Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 213/2024-T
Data da decisão: 2024-12-20  Selo  
Valor do pedido: € 907.473,00
Tema: Imposto do Selo - Isenção em operações de cash pooling – artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do CIS.
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SUMÁRIO:

  1. Para efeitos da determinação do prazo máximo de um ano das operações financeiras abrangidas pela isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo, o que releva é a duração das efectivas utilizações do crédito efectuadas ao abrigo do contrato de cash pooling, determinada pelo intervalo compreendido entre a concessão do crédito e o respectivo reembolso.
  2. A não aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo às situações em que o devedor não tem sede ou direcção efectiva em Portugal mas sim noutro Estado-Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais tutelada pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

***

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade (Árbitro Presidente), Dra. Alexandra Gonçalves Marques e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz (Relatora), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-04-2024, acordam no seguinte:

 

1. RELATÓRIO

A..., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal..., com sede social em ..., ..., Alemanha (adiante designada por “Requerente” ou “A...”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do despacho do Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 30 de outubro de 2023 que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2022..., a qual tinha como objeto as liquidações de Imposto do Selo (“IS”) efetuadas por meio de Guias de Retenção na Fonte de IRS/IRC e Imposto do Selo e as Declarações Mensais de Imposto do Selo (“DMIS”), por referência a factos tributários verificados entre julho de 2020 e junho de 2022, submetidas pelas entidades B..., S.A., NIPC ... (adiante abreviadamente designada por “B...”), C..., Unipessoal, Lda., NIPC ... (adiante abreviadamente designada por “C...”) e D..., S.A., ... (adiante abreviadamente designada por “D...”), no montante total de € 907.473,00.

A Requerente peticiona também o reembolso do imposto pago, no montante de € 907.473,00, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 16-02-2024 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros as aqui signatárias, que manifestaram a aceitação do encargo, no prazo legal.

Em 08-04-2024 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação das árbitras, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29-04-2024.

A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 29-04-2024, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

Em 06-06-2024, a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo e apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual pugna pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos.

Por despacho de 18-09-2024, foi determinada a notificação da Requerente para, no prazo de 10 dias, demonstrar de forma detalhada e precisa nos autos que o intervalo compreendido entre a concessão do crédito e o respectivo reembolso (cruzamento dos montantes a crédito e a débito) no período e quanto aos contratos visados nos autos, foi efectivamente inferior a um ano.

Em 08-10-2024, a Requerente em cumprimento do despacho proferido em 18-09-2024, apresentou requerimento e juntou um documento aos autos.

Por despacho de 18-10-2024 foi: i) determinada a notificação da Requerida para exercer o seu contraditório quanto ao requerimento e documento apresentado pela Requerente em 08-10-2024, ii) dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, iii) determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas e iv) prorrogado, por dois meses, o prazo para a prolação da decisão arbitral.

Em 29-10-2024, a Requerida apresentou requerimento, através do qual exerceu o seu contraditório quanto ao requerimento e documento apresentado pela Requerente em 08-10-2024, e peticionou o respetivo desentranhamento, por entender tratar-se de articulado processualmente inadmissível.

Em 18-11-2024, a Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida na petição inicial.

Por despacho de 21-11-2024, foi indeferido o pedido da Requerida de desentranhamento do requerimento e documento apresentado pela Requerente em 08-10-2024.

Em 21-11-2024, a Requerida apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida em sede de Resposta.

 

2. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. MATÉRIA DE FACTO

3. 1.1. Factos provados

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade cotada na Bolsa de Valores, com sede na Alemanha, sendo a entidade dominante das sociedades que constituem o Grupo E... (cf. Por acordo das partes).
  2. Até janeiro de 2022, a Requerente adotou a denominação “F... AG”, tendo alterado a sua denominação social para A..., em fevereiro de 2022 (cf. Por acordo das partes).
  3. A B..., S.A., com o NIPC ... (“B...”), é detida, diretamente, a 100% pela Requerente (cf. por acordo das partes).
  4. A Requerente detém, indiretamente, 100% do capital social da. C..., Unipessoal, Lda., com o NIPC ... (“C...”) e da D... S.A., com o NIPC ... (“D...”) (cf. por acordo das partes).
  5. Em 26 de junho de 2012, a Requerente assinou com a B... e com a C..., contrato de gestão centralizada de tesouraria (“Cash Management Agreement”), no âmbito do qual se encontrava prevista a abertura de uma Inter Company Account (“IC Account”), a adesão a um Cash Pooling Zero-Balancing e a realização de Transações Monetárias (“Monetary Transactions”) a pedido das entidades participantes - no caso a B... e a C... (cf. documentos n.º 6 e 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  6. Em agosto de 2018, a Requerente assinou com a D... um “Agreement on Accession to the ... Cash Pool Agreement”, o qual consubstancia, contrato de gestão centralizado de tesouraria (cf. documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  7. Os contratos referidos em E) e F), tinham como objetivo a otimização da gestão de tesouraria ao nível do Grupo E..., assumindo a Requerente o papel de entidade centralizadora (“Centralizing Company” ou “Cash Pool Leader”) (cf. por acordo das partes).
  8. Ao abrigo dos referidos contratos, o excesso de liquidez das contas bancárias locais das entidades participantes (no caso, a B..., a C... e a D...) são transferidos, numa base diária, para uma conta bancária centralizadora da A... ou os saldos negativos (descobertos) apresentados nas referidas contas bancárias locais, são cobertos por uma transferência, também numa base diária, de liquidez da conta bancária centralizadora da A...  para a conta da entidade participante por parte da Requerente para compensar saldos negativos (descobertos) nesta última conta (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  9. A execução, numa base diária, das transferências de excessos de liquidez para a conta centralizadora da Requerente ou de coberturas de insuficiências de liquidez por transferência da conta centralizadora da Requerente para as contas bancárias locais, é registada nas respetivas IC Accounts, as quais refletem, numa base também diária, a posição credora ou devedora das entidades participantes face à Requerente, em resultado da execução do Cash Management/Cash Pool Agreements (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  10. Entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2022, foram realizadas diversas transferências de fundos entre as entidades participantes e a Requerente, no âmbito dos Cash Management/Cash Pool Agreements celebrados, as quais se refletiram, no decurso desse mesmo período, em saldos credores (i.e., saldos positivos) das respetivas IC Accounts, correspondentes um saldo devedor da Requerente (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  11. Tais saldos foram registados pelas entidades participantes, nos respetivos balanços, em cada um dos períodos económicos, como um ativo contabilístico, porquanto os mesmos se traduziram numa concessão de crédito por parte das entidades participantes à Requerente (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  12. Os saldos credores das IC Account, constantes dos respetivos extratos, foram sujeitos a Imposto de Selo (“IS”), enquanto utilizações de crédito, ao abrigo da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), tendo o montante de IS liquidado pelas entidades participantes, enquanto sujeitos passivos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2. ° do Código do IS, referente aos meses de julho de 2020 a junho de 2022, sobre a utilização de crédito por parte da Requerente, naquele período, ao abrigo do Cash Management/Cash Pool Agreement, ascendido a um total de € 907.473,00, conforme resulta do apuramento seguinte (Cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

 

 

B...

 

                      

 

 

 

C...

                                     

 

 

D...

 

 

 

 

 

                                     

 

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento dos montantes identificados na alínea antecedente, no valor total de € 907.473,00 (cf. Documentos n.º 2 a 4, juntos com a petição inicial).
  2. Os contratos de gestão centralizada de tesouraria em apreço, não estabelecem qualquer prazo de utilização do crédito determinado ou determinável, mas todas as operações realizadas ao abrigo destes contratos, que consubstanciaram concessões de crédito por parte das entidades participantes à Requerente, entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2022, nunca excederam o prazo de utilização de um ano, tendo cada uma das transferências efetuadas, sido reembolsada antes de cumprido esse prazo (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e documento junto com o requerimento da Requerente de 08-10-2024, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  3. Por forma a aferir o prazo de utilização do crédito concedido à Requerente, esta adotou o critério FIFO (first in, first out) segundo o qual, as transferências de fundos realizadas da conta centralizadora da Requerente para a conta bancária das entidades participantes - consubstanciadas nos movimentos a débito (negativos) apresentados nos extratos das IC Accounts, resultaram numa diminuição do saldo credor da IC Account e, como tal, devem ser enquadradas como reembolsos dos montantes mais antigos de crédito concedido pelas entidades participantes e utilizados pela Requerente. (cf. documentos n.º 9 a 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e doc. junto com o requerimento da Requerente de 08-10-2024, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
  4. Em 29-08-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação de Imposto de Selo sobre a utilização de crédito, identificados na antecedente alínea L), no montante total € 907.473,00, tendo solicitando a sua anulação (cf. documento nº 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  5. Em 27 de setembro de 2023, a Requerente foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição relativamente à proposta de indeferimento da reclamação graciosa (cf. documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  6. A Requerente não exerceu o seu direito de audição relativamente à proposta de indeferimento da reclamação graciosa (cf. documento nº 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  7. Em 17-11-2023, a Requerente foi notificada da decisão de Indeferimento da reclamação graciosa proferida em 30-10-2023, que teve por base a seguinte fundamentação (cf. documento nº 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

 

    

       

  1. Em 14-002-2024, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

 

3.1.2. Factos considerados não provados

Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A controvérsia sobre a matéria de facto, reside somente na prova da utilização do crédito por prazo inferior a um ano. Porém, da articulação de toda a prova produzida nos autos (mormente dos docs. 9, 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral) e demais documentos explicativos (designadamente o documento junto pela Requerente com o seu requerimento de 08-10-2024), cuja veracidade e autenticidade não foi impugnada pela AT, considera o Tribunal ter resultado provada esta matéria.

No que toca à restante matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.2. MATÉRIA DE DIREITO

3.2.1 Objeto do litígio e posição das partes

No presente processo discute-se a aplicabilidade da isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do Código de Imposto do Selo (“CIS”) às operações de concessão e utilização de crédito realizadas, entre julho de 2020 e junho de 2022, no âmbito dos contratos de cash pooling descritos nas alíneas E) e F) da matéria de facto provada, que foram previamente sujeitas a tributação por aplicação da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”).

A Requerente alega, em termos sintéticos, que as liquidações de IS em questão padecem de ilegalidade, porque são emergentes de operações de financiamento realizadas no âmbito dos contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash-pooling), estando abrangidas pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS, na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado [“LOE”] para 2020), em vigor desde 1 de abril de 2020, que afasta a cobrança do imposto sobre “Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”. Acrescenta ainda a Requerente que restringir a isenção de IS às situações em que o credor era um não residente em território nacional e, em sentido contrário, submeter a tributação, sem isenção, as situações de financiamento intragrupo no quadro de um contrato de gestão centralizada de tesouraria em que o devedor era um não residente domiciliado noutro Estado-Membro da União Europeia (n.º 2 daquele artigo 7.º), era contrário ao direito europeu, constituindo uma violação do disposto nos artigos 63.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

Por seu turno a Requerida entende ser devida a tributação em Imposto do Selo, por considerar que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos cumulativos que conferem direito à isenção estabelecida na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, designadamente o pressuposto de que o crédito utilizado pela Requerente foi concedido por prazo não superior a um ano. Sustenta ainda a Requerida que a isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não é aplicável à situação em apreço, em virtude da Requerente não ter sede no território nacional.

 

3.2.2. Apreciação da questão

Para apreciar a questão a decidir importa começar por fazer o respetivo enquadramento jurídico. As normas relevantes são aquelas que a seguir se indicam:

 

CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO

Artigo 1.º

Incidência objectiva

“1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”

Artigo 7.º

Outras isenções

1 - São também isentos do imposto:

(…)

h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;

(…)

2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

3 - O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

(…)

8 - Sem prejuízo do estabelecido nos n.ºs 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.

 

TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO

17 Operações financeiras

[…]

“17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30……………………………….. 0,04%”

 

TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA

CAPÍTULO 4

OS CAPITAIS E OS PAGAMENTOS

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

Feito o enquadramento legal da questão, passemos a analisar os requisitos de que depende a isenção de tributação prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS.

Das normas acabadas de citar resulta que as operações de crédito praticadas no âmbito de contratos de cash pooling sujeitas a tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, apenas ficam abrangidas pela isenção de tributação prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, se cumprirem os seguintes pressupostos de verificação cumulativa:

  1. Existência de um contrato de cash pooling ao abrigo do qual são concedidos empréstimos;
  2. Reembolso dos empréstimos antes do decurso de um ano sobre a data da respectiva concessão;
  3. Existência de relação de domínio ou grupo entre as sociedades visadas, expressa pela detenção directa ou indirecta, há mais de um ano, de 75% do capital social da sociedade dominada pela dominante, que confira mais de 50% dos direitos de voto;
  4. Sede ou direcção efectiva dos intervenientes no território nacional ou, em alternativa, sede do devedor no território nacional e sede do credor em Estado-Membro da União Europeia ou noutro Estado que tenha celebrado com Portugal um acordo para evitar a dupla tributação e que não conste da Portaria que estabelece os territórios sujeitos a regime fiscal privilegiado.

A Requerida, na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa não coloca em causa a existência dos pressupostos cumulativos de que depende a isenção de tributação prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, tendo considerado que só não há lugar a esta isenção, uma vez que o beneficiário dos financiamentos não tem sede em território nacional, pelo que nos termos do nº 2 do artigo 7 do CIS essa isenção não lhe é aplicável.

Contudo, em sede de Resposta apresentada nos presentes autos, a Requerida sustenta também que não resultou provado que o crédito utilizado pela Requerente tenha sido concedido por prazo não superior a um ano, concluindo assim que não se verificam os pressupostos cumulativos que conferem direito à isenção estabelecida na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Vejamos cada um dos pressupostos de que depende a aplicação da isenção em causa.

Quanto à existência de contratos de cash pooling, ao abrigo do qual foram concedidos os empréstimos, trata-se de matéria que a Requerida não contesta e que resulta assente, nas alíneas E) e F) da matéria de facto provada, pelo que este pressuposto se verifica.

Relativamente ao prazo de reembolso dos créditos concedidos ao abrigo dos contratos de cash pooling, entende o Tribunal que da documentação junta pela Requerente, designadamente dos documentos 9 a 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e do documento junto pela Requerente com o seu requerimento de 08-10-2024, resultou provado que o reembolso dos empréstimos ocorreu antes do decurso de um ano sobre a data da respectiva concessão (cf. alíneas N) e O) da matéria de facto provada), pelo que não assiste razão à AT quanto a este ponto. Por conseguinte, conclui-se que nenhum dos créditos concedidos teve um prazo de utilização efectiva superior a um ano, pelo que se encontra verificado o pressuposto temporal de que dependia a aplicação da isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS.

No que concerne à existência de uma relação de domínio ou grupo entre as sociedades intervenientes no cash pooling, trata-se de matéria que nunca foi colocada em causa pela Requerida e que resulta das alíneas A) a D) da matéria de facto provada. Por conseguinte, conclui-se que existia a relação de domínio ou grupo tal qual definida no n.º 8 do artigo 7.º do CIS, razão pela qual também estava verificado o pressuposto de detenção do capital previsto na isenção da alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º daquele mesmo código.

Por fim, relativamente ao critério de territorialidade, era necessário que a Requerente enquanto devedora tivesse sede ou direcção efectiva em Portugal.

Da matéria de facto provada nos presentes autos resulta o incumprimento deste requisito, porquanto a Requerente, que assume a posição de devedora-beneficiária dos financiamentos, tem a sua sede na Alemanha (cf. alínea A) dos factos provados).

Aqui chegados importa agora analisar se o facto da Requerente não ter a sua sede em território nacional, impede-a de, face ao que dispõe a norma do nº 2 do artigo 7º do CIS, aproveitar da isenção de IS prevista na alínea h) do n.º 1, do artigo 7.º daquele mesmo código, o que passaremos a fazer.

Esta mesma questão foi já objecto de ampla apreciação pelos Tribunais Arbitrais, designadamente nos acórdãos proferidos em 6 de Outubro de 2020, no âmbito do processo n.º 277/2020-T, em 28 de Fevereiro de 2021, no âmbito do no processo n.º 749/2019-T, em 18 de Abril de 2021, no âmbito do processo n.º 171/2020-T, em 6 de Outubro de 2021, no âmbito do processo n.º 57/2021-T, em 18 de Maio de 2022, no âmbito do processo n.º 818/2021-T ou em 30 de Outubro de 2022, no âmbito do processo n.º 59/2022-T. Por todos, entendeu-se neste último processo o seguinte:

4. Questão da incompatibilidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS com o Direito da União Europeia

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP, estabelece que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

É, pois, pacificamente reconhecido que desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não estão em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Por sua vez, os artigos 63.º e 65.º do TJUE, na parte aplicável, estabelecem o seguinte:

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

A propósito da aplicação dos preceitos transcritos, a decisão arbitral proferida no Processo 277/2020-T, em que também foi apreciada a compatibilidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS com o direito comunitário, invoca o acórdão do TJUE de 14-10-1999, proferido no processo n.º C-439/97 (Sandoz GmbH), onde, em resumo, se consignou o seguinte (com atualização dos números dos artigos aí citados):

1) A proibição do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anteriores artigo 73.º-B, n.º 1, e 56.º do Tratado CE) abrange quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros (n.º 18);

2) Uma legislação que priva os residentes num Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do território nacional, é uma medida de molde a dissuadi-los de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros (n.º 19 daquele acórdão, citando o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.º 10). 3) Tal legislação constitui por isso uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE (anteriores artigos 73.º-B, e 56.º) (n.º 20).

Assim, considerando que os empréstimos de curto prazo são movimentos de capitais, como resulta da Directiva n.º 88/361/CEE, do Conselho, de 24-06-1988, o que não é objeto de controvérsia, e acompanhando a referida decisão arbitral, há que concluir que a restrição imposta no n.º 2 do artigo 7.º do CIS impede os residentes de um Estado-Membro (França, neste caso) da possibilidade de beneficiarem de uma não tributação dos mútuos contraídos fora do seu território nacional.

Por outro lado, o facto de o sujeito passivo do imposto ser o credor (ora Requerente) e não o devedor, não afasta esta conclusão.

Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3 alínea f) do artigo 3.º do CIS. Aliás, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido directamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17.

É certo que o artigo 65.º do TFUE admite algumas restrições ao disposto no citado artigo 63.º. Com efeito, na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 65.º permite-se que os Estados-Membros apliquem normas de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

A propósito desta norma, o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º C-575/17 (Sofina SA):

“Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita.

Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]».

Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), das discriminações proibidas pelo artigo 65.º n.3 do TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen).

Vejamos se estas condições se verificam no caso subjudice.

Como se consignou na decisão arbitral proferida no processo 277/2020-T, que se vem acompanhando, “no caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada acto de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes.

Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos.

Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui, como defende a Requerente, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na acepção do Tratado, por não existir qualquer diferença objetiva de situação susceptível de justificar tratamento diferenciado.

Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva.

Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral observa-se o seguinte.

A alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE admite que os Estrados Membros tomem «todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública».

Como se vê pelo n.º 46 do citado acórdão proferido no processo n.º C-575/17, o TJUE entende que, relativamente a situações comparáveis, a diferença de tratamento só pode ser justificada «por uma razão imperativa de interesse geral».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesto que não existe qualquer razão de interesse geral que possa justificar a referida discriminação.

Assim, como se conclui no Acórdão arbitral proferido no processo 277/2020-T, não se vislumbra qualquer outra razão de interesse público que possa justificar o tratamento discriminatório referido, designadamente uma hipotética intenção legislativa de evitar fraudes e abusos no âmbito das operações de tesouraria de curto prazo entre empresas do mesmo grupo, pois a intenção geral que está ínsita na atribuição dos benefícios fiscais previstos nas alíneas g) a i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não pode ser a de «impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é beneficiar indevidamente de uma vantagem fiscal», que podem justificar restrições à livre circulação de capitais (Acórdãos do TJUE de 05-07-2012, SIAT, processo C-318/16, EU:C:2017:415, n.º 40; de 07-09-2017, Eqiom e Enka, processo C6/16, EU:C:2017:641, n.º 30; e de 20-09-2018, EV, processo C-685/16, n.º 95), mas, será, pelo contrário, de admitir ou mesmo incentivar esses comportamentos, concedendo benefícios fiscais.”

 

Aplicando o entendimento acabado de citar ao presente caso, ao qual este Tribunal Arbitral adere em cumprimento do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, e cujas considerações aqui não se repetem por razões de economia processual, conclui-se que a exclusão de aplicação da norma de isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS com fundamento no facto da Requerente, enquanto pool leader e devedora, não ser residente fiscal em Portugal mas sim noutro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

Consequentemente, é ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como as liquidações de Imposto do Selo que dela foram objecto, por violação do Direito Europeu, em conformidade com o disposto no n.º 4, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

Da ilegalidade do indeferimento do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, da ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, resulta para a AT a obrigação de restabelecer a situação que existiria se os actos não tivessem sidos praticados.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, para além do reembolso do imposto indevidamente pago “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à aplicação desta norma, é entendimento do STA, expresso no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18 de Janeiro de 2017, que “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.

Por conseguinte, por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos actos de liquidação, há assim lugar ao reembolso do Imposto do Selo indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa legal supletiva, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, isto é, 30 de outubro de 2023, até integral e efectivo reembolso, nos termos conjugados do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 e 35.º, n.º 10 e 100.º da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

4. DECISÃO

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar integralmente procedente o pedido formulado pela Requerente, e em consequência:
  1. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contestada, bem como os actos de liquidação de Imposto do Selo que dela foram objecto;
  2. Condenar a Requerida no reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
  1. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 907.473,00 (novecentos e sete mil e quatrocentos e setenta e três euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 12.852,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de dezembro de 2024.

 

  

Os Árbitros,

 

 

      Carla Castelo Trindade

       (Árbitro Presidente)

 

 

   Alexandra Gonçalves Marques

    (Árbitro vogal)

 

 

 

 

 

                   Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz

       (Árbitro vogal e relatora)