Sumário:
A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 31 de julho de 2024 as contribuintes A..., titular do Número de Identificação Fiscal..., e B..., titular do Número de Identificação Fiscal..., casadas e ambas residentes em Rua ..., N..., ...-... Ericeira, Mafra, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 06 de agosto de 2024.
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As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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O Tribunal Arbitral foi constituído em 08.10.2024.
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No dia 08.10.2024 o Tribunal proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
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A AT apresentou a sua resposta em 15 de novembro de 2024.
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Por despacho de 08.11.2024, as Requerentes foram notificadas para responderem às exceções deduzidas pela AT.
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Em 15.11.2024 as Requerentes responderam às exceções.
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Por despacho de 19.11.2024 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e as partes foram notificadas para, querendo, apresentarem as suas alegações.
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As Requerentes apresentaram as suas alegações em 26.11.2024.
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A Requerida não apresentou alegações.
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Pretendem as Requerentes que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2022, no valor de € 11.539,14, a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios e a condenação da Requerida nas custas processais.
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Pretendem também as Requerentes a emissão de um novo ato tribuário de liquidação de IRS aplicando-se o método da isenção sobre os rendimentos de capitais e de trabalho dependente, ambos com fonte no estrangeiro.
I.2. As Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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Ao analisar os pressupostos legais para se ser considerado como RNH, em conformidade com o disposto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, retira-se que os requisitos para que se possa ser considerado RNH são os seguintes:
(i) o sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos do n.º 1
ou n.º 2 do artigo 16.º do Código do IRS;
(ii) o sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores.
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Verificadas estas condições, o “(…) RNH adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” — cfr. n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS –,
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direito este que “(…) depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.” — cfr. n.º 11 do artigo 16.º do Código do IRS.
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Ou seja, verificados os requisitos materiais previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer ato posterior nem de reconhecimento ou registo pela Autoridade Tributária e Aduaneira e Aduaneira
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Ora, parece claro e imperioso concluir que, apesar da necessidade de solicitação de inscrição no regime, o benefício em causa consiste num benefício automático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende já de prévio reconhecimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira e Aduaneira.
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Por um lado, é manifestamente evidente que o direito a ser tributado como RNH constitui-se no momento em que, nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, o contribuinte interessado reúne ambas as condições materiais nele previstas: (i) registar-se como residente em Portugal e (ii) não ter sido residente em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores.
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A primeira REQUERENTE preenche, assim, os requisitos materiais necessários à sua tributação em Portugal na qualidade de RNH, tal como estes resultam do n.º 8 e n.º 12 do artigo 16.º do Código do IRS, o que significa e implica que:
• se tornou fiscalmente residente em território português, nos termos do já referido n.º 1 e n.º 2 do artigo 16.º do Código do IRS; e,
• não foi residente fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano da inscrição como residente neste território.
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A Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2022 continha duas classificações de rendimentos tributáveis (excluindo-se as menos-valia reportadas), designadamente os rendimentos de Categoria A oriundos de trabalho com fonte no estrangeiro (Estados Unidos da América) e os rendimentos de Categoria E, oriundos de distribuições e dividendos de fonte estrangeira (Estados Unidos da América).
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Tratam-se claramente de rendimentos com fonte no estrangeiro, vez que o trabalho dependente foi desempenhado nos Estados Unidos da América (Pagamentos efetuados pela C... LLC, empresa sediada em New York, EUA) e os rendimentos de capitais foram pagos por entidades estrangeiras (Empresas D..., INC. e E..., LLC).
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Atendendo ao requisito constante no artigo 81.º, n.º 5, alínea a) do Código do IRS, importa notar que o rendimento de trabalho dependente foi tributado no Estado da fonte, em conformidade com o artigo 16.º, n.º 1, da CDT Portugal-EUA.
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Quanto ao requisito do artigo 81.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS, desde logo resulta dos artigos 10°, 11° e 20° da CDT Portugal-EUA que os rendimentos declarados pelas REQUERENTES no Anexo J poderiam ser potencialmente tributados nos Estados Unidos da América, tendo, inclusive, sido lá efetivamente tributados.
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Em razão do assim normativamente determinado, tem os Estados Unidos da América o poder de tributar, nos termos da CDT em apreço, os rendimentos declarados da primeira REQUERENTE e nesta conformidade, atento ao disposto na alínea a) do n.º 4 e alínea a) do n.º5, do artigo 81º do Código do IRS, não poderia a nobre Autoridade Tributária e Aduaneira deixar de aplicar o método de isenção enquanto método de eliminação da dupla tributação jurídica internacional.
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Em decorrência da invocada ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS, faz-se necessária a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do CPPT, uma vez que as REQUERENTES procederam ao pagamento de quantia indevidamente liquidada (€ 11.539,14)
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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Não obstante o disposto no n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, norma que determina a obrigatoriedade de apresentação de reclamação graciosa previamente à impugnação jurisdicional, as Requerentes omitiram este passo e impugnaram ab initio a liquidação junto do CAAD.
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Ora, como taxativamente decorre do PPA, o que as Requerentes pretendem com a presente lide é que seja reconhecido o estatuto de residente não habitual à Requerente A..., e, consequentemente que seja anulada a liquidação de IRS referente ao ano de 2022 que, na opinião defendida, é ilegal por não atender ao dito estatuto.
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Porém, nos termos da lei, o reconhecimento pretendido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo, assim, este conhecer, e/ou pronunciar-se sobre o mesmo.
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A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT.
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Os mesmos argumentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD supra suscitada aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual.
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Ou seja, se o indeferimento do pedido de inscrição como RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelas Requerentes não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.
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A impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
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A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal, conforme estabelece o n.º 10 artigo 16.º do CIRS.
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Concluindo, o benefício fiscal só se concretiza anualmente se existir facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e desde que o contribuinte declare e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e caso o sujeito passivo tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos.
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Ora, na situação dos autos, como as próprias Requerentes reconhecem, o pedido não foi feito no prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.
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Refuta-se, pois, a alegação de que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS para automaticamente beneficiar do estatuto de residente não habitual.
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Ainda que assim não fosse, como é, e que a posição defendida pelas Requerentes tivesse acolhimento legal, o que já vimos não se verificar, resulta claro que a Requerente A...não preenche os pressupostos para poder ser tributada, em 2022, como residente não habitual.
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Pois para tal era imprescindível que a Requerente A... não tivesse sido residente em Portugal nos cinco anos anteriores a 2022, tal como estabelece o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS.
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O que efetivamente não sucedeu, tendo em conta que reside em Portugal desde 08/10/2021.
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Tendo sido nessa qualidade de residente em Portugal que entregou a declaração de rendimentos modelo 3 para o ano de 2021 incumbe-lhes provar que os rendimentos inscritos na declaração de rendimentos apresentada consubstanciam a universalidade de todos os rendimentos auferidos e se e quais deles se enquadram no âmbito da isenção que resulta da aplicação dos artigos 81.º, n.º 5, do Código do IRS e da CDT Portugal/EUA, provando a sua natureza, quantificação e potencial sujeição a imposto no país de origem.
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Prova que, ao contrário do que parece resultar do P.P.A., não está feita, tendo em conta que os documentos ora juntos não demonstram o alegado.
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Por último, e em todo o caso, também soçobra o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios por alegado erro imputável aos serviços.
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Pois, ainda que a liquidação padecesse de ilegalidade, que não se vislumbra, sempre se teria de dizer que os requisitos para tais juros não se encontram reunidos, considerando que a liquidação ora impugnada resultou tão só da declaração entregue pelas mesmas, e não existiu impugnação administrativa prévia, cujo indeferimento, expresso ou tácito, alterasse a imputabilidade de eventual erro para a esfera da AT.
I.4 As Requerentes responderam da seguinte forma às exceções:
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Conforme se depreende de todos os pontos do pedido inicial, a ilegalidade invocada refere-se exclusivamente a uma liquidação que desconsiderou os benefícios fiscais associados ao regime de residente não habitual, os quais foram adquiridos pela Requerente ao abrigo do seu enquadramento nos parâmetros legais estabelecidos para o efeito.
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Não há qualquer menção, por parte da Requerente, a erro de declaração que exigisse que a impugnação ou o pedido de pronúncia arbitral fossem precedidos de reclamação graciosa.
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É evidente que o pedido dos Requerentes se fixa na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, matéria expressamente prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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Não se vislumbra que o pedido extravase o âmbito da competência material do Tribunal Arbitral, pois não envolve o reconhecimento de qualquer benefício fiscal ou matéria excluída da arbitragem tributária.
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O mesmo fundamento sustenta a inviabilidade da exceção relativa à impropriedade do meio processual arguida, uma vez que o ato impugnado é, inequivocamente, a liquidação de IRS, ilegal pela não aplicação dos benefícios legalmente adquiridos pela Requerente como Residente Não Habitual.
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O processo é o próprio.
Impõe-se apreciar a inimpugnabilidade do ato, a incompetência material e a impropriedade do meio processual, o que se fará infra.
III. – MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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Entre 2016 e 2020, a primeira REQUERENTE (A...) residiu e foi residente fiscal nos Estados Unidos da América.
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A primeira Requerente é residente em Portugal desde 08.10.2021
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A primeira REQUERENTE comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira e Aduaneira o seu novo domicílio fiscal em Portugal, através do Portal das Finanças, vindo a ser refletido no seu cadastro fiscal na data de 01 de outubro de 2021.
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Em 6 de abril de 2022 a primeira REQUERENTE tentou submeter o devido pedido de inscrição no Portal das Finanças como Residente Não Habitual (“RNH”), com efeitos ao ano de 2021.
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Contudo, o referido pedido não veio a ser passível de conclusão uma vez que o próprio Portal das Finanças indicava a informação de que o prazo fixado para os pedidos relativos ao ano de 2021 havia expirado no dia 31 de março de 2022.
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A primeira REQUERENTE apresentou em 04.06.2022 um pedido de inscrição para o ano de 2022, o qual veio a ser indeferido a 31 de março de 2023.
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A primeira REQUERENTE, na Declaração de IRS referente a 2022, adicionou o Anexo L.
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A Declaração Modelo 3 de IRS submetida não foi analisada e constava como “anómala” no sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira e Aduaneira.
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A 18 de junho de 2023, as REQUERENTES submeteram via Portal das Finanças, da sua Declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2022, em conjunto, retirando o anexo L.
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Nesta Declaração foram reportados, no Quadro 4 do Anexo J, rendimento do trabalho dependente com origem no estrangeiro (especificamente, nos Estados Unidos da América) auferidos pela primeira REQUERENTE no montante total de € 95.145,33, assim como imposto efetivamente pago no estrangeiro no montante de € 23.859,57 referente a este rendimento.
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As REQUERENTES declaram também, no quadro 8A do anexo J da sua Declaração, rendimentos de capitais com origem nos Estados Unidos da América, categorizados como dividendos, distribuições e juros, no montante total de € 92.499,25, tributados no Estado da fonte, no valor de € 21.024,42.
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As REQUERENTES incluíram ainda, no quadro 9.2-A do Anexo J, transações referentes a valores mobiliários realizadas durante o ano de 2022, que geraram uma menos-valia global no valor de € 11.468,56.
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A Declaração submetida deu origem à liquidação N.º 2024..., a 26 de março de 2024, de que resultou o valor de imposto a pagar de € 11.539,14.
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Os rendimentos indicados nos artigos 10, 11 e 12 foram declarados na declaração de rendimentos Americana e tributados.
III.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
III.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 14 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, dos documentos 1 a 9 juntos pelas Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral (doravante apenas ppa.), documento 1 junto pela Requerida, com a sua resposta, e pela posição assumida pelas partes.
IV. Do Direito
1. Inimpugnabilidade do Ato
A Requerida começa por alegar a inimpugnabilidade do ato sindicado (liquidação de IRS de 2022) por não ter sido precedida de uma reclamação graciosa, invocando o art. 140º, n.º2 do CIRS.
O art. 140º, n.º2 do CIRS prevê o seguinte:
2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.
O legislador utiliza o conceito de erro na declaração igualmente no art. 45º, n.º3 da LGT. Aqui a jurisprudência tem entendido que o erro evidenciado na declaração, significa “que se trate de erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa”. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo:00671/15.3BEPRT, de 08-02-2018
É o que nos dizem também vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o proferido no âmbito do Processo n.º 0991/15, de 24-05-2016:
II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.
Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, com o conceito constante do art.º 45.º, n.º 2 da LGT.
No caso em apreço, o erro em causa consiste na verificação, ou não, dos pressupostos para os rendimentos declarados das categorias A e E serem isentos de tributação, ou não. Ora, este erro não é detetável pela simples análise da declaração.
Mais, o conceito de erro na declaração de rendimentos, previsto no artigo 140.º, n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), refere-se à incorreção ou falha cometida pelo contribuinte ao declarar os seus rendimentos e outras informações fiscais. Essa incorreção pode ocorrer de diversas formas, como omissões, erros de cálculo ou a inclusão de dados incorretos. No caso em apreço, não se trata de um erro da contribuinte, mas sim, de uma atuação da Requerida que, através do seu sistema informático, impede as contribuintes de apresentarem o anexo L referente aos residentes não habituais. O que se discutem são erros de facto e de direito imputáveis à atuação da Requerida e não um erro das contribuintes na sua declaração de rendimentos. A Requerida, para sustentar a sua alegação, invoca o processo n.º 838/2019 do CAAD. Nesse processo, estão em causa despesas e encargos a considerar para efeitos do cálculo da mais-valia que não foram declarados pelos contribuintes e que pretendiam agora que fossem considerados. A situação factual é distinta do processo sub judice porque, aqui, o erro não é das contribuintes, justificando-se, assim, a não invocação e aplicação da citada decisão do CAAD.
Deste modo, não se tratando de um erro das contribuintes, não se subsume o caso sub judice ao previsto no art. 140º, n.º2 do CIRS.
Mais, a obrigatoriedade de impugnação administrativa prévia tem como objetivo desonerar os serviços da justiça, otimizando o acesso ao direito, com a apreciação de ações em que não há um verdadeiro litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte, por aquela ainda não ter assumido qualquer posição sobre a sua pretensão.
No caso em apreço, face à posição processual da Requerida, vertida no seu articulado, verificamos que o dissenso com as contribuintes persiste. Porquanto, exigir que as contribuintes previamente apresentem uma reclamação graciosa é inútil porque teria de ser indeferida face à decisão da AT de 31.03.2023 e constitui uma limitação do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º, n.º1 da CRP).
Deste modo, por não se tratar de um erro na declaração, nem de um erro das contribuintes não tem, aqui, aplicação o disposto no art. 140º, n.º2 do CIRS[1].
Por fim, importa também referir que a impugnação imediata da liquidação não é impeditiva do acionamento do mecanismo de troca de informações com os EUA. Se a Requerida quisesse acionar o referido mecanismo podê-lo-ia ter feito.
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Da Incompetência Material – Impropriedade do meio processual
A Requerida invocou na sua resposta a incompetência material do Tribunal Arbitral, uma vez que, no seu entender, o que está em causa é um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2022, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
Nos termos do referido artigo, compete a estes tribunais a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
A competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos no pedido de pronúncia arbitral. Como se decidiu na Decisão Arbitral proferido no processo n.º 262/2018-T[2], “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”
As Requerentes formulam um pedido muito concreto, no qual pedem a anulação do ato de liquidação de 2022. Não está, pois, em causa nos presentes autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo, como alega a AT.
Na verdade, as Requerentes não apresentaram o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do ato de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual. Por esta razão, o caso sub judice afasta-se do decidido nos processos do CAAD n.º796/2022 e n.º906/2023[3] e do Ac. do TC n.º 718/2017.
No caso em apreço, as Requerentes impugnaram o ato de liquidação, o qual teve por base, entre outros pressupostos, o não enquadramento das Requerentes no regime do residente não habitual.
Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal qual vem exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº1, alínea a) do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela AT.
Por igualdade de razões, estando em causa uma liquidação, improcede igualmente, com os fundamentos supra invocados, a alegada impropriedade do meio processual. O pedido de pronúncia arbitral é o meio processual adequado para sindicar a legalidade de uma liquidação de IRS (art. 10º, n.º2, als. b) e c) do RJAT).
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Da questão de fundo
A questão fundamental em causa no presente processo arbitral prende-se com a aferição da legalidade do ato tributário que constitui o seu objeto, à luz dos fundamentos que lhe servem de suporte.
Concretizando, está em causa apurar se aos rendimentos obtidos pelas Requerentes no ano de 2022, seria aplicável o regime de tributação dos residentes não habituais.
O regime fiscal do residente não habitual, em sede de IRS, foi introduzido no ordenamento jurídico português pelos artigos 23º a 25º do Decreto-Lei n.º 249/2009 de 23 de setembro, que aprovou o Código Fiscal do Investimento. Posteriormente, através da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, foram revogados aqueles preceitos, passando este regime a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
Dispunha o artigo 16.º do Código do IRS, com a redação em vigor à data dos factos (2022), o seguinte:
“(…)
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.
12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.
(…)”
Sustentam as Requerentes que o regime do residente não habitual se trata de um benefício automático que opera quando as meras condições objetivas de residência e de tempo de permanência no exterior, imediatamente reconhecíveis pela AT, estão preenchidas, pelo que não se pode denegar esse estatuto com base no incumprimento do prazo para requerer a inscrição como residente não habitual.
Aquando da emissão do ato de liquidação, a AT já tinha conhecimento de que a primeira Requerente queria exercer a faculdade de tributação como residente não habitual, para o ano de 2022, portanto, não pode invocar o seu desconhecimento como fundamento para se opor à aplicação do estatuto nesses anos.
Por sua vez, entende a Requerida que o regime do residente não habitual é um benefício fiscal sujeito a verificação e reconhecimento da AT.
Para a Requerida, o prazo fixado no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a inscrição como residente não habitual é um prazo perentório para o exercício do direito e as Requerentes não cumpriam os requisitos legais.
Conclui, assim, a Requerida que “sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido tal benefício reconhecido por falta dos pressupostos legais, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada que sustente o peticionado.”.
Vejamos:
Nos termos do n.º 9 do artigo 16.º do CIRS que acima transcrevemos, “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”.
Mais referido o n.º 8 do referido normativo que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Considerando o quadro legal à data dos factos, a tributação de acordo com o regime do residente não habitual, depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos:
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Que se torne fiscalmente residente em território português de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual;
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Que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos 5 anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual.
Resulta, portanto, que o benefício do regime dos residentes não habituais depende apenas do preenchimento dos requisitos do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, e da inscrição como residente em território português, e não da inscrição como residente não habitual.
A inscrição como residente não habitual prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS trata-se de uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito. Este é o entendimento plasmado pela jurisprudência em diversos processos que correram termos pelo CAAD (Proc. n.º 188/2020, 777/2020-T; 815/2021-T e 782/2021-T, 422/2023-T, 146/2024-T, 254/2024-T todos passíveis de consulta em www.caad.org.pt) e em cujos sumários se lê:
“A inscrição no registo de “residentes não habituais”, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.”
No mesmo sentido veja-se o Ac. do STA de 29.05.2024, proc. n.º 0842/23.9 BESNT:
I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.
Como resulta do ponto 6 dos factos provados, a primeira Requerente apenas em 04-06-2022, entregou o pedido de inscrição como residente não habitual, para 2022, entrega essa que não ocorreu, no prazo estipulado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, pelo que, como sustenta a Requerida, lhe estaria vedada a possibilidade de beneficiar daquele regime.
Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspetiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efetividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.
E, nem se diga, que não tendo a Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.
Mais, a não declaração relativa a períodos de tempo anteriores (2021), ainda que não permita que a contribuinte beneficie no regime de residente não habitual nesse exercício, não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual, nos exercícios subsequentes, respeitando-se o limite do prazo de 10 anos a contar da data a partir do ano, inclusive, em seja considerado residente em território português (2021). Neste sentido veja-se o Ac. do STA de 29.05.2024, proc. n.º 0842/23.9 BESNT:
III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.
Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo mas, meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto.
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Resulta da matéria de facto provada que a primeira Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores (2016, 2017, 2018, 2019 e 2020) àquele em que se tornou residente em Portugal (2021).
Resulta também dos factos provados que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal no ano de 2021.
Assim, encontram-se preenchidos os dois pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8 do CIRS de que depende o enquadramento no regime do residente não habitual.
Não tendo, como acima se referiu, o pedido de inscrição como residente não habitual, natureza constitutiva do direito a ser tributado enquanto tal e, cumprindo a primeira Requerente os requisitos materiais de que depende a aplicação daquele regime, sempre deveria a Requerente ser tributada em 2022 de acordo com aquele regime.
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Por fim, a Requerida alega que incumbe às Requerentes provar que os rendimentos inscritos na declaração de rendimentos apresentada, relativa a 2022, consubstanciam a universalidade de todos os rendimentos auferidos e se e quais deles se enquadram no âmbito da isenção que resulta da aplicação dos artigos 81.º, n.º 5, do Código do IRS e da CDT Portugal/EUA, provando a sua natureza, quantificação e potencial sujeição a imposto no país de origem.
Porém, o art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.).
Não obstante, esta presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2, do art. 75º da LGT, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção. Ora, in casu, a presunção verifica-se, pois não resulta qualquer das circunstâncias enunciadas naquele n.º 2, do art. 75 da LGT, que possam fazer cessar a presunção.
Portanto, uma análise que a Requerida classifica como “genérica” (art. 54º da resposta) da declaração de rendimentos Americana das Requerentes é manifestamente insuficiente para afastar a presunção de veracidade de que beneficia a declaração de IRS apresentada pelas Requerentes em Portugal.
Uma vez que os rendimentos da categoria A, declarados pelas contribuintes, têm origem no estrangeiro e tendo aí sido tributados, devem os mesmos ser isentos de tributação em território nacional (arts. 81º, n.º4, al. a) do CIRS e 16º, n.º1 da CDT Portugal-EUA).
Quanto aos rendimentos de capitais (categoria E – dividendos e juros), tendo origem no estrangeiro e tendo sido aí tributados, devem os mesmos ser isentos. (arts. 81º, n.º5, al. a) do CIRS, 10º, n.º1 e 11º, n.º1 da CDT Portugal-EUA).
Face ao exposto, deve ser anulada a liquidação de IRS objeto da presente ação arbitral e subsequentemente efetuada uma nova liquidação onde, os rendimentos de capitais e de trabalho dependente declarados, ambos com origem no estrangeiro, devem ser isentos de tributação.
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Juros Indemnizatórios
As Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas sobre o regime residente não habitual e ficou demonstrado que a liquidação de IRS padece de erro de direito imputável à AT, vício para o qual as Requerentes em nada contribuíram.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que as Requerentes pagaram indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular o ato de liquidação de IRS n.º 2024..., com um valor a pagar de € 11.539,14, relativo a 2022;
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Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €11.539,14, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 03 de janeiro de 2025
O Árbitro
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(André Festas da Silva)
[1] Neste sentido Cf. decisão do CAAD, proc. n.º 740/2022, 10.10.2023
[3] A Requerida invoca também o processo n.º 651/2024 do CAAD. Contudo, não estando o mesmo divulgado (https://www.caad.org.pt/) não nos é possível pronunciar sobre o seu conteúdo.