-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Jónatas Machado)
(Jorge Bacelar Gouveia)
[1] Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 26-11-2008, processo n.º 0666/08, de 07-01-2009, processo n.º 0669/08, de 21-01-2009, processo n.º 0668/08, de 17-06-2009, processo n.º 0292/09, de 14-01-2015, processo n.º 058/14, e de 18-11-2020, processo n.º 0958/10.1BELRS.
[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.
[3] Segue-se de perto, adaptando a fundamentação, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-01-2009, processo n.º 0669/08.
[4] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, página 170; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, páginas 225-228.
[5] Segue-se de perto, adaptando a fundamentação, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-01-2009, processo n.º 0669/08.
( [6] ) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».