Decisão Arbitral
REQUERENTE – …, SA, com sede na …, …
REQUERIDA – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
I – Relatório.
1 – …, SA, contribuinte nº …, com sede na …, apresentou, no dia 20 de Março de 2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 2º e da alínea a) do nº 1 do artº 10º do Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, doravante designado apenas por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação ou à declaração de nulidade da liquidação de imposto do selo do artº 28º da Tabela no montante de € 9 861,59, constante da nota de cobrança nº 2012 …, com data de liquidação de 7 de Novembro de 2012.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmº Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à requerida na mesma data.
Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 6º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o Dr. Manuel Carlos Rodrigues, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 22 de Maio de 2013, em conformidade com a alínea c) do nº 1 do artº 11º do RJAT.
3 – No dia 11 de Julho findo, pelas 10,30, compareceram na sede do CAAD – Centro de Arbitragem, na Avenida Duque de Loulé, nº 72-A, em Lisboa, o árbitro designado Dr. Manuel Carlos Rodrigues, a Drª …, mandatária da requerente e a Drª …, jurista em representação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, dirigente máximo dos serviços, antes e para o efeito designada conforme despacho de 22-3-2003, cuja cópia se encontra junta aos autos, para a reunião a que se refere o artº 17º do RJAT.
Nessa reunião o árbitro designado levantou o problema da eventual incompetência do tribunal arbitral face ao facto de o prédio cujo valor patrimonial tributário deu origem à liquidação se situar na Região Autónoma da Madeira e à regionalização dos serviços fiscais daquela região.
Seguidamente, porque a questão era apenas de direito, foi decido que ambas as partes apresentariam alegações escritas no prazo de 20 dias para a requerente e nos 20 dias subsequentes para a requerida.
II – QUESTÕES DECIDENDAS.
4 - O presente litígio é definido pelo pedido do requerente, que se traduz na solicitação de que o tribunal arbitral declare nula ou anulável a liquidação do imposto do selo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo no valor de € 9861,59, constante da liquidação nº 2012 …, com data limite de pagamento de 20 de Dezembro de 2012.
A requerente …, SA apresentou o pedido em 20 de Março de 2013, logo no prazo a que se refere a alínea a) do nº 1 do artº 10º do RJAT.
A requerente invocou como vícios a falta de identificação do autor do acto na nota de liquidação que constitui o documento 3 junto à petição, a falta de fundamentação da liquidação, a falta de audição prévia e vícios de lei por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação.
Nos erros sobre os pressupostos do direito da liquidação a requerente invoca que, sendo o prédio sobre que incidiu o imposto de selo de que pede a anulação, um lote de terreno para construção, inscrito na matriz urbana da freguesia de …, no concelho de …, na Região Autónoma da Madeira, sob o artº …, tal facto não está sujeito a tal imposto uma vez que não se trata de um prédio com afectação habitacional.
Pede ainda a requerente a indemnização pela prestação de garantia indevida que lhe acarretou custos de € 735,01, bem como a indemnização por honorários que lhe venham a ser cobrados pelos serviços jurídicos a que recorreu, em montante que estima em € 300,00.
5 - A requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, respondeu por impugnação, só se pronunciando quanto ao erro nos pressupostos do direito de liquidação.
No entendimento da AT o prédio inscrito na matriz urbana da …, do concelho de …, tem natureza de prédio com afectação habitacional.
Segundo a AT a noção de afectação encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
Defende a AT que o legislador não se referiu a prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção de afectação habitacional, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do nº 1 do artº 6º do CIMI.
6 - Nas suas alegações escritas a requerente, face à questão levantada pelo árbitro acerca da competência do tribunal arbitral, veio alegar e provar que o imposto do selo liquidado e objecto da presente impugnação não é receita da Região Autónoma da Madeira face ao artº 24, nº 1 da Lei 1/2007 – Lei das Finanças das Regiões Autónomas, o qual estipula o seguinte:
Artº 24º
Imposto do selo
1 – Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto do selo, devido por sujeitos passivos referidos no nº 1 do artº 2º do Código do Imposto do Selo que:
a) Disponham de sede, direcção efectiva, estabelecimento estável ou domicílio fiscal nas Regiões Autónomas;
b) Disponham de sede ou direcção efectiva em território nacional e possuam sucursais, delegações, agências, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria nas regiões Autónomas.
Nas restantes alegações a Requerente mantém a posição expressa na petição inicial.
A Requerida não efectuou quaisquer alegações no prazo fixado.
III - SANEAMENTO
O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
IV- FUNDAMENTOS DE FACTO
7 - Tendo em conta a prova documental junta aos autos estão provados os seguintes factos:
a) A falta de indicação do autor do acto de liquidação, conforme nota de cobrança junta aos autos (doc. 3).
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A liquidação do imposto no montante de € 9 861,59, com data limite de pagamento em 20 de Dezembro de 2012 (doc. 1);
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A apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral no prazo a que se refere a alínea a) do nº 1 do artº 10º do RJAT;
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Que o imposto liquidado incidiu sobre o valor patrimonial tributário de €.1.972.318,63 do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de …, do concelho de …, sob o artº … (doc. 1).
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Que tal prédio urbano é um lote de terreno para construção (doc. 6);
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Que o mesmo está situado na Região Autónoma da Madeira (doc. 6).
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Que a requerente tem a sua sede no concelho de Lisboa (doc. 7).
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Que a requerente constituiu hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira para garantia da dívida originada pelo imposto impugnado (doc. 2).
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Que para a prestação e registo de tal garantia suportou custos de € 735,01 (docs 3, 4 e 5).
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
8 - A matéria de facto está provada, (vd supra nº 7) motivo pelo qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente..
Assim sendo daremos preferência aos erros nos pressupostos de direito da liquidação, em detrimento das possíveis invalidades do acto administrativo, dado que, tal acto, mesmo que inválido, sempre poderia ser renovado pela Requerida no prazo de caducidade do imposto.
9 - Vícios de lei por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação.
A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artº 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;
28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
Tal lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.
No artº 6º de tal lei foram estabelecidas as disposições transitórias a ser observadas nas liquidações efectuadas em 2012, as quais são as seguintes:
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O facto tributário verifica em 31 de Outubro de 2012;
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O sujeito passivo do imposto é o mencionado no nº 4 do artº 2º Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
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O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
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A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao fim do mês de Novembro de 2012;
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O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
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As taxas aplicáveis são as seguintes:
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Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI; 0,5%;
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Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI: 0,8%.
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Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovado por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%.
Da análise das normas atrás transcritas resulta claro que, relativamente aos factos da verba 28.2 estão sujeitos quaisquer sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças e que sejam possuidores de prédios urbanos de qualquer tipo, desde que os mesmos tenham um VPT igual ou superior a €.1.000 000,00.
Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.
A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artº 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artº 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.
Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artº 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.
Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.
A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.
Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.
Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.
Conforme o nº 1 do artº 11º da Lei Geral Tributária na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de direito.
Por seu turno o nº 1 do artº 9º do Código Civil estipula que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Em cumprimento da norma do Código Civil atrás indicada, para apreensão do conceito de prédios urbanos com afectação habitacional, devemos socorrer-nos da discussão de tal proposta de lei nº 96/XII (2ª) na Assembleia da República, discussão que pode ser consultada no Diário da Assembleia da República DAR I Série nº 9/XII/2 2012.10.11, de 11-10-2012.
Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:
“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.
No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.
Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.
Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.
Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.
Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.
Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.
Conforme se verifica da apresentação da proposta de lei que nº 96/XII (2ª), o que foi proposto aos deputados e que estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, no qual não se incluem os terrenos para construção, ou, nas palavras mais esclarecedoras do SEAF, uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação e, uma tributação especial que incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros, ou seja, uma tributação sobre os prédios habitacionais referidos no nº 2 do artº 6º do CIMI.
Daí que, no caso dos autos, a administração fiscal e aduaneira esteja a dar interpretação da norma do artº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo não conforme com a lei aprovada na Assembleia da República, sendo portanto ilegal a liquidação efectuada.
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– A invalidade do acto administrativo.
Conforme a alínea a) do nº 1 do artº 133 do Código do Procedimento Administrativo do acto administrativo deve constar sempre a indicação da autoridade que o praticou, o que não aconteceu no caso presente, em que, da nota de cobrança do imposto, não constava qualquer assinatura da entidade que praticou o acto, ainda que mecanográfica.
Tal invalidade implica a anulação do acto administrativo, conforme determina o artº 135º do mesmo diploma.
11 - Pedido de indemnização pela prestação e manutenção de garantia.
A requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artº 24º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto o para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artº 124º da Lei nº 3-B/2010, proclama-se como directriz primacial da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artº 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artºs 99º e 124º do CPPT) pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artº 171 do CPPT estabelece que “ a indemnização em caso de garantia indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.
Assim é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por videntes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso daquele nº 1 do referido artº 171º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposto no artº 3º do RJAT, ao falar em “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros compensatórios e por condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo nº 2 do artº 9º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artº 53º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artº 53º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Deste dispositivo legal resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 artigo supra citado, depende da verificação, dos seguintes pressupostos de facto:
a) a prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada;
b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia e;
c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.
Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011, a pag. 242, onde defende que “Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no artº 199º do CPPT, será o caso seguro-caução (…)”.
No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo.
Não pode dizer-se que, no caso presente, estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.
É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Temos de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido. Assim, cremos que o artº 171º do CPPT não pode ser interpretado no sentido de excluir a possibilidade do pedido de indemnização ser feito num processo autónomo, aliás à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução ao dispor: “a indemnização referida no nº 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”
Neste sentido refere António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, p. 245) que “o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução).
Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…) o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais.”.
Aqui chegados temos de concluir que a prestação de hipoteca voluntária para suspender a execução confere o direito a indemnização ao sujeito passivo que a prestou na sequência de exigência indevida da Administração Fiscal. Não podia ser de outra forma por atenção desde logo ao disposto no artº 22º da CRP.
Também não podia ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do artº 53º nº 3 da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos, como vimos.
Assim sendo, e sem prejuízo do direito que ao contribuinte assiste de fazer valer os seus direitos nesta matéria, caso o faça em devido tempo, temos de concluir que não pode o Tribunal Arbitral condenar a Requerida no pagamento da indemnização peticionada relacionada com os custos da hipoteca voluntária.
12 - Pedido de indemnização pelas despesas suportadas pela Requerente com honorários por serviços jurídicos.
Conforme se referiu no ponto anterior sobre o âmbito e objecto do processo de impugnação judicial, transponível para os processos arbitrais tributários, não pode neste processo arbitral conhecer-se de pedidos de indemnização por despesas suportados pela requerente com honorários jurídicos, para além do que decorre do dever de fixar a responsabilidade pelos encargos do processo, nos termos do artº 22, nº 4, do RJAT, o que se fará a final.
Por isso não se toma conhecimento desse pedido.
DECISÃO:
Em face do exposto o árbitro decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação impugnada;
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Fixar o valor do processo em € 9 861,59, de harmonia com o disposto no artº 97-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artº 2º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
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Nos termos do nº 4 do artº 22º do RJAT fixam-se as custas no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Administração Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de Outubro de 2013
Manuel Carlos Rodrigues