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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Alexandra Iglésias
e Dr. Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 25-10-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA, pessoa colectiva n. ..., com sede em ..., ...-... Felgueiras (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, em 16-08-2024, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2023...e respectivos juros compensatórios e das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e respectivos juros compensatórios, todas relativas ao ano de 2019, bem como a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu dessas liquidações.
A Requerente pede reembolso do imposto que já pagou (e que está a pagar em prestações), acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-08-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 07-10-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 25-10-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 15-01-2025 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
Foi realizada uma inspecção à Requerente a coberto da ordem de serviço n.º OI2022..., ao exercício de 2019;
-
Nessa inspecção foram efectuadas correcções em sede de IRC (€ 280.709,24) e IVA (€ 57.108,04);
-
Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (“RIT”) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
I – 1. Correções Meramente Aritméticas
I – 2. Regularização Voluntária Parcial
Foram aceites e regularizadas parcialmente, conforme Capítulo XI do presente relatório, as correções aritméticas, em sede de IRC, expostas no ponto V.2 – Conservação e Reparação de Ativos Fixos, relacionadas com conservação e reparação de Ativos Fixos, no montante de €4.887,80.
I – 3. Em sede de IRC, tendo o sujeito passivo declarado o lucro tributável de €253.545,79, face à referida correção e após a regularização voluntária parcial, apura-se o lucro tributável de €539.142,83, sendo a matéria coletável a fixar, de igual montante.
II. Objetivos, âmbito, extensão e duração da ação de inspeção
II.1. Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal
Credencial: A ação de inspeção foi credenciada com a Ordem de Serviço externa n.º OI2022..., emitida em nome de A..., Lda, com o NIPC: ...
Motivo: A ação inspetiva, teve origem no facto de o sujeito passivo constar como cliente da sociedade “B... Unipessoal Lda” (adiante também designada por B...), NIPC...”, sociedade que foi objeto de procedimento inspetivo do qual resultaram evidências de que as faturas por ela emitidas não consubstanciavam operações reais.
Âmbito: Ação de âmbito Parcial, em sede de IRC e IVA, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 14º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
Incidência Temporal: Período de 2019.
(...)
III.1.2 – Atividade
No âmbito da presente ação de inspeção e através da análise aos elementos contabilísticos, verificou-se que a atividade do sujeito passivo, no ano em análise, se desenvolveu no âmbito da fabricação de calçado, cuja produção é assegurada pelos trabalhadores da empresa e com recurso a subcontratos.
A A... a sede social em ..., Felgueiras, que corresponde a um imóvel urbano, de sua propriedade, inscrito na matriz sob o nº..., da freguesia da União das Freguesias de ... (...), ..., ..., ... e... (...), onde exerce a atividade para a qual se encontra registada.
Na visita às instalações da sociedade, que ocupam um imóvel com a nave industrial, armazém e escritórios e principalmente à sua linha de produção, constatou-se que a mesma está a exercer a atividade para a qual se encontra registada.
As vendas de produtos e mercadorias em 2019, destinaram-se a: 67,89% ao mercado intracomunitário, 30,19% para exportação, e 1,92% ao mercado nacional.
De acordo com informação constante na Informação Empresarial Simplificada (IES), o nº de trabalhadores ao serviço da empresa ascendeu a 243 trabalhadores.
A empresa vende essencialmente para o mercado holandês, alemão e italiano, cujos principais clientes foram:
C... B.V. –..., D... B.V. –..., E...- ... e F... SRL -… .
(...)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1 – Correções relativas a faturas emitidas por B... Unipessoal Lda – NIPC: ...
No ano de 2019, a A... registou na sua contabilidade, e deduziu nas declarações fiscais entregues para efeitos de IRC e IVA, valores que não correspondem a efetivas aquisições de serviços prestados pela B..., entidade relativamente à qual, foram recolhidos indícios objetivos e seguros de ser emitente de faturação falsa, conforme fundamentos a seguir descritos.
V.1.1 – Faturas emitidas
As faturas, cuja emitente é a sociedade B..., registadas na contabilidade do s.p., no período de 2019, no total de €248.295,80, acrescido de IVA no valor de €57.108,04, são as seguintes e deram origem aos registos contabilísticos nas seguintes contas de gastos e IVA dedutível:
O s.p. reconheceu como gastos no período de 2019, o valor das faturas supra citadas, emitidas pela entidade , referente a “Prestação de Serviços: Corte, Costura, Montagem, Acabamento e Embalamento”.
V.1.2 – Conclusões do Procedimento Inspetivo à “B..., Unipessoal, Lda”
V.1.2 – Conclusões do Procedimento Inspetivo à B...
No âmbito dos procedimentos inspetivos ao sujeito passivo B..., foi identificado um modus operandi, do qual resultou a conclusão de que as faturas emitidas pela B..., respeitantes a subcontratação de serviços relacionados com a produção de calçado, não titulam operações reais, não existindo subjacente às mesmas, quaisquer serviços prestados pela B... .
De facto, na ação de inspeção à empresa “B...”, aos anos de 2019 e 2020, bem como nas efetuadas a anos anteriores, é possível concluir que esta entidade não tem capacidade produtiva própria para produzir aquilo que fatura aos clientes, pois:
-
Não tem instalações onde possa exercer a atividade, destacando-se que a morada indicada nas faturas emitidas para a “A...” corresponde ao domicilio fiscal de G..., gerente da “B...” até 2020/06/16 e de H... (sócia-gerente da “I...”), sendo uma moradia destinada à habitação;
-
Não tem meios humanos, pois nos anos em análise só tinha uma funcionária, além de G..., e não tem equipamentos que permitam prestar os serviços que constam nas faturas emitidas;
-
Recorre a faturas emitidas outras entidades (J..., Lda, I... Unipessoal, Lda e K... Unipessoal Lda), que também não possuíam estrutura empresarial para o exercício de qualquer atividade.
-
A J..., Lda e a K... Unipessoal Lda foram objeto de ações de inspeção efetuadas pela Direção de Finanças de Braga onde se concluiu que também elas não possuíam estrutura empresarial para o exercício de qualquer atividade e que as operações constantes das faturas não se consubstanciam em qualquer atividade e operações efetivas;
-
A entidade J... Lda, emitiu faturas para a B... nos meses de janeiro e fevereiro de 2019, e da inspeção realizada a esta entidade concluiu-se que nunca possuiu estrutura empresarial para o exercício de qualquer atividade e que as operações constantes das faturas não se consubstanciam em qualquer atividade e operações efetivas;
-
A entidade K... Unipessoal Lda, emitiu faturas para a B... nos meses de março a dezembro de 2019, e da inspeção realizada a esta entidade concluiu-se que é uma sociedade meramente instrumental, que faz parte de um esquema de fraude fiscal e que tem por objetivo a obtenção de vantagens fiscais indevidas, defraudando os cofres do Estado, não lhe sendo conhecidas instalações, nem funcionários, e tendo como única “subcontratada” a entidade J..., Lda;
-
Relativamente à I... Unipessoal, Lda, foi apurado que até outubro de 2019 não tinha qualquer atividade efetiva, limitando-se a ser uma empresa veículo, e a partir de outubro passou a exercer uma atividade efetiva de comércio a retalho, incompatível com as faturas emitidas de prestação de serviços;
-
No sentido de conferir autenticidade às faturas emitidas e às guias de transporte comunicadas, a “B...” e as entidades a montante apresentam uma regularidade contabilística e fiscal, através de um circuito documental e financeiro aparentemente real. A regularidade documental evidenciada pela B...existe para credibilizar as operações, pois recorre à utilização de faturas emitidas por sociedades meramente instrumentais, referentes a parte ou à totalidade dos serviços faturados, através de sociedades controladas diretamente ou indiretamente e em conluio, pela família “L...”;
Conclui-se assim que, as prestações de serviços faturadas por outras entidades a montante, para a “B...” e desta para os seus “clientes” não consubstanciam verdadeiras operações.
A “B...” e as entidades que considerou como seus subcontratados, não têm estrutura empresarial para prestar os serviços faturados e, consequentemente, as prestações de serviços faturadas pela “B...” para os seus “clientes” não consubstanciam verdadeiras operações.
V.1.3. – Análise das Faturas
Analisadas as faturas emitidas pela B... verifica-se que:
-
Consta como morada da sede da B... – ..., ..., ...– Felgueiras, sendo que, de acordo com o procedimento inspetivo realizado, não existem evidências de ter sido exercida qualquer atividade nessa morada;
-
Contêm no descritivo: “Prestação de Serviços: Corte, Costura, Montagem, Acabamento e Embalamento”, bem como as respetivas quantidades, unidades e preço unitário dos serviços realizados;
-
Contêm a menção: “Este documento não constitui documento de transporte, nos termos do Decreto-Lei n.º 147/2003” e um apontamento que os serviços prestados são referentes aos documentos de transporte indicados na fatura;
-
A matrícula..., que consta em todas as faturas emitidas pela B... é de sua propriedade, desde 2010/08/25 e que se trata de um veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault modelo Master.
-
Contudo, conforme à frente se refere, foi esclarecido pelo SP que “ …no caso em apreço o subcontratado tanto entregou com fatura dele, como com guia transporte dele o calçado pronto, como não poucas vezes nos recolhemos com o nosso transporte nas instalações dele …”
A maioria das 25 faturas da B... registadas na contabilidade da A..., fazem referência a serviços de “corte, costura, montagem, acabamento e embalamento”, exceto a fatura Nº 19/15, que refere apenas “Corte”, e as faturas emitidas em ago, set, out, nov e dez, que não referem o “Corte” conforme explicitado no quadro abaixo:
(...)
V.1.4 – Meios de pagamento
De acordo com os registos contabilísticos e extratos bancários, o pagamento das faturas, foi efetuado por transferências bancárias, de contas tituladas pelo s.p., a favor da B... .
No entanto, conforme consta nas conclusões aos procedimentos inspetivos realizados à B... e às entidades que esta subcontratou, constata-se que a maioria dos valores movimentados são levantados em dinheiro por estas sociedades instrumentais, desconhecendo-se o seu destino e perdendo-se assim o rasto dos verdadeiros beneficiários.
V.1.5 – Notificação
O s.p. foi, no âmbito dos princípios da cooperação e da colaboração com a AT, notificado pessoalmente, em 2023-01-19, para apresentar os seguintes elementos/esclarecimentos, relativos às faturas emitidas pela B...:
1. Descrição pormenorizada dos serviços/bens subcontratados/adquiridos à sociedade B..., SA, NIPC:..., que foram faturados através das faturas constantes na contabilidade;
2. Identificação das pessoas que representavam a B... e local ou instalações onde a mesma
desenvolveu a sua atividade;
3. Troca de correspondência entre as referidas entidades (s.p. e B...) bem como e-mails e notas de encomenda, que evidenciem os contactos prévios tendo em vista as operações realizadas;
4. Documentos de transporte que suportaram as operações realizadas com a sociedade B...,
nomeadamente os que se referem aos movimentos entre as instalações do s.p. e da B...;
5. Identificação de outros fornecedores que prestaram/venderam serviços/bens idênticos aos
mencionados nas faturas emitidas pela B..., bem como os montantes respetivamente faturados.
Em resposta à notificação, o sujeito passivo prestou, por escrito, os seguintes esclarecimentos que transcrevemos:
Ponto 1 da Notificação:
“A nossa empresa dedica-se a fabricação de calçado sendo a grande parte destinada a venda para mercados exteriores.
Tendo em conta os clientes que temos em carteira, e o volume de pares de calçado que recebemos de encomendas, a nossa capacidade instalada não permite a execução total da fabricação desses pares de sapatos, e como acontece esta situação recorremos a subcontratados no sentido de nos auxiliar nesse processo produtivo.
A fabricação de calçado passa por diversas fases, corte, costura, montagem e acabamento sendo que por vezes recorremos a subcontratados que realizam apenas uma ou duas operações do fabrico do calçado, como por vezes entregamos para que o calçado seja feito completamente por esses subcontratados.
No caso em apreço B..., quer durante o ano de 2019, quer durante o ano de 2020, tanto entregamos situações de fabricação completa, como situações de apenas realizar algumas operações no processo produtivo.
Assim sendo os serviços adquiridos a B..., foram para que esta empresa realize a produção de calçado executando serviços de corte, costura, montagem e acabamento de calçado.
De grosso modo expedimos os nossos materiais necessários a execução do calçado para os nossos subcontratados através de guias de transporte nossas, e apos estes produzirem as tarefas inerentes a execução da produção de calçado, entregam nas nossas instalações através de faturas deles ou guias de transporte o calçado feito, ou em caso de não ser completo, a obra realizada.
Tendo em conta o nosso grande movimento e necessidade de gestão de logística de Transportes, não poucas vezes acontece ter de ser a nossa empresa a recolher nas instalações dos subcontratados, o calçado para poder fechar «Embarques» e despachar os camiões, e assim por vezes pedimos aos subcontratados, antecipações de realização e execução de calçado de certas referências, que fazem falta, ao seguimento da encomenda a tempo e horas.
Posto isto no caso em apreço o subcontratado tanto entregou com fatura dele, como com guia transporte dele o calçado pronto, como não poucas vezes nos recolhemos com o nosso transporte nas instalações deles.
Ponto 2 da Notificação:
A pessoa com quem contatamos é o Sr. G..., sendo que sempre conhecemos o mesmo como o dono da empresa, sendo com ele que discutíamos preços, quantidades e tempo de realização das encomendas que lhe colocávamos.
Apresentou o seguinte documento:
Ponto 3 da Notificação:
Quanto a troca de correspondência apenas o contactávamos pelo telefone, sendo que ao que nos apercebíamos ele geria a empresa e tinha uma familiar que o ajudava no ponto de vista do escritório, pois chegamos a passar alguns e-mails para essa pessoa, os quais juntamos, mas questões de produção e financeiras sempre falamos com o Sr G... .“
Ponto 4 da Notificação:
Quanto a este ponto da Notificação, a A... apresentou a correlação entre as faturas emitidas pela B... (subcontratação) e as correspondentes faturas emitidas, pelo s.p., aos seus clientes, tendo sido entregue um “dossier” com a seguinte documentação, para as faturas emitidas pela B...:
-
a fatura emitida pela B...;
-
as guias de transporte emitidas pelo SP para B... (transporte das matérias primas);
-
as guias de transporte emitidas pela B... para o SP (transporte do produto acabado)
-
planos de fabrico que identificam a referência do artigo que consta nas faturas emitidas ao cliente;
-
faturas emitidas aos clientes e os documentos comprovativos da isenção do IVA (nomeadamente documento de transporte CMR – cliente intracomunitário e documento alfandegário – cliente extra-comunitário).
Ponto 5 da Notificação:
Apresentou o seguinte documento:
V.1.6 – Análise dos documentos exibidos – Ponto 4 da Notificação
V.1.6.1 – Guias de transporte
Foram facultadas pelo s.p., as guias de transporte relativas às entregas de materiais, por parte deste à B..., para confeção dos serviços.
De acordo com o teor das guias, todos os transportes tiveram partida das instalações da A..., sitas na..., nº ..., ..., Felgueiras, e foram descarregados:
-
na Rua ..., ..., ..., Felgueiras;
morada, onde, como atrás já se referiu, não há indícios de alguma vez ter sido exercida atividade, pela B... .
E, o mesmo acontece com o local e carga indicado nas guias de transporte emitidas pela B... com destino à A..., que também indica a morada da sede como local de carga.
Da consulta à base de dados da AT, verifica-se que:
-
a A... fez a comunicação, nos termos do DL n.º 198/2012, durante o ano de 2019, de guias de transporte para a B..., e,
-
a B... fez a comunicação, nos termos do DL n.º 198/2012, durante o ano de 2019, de guias de transporte para a A... .
Ora, estatui o n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11/07 que as faturas, guias de remessa ou documentos equivalentes devem ainda indicar os locais de carga e descarga, referidos como tais, não bastando referir que foi no local da sede.
Pelo que, atendendo que as guias de transporte têm um campo específico para colocar a morada da sede e um campo específico para colocar a morada de carga e descarga constatamos que a A... não identificou corretamente a morada de descarga, nem a B... identificou corretamente a morada de carga.
V.1.6.2 – Controlos efetuados
Atendendo ao teor das faturas da B... (discriminado no ponto V.1.3), a A... subcontratou a B... para a execução de serviços de corte, costura, montagem, acabamento e embalamento, ou seja, na maioria dos casos, conforme já referido, foi subcontratada a produção total do calçado, desde o corte ao embalamento, constatando-se que, nas faturas emitidas pela B..., encontram-se discriminadas as referências dos artigos, nos quais foram supostamente incorporados os serviços em causa.
Com base nos dados constantes no sistema da AT – Guias de transporte, procedeu-se ao cruzamento das referências mencionadas nas guias de transporte emitidas pela A..., com as guias de transporte emitidas pela B...para os seus subcontratados, e as faturas da B... para a A..., identificando-se as entidades subcontratadas pela B...: I... Unipessoal, Lda, J..., Lda, K... Unipessoal, Lda e L..., Lda.
Observa-se que, no mesmo dia, ou nos dias muito próximos, em que é emitida uma guia de transporte pela A... para a B..., é emitida por esta uma guia de transporte para aqueles subcontratos cuja descrição dos materiais enviados é igual, conforme exposto no quadro seguinte:
(...)
De salientar que, relativamente à guia de transporte nº GTS 2019/..., datada de 09/10/2019, consta o envio de matérias primas para a B... . Mas, no dia seguinte e conforme a guia de transporte GT 19/..., datada de 110/10/2019, essas matérias primas retornaram à A..., o que evidencia uma devolução de matérias primas.
No entanto, os serviços prestados sobre essas matérias primas, foram objeto de faturação, através da fatura nº 19/2018, datada de 15/10/2019, emitida pela B..., o que não poderia ter ocorrido, por falta do material necessário à execução do alegado serviço de corte, costura, montagem, acabamento, faturado pela B... à A... .
De referir ainda que, para além das entidades subcontratadas já antes identificadas e analisadas, (J..., Lda, I... Unipessoal, Lda e K... Unipessoal Lda), sobre as quais se concluiu que, não possuíam estrutura empresarial para o exercício de qualquer atividade e que as operações constantes das faturas, emitidas para a B..., não se consubstanciam em qualquer atividade e operações efetivas, também é identificada a sociedade L..., Lda, (doravante designada L...), relativamente à qual, conforme procedimento inspetivo efetuado, concluiu-se o seguinte:
-
a L... apenas emitia faturas para a B..., tinha funcionários e equipamento que a permitia prestar serviços de corte e montagem. A partir de março de 2020, o n.º de funcionários diminuiu drasticamente, mudou de gerente, e “substitui” a B..., passando a emitir faturas para as mesmas entidades que esta emitia, e “subcontratando” os serviços faturados à mesma entidade que esta “subcontratava” (K...);
-
estas sociedades têm vindo a faturar prestação de serviços de corte, costura, montagem, acabamento e embalamento de calçado, sem ter capacidade produtiva para os prestar nas instalações referidas (nomeadamente os serviços de costura).
-
No sentido de conferir autenticidade às faturas emitidas, estas sociedades apresentam uma regularidade contabilística e fiscal, através de um circuito documental e financeiro aparentemente real. No entanto, após uma análise mais cuidada, verifica-se que essa regularidade é não existente, pois recorrem à utilização de faturas emitidas por sociedades meramente instrumentais, referentes a parte ou à totalidade dos serviços faturados, através de sociedades controladas pela família L... .
Concluindo-se que:
-
no ano de 2019, a L... “adquiriu” os serviços que faturou, tendo registado na sua contabilidade, na conta de subcontratos, apenas faturas emitidas pela entidade - I..., que não tem capacidade para os prestar, nem os subcontratou a outros e;
-
as faturas emitidas em 2019, pela L..., que incorporem serviços de costura não
correspondem a verdadeiras operações económicas;
Assim, o facto de as faturas, emitidas à B... pelas entidades subcontratadas, subjacentes aos mesmos negócios que motivaram, posteriormente, a emissão à A... de faturas pela B..., terem sido consideradas falsas, constitui, por si só, um indicio sério e credível de que os negócios subjacentes a essas faturas são simulados.
Confirmam-se, portanto, as conclusões retiradas dos procedimentos inspetivos realizadas à B..., de que a B... não tem capacidade produtiva para os executar, “validando-os” com recurso a subcontratados que também não tinham capacidade para os executar.
V.1.7 – Conclusões / Correções
Os factos recolhidos e conclusões emanadas pela Administração Tributária, no âmbito dos procedimentos inspetivos, realizados aos sujeitos passivos B..., J..., I... e L..., constituem indícios sérios, objetivos e seguros de que as operações tituladas pelas faturas emitidas pela B... para a A... não são efetivas operações económicas realizadas entre elas.
Apesar dos documentos de suporte registados na contabilidade da A... estarem formalmente corretos, com exceção das incoerências que foram sendo apontadas, nomeadamente a incorreta identificação dos locais de carga e descarga e a incoerência entre as guias, relatadas no ponto anterior (impossibilidade de prestação de serviços), na análise destas operações, não podem, nem devem ser ignoradas as conclusões emanadas das inspeções tributárias realizadas a todos os intervenientes no circuito documental identificado.
Com efeito, os alegados prestadores de serviços são empresas sem estrutura (ao nível dos recursos humanos e materiais, contabilísticos e financeiros) capaz de levar a cabo os trabalhos de corte, costura, montagem e acabamento descritos nas faturas.
Assim, considerando os factos e fundamentos descritos, conclui-se que as faturas, emitidas pela sociedade B..., não titularam transações económicas efetivamente realizadas, reunindo assim as características de negócio simulado, propondo-se:
-
A correção, nos termos do art.º 23º do CIRC, do valor correspondente ao gasto do período que concorreu indevidamente para a determinação do lucro tributável declarado em sede de IRC, do período de 2019:
-
A correção, nos termos do nº 3 do artigo 19º do CIVA, do IVA indevidamente deduzido nos períodos de 2019, no campo 24 das respetivas DP´s de IVA:
-
Na sequência da inspecção foram emitidas:
– a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2023... e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023 ... e ...;
– as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023...;, 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., e as liquidações dos respectivos juros compensatórios n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023 ..., 2023..., 2023 ..., 2023 ..., 2023..., 2023..., 2023...;
-
Em 26-02-2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, que veio a ter o n.º ...2024...;
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A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 29-05-2024, proferido pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, ao abrigo de delegação de competências;
-
A decisão da reclamação graciosa remete para a fundamentação de uma informação, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Da apreciação do pedido
Desde já uma referência à extensão da ação inspetiva, que diz apenas respeito ao exercício de 2019. A existência de procedimentos inspetivos a exercícios anteriores sem correções, não implica obrigatoriamente que não existam correções aos exercícios seguintes.
Em termos do ónus da prova, nos termos do art.º 74.º da LGT, a reclamante, ao proceder à dedução de IVA nas declarações periódicas e ao registo de gastos na contabilidade, está a invocar direitos, e como tal, cabe-lhe a si o ónus da prova do facto constitutivo desses direitos e não à Inspeção Tributária.
Quanto ao art.º 75.º da LGT alegado pela reclamante, efetivamente, de acordo com aquele articulado, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita. É por esse motivo que, regra geral, as declarações submetidas são aceites e liquidadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira. No entanto, tal presunção não obsta à atuação da inspeção tributária nos termos do art.º 2.º do Regime Complementar do procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e correção dos apuramentos efetuados pelos contribuintes.
Quanto à jurisprudência invocada, a mesma apenas vincula a AT quanto aos casos concretos que nela foram apreciados, não vinculando para os restantes contribuintes.
Analisando agora a atuação da Inspeção Tributária, de referir que, durante o procedimento inspetivo, foram pedidos elementos que justificassem as operações entre a reclamante e a sociedade B..., precisamente com o intuito da descoberta da verdade material, em cumprimento do princípio do contraditório previsto no art.º 8.º do RCPITA. Ou seja, foram realizadas as diligências necessárias para atingir esse objetivo.
De referir ainda que, na elaboração do RIT, mais concretamente no decorrer de todo o ponto V.1, foi tido o cuidado de enunciar os factos e conclusões relevantes para o procedimento inspetivo da reclamante, incluindo a análise da documentação fornecida pela reclamante, sendo perfeitamente percetível os motivos que levaram a considerar que as operações tituladas pelas faturas emitidas pela B... para a reclamante não são efetivas operações económicas realizadas entre si.
No que diz respeito às conclusões do RIT assentarem em conclusões de outros procedimentos inspetivos, nos termos do n.º 1 do art.º 77.º da LGT, a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária, de onde se retira que as conclusões estão dentro da lei.
Em termos do cumprimento do princípio da participação previsto nos arts.º 60.º do RCPITA e 60.º da LGT, não se concorda com a reclamante, uma vez que, conforme indicado no RIT, a reclamante foi notificada para exercer o direito de audição, tendo-o exercido.
Finalmente, analisada a argumentação da reclamante sobre as faturas emitidas pela B.., verifica-se que não é apresentado qualquer elemento/esclarecimento que pudesse justificar a real existência de operações económicas, baseando a referida argumentação na atuação da inspeção tributária e na forma de elaboração do RIT.
Desta forma, verifica-se que não são apresentados novos elementos que permitam contrariar a posição da Inspeção Tributária.
Face do exposto, remete-se e concorda-se com as conclusões do RIT, sendo por isso de manter as correções efetuadas pela inspeção tributária em termos de IVA e IRC, concluindo-se pela manutenção das liquidações reclamadas, sendo de indeferir o pedido, devendo a reclamante ser notificada, nos termos e para os efeitos do art.º 60.º da LGT.
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A Requerente fabrica calçado tendo em 2019 cerca de 200 trabalhadores (depoimento da testemunha M...);
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A Requerente partilha as suas instalações com outra empresa trabalhadores (depoimento da testemunha M...);
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Em 2019 a Requerente produziu mais de um milhão de sapatos (depoimento da testemunha M...);
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A Requerente fazia o corte dos sapatos, costurava, montava, colava e fazia acabamento, mas recorria subcontratados para realizarem algumas ou todas dessas actividades, fornecendo a matéria-prima (depoimentos das testemunhas M..., N... e O...);
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Em 2019, a Requerente dispunha de mais de 15 empresas subcontratadas (depoimentos das testemunhas N... e O...);
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A Requerente não dispunha de trabalhadores para realizar todas a sua produção (depoimentos das testemunhas M... e N...);
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Em 2019, cerca de 98% da produção da Requerente destinava-se a exportação (depoimentos das testemunhas M... e N...);
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A B... Lda (“B...”) era uma das subcontratadas da Requerente (depoimentos das testemunhas M..., N... e O...);
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Todas as facturas de compras eram verificadas pela testemunha M..., só depois sendo pagas pela contabilidade (depoimentos das testemunhas M... e N... e documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente dispunha de controladores, que acompanhavam produção, na empresa e fora dela (depoimentos das testemunhas M... e O...);
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Em 2019, os contactos com os subcontratados eram presenciais (depoimento da testemunha M...);
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O transporte para a B... e destes para a Requerente era feito em veículos daquela ou da Requerente (depoimentos das testemunhas M... e O...);
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A B... dispunha de uma viatura do tipo furgão que transportava mais de 1000 pares de sapatos (depoimento da testemunha O...);
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Na pandemia, em 2020, o cliente principal cancelou muitas encomendas, o que teve como consequência que houve subcontratados que pararam ou mudaram de actividade (depoimentos das testemunhas M... e N...);
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A B... dispunha de instalações onde realizava os trabalhos subcontratados (depoimentos das testemunhas M... e O...);
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A B... é uma empresa familiar (depoimento da testemunha e O...);
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A B..., além das instalações onde era a sua sede, possuía um arrendamento de um pavilhão industrial, sito no ..., em ..., Felgueiras, onde exercia a sua actividade (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em inspecção anteriores, aos anos de 2017 e 2018, os serviços de inspecção tributária não colocaram qualquer obstáculo à relevância das facturas emitidas pela B..., relativas a actividades dos tipos das realizadas em 2019 (depoimentos das testemunhas M... e N... e documentos n.ºs 1, 2, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Os pagamentos à B... eram efectuados por transferência bancária 2019 (depoimentos das testemunhas M... e N... e RIT);
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A Requerente encontra-se a fazer pagamento em prestações das quantias liquidadas (afirmação feita na página 13 do pedido de pronúncia arbitral, não questionada);
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Em 16-08-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Não se consideram provados os factos referidos no RIT relativos a inspecções tributárias não dirigidas à Requerente.
Na verdade, nenhum elemento de prova eventualmente existente nesses outros processos inspectivos sobre os factos referidos nos respectivos relatórios foi apresentada no presente processo.
Para além disso, carecem de relevância probatória dos juízos de facto formulados nos relatórios referentes a inspecções a essas outras entidades, pois foram emitidos sem que a Requerente pudesse apresentar, em relação às provas que eventualmente existissem nesses processos inspectivos, a contraprova a que tem direito, nos termos do artigo 347.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Por outro lado, os relatórios dessas outras inspecções apenas foram parcialmente reproduzidos no RIT da inspecção à Requerente e com omissão de elementos relevantes para que este Tribunal Arbitral possa apurar se correspondem ou não a realidade as conclusões inspectivas, desde logo, a identidade das empresas que se estará a referir a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Neste contexto, não se consideram provados os factos afirmados nos relatórios que não se reportam directamente a inspecções a Requerente.
2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e também com base nos depoimentos das testemunhas, nos pontos indicados.
A testemunha M..., é diretor-geral da Requerente, desde 2011.
A testemunha N... é contabilista certificado de uma empresa que presta serviços de contabilidade à Requerente, desde 2005.
A testemunha O... é operário de armazém da Requerente desde 2011.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.
O Tribunal Arbitral formou a convicção de que houve efectiva prestação de serviços pela B... à Requerente.
Com efeito, essa prestação de serviços, que foi convincentemente explicada pelas testemunhas, é indiciariamente confirmada pelos factos de terem sido emitidas facturas pela B... à Requerente e efectuados pagamentos por transferência bancária por esta àquela e terem sido efectuados transportes pela B... para a Requerente.
A afirmação feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT de que «a maioria dos valores movimentados são levantados em dinheiro por estas sociedades instrumentais, desconhecendo-se o seu destino e perdendo-se assim o rasto dos verdadeiros beneficiários», para além de não se basear em qualquer prova que conste do presente processo, não se afigura relevante para efeito de apurar a realidade das operações efectuadas entre a Requerente e a B..., pois esse invocados levantamentos em dinheiro teriam sido feitos por outras empresas e não pela B..., localizando-se a jusante das relações entre estas empresas e não se demonstrou que a B... tivesse qualquer relação Com esse levantamentos.
Por outro lado, resulta do RIT que a Requerente deve um elevado volume de negócios de € 18.757.258,13, que serviu de base à determinação do seu lucro tributável, o que confirma indiciariamente, por um lado, que não se está perante uma empresa com uma actividade fictícia e, por outro lado, se justifica a subcontratação que foi referida pelas testemunhas, nomeadamente a que foi feita à B... .
Neste contexto, é convicção deste Tribunal Arbitral que as operações registadas na contabilidade da Requerente relativamente a B... foram efectivamente realizadas, o que, aliás ´é de presumir, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou gastos contabilizados pela Requerente como reportando-se a aquisição de serviços à B..., por entender, em suma, que nenhuns dos serviços a que se referem as facturas foram prestados.
Como resulta da matéria de facto fixada, houve prestação de serviços pela B... à Requerente, que foram pagos, o que impõe que se conclua que as correcções efectuadas em sede de IRC e IVA enfermam de vícios de erros sobre os pressupostos de facto.
Por outro lado, resulta também da prova produzida que os serviços referidos foram relevantes para a obtenção pela Requerente dos rendimentos sujeitos a IRC, o que conduz à conclusão que a sua não aceitação como gastos viola o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
Estes vícios justificam a anulação dessas correcções e das liquidações de IRC e IVA que nelas se basearam, nas partes correspondentes a essas correcções, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
A decisão da reclamação graciosa que manteve as liquidações enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.
3.1. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e IVA que são objecto do presente processo, por vícios que impedem a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente disse que está a pagar em prestações a quantia liquidada e pede o reembolso das quantas pagas, com juros indemnizatórios.
Como consequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou.
Não havendo elementos que permitam saber quais as quantias pagas e quando ocorreram os pagamentos, o montante a reembolsar deverá ser determinado em execução da presente decisão arbitral.
Por outro lado, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou, por sua iniciativa.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada quantia paga, desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular a liquidação de IRC n.º 2023... e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023 ... e ...;
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Anular as liquidações de IVA n.ºs 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...;
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Anular as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023...;, 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., e as liquidações dos respectivos juros compensatórios n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023 ...;
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Anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantias pagas, e condenar a Administração Tributária a pagar à Requerente o que for liquidado em execução da presente decisão arbitral;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4 desta decisão arbitral.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 124.999,72, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 30-01-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Alexandra Iglésias)
(Amândio Silva)