Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 433/2024-T
Data da decisão: 2025-01-17  Selo  
Valor do pedido: € 498.083,39
Tema: Imposto do Selo. Incidência territorial. Pressupostos de isenção previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
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SUMÁRIO:

  1. O facto tributável previsto na verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é a concessão de crédito a qualquer título.
  2. O crédito concedido e utilizado ao abrigo de um contrato de cash pooling por uma entidade residente em Portugal a uma entidade sem residência ou estabelecimento estável em território nacional está territorialmente abrangida pela verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
  3. A norma contida no nº 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, era contrária ao Direito da União Europeia, na parte em que excetuava da exclusão da isenção apenas as operações de crédito em que o credor tinha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigorasse uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, e não as situações em que o devedor estava nessas circunstâncias, pelo que os atos de liquidação praticados ao abrigo de tal norma são ilegais;
  4. Em caso de autoliquidação, seguida de reclamação graciosa que vem a ser objeto de indeferimento, e de subsequente anulação da liquidação em processo de impugnação, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede no …, … Lisboa, apresentou, em 27.03.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º- A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração da ilegalidade:

  1. Da decisão da reclamação graciosa das liquidações de Imposto do Selo refletidas nas declarações mensais n.º …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, referentes aos períodos mensais de julho de 2021 a agosto de 2023;
  2. Das liquidações de imposto objeto da reclamação graciosa referida em I).

 

É Requerida no pedido a Autoridade Tributária.

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram designados os árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins (árbitro presidente), Nina Aguiar (árbitro adjunto relator) e Carla Rocha da Cruz (árbitro adjunto), para integrarem o coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14.06.2024.

Por despacho do tribunal de 14.06.24, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que aquela fez em 01.09.2024.

Por despacho de 11.09.2024, o Tribunal Arbitral comunicou a sua decisão de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como a de dispensar alegações finais.

Em 24.09.2024, a Requerente requereu que fosse dada às Partes a possibilidade de apresentar alegações escritas por, no seu entender, a Autoridade Tributária ter, na sua resposta, suscitado questões novas sobre as quais a Requerente entendia dever poder pronunciar-se.

Em resposta, o Tribunal proferiu despacho, em 03.12.2024, a conceder às Partes prazo para apresentarem alegações escritas, o que ambas as Partes fizeram em 17.12.2024.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

O processo não enferma de vícios que causem a sua nulidade.

 

III – POSIÇÃO DAS PARTES

  1. Da Requerente
  • Nas operações de crédito, como a que se aprecia nos autos, o facto tributário que determina a incidência de imposto do selo é a efetiva utilização do crédito por parte do beneficiário, considerado, nos termos do CIS, o titular do interesse económico correspondente (cf. artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do CIS);
  • Por outro lado, nos termos do artigo 4.º do CIS, “1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional”;
  • Estando em causa a concessão de crédito no quadro de uma relação de cash pooling, em princípio, apenas deveria ser tributada a utilização de fundos consumada em território nacional, o que não se verifica no caso em apreço;
  • Considerando que a receção e utilização dos fundos ocorre integralmente fora de Portugal (mais concretamente, em França), forçoso será concluir que não se mostra preenchido um dos requisitos para sujeição a imposto do selo, por falta de conexão com o território nacional;
  • Ainda que se assim não entenda, o que se admite por mero dever de patrocínio, sempre teria a Requerente direito a beneficiar da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por integral verificação dos pressupostos legais para o efeito;
  • Relativamente aos períodos de imposto de julho de 2021 a junho de 2022, vigorava a versão anterior do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, pela qual ficavam abrangidas pela isenção os empréstimos por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;
  • Relativamente aos períodos de imposto de julho de 2022 a agosto de 2023, vigora a nova versão do mesmo artigo, pela qual ficavam abrangidas pela isenção os empréstimos por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;
  • A B… e a Requerente integram o mesmo grupo, em pleno cumprimento do critério previsto na parte final do artigo 7.º, n.º 1, alínea h) e n.º 8, ambos do CIS;
  • Na versão anterior a 2022 do n.º 2 do artigo 7º do CIS, resultava da lei a impossibilidade de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, alínea h) do CIS, uma vez que sendo a Requerente o credor (residente em território nacional), não seria, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, aplicável a isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS;
  • O disposto no n.º 2 do artigo 7.º, na redação em vigor até julho de 2022, tinha um carácter manifestamente discriminatório, já que, em relação ao mesmo objeto, circunscrevia (e limitava) a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) à residência fiscal do credor.
  • Dali resultando uma frontal restrição à liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º do TFUE, uma vez que, em relação ao mesmo financiamento intragrupo, as diferentes entidades do Grupo C… são objeto de um tratamento fiscal distinto, consoante a posição credora ou devedora de cada uma, no caso concreto;
  • Quanto ao requisito exigido pela AT de prova da proveniência dos fundos, a Requerente não pode concordar com a exigência de prova feita pela AT, porquanto a mesma mantém um caracter manifestamente discriminatório, já que, caso ambas as entidades se encontrassem sediadas em território nacional, tal prova não seria exigida, bastando-se a aplicação da isenção com o cumprimento dos requisitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
  • Mas em todo o caso, os montantes canalizados para o cash pooling não têm origem em financiamentos obtidos junto de “instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”.

 

  1. Da Requerida

Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:

  1. Quanto à incidência territorial do imposto
  • Atendendo à factualidade assente, não há quaisquer dúvidas que os empréstimos em causa foram concedidos em Portugal apesar do destinatário dos mesmos ter residência fora deste território, pelo que, competia à Requerente, enquanto entidade concedente do crédito e sujeito passivo do imposto, liquidar, cobrar e entregar nos cofres do Estado o imposto repercutido à B…, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, da alínea g) do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 9.º, do n.º 1 do artigo 22.º, do n.º 1 do artigo 23.º, dos artigos 41.° e 43.° e do n.º 1 do artigo 44.º, todos do CIS;
  • Não se retira da conjugação das regras de incidência objetiva, previstas na verba 17.1 da TGIS, nem da territorial previstas no artigo 4.º do CIS, em especial do seu n.º 1, ou até da alínea b) do seu n.º 2, que o legislador tenha alguma vez desejado que o crédito concedido por uma entidade com residência em território nacional a favor de uma entidade não residente, constituíssem operações financeiras não sujeitas a Imposto do Selo pelo simples facto de esta última ter o seu domicílio fiscal no estrangeiro;
  • Se acolhêssemos o entendimento da Requerente distinguindo, para efeitos de sujeição, os fluxos financeiros (concessão/utilização de crédito) realizados exclusivamente entre entidades com sede ou direção efetiva em território nacional e entre estas e entidades com sede ou direção efetiva no estrangeiro estaríamos a discriminar fiscalmente umas em favor de outras, ofendendo o princípio da igualdade de tratamento, da capacidade contributiva e a provocar, por essa via, uma distorção da concorrência, desconsiderando o princípio da neutralidade fiscal;
  • Efetivamente, perante fluxos financeiros materialmente idênticos aos aqui contestados, as pessoas residentes e beneficiárias de crédito estariam sempre sujeitas ao pagamento de Imposto do Selo, ao passo que as não residentes e beneficiárias de crédito, como no presente caso, não estariam sequer sujeitas, independentemente do local de utilização efetiva desses fundos, que poderia até ocorrer em território nacional;
  • Numa situação destas a Requerente conseguiria, a final, obter um tratamento fiscal mais favorável do que o dispensado a outras empresas que praticassem o mesmo tipo de operações financeiras, o que não se compagina com o disposto no CIS, que não discrimina para efeitos de tributação entre entidades residentes e entidades não residentes que realizem operações financeiras que preencham o campo de incidência do Imposto do Selo;
  • É assim de rejeitar liminarmente, por total falta de qualquer aderência à realidade justributária que brota do CIS, o entendimento expresso pela Requerente, porquanto introduz uma discriminação em matéria de tributação dos créditos concedidos em Portugal em função da sede do utilizador ou do local onde o mesmo é supostamente utilizado.
  • Ao que vem dito acresce que, em sítio nenhum a Requerente prova que o crédito obtido pela B… é, efetivamente, e em todas as situações, utilizado fora de Portugal;
  • Aliás, diga-se de passagem, que essa situação, num contrato de cash pooling, afigura-se bastante improvável de acontecer dada a natureza fungível do dinheiro;
  • De onde se conclui que a pretensão da Requerente – isto é, de que não há sujeição a Imposto do Selo quando a sociedade devedora do crédito concedido em Portugal está sedeada em França e esses mesmos créditos são (alegadamente) utilizados fora de território nacional –, não pode proceder;
  • O facto de apenas haver lugar a tributação quando o crédito concedido for utilizado, que resulta da verba 17.1 da TGIS, não obsta ao entendimento do legislador, e que está também presente no citado acórdão do STA, de que as “operações financeiras” que se pretendem tributar são as de concessão de crédito, mas que apenas se consideram concretizadas no momento em que o crédito concedido é utilizado;
  • Isto é, o facto tributário a que se referem as verbas que compõem a verba 17.1 da TGIS é constituído pela “utilização de crédito (...) em virtude da concessão de crédito”. Ou seja, o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, sendo esta a operação financeira que é objeto de incidência no âmbito de todas as situações previstas na verba 17 da TGIS;
  • Por essa razão a utilização do crédito não pode ser nunca dissociada da sua concessão, nem do local onde o mesmo é concedido, como pretende fazer querer Requerente.

 

  1. Quanto à aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7º, n.º 1, al. h)
  • O legislador condicionou a isenção estabelecida no artigo 7.º, nº 1, al. h) do CIS ao disposto no n.º 8 do mesmo artigo, que estabelecia que: «8 - Sem prejuízo do estabelecido nos n.os 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto;”
  • A estes [preceitos] acrescem, na medida em que contribuem para a delimitação espacial desta norma de isenção, os pressupostos previstos nos n.ºs 2 e 3 do mencionado preceito, pelo que importa ter presente a sua redação: «2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional. 3 - O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. (…).»;
  • Sucede que, durante parte do período de imposto que aqui se reivindica, a redação do n.º 2 do artigo 7.º foi alterada através da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, estabelecendo atualmente o seguinte: «2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.»;
  • Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos citados, conclui-se que o benefício da isenção, prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, depende cumulativamente do preenchimento dos seguintes pressupostos materiais:

(i) Do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso que não deve ultrapassar um ano;

(ii) Da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento; isto é, os empréstimos deverão ser concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (“cash pooling”);

(iii) Da relação societária existente entre as sociedades participantes no contrato de gestão centralizada de tesouraria; isto é, os empréstimos terem sido efetuados em benefício de entidade com a qual a entidade concedente se encontre em relação de domínio ou de grupo.

(iv) Da verificação das limitações espaciais impostas pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.

  • Sucede que, nesta situação, consideramos que a Requerente apenas demonstra a existência do contrato de gestão centralizada de tesouraria, no caso o «“Centralised Cash Management Agreement” (Contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria)», e a relação de domínio ou de grupo;
  • Quanto ao prazo da operação financeira, apesar de afirmar que em sede de reclamação graciosa esta matéria não foi contestada pela AT, consideramos que, apesar do esforço da Requerente para o fazer, nada se encontra cabalmente provado;
  • É certo que o que se exige é que os capitais sejam emprestados por prazo não superior a um ano, independentemente do que figure no contrato. Ou seja, relativamente a este pressuposto, há que apurar relativamente a cada operação financeira, quer a data de utilização do crédito em virtude da sua concessão, quer a data do respetivo reembolso; em termos práticos, por cada exfluxo financeiro terá que existir o correspondente influxo, sendo que este deve ser realizado no prazo máximo de um ano;
  • Contudo, e desde logo, constata-se que o contrato foi celebrado por tempo indeterminado –cf. cláusula 6.1 do «Centralised Cash Management Agreement” (Contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria)», o que, por si só, constitui forte indício de que os empréstimos tendencialmente perdurarão por mais de um ano;
  • Da análise dos extratos contabilísticos com os movimentos consolidados das contas #25310000 e #25320000, não é possível extrair qualquer conclusão clara quanto ao prazo de permanência dos valores que integram o saldo inicial das contas nem dos valores entrados/saídos durante cada ano naquele período;
  • O facto da Requerente assinalar nas contas #25310000 e #25320000 o total amortizado e o saldo acumulado do ano anterior não significam que os montantes concretamente mutuados em cada operação financeira tenham sido integralmente pagos antes de decorrido um ano sobre o seu empréstimo;
  • Por outro lado, colocamos em dúvida a asserção que a Requerente faz a ponto 128.º e ss. da sua PI, onde diz que “partindo de um princípio FIFO (First in, First out), é possível demonstrar que, em todos os meses, partindo de uma posição acumulada credora, o aumento dos empréstimos obtidos excede o montante do saldo acumulado referente ao mês anterior conforme se ilustra na tabela abaixo.”;
  • Ou seja, para a Requerente o critério de valorimetria FIFO é o único viável para a determinação do prazo do contrato;
  • Porém, para sustentar aquela afirmação seria fundamental que o critério de imputação que a Requerente afirma ter usado na determinação do prazo da utilização do crédito concedido fosse comprovado. Isto é, que no contrato estivesse expressamente estabelecido que os reembolsos são obrigatoriamente imputáveis aos saldos de maior antiguidade, porquanto é consabido que a fungibilidade dos valores mutuados num contrato de cash pooling tanto permite a aplicação do critério FIFO, como do critério LIFO, como, até, uma distribuição dos reembolsos proporcional aos saldos das utilizações;
  • É à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo;
  • Tendo em conta que a Requerente não logrou apresentar elementos de prova que corroborassem as alegações vertidas no seu pedido de pronúncia, ónus que sobre si impendia, ao abrigo do n.º 1 do art. 74.º da LGT, tal facto necessariamente terá de ser valorado contra si, em obediência aliás ao art.º 414.º do Cód. Proc. Civil, nos termos do qual “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”;
  • Ante o exposto, não resulta inequivocamente claro, que o crédito foi concedido por um período inferior a um ano, pressuposto cuja falta se torna determinante para interpretação e aplicação da norma de isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, fazendo-a soçobrar;

 

  1. Quanto à alegada desconformidade com o Direito Europeu (na redação em vigor até julho de 2022) – por violação da liberdade de estabelecimento e da liberdade de circulação de capitais.
  • A proibição estabelecida no 49.º do TFUE não é absoluta, pois logo de seguida o legislador vem admitir que “as disposições do presente capítulo não são aplicáveis às atividades que, num Estado membro, estejam ligadas, mesmo ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública” (cf. n.º 1 do artigo 50.º do TFUE); e que “as disposições do presente capítulo e as medidas tomadas em sua execução não prejudicam a aplicabilidade das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, que prevejam um regime especial para os estrangeiros e sejam justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública” (cf. n.º 1 do artigo 51.º do TFUE);
  • Decorre daqui que não se pode considerar que tenha havido qualquer constrangimento fiscal, ou qualquer outro, à liberdade de estabelecimento da B …  em território nacional, concretizada com a aquisição da Requerente, na medida em que esta detém a concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil, um serviço manifestamente de ordem pública, segurança pública e saúde pública, dotado nos termos da lei de poderes e prerrogativas de autoridade, conforme estabelece o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de dezembro;
  • Consideramos inexistir qualquer desconformidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, quando afasta do beneficio da isenção os empréstimos concedidos pela Requerente, sedeada em Portugal, em favor da B… , sedeada em França, com a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, porquanto, face à atividade de ordem pública exercida pela Requerente em consequência da concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil que detém, ela não só não é proibida como é expressamente admitida pelo n.º 1 do artigo 50.º do Tratado;
  • Acresce que, como já se disse, o CIS não discrimina para efeitos de tributação entre entidades residentes e entidades não residentes que realizem operações financeiras que preencham o campo de incidência do Imposto do Selo;
  • Com efeito, no que respeita ao modo de determinação da matéria coletável e taxa aplicável às operações financeiras, o CIS equipara-as, não estabelecendo qualquer diferença de tratamento entre elas, garantindo as mesmas condições fiscais entre fluxos financeiros realizados entre entidades residentes, entre entidades não residentes e residentes e entre estas e entidades não residentes, como sucede no presente caso.
  • A invocada diferença de tratamento no acesso à isenção, estabelecida do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, não constitui uma restrição nem uma discriminação no acesso à isenção, porquanto a limitação estabelecida n.º 2 do artigo 7.º do CIS só se aplica ao Imposto do Selo incidente sobre empréstimos realizados entre sociedades. É o que decorre da sua conjugação com a alínea h) do n.º 1 e o n.º 8 do mesmo preceito legal;
  • Logo, estando restringida a tributação a fluxos financeiros realizados entre sociedades, o Imposto do Selo suportado sobre o mesmo é normalmente dedutível pelas empresas que o suportaram;
  • Significa isto que uma liquidação de Imposto do Selo efetuada sobre um crédito concedido, como o do caso sub judice, pode ser neutralizada pela devedora/mutuária ao abrigo de uma norma equivalente à do n.º 1 do artigo 23.º do nosso CIRC;
  • Só se estaria perante uma situação suscetível de constituir uma violação da livre circulação de capitais se o Imposto do Selo devido em Portugal pela obtenção do crédito não pudesse ser neutralizado pela B…, entidade gestora/mutuária, ao abrigo das leis francesas;
  • No caso concreto, impendia sobre a Requerente, de acordo com as regras do ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, demonstrar que o Imposto do Selo repercutido à B… pela utilização de crédito concedido em Portugal, não era dedutível ao abrigo das leis fiscais francesas, nomeadamente as que regulam o imposto sobre as sociedades equivalente ao nosso IRC;
  • A Requerente tampouco faz prova de que o Imposto do Selo em causa não se qualifica para efeitos de dedutibilidade, não permitindo por isso a sua eliminação ou atenuação;

 

  1. Quanto à necessidade de prova da origem dos fundos
  • Conforme previsto na segunda parte do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, no qual se estabelece “(…) salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”, nas situações em que o credor é residente no estrangeiro e o devedor residente em Portugal, o direito à isenção só subsiste se ficar provado que os fundos transferidos para a sociedade residente neste território não foram previamente obtidos por recurso a financiamento “bancário”;
  • E é precisamente isto que se diz no ponto 65 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, “que compete à Reclamante provar que a linha de crédito disponibilizada, através da conta da entidade centralizadora não tem origem em fluxos financeiros exteriores ao grupo, sendo, pois, necessário especificar a origem desses fluxos financeiros, objeto do contrato de cash pooling entre a Reclamante e a entidade centralizadora.”

 

Nas suas alegações, a Requerida reitera toda a argumentação expendida na resposta.

Quanto à Requerente, acrescenta nas suas alegações, em réplica à resposta da Requerida, o seguinte:

  • Não é válido o argumento de que a Requerente não efetuou prova da utilização do crédito fora de Portugal, pois, como bem notou o Coletivo de Árbitros na decisão arbitral n.º 280/2020-T, de 04.11.2021, não sendo a entidade utilizadora do crédito (devedora) residente em território nacional, não se encontram preenchidos os pressupostos da incidência do imposto do selo;
  • No que respeita ao requisito do prazo inferior a um ano previsto na alínea h) do nº 1 do artigo 7.º do CIS, todos os empréstimos concedidos ao abrigo do mecanismo de cash pooling foram (e são, por definição) reembolsados antes de decorrido o prazo de um ano no âmbito da gestão centralizada de tesouraria;
  • Desde logo, é possível verificar o cumprimento do primeiro requisito da isenção a partir da análise dos extratos bancários mensais agregados de todas as contas bancárias que centralizam o cash pooling, bem como da própria contabilidade da Requerente;
  • Dos elementos fornecidos pela Requerente, é possível concluir que todas as operações de gestão de tesouraria a débito e operações de gestão de tesouraria a crédito da titularidade da Requerente no âmbito do contrato de cash pooling foram objeto de liquidação em prazo inferior a 365 dias de calendário, contados desde a data da respetiva constituição, conforme prescreve a lei;
  • Nos termos legais, nada obriga a que este tipo de contratos tenham uma duração definida, pelo que tão pouco se entende a suposição da AT no sentido de que o facto de o contrato ter sido celebrado por tempo indeterminado “constitui, por si só, um forte indício de que os empréstimos tendencialmente perdurarão por mais de um ano”.

 

IV – QUESTÕES A DECIDIR

São três as questões a decidir no presente processo:

  1. Se uma operação de crédito, efetuada no âmbito de um contrato de cash pooling, em que o utilizador do crédito é uma entidade não residente e sem estabelecimento estável, e em que, consequentemente, a utilização do crédito tem lugar fora do território nacional, é territorialmente abrangida pela incidência da verba 17.1.4 da tabela geral do Imposto do Selo;
  2. Se a mesma operação, ocorrida entre 1 de julho de 2021 e 30 de junho de 2022, fica abrangida pela isenção estabelecida na al. h) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo;
  3. Se a mesma operação, ocorrida entre 1 de julho de 2022 e 30 de junho de 2023 fica abrangida pela isenção estabelecida na al. h) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos considerados provados

O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente, sociedade anónima de direito português, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de dezembro, que aprovou a cisão da Empresa Pública A…, E.P., tendo lhe sido atribuída a Concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil (cf. artigo 12.º do mencionado Decreto-Lei);
  2. A Requerente tem um capital social de € 200.000.000,00, o qual é detido a 100% pela B…, S.A. (“…”), entidade com residência em França;
  3. Em 16.05.2014, a Requerente assinou com a D… Portugal, SGPS, S.A. (“…”) um contrato de gestão centralizada de tesouraria denominado “Centralised Cash Management Agreement”, em cujos termos formalizou a sua adesão ao mecanismo de cash pooling utilizado pelas entidades do Grupo C…, que tinha como “Master Account Holder” a E…, S.A., residente na Bélgica;
  4. A 24.06.2014, a Requerente iniciou a sua participação no sistema de cash pooling do Grupo;
  5. Em 08.07.2014, a D…foi objeto de dissolução e liquidação, da qual resultou a partilha do respetivo património (no qual se inclui a participação detida no capital da Requerente) para a B…, residente na Bélgica;
  6. A partir de 09.07.2014, a B… passou a ser a entidade centralizadora dos excedentes de tesouraria do Grupo (incluindo a Requerente), através de uma conta sediada no Banco …, na Bélgica.
  7. Em 30.11.2018, a B… fundiu-se por incorporação na B… (“…”), entidade residente em França, a qual assumiu todos os direitos e obrigações da anterior;
  8. Em resultado desta operação, a B… assumiu a detenção direta de 100% do capital social da Requerente e a posição anteriormente exercida pela B… no acordo de cash pooling, na qualidade de entidade centralizadora do Grupo;
  9. Por referência às operações de concessão de crédito no âmbito do acordo de cash pooling celebrado, realizadas no período compreendido entre julho de 2021 e agosto de 2023, a Requerente apurou e liquidou imposto do selo no montante total de € 498.083,39, conforme melhor se detalha nas tabelas abaixo:

 

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  1. A Requerente apresentou, no dia 31.08.2023, reclamação graciosa dos referidos atos tributários relativos aos períodos de junho de 2021 a julho de 2023, junto da Direção de Finanças de Lisboa, reclamação que foi tramitada com o nº de processo …;
  2. No dia 15 de novembro de 2023, a Requerente requereu junto da Autoridade Tributária - Unidade dos Grandes Contribuintes, o alargamento do pedido inicialmente formulado, de modo que o mesmo passasse a abranger também a apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo referente ao período de agosto de 2023, refletido na declaração mensal n.º …, no montante de € 27.424,38;
  3. A 11.12.2023, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação apresentada;
  4. A Requerente exerceu o direito de audição prévia;
  5. A Requerente foi notificada em 08/02/2024 da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.

 

  1. Factos considerados não provados

Não existem factos relevantes para a apreciação do pedido julgados como não provados.

 

VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

  1. 1ª Questão: Se uma operação de crédito, efetuada no âmbito de um contrato de cash pooling, em que o utilizador do crédito é uma entidade não residente e sem estabelecimento estável, é territorialmente abrangida pela incidência da verba 17.1.4 da tabela geral do Imposto do Selo.

De acordo com o artigo 1º do Código do Imposto do Selo, o imposto incide sobre os “atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas” previstos na Tabela Geral. Por sua vez, a verba 17.1 da Tabela Geral, conjugada com o artigo 1º, prevê a tributação da “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título (...). A subverba 17.1.4 especifica que fica sujeito a tributação o “crédito utilizado sob a forma de conta-corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável”.

No caso dos autos existe um contrato de crédito sob a forma de conta corrente, pelo qual a Requerente transfere os seus excedentes de tesouraria para uma sua associada residente na Bélgica.

A Requerente alega, ao abrigo da verba 17.1 e baseando-se na sua letra, que o facto tributável é a utilização de crédito. Sendo o facto tributável a utilização do crédito e ocorrendo esta utilização na Bélgica, uma vez que a sociedade recetora dos fundos é residente na Bélgica, a operação extravasa o âmbito da incidência territorial do imposto, que, nos termos do artigo 4º, se limita aos factos ocorridos em território nacional.

Sobre esta questão pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 28.11.2018 (proc. n.º 06/11.4BESNT 0436/16).

No recurso em causa estava em causa “Saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º n.º1, do CIS”.

Nesse aresto, diz o tribunal: “a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respetiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’……….. –crédito utilizado – ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas.”

Embora, como fica patente do excerto citado, o tribunal não desenvolva as bases da sua interpretação, é suficientemente claro que o mesmo considera tributáveis em IS as operações de crédito, através de cash pooling, em que a entidade mutuária não tem sede nem estabelecimento estável em Portugal, e em que, portanto, os fundos são transferidos para uma conta bancária domiciliada no exterior do território nacional.

Em apoio da interpretação do STA, poderão aditar-se as seguintes considerações:

Por “utilização” do crédito deve entender-se a mera transferência dos fundos para a posse da entidade mutuária. Ou seja, “utilização” não significa aplicação dos fundos por parte da entidade mutuária, mas apenas a receção desses fundos numa conta à sua ordem.

Este é o entendimento perfilhado num acórdão do TCA-Sul, de 25.03.2021, no processo n.º 675/03.9BTLRS, em que se lê: “Nos termos do artigo 1.º do CIS, para determinar a relevância da tributação, em sede de imposto de selo, em sede das operações financeiras é relevante a “utilização de crédito”, ou seja, o momento em que se utilizam os fundos colocados à disposição de acordo com o contratado, o qual ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital. No entanto, com o desenvolvimento das novas tecnologias, quando se trata de operações desmaterializadas, realizadas através do sistema bancário, deve considerar-se cumprida a concessão do crédito quando o montante deste é recebido na conta do beneficiário ou na conta por este indicada, porque até esse momento a prestação pecuniária ainda não está na sua livre disposição, não podendo, por isso, ser utilizada.”

Em suma, portanto, “utilização”, para efeitos da verba 17.1 da TGIS, é a transferência dos fundos para a posse do mutuário (o mesmo entendimento é exposto nos acórdãos TCA-N 2 Sec. de 15.12.2022, proc. 37/12.7BECBR e TCA-N 2 Sec. 11-05-2023, proc. 00189/11.3BEAVR).

Assim sendo, parece-nos conforme com a letra da verba 17.1 considerar, como faz o STA, que o o facto tributário previsto na verba 17.1 é, ainda, a concessão de crédito, sendo que é a efetiva transferência dos fundos, e não apenas a formalização do acordo, que consubstancia a concessão de crédito. Tal entendimento afigura-se consentâneo com o enunciado que a verba 17.1 faz do facto sujeito a imposto, quando se refere à “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito”.

Neste sentido aderimos à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo expendida no acórdão de 14.03.2018 (proc. n.º 800/17), em que se julgou do seguinte modo:

“O facto tributário eleito para tributação é, sempre, a concessão de crédito em que uma parte se obriga a realizar uma prestação de valores monetários a outra que por sua vez se obriga a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

A utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito é que torna aparente o contrato de concessão de crédito que o legislador quer tributar. Até que essa utilização se verifique, não há lugar a tributação e esta, quanto à sua taxa, depende muito do valor e periodicidade da utilização.”

Assim sendo, sendo o facto tributável a concessão de crédito, não há dúvida de que o mesmo ocorre em território nacional, ficando, deste modo, territorialmente abrangido pela incidência da verba 17.1 da TGIS.

 

  1. 2ª questão: Se uma operação de crédito, ocorrida entre 1 de julho de 2021 e 30 de junho de 2022, efetuada no âmbito de um contrato de cash pooling, em que o utilizador do crédito é uma entidade não residente e sem estabelecimento estável, fica abrangida pela isenção estabelecida na al. h) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo.

Nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, estão isentos de IS:

 “os empréstimos, [...] por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.

O n.º 2 do artigo 7.º estipulava, até 28 de junho de 2022:

 “2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.”

Portanto, numa situação de não residência de algum dos intervenientes, a isenção não era, em regra, aplicável, subsistindo, porém, quando o credor tivesse “sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal”.

Uma vez que o credor - no caso vertente, a Requerente - não tinha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia, porque a tinha em Portugal, a isenção não seria aplicável de acordo com a letra da lei.

Esta norma aplicava-se às liquidações de IS aqui consideradas referentes ao período de 1 de julho de 2021 a 31 de junho de 2022.[1]

Considera a Requerente que esta norma se traduzia num tratamento fiscal discriminatório relativamente às operações financeiras de concessão de crédito com caráter transfronteiriço, violadora da liberdade de estabelecimento estabelecida no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Ora, esta questão foi recentemente objeto de uniformização de jurisprudência por parte do Supremo Tribunal Administrativo, através de acórdão de 17.10.2024 (processo 02/21.3BALSB), em que se ficou o seguinte entendimento: “(...) o n.º 2 do artigo 7.º do CIS (nas redações anteriores à da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho – OE 2022), ao limitar a subsistência das isenções previstas nas alíneas h) e g) desse artigo aos casos em que o credor (e não o devedor) tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, traduz-se numa violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE”.

Tratando-se de jurisprudência uniformizada, deve seguir-se o mesmo entendimento, pelo que se conclui que as operações aqui em causa ficaram abrangidas pela norma incluída no nº 2 do artigo 7º que excetuava da exclusão da isenção (e, por conseguinte, isentava de imposto) as situações em que o credor tivesse sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal.

Tal conclusão não implica ainda concluir que as operações ficaram isentas. Para isso, será ainda necessário apreciar dois aspetos: a duração do crédito e a origem dos fundos mutuados.

Quanto à duração do crédito, a al. h) do nº 1 do art.º 7º estipula, como requisito da isenção, que o crédito seja concedido por prazo não superior a um ano.

A Requerida alega que a Requerente não prova o cumprimento desse requisito.

Começa por invocar que o contrato foi celebrado por tempo indeterminado (artigo 69 da resposta).

Quanto a este argumento não nos parece assistir razão à Requerida. O contrato de cash pooling é um instrumento de gestão de tesouraria, sendo normal que a sua duração seja indeterminada, mantendo-se enquanto se mantiver a conveniência dessa estratégia. Por outro lado, a duração do contrato de cash pooling não tem por que ser determinante da duração dos créditos utilizados ao seu abrigo.

Diz em seguida a Requerida (artigo 70 da resposta) que “da análise dos extratos contabilísticos com os movimentos consolidados das contas #25310000 e #25320000, não é possível extrair qualquer conclusão clara quanto ao prazo de permanência dos valores que integram o saldo inicial das contas nem dos valores entrados/saídos durante cada ano naquele período.”

Ao contrário do que sustenta a Requerida, consideramos que a Requerente efetivamente demonstra que recebe todos os meses fundos em montante que excede o saldo credor inicial, o que indica que o todo o crédito é reembolsado mensalmente.

Afigura-se despicienda a questão de saber se é aplicado o método FIFO ou LIFO, dada a natureza fungível e imaterial do objeto das prestações e dado que se está perante uma única conta corrente. Neste caso, uma estipulação sobre se os créditos haveriam de abater aos passivos mais antigos ou aos mais recentes seria uma artificialidade sem qualquer racionalidade do ponto de vista da gestão financeira, e que, portanto, não é exigível.

Considera-se, portanto, demonstrado, pela Requerente, a permanência por período inferior a um ano.

Quanto à origem dos fundos mutuados, ao contrário do que sugere a Requerente nas suas alegações (ponto 143), julgamos que o facto de se considerar a norma (que exceciona a exceção) do nº 2 do artigo 7º na sua versão anterior a 28 de junho de 2022, contrária ao Direito da União Europeia, não dispensa, antes torna necessário, apreciar a questão da necessidade da prova , bem como da efetiva prova, se for o caso, da proveniência dos fundos.

A Requerente considera que a exigência de prova feita pela AT tem carácter discriminatório, já que, caso ambas as entidades se encontrassem sediadas em território nacional, tal prova não seria exigida, bastando-se a aplicação da isenção com o cumprimento dos requisitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Sobre este ponto – sem entrar na questão de saber em que condições a administração fiscal pode exigir ao sujeito passivo que prove a proveniência dos fundos e qual a extensão desse ónus probatório – afigura-se suficiente aplicar as regras relativas à prova, constantes dos artigos 71º a 76º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, nos termos do artigo 75º, 1 “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

É através da sua contabilidade que a Requerente mostra à administração fiscal a origem dos fundos de que dispõe. Se a Requerente forneceu à administração fiscal toda a informação contabilística que a lei lhe exige que forneça e que a administração fiscal lhe pediu, e se a administração fiscal não pôs em causa a bondade dessa informação, nos termos do n.º 2 do artigo 75º citado, não pode a AT exigir ao sujeito passivo que forneça prova não especificada de que os fundos não provêm (prova de facto negativo) de “instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”. Se a administração fiscal não considerava suficientes os elementos fornecidos, era ainda a ela, administração fiscal que, ao abrigo do princípio do inquisitório, estabelecido no artigo 58º da LGT, cabia pedir os elementos que considerasse necessários. Não o tendo feito, deve considerar-se verdadeiro o declarado pela Requerente quanto à origem dos fundos.

Pode então concluir-se que as operações de crédito, ocorridas entre 1 de julho de 2021 e 31 de junho de 2022, efetuadas pela Requerente no âmbito de um contrato de cash pooling com a sociedade B…, ficam abrangidas pela isenção estabelecida na al. h) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo.

  1. 3ª Questão: Se a mesma operação, ocorrida entre 1 de julho de 2022 e 30 de junho de 2023 fica abrangida pela isenção estabelecida na al. h) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo.

As conclusões a que se chegou anteriormente, em relação às operações efetuadas entre 1/7/21 e 30/6/22, quanto à proveniência dos fundos e quanto à permanência dos mesmos no mutuário, são plenamente aplicáveis às operações ocorridas entre 1/7/22 e 30/6/23.

Desta forma, conclui-se que também estas operações estão isentas.

 

  1. Juros indemnizatórios

O artigo 100.º da LGT estabelece que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objetivo do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios. O regime do direito a juros indemnizatórios encontra-se no artigo 43.º da LGT, que estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O primeiro pressuposto da obrigação de juros indemnizatórios é a existência de um “erro”. Como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, o “erro” a que se refere a lei é uma ilegalidade sob a forma de erro nos pressupostos de direito ou de facto na aplicação da norma de que resultou a liquidação (STA 2 Sec. 02.12.2009, proc. 892/09; STA 2 Sec. 12.02.2015, proc. 1610/13).

No caso, como se demonstrou, as liquidações de IS são ilegais, por erro nos pressupostos de direito na aplicação da norma.

O segundo pressuposto é que o erro nos pressupostos de direito ou de facto na aplicação da norma seja “imputável aos serviços”. Quanto a este aspeto, os tribunais superiores têm considerado que, em caso de liquidação efetuada pelo sujeito passivo, através de retenção na fonte, o erro não é, inicialmente, imputável aos serviços, já que a administração fiscal não tem intervenção no ato de liquidação, mas que o mesmo passa a ser imputável à A. Fiscal depois do indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte (STA Pleno, 29.06.2022, proc. n.º 093/21.7BALSB).

Ora, afigura-se que o mesmo se deve aplicar a qualquer caso de autoliquidação, fora das situações de retenção na fonte, já que as razões por trás da construção interpretativa são rigorosamente as mesmas. Como é dito no acórdão do STA 2 Sec. de 30.10.2019, proc. n.º 01344/11.1BELRS 01164/17), “embora derive da alínea a) do n.º 2 do artigo 95.º da Lei Geral Tributária que a autoliquidação é também considerada, para os efeitos dessa lei, como «liquidação de tributos», resulta do próprio dispositivo em causa que não deve ser assim interpretado para delimitação dos requisitos do direito a juros indemnizatórios. O n.º 2 do artigo 43.º especifica o caso de a liquidação ter sido efetuada com base na declaração do contribuinte, o que demonstra que o legislador só tinha ali em vista a liquidação administrativa.”

Estando-se, nos autos, perante um caso de autoliquidação (que não foi efetuado pelo contribuinte de acordo com instruções genéricas ou individuais da administração fiscal), feridas de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito, não se pode considerar que, inicialmente, tal erro seja imputável aos serviços, para efeitos da obrigação de juros indemnizatórios. Contudo, a administração tributária teve oportunidade de corrigir esse erro ao decidir a reclamação graciosa, pelo que, ao indeferir a pretensão da Requerente, transferiu-se para a AT a imputabilidade do erro desde o ato de indeferimento, que teve lugar no dia um de fevereiro de 2024. Devem os juros indemnizatórios devidos, por conseguinte, ser contados a partir dessa data.

 

VII – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os árbitros em:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (n.º …) deduzida contra as liquidações de Imposto do Selo refletidas nas declarações mensais n.º …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, referentes aos períodos mensais de julho de 2021 a agosto de 2023;
  2. Declarar ilegais e anular as mesmas liquidações;
  3. Condenar a Requerida a restituir à Requerente os montantes de imposto liquidados e pagos com base nas liquidações anuladas;
  4. Condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre os mesmos montantes, desde a emissão da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …, que ocorreu em um de fevereiro de 2024.

 

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 498.083,39 € (quatrocentos e noventa e oito mil e oitenta e três euros e trinta e nove cêntimos).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7650,00 € nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 17 de janeiro de 2025

Os Árbitros

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

(Nina Aguiar)

 

 

(Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz)

 

 



[1] A lei n.º 12/2022, de 27 de junho, que alterou o nº 2 do artigo 7º do CIS, entrou em vigor no dia 28 de junho de 2022. Por simplificação e clareza, e dada a irrelevância prática da questão, optamos por efetuar a separação temporal das operações tal como o faz a Requerente.