Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 853/2024-T
Data da decisão: 2024-12-30   Outros 
Valor do pedido: € 37.723,24
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR) - Competência dos Tribunais Arbitrais – Legitimidade – Prova da repercussão
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um imposto, não se verificando, nem a incompetência do tribunal em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. As entidades que suportam o encargo tributário da CSR por efeito da repercussão, não obstante terem legitimidade processual (activa) para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão, devem efectuar prova da mesma porquanto a repercussão não pode assentar em juízos presuntivos.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente –A..., S.A.,

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 13-09-2024, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1.  A..., S.A., com o NIPC..., com sede na ..., ..., Chaves (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 07-07-2024, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) considerando o indeferimento tácito da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – Alfândega de Braga, (…), do pedido de revisão oficiosa efetuado (…) nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), identificado sob o n.º ...2023..., na parte que respeita à liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), subjacente às liquidações do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), que lhe foram imputadas, enquanto repercutida, no abastecimento das suas viaturas, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, no valor total de € 37.723,24 (…)”, com vista “(…) à obtenção da declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR (…) identificadas, bem como, e em termos mediatos, à declaração de ilegalidade desses atos de liquidação, com a consequente anulação das mesmas e dos correspondentes atos de repercussão, e inerente restituição dos montantes em causa, porquanto indevidamente pagos pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios que venham ser devidos à taxa legal aplicável (…)”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 08-07-2024 e notificado, em 11-07-2024, à Requerida.

 

  1. Em 07-08-2024, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, no sentido de “(…) informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário (…) que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que (…) a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo (…), do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral (…), sendo que “(…) sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT”. Assim, a Requerida veio solicitar que fossem “(…) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada”.

 

  1. Na mesma data, a Requerente foi notificada de despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que “(…) na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)”.

 

  1. Em 26-08-2024, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 13-09-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de referir que “(…) as questões acima suscitadas deverão ser apreciadas numa fase posterior do processo, mandando-se assim notificar, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional. Adicionalmente, deverá ser remetido a este Tribunal Arbitral, pela Requerida, dentro do prazo de apresentação da Resposta, cópia do processo administrativo (se aplicável), aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no nº 5 do artigo 110º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

 

  1. A Requerida, em 21-10-2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que deverá “a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral,; Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

  1. Na mesma data, a Requerida anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 22-10-2024, foi a Requerente notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela Requerida na sua Resposta.

 

  1. Por requerimento apresentado em 05-11-2024, a Requerente apresentou defesa às excepções no sentido de que “todas as defesas por exceção apresentadas pela Requerida deverão decair porquanto atentam contra a realização do Estado de Direito e assentam numa estratégia de desresponsabilização daquela, porquanto tenta evitar a todo custo a análise de mérito da causa arbitral, além de imputar encargos desproporcionais sobre a Requerente, enquanto repercutida, não tendo a Requerida em todo este processo, inclusive, na fase do procedimento de revisão oficiosa, cumprido com qualquer diligência inquisitória ou investigatória, tudo com a finalidade de, mais tarde, utilizar essa pretensa falta de instrução a seu favor, o que aqui fez de forma totalmente inaceitável”, reiterando que “(…) os pedidos ínsitos na sua petição inicial (…)”.

 

  1. Por despacho arbitral de 08-11-2024, foram as ambas as Partes notificadas no sentido de “(…). 1. Dispensar da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; 2. Determinar que o processo [prosseguisse] com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais; 3. Agendar a prolação da decisão arbitral para o dia 27-12-2024. Por último, o Tribunal Arbitral [notificou] ainda a Requerente que, até ao termo do prazo para alegações, [deveria] proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 14-11-2024).

 

  1. A Requerida apresentou alegações em 18-11-2024, referindo que “não se constatam quaisquer elementos passíveis de alterar o entendimento da Requerida já expendido em sede de Resposta”, “pelo que, sob pena de a Requerida incorrer, nesta sede, numa mera repetição inútil, não havendo nada de novo, com relevância, nos autos sobre que a AT se possa pronunciar, remete-se e dá-se por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado”, concluindo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. A Requerente apresentou alegações em 19-11-2024, reiterando “(…) toda a fundamentação aportada no seu pedido de pronúncia arbitral (PPA), bem como os respetivos pedidos nela efetuados”.

 

 

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

  1. A Requerente começa por referir que “(…) enviou no dia 21 de dezembro de 2023, através de carta registada com aviso de receção, sob o código de envio RL...PT, um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º, n.1, da LGT, dirigido ao Senhor Diretor da Alfândega de Braga (…)”, tendo “a receção deste pedido de revisão oficiosa [sido] confirmada pela AT no dia 22 de dezembro de 2023 (…)”.

 

  1. Esclarece a Requerente que “nesse pedido de revisão oficiosa, (…), com base no previsto no art.º 78.º da L.G.T., se requer a V. Exa a revisão da liquidação da Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR) paga por esta sociedade nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, respetivamente nos valores de € 4.749,02, € 11.086,13, € 12.707,84 e € 12.596,72, respetivamente, por força da ilegitimidade da liquidação desse imposto incluída no imposto especial sobre o consumo de produtos petrolíferos, repondo a legalidade nos termos julgados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (…), conforme Despacho da 8.ª Secção, de 7 de fevereiro de 2022 e das subsequentes sentenças/decisões do Tribunal Arbitral Tributário – Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sobre esta mesma matéria, pelo que requer a V. Exa. proceda à respetiva autorização de reembolso”.

 

  1. Acrescenta a Requerente que, “no caso concreto, o indeferimento tácito ocorreu quatro meses depois da entrada do pedido de revisão oficiosa, pelo que se considera que a presente ação arbitral tributária é, para os devidos efeitos legais, apta a apreciar a legalidade dos atos de liquidação subjacentes, bem como plenamente tempestiva”.

 

  1. Refere a Requerente que “(…) é uma sociedade por quotas constituída em 1977, cujo objeto social visa a “Exploração industrial de artefactos de cimento e betão pré-esforçado e comercialização de todos os materiais de construção”, (…)” e que “no âmbito da prossecução destas atividades empresariais, a Requerente dispõe de uma frota de veículos e de máquinas” tendo “(…) nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, [adquirido] (…), com o subsequente consumo, 339.849,00 litros de gasóleo (…)”.

 

  1. Acrescenta a Requerente que “no custo de cada litro de gasóleo adquirido e consumido pela Requerente está incluído um imposto, sob a designação de “Contribuição de Serviço Rodoviário”, (…), no valor de € 0,111 por cada litro de combustível (…)”.

 

  1. Remetendo para o regime legal que vigorou até 31-12-2022, a Requerente refere que “(…) a CSR seria devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (Código dos IEC’s), na LGT e no CPPT, com as devidas adaptações” e “(…) sendo o ISP um IEC, o encargo da CSR acabava por recair efetivamente sobre o consumidor final, in casu, a aqui-Requerente”.

 

  1. Prossegue referindo que “(…) tal como está consagrado no artigo 18.º, n.4, alínea a), da LGT, quem suporta o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão (económica)” pelo que entende que “(…) nenhuma dúvida poderá haver acerca da legitimidade da aqui Requerente, enquanto repercutida da CSR”.

 

  1. Assim, segundo entende a Requerente, “(…) nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR e respetivos atos de repercussão, além de que esses atos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível qual seja as faturas emitidas pelo fornecedor do combustível, e que consubstanciam a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade adquirente” e, “(…) não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto (…)”.

 

  1. Por outro lado, e no que diz respeito à natureza da CSR, entende a Requerente que se trata de “(…) um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respetivos atos de liquidação e correlativos atos de repercussão”.

 

  1. No que diz respeito ao pedido propriamente dito, a Requerente suporta os mesmo na interpretação emanada pelo TJUE [no Despacho de 7 de Fevereiro de 2022 (processo C-460/2021)] de “que o regime legal da CSR violava a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos IEC’s”, alegando a Requerente que “(…) outra não poderá ser a Decisão Arbitral a ser emanada do que aquela que declare a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como, a título mediato, a ilegalidade, e por consequência, a sua anulação, das liquidações de CSR aqui impugnadas e seus atos de repercussão” considerando que “(…) estes atos padecem de flagrantes ilegalidades, porquanto assentam em pressupostos de direito desajustados do normativo jurídico aplicável, em virtude da preterição do artigo 1.º, n.2, da Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (Diretiva IEC) e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.4, da Constituição da República Portuguesa”, “pelo que, ao reconhecer estes vícios de violação de lei, este (…) Tribunal Arbitral estará a observar os princípios da JUSTIÇA e do DIREITO, o que desde já se requer”.

 

  1. Por outro lado, “(…) considera a Requerente que este (…) Tribunal Arbitral, procedendo à anulação das liquidações de CSR aqui visadas, deverá ainda determinar as inerentes consequências previstas legalmente e, entre elas, além da devolução deste imposto pago pela Requerente, enquanto repercutida, está o ressarcimento desta através dos exigíveis juros indemnizatórios (…)”, vindo requerer “(…) o pagamento dos devidos juros indemnizatórios, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto pago indevidamente”, os quais “(…) deverão ser calculados à taxa legal de 4%, (…), sobre o montante indevidamente cobrado, sendo contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito (…)”.

 

  1. Assim, conclui a Requerente o pedido, requerendo que “(…) seja julgada provada e procedente a presente ação arbitral tributária e, consequentemente, declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa identificado (…), bem como, em termos mediatos, seja declarada a ilegalidade das liquidações de CSR aqui visadas, com a consequente anulação dos correspondentes atos de repercussão, por vício de violação de lei, assente em erro nos pressupostos de direito, dada a sua desconformidade com o Direito Comunitário, e mais especificamente com o artigo 1.º, n.2, da Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, com todas as demais consequências legais, nomeadamente a determinação do reembolso à aqui-Requerente dos valores pagos a este título, a que deverão acrescer os juros indemnizatórios peticionados, à taxa legal aplicável, sobre o montante indevidamente cobrado, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto pago indevidamente”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida, na Resposta apresentada, apresentou defesa por excepção e por impugnação, começando por referir que “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral se encontra desprovido de qualquer fundamento de facto ou de direito, pelo que deverá ser, consequentemente, declarado totalmente improcedente, por não fundado e não provado”.

 

  1. Preliminarmente, alega a Requerida que “vem a Requerente, na sequência da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 22.12.2023, (…), requerer a apreciação da legalidade do indeferimento tácito (…)” daquele pedido “(…) e dos alegados atos de liquidação da (…) CSR, no período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022” e, “em consequência (…) requer a anulação dos referidos atos (…) tributários, bem como o reembolso (…) do montante de 37.723,24 €, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, a Requerente fundamenta o pedido com base nos seguintes factos:

 

1)Ter a fornecedora de combustível, B... SA, (…) apresentado as declarações de introdução no consumo (“DIC”) que deram origem aos atos de liquidação de Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”) e entregue ao Estado os respetivos valores, enquanto sujeitos passivos da relação jurídico-tributário; 2)Ter a fornecedora repercutido integralmente o valor da CSR a jusante na esfera da Requerente; 3) Ter a Requerente, enquanto adquirente de produtos petrolíferos pago/suportado na íntegra a CSR, por via da repercussão legal da mesma no preço dos combustíveis adquiridos; 4) Existir desconformidade entre a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e a Diretiva 2008/118/CE, bem como a desconformidade das normas internas que edificaram o regime da CSR, face ao direito da União Europeia (“UE”); 5) Existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), resultante da aplicação de norma interna desconforme ao Direito da União Europeia; 6) Existência do dever de anulação de atos tributários objetos do presente processo e consequente direito da Requerente ao reembolso dos montantes pagos a título de CSR, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

3.4.    Começando por efectuar o enquadramento fáctico-normativo da CSR e o contexto actual, conclui a Requerida que “(…) tendo em conta que a CSR foi considerada um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, (…), tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07.02.2022, no âmbito do Proc. nº C-460/21, importa referir que a questão jurídica relacionada com a alegada ilegalidade da liquidação da CSR, (…), tem vindo a ser suscitada junto do CAAD por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR”.

 

  1. De seguida, alega a Requerida, em ponto prévio, que “(…) vem a Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) requerer a anulação das liquidações identificadas de CSR, com o fundamento de ter (…) “suportado” na íntegra a CSR, apurando o (alegado) valor de reembolso com base em faturas”, contrapondo a Requerida que “são, assim, chamados à colação dois tipos de documentos distintos: (a) a liquidação de CSR, que é apurada através do Documento de Introdução ao Consumo (DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, (…) bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação, e (b) a fatura, um documento fiscalmente relevante (…)”, realçando a Requerida que “da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e impugnável nos termos do artigo 51º (…) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)” mas “já da fatura não resulta qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária”.

 

  1. Alega ainda a Requerida que “é doutrinaria e jurisprudencialmente pacífico que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta”, “o que significa, que não sendo o legislador tributário alheio ao regime da repercussão, (…), não deve a Requerente, uma vez mais de forma equívoca, vir fundamentar a sua legitimidade em interpretações sem correspondência na letra da lei”.

 

Defesa por excepção

 

  1. No que diz respeito à defesa por excepção, suscita a Requerida a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, a excepção da ineptidão da Petição inicial por falta de objecto e por ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir e a excepção da caducidade do direito de acção, sendo a referida matéria analisada no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

Defesa por impugnação

 

  1. Adicionalmente, a Requerida apresenta defesa por impugnação, referindo que “(…) confrontando o alegado pela Requerente com os documentos anexos aos autos, facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que esta tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão”.

 

  1. Não obstante, reconhece a Requerida que “(…) a fornecedora de combustível da requerente é titular de estatuto fiscal, podendo, enquanto tal, ter sido sujeito passivo de imposto nas liquidações em causa”, mas alega que “(…) tal questão perde relevância face à circunstância de a documentação que é junta ao pedido arbitral não fundamentar (…) o que é alegado pela Requerente”.

 

  1. Considera a Requerida que “analisado que foi o conjunto de faturas, é de concluir que estas são idóneas, provando a celebração das aludidas transações”, mas “(…) nada é referido nas faturas acerca da CSR, nem, muito menos, quanto à sua repercussão na esfera da Requerente, não comportando estas qualquer elemento que espelhe o pagamento da referida contribuição” reiterando que “(…) não existe qualquer regime de repercussão legal associado a esta contribuição”.

 

  1. Assim, conclui a Requerida que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR (…)” sendo que “(…) o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque”, “pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência (…) inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa”.

 

  1. Prossegue a Requerida referindo que “(…) mesmo que não resultando provada pela Requerente a circunstância da repercussão da CSR na sua esfera pelo sujeito passivo, a verdade é que esta também nunca poderia ser presumida” porquanto estamos “(…) perante uma repercussão meramente económica ou de facto, e não uma repercussão legal (…)”.

 

  1. Adicionalmente, refere a Requerida que “impendia (…) sobre a Requerente, o ónus de provar que o preço dos serviços que prestou aos seus clientes se realizou livre de repercussão da CSR, única forma de sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo total daquele tributo” porquanto, “nesse âmbito, seria essencial que fossem identificadas as DICs e as liquidações a montante, e em que períodos, o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral”, considerando que “apenas desse modo se acautelando a duplicação de pedidos de reembolso de CSR, porquanto é possível aos sujeitos passivos de ISP/CSR solicitar o reembolso de CSR que considerem indevidamente pago, através de pedido de revisão oficiosa e impugnações judiciais (…)”.

 

  1. Por outro lado, alega a Requerida que “(…) nunca e em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado nesse sentido”, “não estando, portanto, o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia (…) referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare”.

 

  1. E agindo (…) em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor”, não se verifica “(…) no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

 

 

  1. Adicionalmente, refere a Requerida que “(…) inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”, concluindo a Requerida, citando jurisprudência do TJUE, que “(…) ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efetuada a prova da repercussão económica da CSR, o Estado-Membro, pode recusar/opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional”, “pelo que, nessa medida, se impugna igualmente o alegado pela Requerente no pedido arbitral” e, “(…) por mero dever de cautela e raciocínio, (…), se impugna para os devidos efeitos legais o invocado no pedido arbitral que esteja em contradição com o teor da (…) Resposta”.

 

  1. Por último, e no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, vem a Requerida referir que “(…) seguindo a abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, (…), entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta, defendendo que “face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir (…) no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios” pelo que “nestes termos e nos demais de Direito (…) deverá: a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

  1. SANEADOR

 

  1. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Neste âmbito, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo tendo em conta a sua apresentação no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da caducidade do direito de acção suportada na intempestividade do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado e, em consequência, na intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

  1. A Requerida veio ainda suscitar, na Resposta apresentada, e para além das excepções acima já referidas, a excepção da ineptidão da Petição Inicial pela alegada falta de objecto e por ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir, a qual será também considerada como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

 

 

Dos factos provados

 

5.3.    Requerente é uma sociedade por quotas constituída em 1977, cujo objecto social visa a “Exploração industrial de artefactos de cimento e betão pré-esforçado e comercialização de todos os materiais de construção”, tal como se afere por consulta à certidão permanente acessível mediante o código..., em conformidade com o documento anexado aos autos pela Requerente (doc. nº 3).

 

  1. No âmbito da prossecução destas actividades empresariais, a Requerente dispõe de uma frota de veículos e de máquinas.

 

  1. No âmbito da sua actividade, a Requerente adquiriu à B... gasóleo rodoviário (339.849 litros), no período de 12/2019 a 12/2022, alegando tendo suportado CSR no montante de EUR 37.723,24, em conformidade com os documentos anexado aos autos pela Requerente (docs. nºs 4, 5, 6 e 7), como a seguir se detalha para cada um dos anos:

 

DESCRITIVO

ANO 2019

ANO 2020

ANO 2021

ANO 2022

TOTAL

GASÓLEO (LITROS)

12.005

99.875

114.485

113.484

339.849

CSR (EUR)

1.332,56

11.086,13

12.707,84

12.596,72

37.723,24

 

 

Descritivo Ano de 2019 Ano de 2020 Ano de 2021 Ano de 2022 Total

  1. O montante da CSR quantificada no pedido teve por base o rácio de EUR 111 por cada 1.000 litros de gasóleo (artigo 4º, nº 2 da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, em vigor à data dos factos).

 

  1. A Requerente anexou, para cada um dos períodos objecto do pedido (12/2019 a 12/2022), cópia das facturas emitidas pela fornecedora dos combustíveis (B...), nas quais não há evidência de qualquer repercussão de CSR, em conformidade com os docs. nºs 4, 5, 6 e 7anexados com o ppa.

 

  1. Em cada uma das facturas emitidas pela B... (em dois tipos de modelos de layout), cujas cópias foram anexadas ao processo (docs. nºs 4, 5 6 e 7), é identificado o nº da fatura, a data de emissão e a data de vencimento da mesma, o Cliente (no caso, a Requerente), o produto adquirido, a quantidade, o preço, o valor ilíquido, os descontos, o IVA (taxa e montante) e o valor líquido.

 

  1. Das referidas facturas consta ainda a indicação das contas do SNC utilizadas (pela Requerente) para os registos contabilísticos dos gastos associados com a aquisição dos combustíveis adquiridos, bem como a menção de que o montante de cada uma das referidas facturas se encontra pago, com indicação da data e do meio de pagamento (no caso, ou através da identificação de cheques emitidos pela Requerente, no valor de cada uma das facturas ou com a indicação de transferência bancária).

 

  1. A Requerente enviou, em 21-12-2023, através de através de carta registada com aviso de receção (RL...PT), um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78º, nº 1, da LGT, dirigido ao Senhor Diretor da Alfândega de Braga, abrangendo os actos de liquidação de ISP relativos aos períodos de 01/07/2019 a 31/12/2019, de 01/01/2020 a 31/12/2020, de 01/01/2021 a 31/12/2021 e de 01/01/2022 a 31/12/2022, liquidadas e pagas pelo sujeito passivo de ISP (no caso, a B...) na parte correspondente à CSR alegadamente paga (através do mecanismo de repercussão), pela Requerente, no total de EUR 41.139,71, em conformidade com os documentos anexados aos autos pela Requerente (doc. nº 1 e 2), sendo a correspondência do montante alegadamente suportado em cada um daqueles anos o que a seguir se indica:

 

DESCRITIVO

ANO 2019

ANO 2020

ANO 2021

ANO 2022

TOTAL

GASÓLEO (LITROS)

42.784

99.875

114.485

113.484

370.628

CSR (EUR)

4.749,02

11.086,13

12.707,84

12.596,72

41.139,71

 

 

  1. A receção do pedido de revisão oficiosa identificado no ponto anterior foi confirmada pela AT no dia 22-12-2023, em conformidade com o documento anexado aos autos pela Requerente, tendo sido atribuído ao processo o nº ...2023... (doc. nº 2).

 

  1. A Alfândega de Braga não se pronunciou, dentro do prazo de quatro meses, sobre o pedido de revisão oficiosa tendo, em consequência, se formado, em 22-04-2024, a presunção de indeferimento tácito ao abrigo do disposto 57º, nº 1 da LGT.

 

  1. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, em 07-07-2024, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa identificado no ponto anterior, bem como dos actos de liquidação de CSR relativos aos períodos de 12/2019 a 12/2022, alegadamente suportada pela Requerente, peticionando a inerente devolução do montante total alegadamente suportado (EUR 37.723,24), acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal aplicável, sobre aquele montante, a liquidar a final, “contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito”.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente (com o ppa) e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se provou que a Requerida tenha efectuado qualquer diligência na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, designadamente, tendo em vista apurar junto da entidade emitente das facturas de venda de combustíveis (B...) à Requerente quais as liquidações de ISP/CSR que lhe estavam subjacentes.

 

  1. Não se provou quais as liquidações que a Requerida emitiu relativamente ao combustível fornecido à Requerente pela B..., nem se provou que a Requerida não pudesse apurar quais as liquidações relacionadas com as vendas de combustíveis à Requerente.[2]

 

  1. Não se provou que a Requerente pudesse identificar as liquidações de ISP/CSR pois não é sujeito passivo e não tinha de ser notificada das liquidações.

 

  1. Da cópia das facturas de aquisição de combustíveis anexadas aos autos pela Requerente não resulta provado que a fornecedora de combustíveis (no caso, a B...) tenha repercutido, na Requerente, a CSR suportada nas liquidações de ISP (vide pontos 5.7. e 5.8., supra).

 

  1. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) considerando o indeferimento tácito da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – Alfândega de Braga, (…), do pedido de revisão oficiosa efetuado (…) nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), identificado sob o n.º ...2023..., na parte que respeita à liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), subjacente às liquidações do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), que lhe foram imputadas, enquanto repercutida, no abastecimento das suas viaturas, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, no valor total de € 37.723,24 (…)”, com vista “(…) à obtenção da declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR (…) identificadas, bem como, e em termos mediatos, à declaração de ilegalidade desses atos de liquidação, com a consequente anulação das mesmas e dos correspondentes atos de repercussão, e inerente restituição dos montantes em causa, porquanto indevidamente pagos pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios que venham ser devidos à taxa legal aplicável (…)”.

 

6.2.    A Requerida, na Resposta, apresentou defesa por excepção e por impugnação, concluindo que deverá “face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir (…) no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios” pelo que “nestes termos e nos demais de Direito (…) deverá: a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

Matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

6.3.    Preliminarmente à apreciação do mérito do pedido importa apreciar as excepções suscitadas pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da ineptidão da petição inicial por falta de objecto, da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir e da caducidade do direito de acção), começando pela excepção da incompetência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT].

 

Excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

6.4.    A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, alegando que “sendo certo que (…) está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais, dispõe o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março que os serviços e organismos (…) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro”, “do (…) exposto decorre (…) que o legislador pretendeu restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD ao âmbito de pretensões que respeitam, especificamente, a impostos, não se incluindo (…) tributos de outra natureza, tais como as contribuições” pelo que, estando “(…) no caso em apreço (…) em causa a apreciação da legalidade da (…) (CSR) e respetivas liquidações”, e sendo esta “(…) uma contribuição (…)”, as matérias sobre a CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária “(…) por ausência de enquadramento legal”.

 

6.5.    Assim, segundo entende a Requerida, citando diversas decisões arbitrais, que “(…) o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, para indicar que não se poderia aceitar (…) que fosse atribuída à CSR a designação de contribuição se legislativamente se pretendesse que ele fosse considerada como um imposto (…)” e que “(…) é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a imposto, está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente á atribuída tal designação (…)”, não se “(…) estando a reportar a tributos que pela lei são denominados como taxas (…)”.[3]

 

6.6.    Assim, face ao que alega, conclui a Requerida que “(…) os tribunais arbitrais do CAAD carecem de competência material para conhecer do mérito do pedido em apreço” pelo que entende que “(…) estamos perante uma exceção dilatória (...), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”.

 

6.7.    Mas, “ainda que assim não se entenda, [alega a Requerida que] (…) sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria (…)” porquanto, “(…) resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral e da sua fundamentação que o que a Requerente vem suscitar, junto desta instância arbitral, é a legalidade do regime da CSR, no seu todo” mas, “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação” e, “não consentindo este contencioso o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação”, “não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões”, entende a Requerida que se afigura “(…) inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem”, enumerando diversas decisões arbitrais e de tribunais superiores

 

6.8.    E, acrescenta, ainda que se admitisse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, “(…) nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação” porquanto “(…) independentemente da natureza jurídica que se confira aos atos de repercussão (…), a verdade é que (…) não são atos tributários em sentido lato (…)”, concluindo que “(…) esta circunstância não se subsume a qualquer das realidade visadas pelo artigo 2.º do RJAT (…)”, pelo que entende que se verifica a “(…) exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”, “motivo pelo qual deverá o (…) tribunal declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância”.

 

6.9.    A Requerente, na resposta às excepções suscitadas veio, no que diz respeito à da incompetência do Tribunal Arbitral, referir que “ao contrário do sustentado pela Requerida, a CSR consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação, tal como foi reconhecido, verbi gratia, pelas Decisões Arbitrais (…)” que enumera.

 

6.10.  Adicionalmente, refere a Requerente que no que diz respeito à questão de ser alegadamente suscitada a legalidade do regime da CSR, no seu todo (artigo 71º da Resposta) alega a Requerente que “(…) atentando-se no pedido da Requerente afere-se de imediato que a mesma nunca suscitou a ilegalidade concreta do diploma, mas antes a sua ilegalidade abstrata ou absoluta, em razão da sua desconformidade com o Direito Comunitário, e mais especificamente com o artigo 1.º, n.2, da Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008” sendo que “(…) a Doutrina e a Jurisprudência têm vido qualificar como ilegalidade abstrata da liquidação, distinguindo-a assim da Ilegalidade em concreto, já que o que está em causa não é a mera legalidade do ato tributário, mas sim a do tributo, ou seja, a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado”.

 

6.11.  Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.

 

6.12.  A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida no Acórdão proferido no âmbito do processo P 227/2024-T, de 10-12-2024, no qual a signatária desta decisão foi Relatora, adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.

 

6.13.  Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.14.  O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos e, o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.[4]

 

6.15.  A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

 

6.16.  A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

 

6.17.  Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

 

6.18.  Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.19.  Note-se que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165º, nº 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

6.20.  Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos (artigo 4º da LGT).

 

6.21.  Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

 

6.22.  A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.

 

6.23.  Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.

 

6.24.  Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.

 

6.25.  Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

6.26.  Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

 

6.27.  A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3º).

 

6.28.  Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, nº 1), sendo que o produto da CSR constitui receita própria da denominada IP (artigo 6º).

 

6.29.  Adicionalmente, a actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)) sendo que naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

6.30.  Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

 

6.31.  Com efeito, como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva, sendo estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3º, nº 2), agora denomina IP, entidade titular da receita correspondente (artigo 6º).

 

6.32.  No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da actividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3º, nº 2).

 

6.33.  Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da actividade administrativa (que se encontra atribuída à IP) é imputável aos sujeitos passivos da contribuição (que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários) porquanto, o artigo 2º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável”, sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela agora denominada IP.

 

6.34.  Contudo, verifica-se que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a), do Código dos IEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

6.35.  Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) porquanto:

 

6.35.1.   A CESE (criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014), é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional;

6.35.2.   A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11º);

6.35.3.   A CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas;

6.35.4.   A CESE não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

 

6.36.  Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

6.37.  E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 714/2020-T, de 12-07-2021).

 

6.38.  Aos argumentos acima apresentados, acresce ainda o relativo ao facto de, segundo a jurisprudência do TJUE, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, competir ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional. [5]

 

6.39.  Não obstante, refira-se que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo nº 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto mas, na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o TJUE, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto, nos termos do qual ficam abrangidas quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado de “todo o efeito útil”. [6]

 

6.40.  Ou seja, para o TJUE, o tributo instituído pela lei portuguesa (e que esta designou por “contribuição”) constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118 porquanto foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respectiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei nº 55/2017, de 31 de Agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1º, nº 2 da Diretiva 2008/118.[7]

 

6.41.  Assim, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8º, nº 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão nº 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

 

6.42.  Nestes termos, face ao acima exposto, improcede a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de liquidações de ISP/CSR referentes aos períodos identificados (de 12/2019 a 12/2022), bem como declaração de ilegalidade desses actos de liquidação e inerente restituição do montante total da CSR alegadamente suportada, acrescida de juros indemnizatórios, com fundamento na desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, concluindo-se pela competência do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.[8]

 

Questão da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

 

6.43.  Neste âmbito, a Requerida refere que “(…) apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago” pelo que considera que “(…) apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos (…) que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.

 

6.44.  “Como tal, no âmbito dos IEC (…), os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto”, “estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais)”.

 

6.45.  Assim, “(…) no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dso repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro”.

 

6.46.  “Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo (…) não tem legitimidade (…) nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral”, porquanto entende a Requerida que “(…) é inaceitável (…) que a Requerente solicite à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado”.

 

6.47.  Por outro lado, alega a Requerida que “(…) a Requerente parte do pressuposto errado de que ocorre, no âmbito da CSR, a repercussão legal desta contribuição, quando (…) a repercussão aqui em causa tem uma natureza meramente económica ou de facto”, considerando a Requerida que “(…) do ponto de vista doutrinário (…)”, “(…) a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto (…)” e,  “(…) contrariamente ao que a Requerente alega, não existe, no âmbito da CSR, um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis”, pelo que “(…) o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis, não resultando essa realidade provada pelos documentos que a Requerente anexa ao seu pedido arbitral”, insinuando a Requerida que a Requerente, enquanto sociedade comercial, “(…) tem ao seu dispor a possibilidade de repassar no preço dos serviços prestados os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente”.

 

6.48.  Nestes termos, reitera a Requerida que “(…) no âmbito da CSR não se observa uma repercussão legal, assistindo-se, sim, à mera possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final”, “daqui decorrendo a falta de legitimidade da Requerente na presente ação”, enumerando diversas decisões arbitrais.

 

6.49.  Adicionalmente, reitera ainda a Requerida que “(…) no caso em apreço, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo. Isto porque não é claro que a Requerente não haja repassado no preço dos serviços prestados aos seus clientes” porquanto “(…) das faturas juntas aos autos apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto”. Ou seja, entende a Requerida que “(…) a Requerente não logra fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis à sua fornecedora e que, nessa sequencia, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado a jusante, no preço dos serviços por si prestados)”, sendo “(…) de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado”.

 

6.50.  Consequentemente, entende a Requerida que “(…) a Requerente não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral (…)” e, “a aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar os pedidos de revisão e da anulação parcial das liquidações de ISP (…), poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias (…) a diversas entidades com base nos mesmos (…) factos, sem qualquer possibilidade de controlo”.

 

6.51.  Assim, para a Requerida, “(…) inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância. Ou, caso assim se não entenda, carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória (…), devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

6.52.  A Requerente, na resposta às excepções, veio reiterar, nesta matéria, que “(…) enquanto repercutida, tem legitimidade plena para impugnar os atos de liquidação aqui visados, tal como foi reconhecido por múltiplas Decisões Arbitrais”.

 

6.53.  Cumpre analisar.

 

6.54.  O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos sendo que, no artigo 2.º da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto (nas datas a que se reporta o pedido - anos de 2020 a 2022) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (…) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.55.  Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 (...) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (sublinhado nosso).

 

6.56.  Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

 

6.57.  Assim, não se coloca a questão da possibilidade de pedidos de reembolso sucessivos pela Autoridade Tributária e Aduaneira pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

 

6.58. Com efeito, é corolário da jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (é essencialmente este o regime que no artigo 132.º do CPPT se prevê para os casos de impugnação em caso de substituição com retenção na fonte, que deve considera-se aplicável, por analogia, a todos os casos de substituição).[9]

 

6.59.  Assim, no caso em análise, se se concluir que houve repercussão do tributo, será a entidade repercutida quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP), sendo essa legitimidade assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18º, nº 4, alínea a), 54º, nº 2, 65º e 95º, nº 1, da LGT, conjugados com os nºs 1 e 4 do artigo 9º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

 

6.60.  Analisando a questão de que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar (segundo entende a Requerida) a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA (subsidiariamente aplicável), e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor.

 

6.61. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o Requerente a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da acção.[10]

 

6.62.  Alegando a Requerente, no pedido, que pretende impugnar os actos tributários de liquidação da CSR incidentes, em determinado período de tempo (Dezembro/2019 a Dezembro/2022), sobre os sujeitos passivos de ISP, cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que a Requerente dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de se saber (previamente) se houve uma efectiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.[11]

 

6.63.  A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que refere que “não é sujeito passivo quem (…) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias”.

 

6.64.  Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.

 

6.65.  Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação.[12]

 

6.66.  Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.67.  E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa - artigo 6.º dessa Lei), “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (sublinhado nosso).

 

6.68.  Quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à CSR, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços.

 

6.69.  Havendo de admitir-se, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação do imposto que é objecto de repercussão.[13]

 

6.70.  Para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

 

6.71.  Ou seja, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta (ou alega ter suportado) o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o acto de liquidação com fundamento em ilegalidade.

 

6.72.  Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15º e 16º do Código dos IEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

6.73.  Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 apenas remete para o Código dos IEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efectuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do Código dos IEC e demais legislação aplicável.

 

6.74.  Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15º e seguintes do Código dos IEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do imposto (subjacentes aos actos de repercussão) por violação do direito europeu.

 

6.75.  E, nesses termos, a questão da legitimidade activa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do Código dos IEC.

 

6.76.  Por todo o exposto, a alegada excepção de ilegitimidade activa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no que diz respeito aos alegados actos de liquidação (do período em análise, ou seja, de 12/2019 a 12/2022), como meio de obter a consequente anulação do imposto alegadamente suportado através dos actos de repercussão.

 

6.77.  A Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido.

 

6.78.  Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efectividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido.[14]

 

6.79.  Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da Parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.

 

6.80.  Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma excepção perentória porquanto as excepções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido.

 

6.81.  São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

 

6.82.  Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por excepção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.

 

Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – da falta de objecto

 

6.83.  A Requerida defende que se verifica a ineptidão da petição inicial por falta de objecto porquanto “(…) a Requerente limita-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora (…)” “(…) sem que (…) identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR (…) nem as DIC submetidas pelos (…) sujeitos passivos do imposto”, pelo que “(…) o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação (…), devendo, consequentemente, ser declarado inepto” porquanto “(…) sem a identificação (…) dos atos tributários cuja legalidade se pretende sindicar, é coartada à Requerida a possibilidade do exercício em pleno do seu direito ao contraditório, estando também o próprio tribunal impedido de apreciar o pedido”.

 

6.84.  E, “(…) sem a identificação, por parte da Requerente, dos atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT identificar os atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente (…)”, reiterando a Requerida ser “(…) totalmente impossível à AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração dos produtos para o consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia de comercialização”.

 

6.85.  Por outro lado, acrescenta ainda a Requerida que “(…) também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente à sua fornecedora” porquanto “os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15.º C(…)”, “ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C” mas, “(…) nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que (…) originará oscilações (…)”.

 

6.86.  Assim, entende a Requerida que “face ao supra exposto, a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido” e, “aceitar como válido o incumprimento das regras da distribuição do ónus da prova (…), recaindo este sobre aquele que tem o impulso processual de impugnação, equivaleria à subsistência (…) de uma ação com objeto processual inexistente, ou, pelo, menos, insuficientemente delimitado”.

 

6.87.  Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário (…), o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, (…), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”.

 

6.87.  Neste contexto, veio a Requerente apresentar defesa à excepção, referindo em síntese que “(…) não existe qualquer ineptidão da petição inicial” porquanto, citando a Decisão proferida no processo nº 465/2023-T, de 14-12-2023, refere que “nada obsta, (…), que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR, e, por outro lado, esses atos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de faturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes. Resta referir que, não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto”.

 

6.88.  E, acrescenta a Requerente, citando a mesma decisão arbitral referida no ponto anterior, que “(…) os serviços da Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação de imposto e a sua correlação com as faturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter a colaboração da fornecedora do combustível e aceder por via oficiosa às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes atos de liquidação. E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa”.

 

6.89.  Por outro lado, defende ainda a Requerente que “(…) o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (…). Em conclusão, não só os atos de liquidação do imposto se encontram identificados, ainda que por remissão para documentos juntos, como também não seria exigível que a Requerente efetuasse a prova da sua conexão com as faturas de aquisição de combustível”.

 

Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – Da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir

 

6.90.  Nesta matéria, alega a Requerida que “(…) vindo a Requerente formular um pedido de anulação de liquidações, certo é que não identifica qualquer ato através da mera impugnação das alegadas repercussões, nem sequer identificar o nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR”, verificando-se que “(…) a Requerente parte do errado pressuposto de que vigora, no âmbito da CSR, um regime de repercussão legal, indicando, no entanto, que a repercussão meramente económica pode ser presumida”, “vindo (…) apresentar como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União Europeia”.

 

6.91.  Contudo, entende a Requerida que “(…) não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões”, pelo que “(…) ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso (…), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, (…), a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo (…)”.

 

6.92.  Neste âmbito, a Requerente veio na resposta às excepções referir que “dad[o] o artificialismo do argumentário da Requerida neste concreto ponto, remete-se para o indicado anteriormente sobre a “alegada” ineptidão da petição inicial” (vide pontos 6.87. a 6.89., supra).

 

6.93.  Cumpre analisar e decidir.

 

6.94.  O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no artigo 29º, n.º 1, a), c) e) do RJAT.

 

6.95.  A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória cuja verificação conduz à abstenção de conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância.

 

6.96.  O artigo 98º, nº 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial mas, não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

6.97.  Assim, no artigo 186º, nº 1, do CPC, indicam-se como situações de ineptidão da petição inicial, (i) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (ii) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; (iii) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, sendo que o nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

 

6.98.  No caso, a exceção relacionada com a ineptidão da petição inicial não procede, porquanto não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186º do CPC, nem a Requerida identifica, na sua resposta, qual das situações elencadas naquele normativo é geradora da nulidade de todo o processo.

 

6.99.  E ainda que se considerasse que a situação se pudesse subsumir à al. a), do nº 1, do nº 2 do artigo 186º do CPC, o certo é que cotejadas as posições das partes expressas nos articulados, verifica-se que a Requerida interpretou convenientemente a petição inicial, tendo apresentado a sua resposta sem qualquer dúvida quanto à pretensão da Requerente, pelo que o nº 3 do artigo 186º do CPC sempre determinaria a improcedência da exceção em causa.

 

6.100. A eventual dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações a que ela própria procedeu junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem à Requerente.

 

6.101. A Requerente fez o que poderia ter feito, juntando os documentos que tinha à sua disposição, pelo que exigir à Requerente a identificação dos actos de liquidação numa situação com este recorte, constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP.

 

6.102. Com efeito, considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR e do ISP – Consignação de Serviço Rodoviário, estes são devidos pelos sujeitos passivos de ISP, que são os operadores económicos identificados no artigo 4º do Código dos IEC sendo que, o facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto e o imposto é exigível aquando da introdução no consumo (vide artigos 7º, 8º e 9º do Código dos IEC) sendo esta formalizada pelos sujeitos passivos de imposto (que declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos, sujeitos a imposto) através de uma DIC, processada por transmissão eletrónica de dados, a qual contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável.

 

6.103. As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo que, neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).

 

6.104. Nestes termos, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s (no caso, a B...) e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa (posição esta que resulta expressamente em vários processos arbitrais, cujo teor decisório se acompanha).[15]

 

6.105. Nestes termos, improcede a exceção de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral em cada uma das vertentes suscitadas.

 

Excepção da caducidade do direito de acção

 

6.106. Neste âmbito, a Requerida veio alegar que “(…) não logrou a Requerente identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar”, circunstância que determina para a Requerida que “(…) se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente”, “isto porque a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.

 

6.107. No caso, segundo refere a Requerida, “(…) constata-se que a Requerente apresentou impugnação no tribunal arbitral em 02-05-2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 29-09-2023 junto da AT”, “e para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou é impossível, dado não ter a Requerente logrado identificar o(s) ato(s) tributário(s) em litígio”.[16]

 

6.108. E, conclui a Requerida que “(…) caso assim não se entenda, (…), sempre se concluiria que, tanto, o pedido de revisão oficiosa, como o pedido de constituição de tribunal arbitral são intempestivos”.

 

6.109. Com efeito, segundo entende a Requerida, “tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, (…) facilmente se depreende que, a 29.09.2023, este se encontrava largamente ultrapassado”, motivo pelo qual “(…) a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço (…), de modo a fazer valer-se do prazo de 4 (…) anos (…) previsto para os casos de erro imputável aos serviços”.

 

6.110. Mas, “(…) dado que a Requerida, adstrita ao princípio da legalidade, sempre efetuou as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe (…) qualquer erro imputável aos serviços”.

 

6.111. Prossegue a Requerida referindo que “(…) no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação” sendo que “acresce ainda que, além de a Requerente não ser, (…), sujeito passivo de ISP/CSR e de não ter provado ter procedido ao pagamento dos respetivos valores, em 22.12.2023, já se encontrava precludido o prazo de 3 (três) anos, previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 22.12.2020 (…)”.

 

6.112. Assim, entende a Requerida que “face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.

 

6.113. Não obstante, “(…) e mesmo que apenas parcialmente, constatamos a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido (…)” ou, “(…) ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente (…), devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância”.

 

6.114. Neste âmbito, veio a Requerente, na defesa à excepção da caducidade do direito de acção pugnar pela sua improcedência, alegando que “não se verifica, (…), a pretendida caducidade do direito de ação, porquanto quer o pedido de revisão observou o prazo de 4 anos pós-liquidações, quer a ação arbitral tributária foi apresentada dentro do prazo de 90 dias pós indeferimento tácito daquele procedimento tributário” porquanto refere, citando decisão arbitral, que a “(…) revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação. (…)”.

 

6.115. Cumpre uma vez mais, analisar e decidir.

 

6.116. No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados (desconformidade do regime da CSR, em vigor até 31-12-2022, face ao disposto na Directiva nº 2008/118, de 16 de Dezembro) não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de criação da CSR, enquanto imposto, nem no procedimento de liquidação da CSR.

 

6.117. E tendo sido invocado um erro imputável aos serviços, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT.

 

6.118. Na verdade, como há muito entende o Supremo Tribunal Administrativo, “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” (sublinhado nosso). [17]

 

6.119. Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada.

 

6.120. Como referido na decisão arbitral nº P 676/2023-T, “(…) a revisão oficiosa, (…), pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. (…). Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei. Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa” (sublinhado nosso).[18]

 

6.121. A Requerente pediu a revisão oficiosa de actos de liquidação de CSR que lhe foi alegadamente repercutida através de facturas emitidas no período compreendido entre 07/2019 e 12/2022.

 

6.122. No caso, verificando-se que o pedido de revisão oficiosa foi recebido pela Requerida em 22-12-2023 (reportando-se actos de liquidação subjacentes a actos de repercussão da CSR, efectuada através de facturas emitidas no período compreendido entre 07/2019 e 12/2022), no momento da apresentação daquele pedido de revisão oficiosa já tinha decorrido, em termos gerais, quanto às faturas emitidas entre Julho e Novembro de 2019, o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78º, nº 1, da LGT.

 

6.123. Nestes termos, tendo em consideração que a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral relativo à impugnação do acto de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, haverá que aferir das consequências daquele indeferimento neste processo arbitral, quanto à caducidade do direito de ação identificado no ponto anterior porquanto, a tempestividade do pedido de revisão oficiosa é condição necessária para a tempestividade da impugnação judicial (no caso, do ppa).[19]

 

6.124. Sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e tendo sido apresentado o pedido de revisão em 22-12-2023, não poderia abranger (em condições normais) liquidações anteriores a 22-12-2019 (4 anos) mas dado que o prazo para pedir a revisão oficiosa é um prazo de caducidade, haverá que atender a eventuais períodos de suspensão aplicáveis aos prazos dessa natureza.[20]

 

6.125. Não obstante, preliminarmente à nossa análise, refira-se desde já que a Requerente no pedido de pronúncia arbitral veio limitar o âmbito do mesmo aos actos de liquidação de ISP/CSR compreendidos no período de 12/2019 a 12/2022, tendo “deixado cair” os que tinham sido objecto de pedido de revisão oficiosa respeitantes aos meses de 07/2019 a 11/2019, no montante de EUR 3.416,46.

 

6.126. Quanto à contagem do prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78º, nº 1, da LGT, a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que aprovou «medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19», estabelece no seu artigo 7º, n.º 3, que «a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos» sendo que, este artigo produziu efeitos a partir de 09-03-2020, por força do disposto no nº 2 do artigo 6º da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, e a sua revogação ocorreu em 03-06-2020, por força do disposto no artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 10º (sublinhado nosso).

 

6.127. Como determina o artigo 6º desta Lei nº 16/2020, os prazos de "caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão" sendo que, por isso, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, esteve suspenso durante o período de vigência daquela norma, ou seja, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 (87 dias) (sublinhado nosso).

 

6.128. Para além disso, nos termos do artigo 6º-C, nºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei nº 1-A/2020, aditado pela Lei nº 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, os prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de actos tributários [entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de «natureza idêntica» à reclamação graciosa)] estiveram suspensos a partir de 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4º daquela Lei nº
4-B/2021, até 6 de Abril de 2021 por força da revogação daquele artigo 6º-C, pelo artigo 6º da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril, com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado «pelo período correspondente à vigência da suspensão», nos termos do artigo 5º desta mesma Lei.

 

6.129. Isto é, o prazo para pedir a revisão oficiosa esteve suspenso também entre 22-01-2021 e 04-04-2021, ou seja, durante mais 75 dias.

 

6.130. Não obstante, os referidos preceitos legais que estabeleceram a prorrogação dos prazos de caducidade e de prescrição [cujo decurso fora suspenso ao abrigo das medidas legislativas excepcionais, adoptadas durante a pandemia (artigo 6º da Lei nº 16/2020 e artigo 5º da Lei n.º 13-B/2021)] foram, entretanto, revogados pelas alíneas o) e ll) do artigo 2º da Lei nº 31/2023, de 4 de Julho, a qual determinou, quanto à produção de efeitos (e no que aqui interessa) que “a revogação das alíneas b) a e) do nº 7 e do n.º 8 do artigo 6º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos 30 dias após a publicação da presente lei”, ou seja, a 05-07-2023.

 

6.131. Nestes termos, os efeitos da revogação da suspensão das medidas excepcionais no que diz respeito à caducidade afectam a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente porque, por força do nº 2 do artigo 3º desta Lei, se refere que a revogação «não prejudica a produção de efeitos no futuro de factos ocorridos durante o período de vigência dos respetivos atos legislativos».

 

6.132. Assim, o prazo de quatro anos de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa foi alargado por 162 dias (87+75) e, por isso, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa para as facturas emitidas em 2019 terminaria nos prazos que a seguir se indicam:

 

FACTURA

DATA

PRAZO DE CADUCIDADE NORMAL

PRAZO DE CADUCIDADE PRORROGADO

1200937261

26-07-2019

26-07-2023

04/01/2024

1200943770

08-08-2019

08-08-2023

17/01/2024

1200964619

20-09-2019

20-09-2023

29/02/2024

1200969743

01-10-2019

01-10-2023

11/03/2024

1200985691

04-11-2019

04-11-2023

14/04/2024

1201002624

06-12-2029

06-12-2023

16/05/2024

1201009515

20-12-2019

20-12-2023

30/05/2024

 

 

6.133. Neste contexto, há que notar, embora não se tenham apurado as datas das liquidações de imposto subjacentes às facturas que são objecto do processo, como a Requerente não tinha de ser (e não foi) notificada dessas liquidações, o prazo para as impugnar administrativamente apenas começou com o conhecimento da sua existência [como decorre do artigo 188º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT], o que não aconteceu antes de lhe terem sido emitidas as facturas anexadas ao PPA [em sintonia, aliás, com o que, paralelamente, se estabelece na alínea f) do nº 1 do artigo 102º, para a impugnação contenciosa] relativas às aquisições de combustíveis efectuadas.

 

6.134. Nestes termos, é inequívoco que, no caso em análise, tendo o pedido de revisão sido apresentado em 22-12-2023, à data da sua apresentação não tinham ainda decorridos, face ao período mais antigo do pedido (Julho/2019), mais de quatro anos acrescidos dos acima referidos 162 dias totais de suspensão do referido prazo, contados da data das liquidações (que, no caso, é do seu conhecimento através das respectivas facturas) sendo que, por isso, a excepção da caducidade tem de ser julgada, nesta matéria, improcedente.

 

6.135. Por outro lado, no que diz respeito ao pedido de pronúncia arbitral, este foi apresentado em 07-07-2024, ou seja, no prazo de 90 dias a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (presumido a 22-04-2024), em conformidade com o previsto na alínea f) do nº 2 do artigo 102º do CPPT, para que remete o artigo 10º, nº 1, alínea a), do RJAT.

 

6.136. Pelo exposto, improcede a excepção da caducidade do direito de acção invocada pela Requerida.

 

6.137. Não obstante, note-se que dado que a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, veio limitar o pedido de anulação das liquidações de ISP/CSR aos períodos de 12/2019 a 12/2022 (nele não se fazendo qualquer referência aos períodos de 07/2019 a 11/2019) e tendo até sido corrigido o montante da CSR que a Requerente alega ter suportado
(EUR 37.723,24), face ao indicado no pedido de revisão oficiosa anteriormente interposto (EUR 41.139,71), e de cujo acto de indeferimento tácito se veio aqui reagir, será quanto a estes períodos (12/2019 a 12/2022) que irá ser analisado o mérito do pedido tendo por base o alegado pela Requerente.

 

6.138. Assim, analisadas todas as excepções suscitadas pela Requerida e tendo-se concluído pela improcedência das mesmas, será agora o momento de analisar o mérito do pedido, ou seja, se os actos de liquidação de CSR que deram origem à alegada repercussão do imposto (na esfera da Requerente), nos períodos de 12/2019 a 12/2022, enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, se a CSR é ou não um imposto compatível com o Direito da União Europeia (designadamente se tem um “motivo específico” na acepção do artigo 1º, nº 2, da Diretiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro), e, por via disso, decidir se deverão tais actos de liquidação ser (ou não) anulados na parte que respeitam à alegada repercussão de CSR na Requerente, no montante de EUR 37.723,24.

 

Da questão da violação do Direito da União

 

6.139. A Directiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros), determina no n.º 2 do seu artigo 1º que “os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções” (sublinhado nosso)

 

6.140. A Requerente, baseando-se em jurisprudência do TJUE, alega que o “(…) outra não poderá ser a Decisão Arbitral a ser emanada do que aquela que declare a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como, a título mediato, a ilegalidade, e por consequência, a sua anulação, das liquidações de CSR aqui impugnadas e seus atos de repercussão” considerando que “(…) estes atos padecem de flagrantes ilegalidades, porquanto assentam em pressupostos de direito desajustados do normativo jurídico aplicável, em virtude da preterição do artigo 1.º, n.2, da Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (Diretiva IEC) e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.4, da Constituição da República Portuguesa”.

 

 

 

6.141. A Requerida impugna a posição assumida pela Requerente no pedido, porquanto entende que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR (…)” sendo que “(…) o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque”, “pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência (…) inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo (…)” e, “(…) mesmo que não resultando provada pela Requerente a circunstância da repercussão da CSR na sua esfera pelo sujeito passivo, a verdade é que esta também nunca poderia ser presumida” porquanto estamos “(…) perante uma repercussão meramente económica ou de facto, e não uma repercussão legal (…)”.

 

6.142. Por outro lado, refere ainda a Requerida que “(…) nunca e em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado nesse sentido”, “não estando, portanto, o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia (…) referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare”, “e agindo (…) em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor”, não se verifica “(…) no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

6.143. Neste âmbito, refira-se que a questão da compatibilidade da CSR com o Direito da União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial, sendo que, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia.[21]

 

6.144. A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

6.145. Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic acima já identificado, o qual constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1º, n° 2, da Diretiva 2008/118/CE e nos termos do qual se refere que “(...).19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários. 20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48). 21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções. 22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36). 23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37). 24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida). 25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida). 27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida). 28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23). 29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente. 30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. 32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. 33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis. 34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes. 35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35). 36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (sublinhado nosso).

 

6.146. Regressando ao ordenamento jurídico nacional, verifica-se que a CSR, na versão introduzida pela Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (actual IP.), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2º e 3º da Lei nº 55/2007).

 

6.147. Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.

 

6.148. Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no âmbito do processo n.º 24/2023-T, “nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão”.

 

6.149. Pelo exposto, a CSR “não prossegue motivos específicos, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um motivo específico, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (acórdão arbitral citado no ponto anterior) (sublinhado nosso).

 

6.150. Assim, entende este Tribunal Arbitral que a CSR é uma imposição indireta que não prossegue um motivo específico na aceção da Diretiva 2008/118/CE. 17 pelo que será necessário agora analisar a pretensão da Requerente, à luz da matéria de facto dada como provada, para decidir se assiste razão à Requerente no que respeita às pretensões deduzidas.

 

6.151. Tendo em consideração os factos provados com relevo para a decisão, estes assentam na prova produzida pelas Partes e na ausência de controvérsia entre ambas, com base nos documentos anexados ao processo, nomeadamente pela Requerente e que não foram postos em causa pela Requerida.

 

6.152. Relativamente aos factos não provados, a decisão assenta na ausência de produção de prova pela Requerente em grau suficiente para firmar a convicção do Tribunal sobre a verificação dos factos em causa.

 

6.153. Assim, verifica-se que, no caso, a Requerente se limitou a apresentar as facturas de compra do combustível emitidas pela sua fornecedora (B...) e anexos referentes ao resumo dos consumos de combustível por mês e ano, por si elaborados, não tendo apresentado qualquer declaração de repercussão, emitida pela B..., respeitante aos anos de 2019 a 2022, como prova de repercussão de CSR, tendo em consideração que da análise da cópia das facturas não é possível extrair que a CSR foi efectivamente repercutida, pela B..., na Requerente (vide ponto 5.18., supra).

 

6.154. Na verdade, sendo de admitir à luz do normal acontecer ser verosímil que os sujeitos passivos de CSR repercutam o valor do imposto no preço de venda do combustível tal não basta para que se considere feita a prova da repercussão, tanto mais que também é verosímil que os mesmos sujeitos passivos possam, por razões comerciais (pelo menos em parte), incorporar nos seus custos o imposto, sendo facto conhecido que também alguns sujeitos passivos do tributo têm deduzido pretensões anulatórias quanto ao imposto em causa, com mesmos fundamentos jurídicos referentes à ilegalidade das liquidações, não existindo consenso social de que a repercussão total tenha sempre lugar.

 

6.155. Nestes termos, tendo em consideração que, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual nessa medida, o cumprimento deste ónus é processualmente valorado a favor da Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74º, nº 1 da LGT) porquanto é à Requerente que incumbe trazer ao processo os elementos que possibilitem confirmar o direito a que se arroga (prova da respercussão).

 

6.156. Com efeito, decorre do artigo 349º do Código Civil que a presunção legal é a ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido e, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 350º do mesmo Código, é referido que “quem tem a favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”.

 

6.157. Ainda nesta matéria, cite-se o artigo 2º da Lei nº 24-E/2022 nos termos do qual se refere que “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” não podendo deixar de se concluir que a norma do artigo 2º da Lei nº 24-E/2022 não consagra uma presunção legal porquanto, em rigor, esta norma não tira uma ilação dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido o que, de resto, teria de ser estabelecido de forma clara, atentas as consequências probatórios das presunções legais.

 

6.158. A expressão “sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” deve ser entendida como indicação programática do legislador no âmbito dum princípio jurídico e não como aquilo que inexoravelmente ocorre.

 

6.158. Na verdade, como se pode no despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no Processo n.º C-460/21: “44(…), ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.o 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.o 96)” (sublinhado nosso).[22]

 

6.159. A conclusão a que se acaba de chegar não significa a irrelevância do sistema interno do imposto que efectivamente aponta, nos termos referidos, para que o imposto seja repercutido no consumidor/utilizador.

 

6.160. Ao nível da apreciação da matéria de facto produzida pelos adquirentes de combustível, a indicação legislativa deve ser ponderada pelo Tribunal, à luz da globalidade da prova produzida.

 

6.161. O que aqui não se entende é que a compra do combustível seja, só por si e sem necessidade de produção de qualquer outra prova no sentido da ocorrência da repercussão, suficiente para se considerar esta automaticamente provada.

 

6.162. Nestes termos, o Tribunal entende que a referida a indicação da lei não vai ao ponto suprimir a necessidade de prova, uma vez que, como resulta do supra exposto, a lei não consagrou uma presunção legal, não estabelecendo, por esta via, a inversão do ónus da prova.

 

6.163. Ora, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, nos termos do artigo 74º, nº 1, da LGT pelo que não tendo sido feita a prova da repercussão relativa aos períodos identificados (12/2019 12/2022, terá de se considerar improcedente a pretensão anulatória das liquidações das CSR dos referidos períodos e, em consequência, terá de improceder o pedido de anulação do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações na parte que respeite àqueles períodos.

 

6.164. Em consequência, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.165. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.165.1.      Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.165.2.      Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.166. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja integralmente atribuída a responsabilidade por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em função do respectivo decaimento, com as consequências daí decorrentes.

 

 

DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

7.1.1.   Julgar improcedentes todas as excepções suscitadas pela Requerida;

7.1.2.   Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os referidos actos de liquidação impugnados, bem como o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, absolvendo-se a Requerida do pedido;

7.1.3.   Julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto alegadamente suportado e o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.4.   Condenar a Requerente no pagamento integral das custas, no montante de
EUR 1.836,00.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 37.723,24.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Dezembro de 2024

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, refira-se que tendo as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) sido submetidas pela fornecedora de combustíveis (B...), enquanto sujeito passivo de ISP/CSR, a Autoridade Tributária e Aduaneira teria elementos suficientes para identificar os actos de liquidação que a Requerente pretende impugnar, através das referidas DIC tendo, neste caso, estado a Requerida em condições de utilizar ou não as faculdades previstas no artigo 13º, nº 1, do RJAT relativamente às liquidações de CSR que nelas estivessem abrangidas. Por isso, tendo em consideração a apresentação pela Requerida, em 07-08-2024, do requerimento identificado no ponto 1.4., supra, não se viu à data da sua apresentação razão para fixar um prazo para uso daquelas faculdades diferente do indicado naquele artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, o que, aliás, não teria qualquer suporte legal, pois aí se estabelece expressamente que o prazo se conta «do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral».

[3] Adicionalmente, refere ainda a Requerida que “a este propósito, não será de olvidar que a interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, acima explanada, é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018, recentemente confirmada pelas Decisões Sumárias n.º 70/2024, de 08-02-2024, n.º 74/2024, de 12-02-2024, e n.º 99/2024, de 21-02-2024, proferidas, respetivamente, nos Autos de Recurso n.º 1347/23 (Procº CAAD nº 520/2023-T), nº 137/2024 (Procº CAAD nº 375/2023-T) e nº 128/23 (Procº CAAD nº 408/023-T), do Tribunal Constitucional”.

[4] Note-se que, a referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui Requerida).

[5] Neste âmbito, vide Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia (processo C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29) e Test Claimants in the FII Group Litigation (processo C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107), entre outros.

[6] Neste sentido, vide par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado.

[7] E, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR viesse a ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela deixaria de ser um imposto indireto (tal como está desenhada) na acepção da Diretiva, isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional (em termos de tributos públicos), frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

[8] Na verdade, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da CRP) pelo que a impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Nestes termos, torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação de ISP/CSR (subjacentes aos actos de repercussão da CSR) baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia2008/118, do Conselho, pelo que, em consequência, considera-se improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar aqueles actos de liquidação. Pelo contrário, os actos de repercussão, pela sua natureza, são inarbitráveis.

[9] Na verdade, como foi esclarecido na redacção do nº 2 do artigo 20º da LGT (introduzida pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao referir que “a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido”), a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária (sublinhado nosso).

[10] Nesta matéria, cfr. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.

[11] Note-se que de acordo com o PPA, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pela Requerente “(…) considerando o indeferimento tácito da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – Alfândega de Braga, (…), do pedido de revisão oficiosa efetuado (…) nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), identificado sob o n.º ...2023..., na parte que respeita à liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), subjacente às liquidações do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), que lhe foram imputadas, enquanto repercutida, no abastecimento das suas viaturas, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, no valor total de € 37.723,24 (…)”, com vista “(…) à obtenção da declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR (…) identificadas, bem como, e em termos mediatos, à declaração de ilegalidade desses atos de liquidação, com a consequente anulação das mesmas e dos correspondentes atos de repercussão, e inerente restituição dos montantes em causa, porquanto indevidamente pagos pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios (…)”.

[12] Neste âmbito, cfr. ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117.

[13] Cfr. LOPES DE SOUSA, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98.

[14] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20.

[15] Em termos gerais, a exigência de identificação das liquidações, numa situação em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

[16] Note-se que há aqui lapso quanto às datas que a Requerida apresenta porquanto o PPA foi apresentado em
07-07-2024 (e não em 02-05-2024), e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 21-12-2023 (e recebido pela AT em 22-12-2023) e não em 29-09-2023.

[17] Neste âmbito, vide Acórdão de 12-12-2001 (processo n.º 026.233), cuja jurisprudência é reafirmada nos Acórdãos de 06-02-2002 (processo n.º 026.690), de 13-03-2002 (processo n.º 026765), de 17-04-2002 (processo n.º 023719), de 08-05-2002 (processo n.º 0115/02), de 22-05-2002 (processo n.º 0457/02), de 05-06-2002 (processo n.º 0392/02), de 11-05-2005 (processo n.º 0319/05), de 29-06-2005 (processo n.º 9321/05), de 17-05-2006 (processo n.º 016/06) de 26-04-2007 (processo n.º 039/07), de 21-01-2009 (processo n.º 771/08), de 22-03-2011 (processo n.º 01009/10), de 14-03-2012 (processo n.º 01007/11), de 05-11-2014 (processo n.º 01474/12), de 09-11-2022 (processo n.º 087/22.5BEAVR), de 12-04-2023 (processo n.º 03428/15.8BEBRG).

[18] Neste sentido, o que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

[19] Neste sentido, e com as necessárias adaptações, vide, nomeadamente, o Acórdão do TCAS proferido em 23-03-2017, no processo n.º 07644/14, nos termos do qual se refere que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, bem como o acórdão do STA proferido em 02-04-2009, no processo n.º 0125/09, nos termos do qual “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido” e “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações, pois a confirmar-se a intempestividade da reclamação tudo se passa como se esta não tivesse existido”. Ou seja, “sendo intempestiva a reclamação graciosa, a decisão final que recaiu sobre este procedimento administrativo não é susceptível de conferir à Requerente a abertura do prazo para, na sequência, requerer a constituição do tribunal arbitral, tudo se passando como se a reclamação graciosa não tivesse existido”.

[20] Neste sentido, vide decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 1015/2023, de 28-05-2024 (Relator Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), a qual se acompanha nesta matéria.

[21] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo - de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo nº 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.

[22] In “A INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA NO DIREITO CIVIL PORTUGUÊS”, Lex, Lisboa, 2001, pág. 34, e Luís Filipe Pires de Sousa in “DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL COMENTADO”, Almedina, 2020, reimpressão, pág. 41.