Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1049/2024-T
Data da decisão: 2025-02-05  IRC  
Valor do pedido: € 34.457,27
Tema: IRC - RFAI – atividade de transformação de produtos agrícolas.
Versão em PDF

Sumário

  1. A indústria transformadora de produtos agrícolas enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2, al. d) do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de Novembro de 2024, decide o seguinte:

 

  I.         Relatório

A... UNIPESSOAL, LDA., com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2022 2024 ... e 2024..., referente aos exercícios de 2019 e 2020, no montante total de 34.457,27 €.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 19 de setembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 26 de novembro de 2024.

Em 26 de novembro de 2024, a Requerida foi notificada para apresentação da sua resposta, não tendo apresentado resposta no prazo de 30 (trinta) dias previsto no artigo 17.º do RJAT.

Por despacho de 15 de janeiro de 2025, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas no prazo simultâneo de 10 (dez) dias, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão. As partes apresentaram alegações escritas no prazo concedido.

Posição da Requerente

A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:

  1. A Requerente iniciou a sua atividade em 05.03.2007, sendo uma sociedade que exerce como atividade a transformação e comercialização de produtos de carne (suína), estando enquadrada nos seguintes códigos de atividade: CAE Principal 10110 — Abate de Gado (Produção de carnes); CAE Secundário 1 46382 — Comércio por grosso de outros produtos alimentares, N.E.; e CAE Secundário 2 10130 — Fabricação de Produtos à base de carne; e CAE Secundário 3 46320 — Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne.
  2. A Requerente não atua no setor primário agrícola, nem produz nem comercializa animais vivos, é uma empresa que se dedica, essencialmente, à transformação e comercialização de produtos agrícolas.
  3. A Requerente compra a terceiros (matadouros) as matérias-primas em peças a granel (presas, cachaços, plumas, secretos, lombinhos, lagartos, entrecostos, toucinho, entremeadas, vãos, aparas...), seguindo-se o trabalho necessário à preparação da carne para depois ser vendida na forma de produtos transformados à base de carne de porco, onde se incluem, a título de exemplo o toucinho salgado, a entremeada salgada, os enchidos e os torresmos.
  4. O processo de transformação pode ser simplificado, através do corte, preparação para a embalagem e congelação (é o caso, por exemplo, dos entrecostos, vão e cachaços), ou, mais complexo, o que envolve várias etapas, e consiste, na maioria dos casos, em aparar os produtos, selecioná-los (só são selecionados os “montes mais altos”, salgá-los, deixá-los em maturação, em local apropriado, durante 3 a 4 semanas, retirá-los, cortá-los, lavá-los e, por fim, embalá-los e etiquetá-los.
  5. Após o aludido processo (de transformação) os ditos produtos são vendidos a terceiros (indústria hoteleira, armazenistas de produtos alimentares, talhos, restaurantes e pequenos estabelecimentos retalhistas licenciados para a venda destes produtos), quer no mercado interno, quer no mercado externo.
  6. A Requerente submeteu, em 11 de abril de 2015, um projeto de investimento, ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural (*PDR2020"), medida de apoio 3.3.1 — Investimento Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas, que visava a criação de uma nova unidade produtiva em ... .
  7. A Requerente realizou, nos exercícios de 2015 e 2016, investimentos para a criação da dita unidade produtiva, em ..., bem como para a obtenção de equipamentos essenciais ao desenvolvimento da atividade de transformação, tendo incorrido numa despesa total de €635.256,39 (seiscentos e trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e nove cêntimos).
  8. Tal projeto de investimento teve, assim, como objetivo: “(...) criar uma unidade de transformação e processamento de carnes de porco onde a empresa possa produzir alguns dos produtos que atualmente comercializa como mercadoria que adquire maioritariamente no mercado externo (Espanha) já totalmente processados, embalados e prontos a consumir. Com o projeto esses produtos passarão a ser  processados e embalados no país, substituindo importações e permitindo ganhos de produtividade e de competitividade, bem como o reforço de valorização interna da produção agropecuária.
  9. O investimento efetuado na nova unidade de produção, que ascendeu ao valor de €635.256,39 (seiscentos e trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e nove cêntimos) foi aplicado na obtenção de diversos materiais, como por exemplo: “Equipamentos produtivos de transformação, embalagem, congelação e refrigeração”; “Equipamentos de transporte, caixas isotérmicas, grupos de frio, cisternas de transporte e máquinas de colheira”, “Equipamento administrativo e mobiliário incluindo equipamento informático”; “Materiais - Edifícios e outras construções”.
  10. Por se tratar de uma operação inserida no contexto da necessidade de expandir a área de produção (designadamente, através da criação de uma nova unidade), considera a Requerente, como melhor se detalhará infra, que os aludidos investimentos são passíveis de se enquadrar no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (CRFAI).
  11. Neste âmbito, a Requerente deduziu à coleta, nos exercícios de 2019 e 2020, os valores de €20.351,38 (vinte mil trezentos e cinquenta e um euros e trinta e oito cêntimos) e de €9.903,33 (nove mil novecentos e três euros e trinta e três cêntimos).
  12. Defende a Requerente, que a questão que se coloca nos presentes autos subsume-se em saber se os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade (no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas), em particular a criação de uma nova unidade produtiva em ..., e outros ativos fixos tangíveis afetos à produção, essencialmente equipamento produtivos, tais como máquinas e equipamentos de transformação, embalagem, congelação e refrigeração, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI, podendo beneficiar da dedução à coleta de IRC do exercício de 2019 e de 2020, em face da interpretação do artigo 2.º e 22.º, do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, e demais legislação aplicável, bem como do quadro legislativo europeu relevante.
  13. Conforme resulta dos Relatórios de Inspeção Tributária juntos ao PPA, o fundamento das correções efetuadas pela AT, é apenas a alegada falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito setorial de aplicação do RFAI, por força do preceituado no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, por um lado, e do próprio n.º 1, do artigo 22.º, do CFI, que exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC,
  14. Não sendo invocada pela AT a falta de qualquer outro pressuposto para a aplicação do RFAI.
  15. Deste quadro legislativo, decorre que o RFAI tem aplicação a todas as empresas dos setores de atividade referidos no n.º 2, do artigo 2.º, do CFI, onde se inclui o da Requerente - o que não é causa de dissenso entre as partes —, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na Portaria 282/2014, de 30 de dezembro, exceto se existir uma exclusão por força das OAR ou do RGIC.
  16. Sustenta,  que a atividade da Requerente não se encontra excluída do benefício fiscal do RFAI, por força da aplicação da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, nem tampouco das OAR ou do RGIC
  17. Da alegada exclusão do benefício Fiscal do RFAI, por aplicação da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro 164/2022, de 06.10.2022; 98/2021-T, de 15.02.2022), que se debruçaram sobre esta matéria, a remissão do n.º 3, do artigo 2.º, do CFI para a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, tem por fim, apenas, a definição dos “códigos de atividade económica” (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior e não a definição dessas atividades, sendo esta a interpretação que resulta do teor expresso do citado artigo (2.º, n.º 3, do CFI), e a única possível, pois, não é constitucionalmente admissível, por Portaria, a definição do âmbito objetivo de benefícios, por ser uma matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 165.9, n.º 1, alínea 1) e 198.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
  18. Face ao disposto no n.º 5, do artigo 112.º, da CRP, “nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar.
  19. Em suma, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro ao excluir do seu campo de aplicação as atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas, entre outras, redunda numa inadmissível derrogação do regime instituído pelo CFI, designadamente pelo seu artigo 2.º, n.º 2, restringindo, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º, do CFI.
  20. Tal diploma, tem necessariamente como critério parametrizador, como fundamento e limite, o regime ínsito no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, não podendo o Governo, nas suas vestes de Administração, fazer tábua rasa do mesmo.
  21. Não colhe a posição da AT de que a atividade da Requerente se encontra excluída do âmbito de aplicação do RFAI em resultado da conjugação das disposições constantes do artigo 1.º e corpo do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.
  22. Com efeito, decorre do teor expresso da segunda parte do ponto (33) das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícolas e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, que estas não se aplicam à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações (relativas ao setor agrícola e florestal).
  23. Da leitura conjugada do preceituado nos aludidos artigos, é manifesto que à luz do parágrafo 10 (e da respetiva nota de rodapé 11) das OAR para 2014-2020 e dos parágrafos 33 e 168 das Orientações para Auxílios Estatais no Setor Agrícola, a atividade da Requerente de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ainda que estes continuem a ser considerados produtos agrícolas, de acordo com o Anexo | do TFUE, não se encontra excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR's, a que se refere a parte final do artigo 22.º do CFI, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições estabelecidas no RGIC (o Regulamento (UE) n.º 651/2014, previsto na alínea a), ou nas OAR, ou na seção em que se insere o aludido ponto 168 (das Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020), são permitidos os auxílios estatais.
  24. Não colhe o fundamento aduzido pela AT de que a atividade da Requerente de “transformação de produtos agrícolas”, por dar origem a produtos agrícolas enumerados no anexo | do Tratado, está excluída do âmbito das OAR's, e por isso, não está abrangida pelo benefício fiscal do RFAI,
  25. Da alegada exclusão do benefício Fiscal do RFAI, por aplicação do RGIC,  decorre que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja a exclusão não está aí prevista.
  26. Da leitura conjugada destas disposições resulta, claramente, que o RGIC só não permite a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, única e exclusivamente, nas situações indicadas no seu artigo 1.º, n.º 3, alínea c), pontos (i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou (ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários, situações essas, que não se apuram no caso dos autos e nem sequer foram alegadas pela a AT na sua fundamentação.
  27. Conclui a Requerente,  que a sua atividade se enquadra no artigo 2.º, n.º 2, do CFI e não se está perante “atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC”, para efeitos do artigo 22., n.º 1, do CFI. Nem tampouco pode a Portaria n.º 282/2014 afastar a aplicação de benefícios (in casu, RFAI) previsto(s) em diplomas de natureza legislativa. É  manifesto que as liquidações aqui sindicadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, sendo, assim, ilegais, por vício de lei, devendo ser anuladas.

 

Posição da Requerida

A Requerida não apresentou a sua Resposta, tendo em sede de alegações, sustentando o seguinte:

  1. A Requerente submeteu em 11/04/2015 um projeto de investimento ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), medida de apoio 3.3.1 – Investimento Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas (vide RIT e ponto 15. do PPA).
  2. Os fundos não reembolsáveis destinavam-se à criação de uma unidade produtiva ou, mais concretamente, uma unidade de transformação e processamento de carnes de porco.
  3. Com efeito, em momento algum a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram  a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove.
  4. E é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo.
  5. Ademais, assente-se que a prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade.
  6. Resulta claro que os regimes de auxílios com finalidade regional – entre os quais o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (doravante, RFAI), regulado nos artigos 22.º a 26.º do CFI –não só foram aprovados com base em regulamento comunitário.
  7. As atividades económicas ínsitas aos projetos de investimento que podem beneficiar de benefícios fiscais ao abrigo do CFI têm de respeitar não só as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (doravante, OAR) mas, igualmente, o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (doravante, RGIC).
  8. Ou seja, o legislador nacional cuidou de sublinhar muito bem a origem comunitária dos auxílios estatais em apreço.
  9. Finalmente, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI esclarece que os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades acima referidas são definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia.
  10. Resulta claro que a agricultura, nomeadamente a produção primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado, são atividades excluídas do âmbito de aplicação das OAR.
  11. Importa agora aprofundar as operações concretas que consubstanciam o «setor de atividade económica agricultura» referido no ponto 10 da OAR e explicitado na nota de rodapé 11.
  12. Na lista do anexo I do TFUE constam como produtos agrícolas os seguintes: Animais vivos (capítulo 1); Carnes e miudezas comestíveis (capítulo 2); e Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de molúsculos (capítulo 16).
  13. As atividades (CAE 10110 e 10130) do sujeito passivo e os produtos por este produzidos enquadram-se nos capítulos antes enunciados, pelo que concluímos que integram o conceito de transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola, enumerado no anexo I do Tratado.
  14. Em abono deste entendimento recupere-se o que a própria Requerente diz no ponto 10 da PPA: «A Requerente (…) é uma empresa que se dedica, essencialmente, à transformação e comercialização de produtos agrícolas».
  15. Mas para melhor fundamentar esta posição, faça-se referência ainda à informação vinculativa, emitida no âmbito do processo nº 2020 002028, PIV nº 17587, sancionado por despacho de 5 de agosto de 2020.
  16. A nota 11, inserida no ponto 10 da OAR, que diz que os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.
  17. Trata-se de uma remissão para uma comunicação da Comissão Europeia, pela qual são determinadas orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020 (doravante Orientações Agrícolas).
  18. Através destas Orientações Agrícolas, a Comissão prescreve, inequivocamente - vide parte I,  «2.2. âmbito de aplicação», alínea (20) -, que as mesmas se aplicam aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas.
  19. Sendo que na parte I, alínea (35), relativa a Definições (2.4. Definições), nos subpontos 3 e 11, densificam-se as noções de produto agrícola (16) e de transformação de produtos agrícolas (17) nos mesmos termos definidos no RGIC (als. 11 e 10 do RGIC, respetivamente).
  20. Comprovada a aplicabilidade das Orientações Agrícolas aos auxílios aos investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto que continue a ser agrícola,
  21. Atente-se à secção 1.1.1.4 das Orientações Agrícolas (pontos 165 a 173), Secção aplicável aos auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e a comercialização de produtos agrícolas, donde constam, entre outros aspetos, as condições de acesso aos auxílios ao investimento, as despesas elegíveis e não elegíveis e a intensidade do auxílio.
  22. Conclui-se que a eventual (in)compatibilidade dos auxílios estatais com o mercado interno da União só pode ser aferida ao abrigo da secção 1.1.1.4. das Orientações Agrícolas e não das OAR e/ou RGIC.
  23. Aliás, da consulta a casos relativos a auxílios de Estados constantes do sítio eletrónico da Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, é possível chegar a esta mesma conclusão.
  24. A título de exemplo, veja-se o Auxílio Estatal n.º SA.42407 (2015/N), ponto (69) (18) (2) e ainda, de forma mais elucidativa, o Auxílio de Estado n.º 55039 (2019/N) (19) (3).
  25. Assim, na transposição para a legislação nacional dos setores de atividades excluídos do âmbito de aplicação do RFAI, o legislador teve em consideração o disposto no RGIC e nas OAR, na parte aplicável aos auxílios com finalidade regional.
  26. Pelo que a remissão legal expressa - tanto no CFI como na portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro - para as OAR e para RGIC permite-nos concluir que o legislador quis, acima de tudo, no exercício das suas competências legislativas e regulamentares, cumprir plenamente todas as obrigações resultantes do espírito e da letra das OAR e do RGIC,
  27. Aliás, em consonância com o princípio do primado do Direito da União Europeia, constitucionalmente consagrado, e da interpretação do direito nacional em conformidade com as normas comunitárias.
  28. Conclui a Requerida, para efeitos fiscais, a Requerente enquadrou o seu projeto de investimento no Regime Fiscal  de Apoio ao Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI). O artigo 2.º, n.º 1 do CFI dispõe que o RFAI é um regime de auxílio com finalidade regional, nos termos do Regulamento de Isenção Geral por Categoria. O artigo 2.º, n.º 2 do CFI prescreve que os projetos de investimento devem respeitar o âmbito  setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR). Na secção «âmbito de aplicação e definições» da OAR, concretamente no ponto 10, é  assinalado que a Comissão aplicará os princípios estabelecidos na OAR, em todos os setores de atividade económica, exceto a agricultura, que está sujeita a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente a OAR. As atividades levadas a cabo pela Requerente enquadram-se nas definições de «produto agrícola» e «transformação de produtos agrícolas», previstas nas orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020. Orientações estas, sim, aplicáveis ao caso sub júdice para efeitos de aferição da (in)compatibilidade dos auxílios estatais em apreço com o mercado interno da União. Assim, não se provando os factos que, atento o direito em apreço, pudessem justificar a não liquidação de imposto, as correções efetuadas pelos SIT têm de se ter por legais.
  29. Termina a Requerida expressando que deve o presente PPA ser julgado improcedente por não provado, com as devidas consequências legais

 

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do IRC (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, e 2 do CPPT, a contar termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, no presentes autos todas com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2024, tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral sido deduzido em 17.09.2024, dentro do prazo de 90 (noventa) dias previsto nos normativos supra citados, pelo que o PPA é tempestivo

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos  Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:

  1. A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva realizada ao abrigo das ordens de serviço n.sº 012023...e 012023...emitidas para o ano de 2019 e 2020, o procedimento teve como objetivo verificar o cumprimento dos requisitos de que dependem os benefícios fiscais respeitantes ao período de tributação de 2019 RFAI.
  2. No âmbito do relatório de inspeção elaborado pelos STI, para o ano de 2019, resulta a seguinte conclusão e proposta de correção:

Conclui-se, relativamente à entidade em causa, verifica-se que cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante da transformação, integram os Capítulos 2 e 16 da Nomenclatura de Bruxelas, a que se refere o Anexo | do TFUE sendo, portanto, considerados produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do Regulamento UE n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC), pelo que as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo | do Tratado, encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar.

Em síntese, em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10) das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo | do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Do antes exposto, resulta ser de corrigir, no ano de 2019 o valor de € 20.351,38 de imposto (IRC), correspondente à dedução à coleta de IRC, incluída no valor de € 37.351,38, constante do campo 355 do Quadro 10 da DR M22 IRC.

Resumo das correções previstas:

IRC — RFAI — Atividade não Enquadrável (Art.º 22.º CFI e legislação conexa) correções às deduções à coleta (benefícios fiscais — RFAI) - € 20.351,38; Cfr. RIT, junto com o PA

  1. No âmbito do relatório de inspeção elaborado pelos STI, para o ano de 2020, resulta a seguinte conclusão e proposta de correção:

Conclui-se, relativamente à entidade em causa, verifica-se que cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante da transformação, integram os Capítulos 2 e 16 da Nomenclatura de Bruxelas, a que se refere o Anexo | do TFUE sendo, portanto, considerados produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do Regulamento UE n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC), pelo que as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo | do Tratado, encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar.

Em síntese, em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10) das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo | do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Do antes exposto, resulta ser de corrigir, no ano de 2020 o valor de € 9.903,33 de imposto (IRC), correspondente à dedução à coleta de IRC, incluída no valor de € 29.969,88, constante do campo 355 do Quadro 10 da DR M22 IRC.

Resumo das correções previstas:

IRC — RFAI — Atividade não Enquadrável (Art.º 22.º CFI e legislação conexa) correções às deduções à

coleta (benefícios fiscais — RFAI) - € 9.903,33; Cfr. RIT, junto com o PA

  1. O procedimento teve como objetivo verificar o cumprimento dos requisitos de que dependem os benefícios fiscais respeitantes ao período de tributação de 2019 (RFAI).
  2. A Requerente iniciou a sua atividade em 05.03.2007, sendo uma sociedade que exerce como atividade a transformação e comercialização de produtos de carne (suína), estando enquadrada nos seguintes códigos de atividade: CAE Principal 10110 — Abate de Gado (Produção de carnes); CAE Secundário 1 46382 — Comércio por grosso de outros produtos alimentares, N.E.; e CAE Secundário 2 10130 — Fabricação de Produtos à base de carne; e CAE Secundário 3 46320 — Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne. Cf. RIT
  3. A Requerente não atua no setor primário agrícola, nem produz nem comercializa animais vivos, é uma empresa que se dedica, essencialmente, à transformação e comercialização de produtos agrícolas. Cf. RIT
  4. A Requerente compra a terceiros (matadouros) as matérias-primas em peças a granel (presas, cachaços, plumas, secretos, lombinhos, lagartos, entrecostos, toucinho, entremeadas, vãos, aparas...), seguindo-se o trabalho necessário à preparação da carne para depois ser vendida na forma de produtos transformados à base de carne de porco, onde se incluem, a título de exemplo o toucinho salgado, a entremeada salgada, os enchidos e os torresmos. Cf. RIT
  5. O processo de transformação pode ser simplificado, através do corte, preparação para a embalagem e congelação (é o caso, por exemplo, dos entrecostos, vão e cachaços), ou, mais complexo, o que envolve várias etapas, e consiste, na maioria dos casos, em aparar os produtos, selecioná-los (só são selecionados os “montes mais altos”, salgá-los, deixá-los em maturação, em local apropriado, durante 3 a 4 semanas, retirá-los, cortá-los, lavá-los e, por fim, embalá-los e etiquetá-los. Cf. RIT
  6. Após o aludido processo (de transformação) os ditos produtos são vendidos a terceiros (indústria hoteleira, armazenistas de produtos alimentares, talhos, restaurantes e pequenos estabelecimentos retalhistas licenciados para a venda destes produtos), quer no mercado interno, quer no mercado externo. Cf. RIT
  7. A Requerente submeteu, em 11 de abril de 2015, um projeto de investimento, ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural (*PDR2020"), medida de apoio 3.3.1 — Investimento Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas, que visava a criação de uma nova unidade produtiva em ... . Cf. RIT
  8. A Requerente realizou, nos exercícios de 2015 e 2016, investimentos para a criação da dita unidade produtiva, em ..., bem como para a obtenção de equipamentos essenciais ao desenvolvimento da atividade de transformação, tendo incorrido numa despesa total de €635.256,39 (seiscentos e trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e nove cêntimos). Cf. RIT
  9. Tal projeto de investimento teve, assim, como objetivo: “(...) criar uma unidade de transformação e processamento de carnes de porco onde a empresa possa produzir alguns dos produtos que atualmente comercializa como mercadoria que adquire maioritariamente no mercado externo (Espanha) já totalmente processados, embalados e prontos a consumir. Com O projeto esses produtos passarão a ser processados e embalados no país, substituindo importações e permitindo ganhos de produtividade e de competitividade, bem como o reforço de valorização interna da produção agropecuária. Cf. RIT
  10. O investimento efetuado na nova unidade de produção, que ascendeu ao valor de €635.256,39 (seiscentos e trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e nove cêntimos) foi aplicado na obtenção de diversos materiais, como por exemplo: “Equipamentos produtivos de transformação, embalagem, congelação e refrigeração”; “Equipamentos de transporte, caixas isotérmicas, grupos de frio, cisternas de transporte e máquinas de colheira”, “Equipamento administrativo e mobiliário incluindo equipamento informático”; “Materiais - Edifícios e outras construções”). Cf. RIT
  11. Por se tratar de uma operação inserida no contexto da necessidade de expandir a área de produção (designadamente, através da criação de uma nova unidade), considera a Requerente, como melhor se detalhará infra, que os aludidos investimentos são passíveis de se enquadrar no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (CRFAI). Cf. RIT
  12. Neste âmbito, a Requerente deduziu à coleta, nos exercícios de 2019 e 2020, os valores de €20.351,38 (vinte mil trezentos e cinquenta e um euros e trinta e oito cêntimos) e de €9.903,33 (nove mil novecentos e três euros e trinta e três cêntimos). Cf. RIT
  13. A AT procedeu a correções em sede de IRC, para os anos de 2019 e 2020, tendo emitido os seguintes atos: Liquidação de IRC de 2019 n.º 2024 ..., de 17.06.2024; Demonstração de acerto de contas de 2019 n.º 2024..., de  19.06.2024; Demonstração de liquidação de juros de 2019 n.º 2024..., de  19.06.2024; Demonstração de liquidação de juros de 2019 n.º 2024 ..., de  19.06.2024; Liquidação de IRC de 2020 n.º 2024 ..., de 21.06.2024; Demonstração de acerto de contas de 2020 n.º 2024 ..., de 24.06.2024; Demonstração de liquidação de juros de 2020 n.º 2024 ..., de 24.06.2024; cfr. PA.
  14. Dos referidos atos tributários resultou um imposto a pagar no montante global de €34.457,27 (trinta e quatro mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e vinte sete cêntimos) – €23.440,44 (vinte e três mil, quatrocentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos), relativo ao exercício de 2019 e €11.016,83 (onze mil e dezasseis euros e oitenta e três cêntimos), referente ao exercício de 2020 –, ambos com data-limite de pagamento em 31 de agosto de 2024. cfr. PA.
  15. Em 27 de agosto de 2024, a Requerente procedeu ao pagamento do referido imposto. Cfr. documento n.º 3 do PPA.

 

2.           Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual. A questão a decidir é, pois, unicamente de direito.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Mérito

A questão a dirimir subsume-se, desta forma, em saber se os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade, em concreto afetos à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, correspondentes aos CAE 10110 e 10130, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI.

A Requerente, alega, em suma, que a questão que se coloca nos presentes autos subsume-se em saber se os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade (no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas), em particular a criação de uma nova unidade produtiva em ..., e outros ativos fixos tangíveis afetos à produção, essencialmente equipamento produtivos, tais como máquinas e equipamentos de transformação, embalagem, congelação e refrigeração, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI, podendo beneficiar da dedução à coleta de IRC do exercício de 2019 e de 2020, em face da interpretação do artigo 2.º e 22.º, do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, e demais legislação aplicável, bem como do quadro legislativo europeu relevante. Sustenta,  que a atividade da Requerente não se encontra excluída do benefício fiscal do RFAI, por força da aplicação da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, nem tampouco das OAR ou do RGIC

A Requerida, contra-alegou, as atividades (CAE 10110 e 10130) da Requente e os produtos por esta produzidos enquadram-se nos capítulos antes enunciados, pelo que concluímos que integram o conceito de transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola, enumerado no anexo I do Tratado. A agricultura, nomeadamente a produção primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado, são atividades excluídas do âmbito de aplicação das OAR. para efeitos fiscais, a Requerente enquadrou o seu projeto de investimento no Regime Fiscal  de Apoio ao Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI). O artigo 2.º, n.º 1 do CFI dispõe que o RFAI é um regime de auxílio com finalidade regional, nos termos do Regulamento de Isenção Geral por Categoria. O artigo 2.º, n.º 2 do CFI prescreve que os projetos de investimento devem respeitar o âmbito  setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR). Na secção «âmbito de aplicação e definições» da OAR, concretamente no ponto 10, é  assinalado que a Comissão aplicará os princípios estabelecidos na OAR, em todos os setores de atividade económica, exceto a agricultura, que está sujeita a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente a OAR. As atividades levadas a cabo pela Requerente enquadram-se nas definições de «produto agrícola» e «transformação de produtos agrícolas», previstas nas orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020. Orientações estas, sim, aplicáveis ao caso sub júdice para efeitos de aferição da (in)compatibilidade dos auxílios estatais em apreço com o mercado interno da União. Assim, não se provando os factos que, atento o direito em apreço, pudessem justificar a não liquidação de imposto, as correções efetuadas pelos SIT têm de se ter por legais.

Assim, passando a apreciar a questão suscitada, a de saber se os investimentos realizados pela Requerente no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, correspondente ao CAE 10110 e 10130, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI.

A Requerente efetuou investimentos relativos à sua atividade de transformação e comercialização de carnes, que se enquadra na CAE 10110 e 10130.

O fundamento das correções efetuadas pela AT é apenas a falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito sectorial de aplicação do RFAI, respetivamente resultam “as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo | do Tratado, encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar. Em síntese, em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10) das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo | do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. .” conforme consta do RIT e dos factos provados.

Não é invocada pela AT a falta de qualquer outro requisito para aplicação do RFAI.

Assim, a questão essencial que é objeto do presente processo é a de saber se a atividade da Requerente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas à base de carne se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, concretamente se este não deve ser aplicado por se tratar de atividade excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR.

Há, sobre esta questão, abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do CAAD proferidas nos processos números 187/2022-T, 43/2022-T, 827/2021-T, 333/2021-T, 273/2021-T, 142/2021-T, 495/2023-T, 750/2022-T, 642/2022-T, 220/2020-T, 273/2021-T, entre outras, que têm entendido que a indústria transformadora de produtos agrícolas enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2, al. d) do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.

Ora, o Código Fiscal ao Investimento no seu artigo 1.º refere:

1 - O Código Fiscal do Investimento, doravante designado por Código, estabelece:

a) O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo;

b) O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);

c) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II); e

d) O regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).

2 - O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014, e alterado pelo Regulamento (UE) 2021/1237, da Comissão, de 23 de julho de 2021, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 270/39, de 29 de julho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC). (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)

Por outro lado, o artigo 2.º do mesmo Código refere:

Artigo 2.º      

Âmbito objetivo

(…)

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2022-2027 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 153/1, de 29 de abril de 2021, e no -RGIC: (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior. (sublinhado e negrito nosso)

O 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), estabelece que:

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

(…)

Por fim, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que define os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes a várias atividades, dispõe que:

(…)

Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

Assim:

Manda o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e da Economia, ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Código, o seguinte:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

(…)

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

(…)

Da leitura e articulação do acima exposto, resulta claro que este quadro normativo surgiu para assegurar a conformidade com o quadro legal europeu aplicável em matéria de auxílios de estado – o qual não pode nunca olvidar as normas/regulamentos que os regulam, já que os mesmos revestem, na sua essência, instrumentos de execução do normativo europeu. Aliás, o que se confirma pelas remissões efetuadas pelo artigo 22.º do CFI para as limitações impostas pelo âmbito setorial das Orientações sobre Auxílios de Estado Regionais (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Assim, por forma a obter-se uma correta execução do normativo europeu em matéria de auxílios de estado, deverá ser efetuada uma análise de acordo com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), do RGIC e, por último, das OAR.

Ora, o RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014), no âmbito do seu artigo 2.º, refere:

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

(…)

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.o 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

Por outro lado, as OAR declaram certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, assumindo particular importância o § 10 que afasta do seu campo de aplicação, entre outros, os auxílios ao setor da agricultura, com a justificação de que:

“estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações”,

Explicitando a nota de rodapé (11) que os auxílios à agricultura cobrem:

“Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”

Acresce que nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:

Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

Assim, resulta claro desta segunda parte do ponto acima (33), que as OAR não se aplicam aos auxílios da produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.

Ora, o ponto 168 das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:

Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a)Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;

(b)Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

(c)As condições estabelecidas na presente secção.

Ora, de tudo o exposto conclui-se, assim, à luz do acima exposto, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente a atividade de preparação e transformação dos produtos de carne e enchidos, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC, ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

Pelo exposto, não colhe o argumento que fundamenta a exclusão da aplicação do RFAI que foi invocado pela Requerida ao referir as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo | do Tratado, encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar”.

Desta forma, é de concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao ter como pressuposto o entendimento de que a atividade principal da Requerente de produção de transformação e comercialização de produtos a base de carne não era elegível para efeitos de RFAI.

 

Quanto ao reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Conforme resulta da factualidade a Requerente efetuou o pagamento das liquidações impugnadas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.

No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei imputável à AT, que efetuou as liquidações.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, na parte procedente.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data de pagamento até reembolso das quantias pagas.

 

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral no que concerne à ilegalidade das correções respeitantes ao imposto de IRC dos anos 2019 e 2020, com a consequente anulação das respetivas liquidações e juros compensatórios;
  2. E nestes termos condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

VI.         Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de 34.457,27 € (trinta e quatro mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e vinte sete cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.       Custas

Custas no montante de 1.836,00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2025

O árbitro,

 

 

 

Paulo Ferreira Alves