Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 438/2024-T
Data da decisão: 2024-12-11  ISV  
Valor do pedido: € 2.587,39
Tema: ISV – Tributação de veículos usados provenientes de outros Estados Membros. Conformidade do n.º 1 do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
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SUMÁRIO:

O n.º 1 do artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos observa o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, porquanto assume uma natureza relativa e não absoluta, dependendo da análise e avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados provenientes de outros Estados-Membros e o valor residual do imposto incorporado nos veículos usados similares nacionais.

 

Decisão Arbitral

  1. RELATÓRIO

A..., contribuinte n.º ..., residente na ..., n.º ..., ... ..., ...-... Aveiro. (doravante designado por “Requerente”), veio apresentar, em 24 de março de 2024, pedido de pronúncia e constituição de Tribunal arbitral, em que é requerida a “Autoridade Tributária e Aduaneira” (doravante designada por “Requerida” ou “AT”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) é apresentado na sequência da Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2024/..., de 12 de fevereiro de 2024, da Alfândega de Leixões, com a liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) no montante de € 10.131,15, devido pela introdução no consumo de um veículo de passageiros usado, proveniente de outro Estado Membro (EM).

Em 22 de maio de 2024, o signatário foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 6º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º  do RJAT e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em 14 de junho de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular (TAS) foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral em 24 de junho de 2024, no sentido de notificar a Requerida, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para no prazo máximo de 30 dias, apresentar Resposta e remeter cópia do processo administrativo (PA).

A Requerida, em 24 de setembro de 2024, apresentou aquela Resposta e PA, tendo-se defendido por impugnação e concluído no sentido de que “(…) o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.”.

Por despacho arbitral de 24 de setembro de 2024, foram ambas as Partes notificadas da dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo o Requerente sido ainda notificado para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo, em cumprimento do disposto artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Em 25 de outubro de 2024, o Requerente, na sequência da decisão do TJUE de 06.02.2024, proferida no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial no Processo C-399/23, e de acórdão uniformizador do STJ, vem requer a inquirição de duas testemunhas.

Em 30 de outubro de 2024, o Tribunal proferiu despacho de aceitação do requerimento e de pedido de pronúncia à Requerida, a qual apresentou resposta em 07 de novembro de 2024.

Em 11 de novembro de 2024, compulsada a natureza do processo, a prova apresentada, as alegações das partes, após juízo e avaliação casuística, tendo presente que a instrução tem por objeto factos controvertidos em relação aos quais se considera indispensável a apresentação de prova objetiva - documento ou de laudo pericial (relatório técnico) - e, tendo, ainda, em conta o pedido e a solução plausível da questão de direito, foi proferido despacho, não reclamado, a dispensar a audição de testemunhas, prova subjetiva, atento, igualmente, o princípio da economia, previsto no artigo 130.º do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

  1. Posição do Requerente

O Requerente apresenta o PPA com vista à anulação parcial da liquidação de ISV referida, invocando nesse pedido, em síntese, o seguinte:

  • “(…) introduziu em Portugal em 12.02.2024, o veículo automóvel ligeiro de passageiros usado, marca Porsche, proveniente da Alemanha, a que foi atribuída a matrícula ... . (…)
  • procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 10.131,15, imposto que já foi pago (…) Deste valor liquidado, € 2.368,97, corresponde à componente cilindrada e € 7.762,.18, à componente ambiental.
  • que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.
  • E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação - art. 11º do CISV - viola o art. 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdãos transitados em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.” (…).
  • Que o legislador “(…) através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro – aprovou uma nova alteração ao art. 11º do CISV, mediante a qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respetivas percentagens. Ver tabela D, nº 1 do art. 11º do CISV.” (…)
  • “(…) as percentagens aplicadas à componente ambiental, são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto. (…) a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, continua a violar frontalmente o art. 110º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado e pela demais jurisprudência do TJUE.”
  • Viola a citada norma do tratado, pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo.
  • Onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. “ (…)
  • O montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.” (…)
  • “Verificado o cálculo do ISV, temos que relativamente à componente ambiental o ISV foi liquidado por mais € 2.587,39. Excesso que resulta da aplicação da percentagem de redução inferior à que devia ter sido aplicada, ou seja, a mesma que foi aplicada na componente cilindrada. “ (…)
  • “A liquidação do ISV deve ser corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 7.543,76. Devendo ser restituído ao Impugnante o montante de € 2.587,39 pago a mais. Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43º da LGT, à taxa legal de 4%.

Em consequência, vem requerer o deferimento do pedido e, em conformidade, que o Tribunal Arbitral determine:

  • (…) a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental.
  • (…) a AT ser condenada a restituir ao Impugnante a quantia de € 3.451,55 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.”

 

  1. Posição da Requerida

A Requerida, na resposta ao PPA, alega, em síntese, o seguinte:

  • “A liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV.” (…)
  • “(…) nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do CISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. ou às direções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos. 
  • À introdução no consumo de veículos usados que sejam objeto de admissão no território nacional aplica-se, no âmbito do regime geral de tributação, o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do mesmo código, que, quanto às taxas do imposto, consagra, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas ou pela taxa intermédia.
  • Além do artigo 7.º, o artigo 11.º do CISV (Taxas - veículos usados) estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados, que, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, (Lei do Orçamento para 2021)…” (…)
  • “No que concerne à alteração legislativa em questão, efetuada ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, e, em concreto à tabela D, refira-se que o legislador nacional optou por aplicar percentagens de redução de ISV diferenciadas à componente cilindrada e à componente ambiental, na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da União, porque entendeu, conforme se extrai da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021, que:
  • «(…) se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, prevê-se, à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal.». (Sublinhado nosso)” (…)
  • “(…) a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, já incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça prolatado no Processo n.º C-169/20, porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de um desconto/redução sobre a componente ambiental do ISV.” (…)
  • “(…) tendo em consideração o entendimento vertido no referido despacho do TJUE, o STA viria a pronunciar-se, por Acórdão de 24/04/2024, no Processo n.º 25/23.8BALSB daquele alto tribunal, e posteriormente noutros acórdãos entretanto proferidos na sequência dos vários recursos interpostos pela ora Requerida, perante a mesma similitude fática e jurídica, como ocorre no caso sub judice, no segmento relativo ao recurso da AT da decisão de anulação parcial da liquidação contestada e à questão controvertida da conformidade da redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o direito da União Europeia, quanto a esta matéria, do seguinte modo: “(…)

III. CONCLUSÃO

A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.”

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em, tomando conhecimento do mérito do presente Recurso, conceder provimento ao mesmo e anular a decisão arbitral recorrida.

(…)” (Sublinhado nosso).

  • “(…) para efeitos de uniformização de jurisprudência, o STA veio proferir o suprarreferido Acórdão no Processo 25/23.8 BALSB, e no respaldo do despacho do TJUE de 06/02/2024, lavrou, em suma, a seguinte jurisprudência:

“(…)

Julgamos que já se deixou amplamente exposta a evolução da legislação da tributação automóvel nacional e a necessidade da sua conformação às disposições europeias ao longo dos últimos anos.

Naquela que é uma das últimas alterações introduzidas naquela legislação, por força daquele desiderato, fixou-se o regime que ora se sujeitou ao crivo de conformidade do Tribunal de Justiça

da União e que, em resumo, estabeleceu um critério de desvalorização da componente ambiental para a determinação do imposto sobre veículos devido por veículos usados importados do espaço da União Europeia que, apesar de pretender refletir o imposto implícito nos veículos nacionais similares, é distinto daquele fixado para a componente cilindrada que compõe aquele imposto.

Ora, por força das exigências de paridade de tratamento não penalizador destes veículos, entendeu o Tribunal de Justiça da União pronunciar-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.

• Colocada assim a questão, está fácil de ver que a resposta dada à questão prejudicial colocada por este Tribunal àquele Tribunal de Justiça da União será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”. (Sublinhado nosso)” (…)

  • “Concluindo, como supra se referiu, o STA: «(…)

A questão de saber se o regime vertido no artigo 11º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais”. (…)

  • Ora, quanto a esta questão importa referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes e cálculo de imposto, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV.”
  • Por fim, a Requerida entende que “(…) deve o pedido de pronuncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.”.
  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º do RJAT.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

  1. QUESTÕES A DECIDIR

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos e na prova produzida, cumpre determinar e decidir se o ato de liquidação impugnado, com fundamento no disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), é ilegal porque essa norma não observa o disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), especificamente, se discrimina negativamente os veículos usados provenientes de outros EM, quando admitidos em território nacional, em relação a veículos similares já matriculados e comercializados em Portugal, porque no calculado do imposto não toma em consideração a depreciação real do veículo, favorecendo o mercado de veículos usados nacionais, em detrimento dos veículos usados provenientes de outros EM.

Subsequentemente, se julgar a liquidação de ISV no montante de €10.131,15 deve ser parcialmente anulada.

Os elementos de cálculo dessa liquidação são apresentados no quadro seguinte:

 

Segundo a pretensão do Requerente, à componente “ambiental” deveria ser aplicada a percentagem de redução de 52% (igual à aplicada à componente “cilindrada”), daí resultando uma percentagem de redução de €5.606,02,  pelo que o valor do imposto liquidado e pago no montante de €10.131,15, deveria ser inferior, após considerada aquela redução e não a redução aplicada pela AT (28%) (no montante de €3.018,63), pelo que entende que a liquidação deve ser parcialmente anulada e ser-lhe restituído o montante de €2.587,39. Sublinha-se que por erro manifesto e contradição da sua própria fundamentação, o Requerente pede, indevidamente, a restituição de € 3.451,55.

  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, atento o PPA, a prova junta, a resposta da Requerida e o processo administrativo (PA), deram-se como provados os factos seguintes:

  1. O Requerente introduziu em Portugal, em 12/02/2024, o veículo automóvel ligeiro de passageiros usado, marca Porsche, proveniente da Alemanha, a que foi atribuída a matrícula ... .
  2. O Requerente procedeu à legalização do veículo junto da Alfândega de Leixões, mediante Declaração Aduaneira do Veículo (DAV) n.º 2024..., originando a correspondente liquidação do ISV no valor de € 10.131,15, imposto que foi pago.
  3. Na liquidação foi considerada a cilindrada (1998cc) a idade do veículo (+ 5 anos) e o grau de emissões de CO2 (233), sendo aplicadas as percentagens de redução de 52% e de 28%, na “componente cilindrada” e na “componente ambiental”, respetivamente.
  4. Nesse cálculo a AT liquidou imposto (ISV) no montante de € 10.131,15, sendo € 2.368,97 relativo à “componente cilindrada” e € 7.762,18, relativo à “componente cilindrada”, conforme n.º 1 do artigo 11.º, Tabela D do CISV, aprovado pela Lei n.º 22/2007, com a redação dada pelo artigo n.º 391.º, da Lei 75B/2020.
  5. Em 28 de março de 2024, o Requerente apresentou, junto do CAAD, o presente Pedido de Ação Arbitral.
  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão, considerar-se como não provado que o montante do imposto liquidado fosse calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excedendo, o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados e não provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, as alegações e prova documental junta pelas Partes e aquela cuja adesão à realidade não foi questionada, sendo os factos apreciados e valorados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio.

O imposto liquidado objeto do PPA foi calculado de acordo com o artigo 7.º e o n.º 1 do artigo 11.º, ambos do CISV, tendo sido aplicadas as respetivas percentagens de redução previstas na segunda dessas normas, tendo em consideração a idade do veículo.

O Requerente considera que pela consagração pelo legislador de percentagens de redução diferentes para cada uma das componentes (cilindrada e ambiental), as quais concorrem para o apuramento do imposto, desde logo, decorre, diretamente, que o imposto liquidado não teve em conta a depreciação real do veículo, daí decorrendo que essa liquidação é superior ao montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.

Ora, atento o regime de tributação, observa-se que o referido artigo 11.º do CISV dispõe ainda que: “3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) x Y + (U/UR) x C

Em que:  ISV representa o montante do imposto a pagar; V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado; VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez; Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto; C é o 'custo de impacte ambiental', aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º; U é o número de dias de tempo de uso da viatura; UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV. 4 – Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.”cf. artigo 11.º do CISV.

Assim, o regime legal do ISV permite que os SP recorram a método alternativo de determinação do imposto, caso discordem da liquidação e verifiquem, com recurso ao referido método/fórmula de avaliação objetivo, a efetividade dos fundamentos que o Requerente invoca contra a liquidação de ISV controvertida  - não ser considerada a “depreciação real do veículo”.

Ora, o Requerente discorda do valor da liquidação apurada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, mas conformou-se com ela e não recorreu ao referido método de avaliação previsto no n.º 3 dessa mesma norma, o qual permitiria, desde logo, aferir, objetivamente o valor de mercado/depreciação. para efeitos tributários e a respetiva liquidação devida de acordo com essa fórmula de cálculo, em alternativa, à aplicada, prevista no n.º 1 daquela norma.

Sublinha-se que nos termos do n.º 3 do artigo 11.º, o imposto é determinado, entre outros fatores, considerando o seguinte: “(…) V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado; VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez (…).” [sublinhado nosso]

Assim, para determinar se o valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, é ou não, inferior ao valor liquidado para o veículo objeto do presente PPA, torna-se indispensável a apresentação de prova documental ou de laudo pericial (relatório técnico) com fundamentação e critérios semelhantes aos previstos no método/fórmula de cálculo prevista no referido n.º 3 do artigo 11.º, relativamente ao veículo em questão, comparativamente com veículo/s similar/es naciona/is já matriculado/s e em venda no mercado de usados, por forma a sustentar, objetivamente e sem margem para dúvida, de que o imposto liquidado na atribuição da matrícula nacional ao veículo proveniente de outro EM (em apreciação) é superior ao residual de imposto incorporado no preço de venda de veículo/s similar/es no mercado de usados, com primeira matrícula nacional.

Atento esse enquadramento legal, critérios exigidos e especificidade do mercado desse tipo de bens, conduz a que qualquer testemunho, independentemente da experiência de quem o emite, não deixa de ser apenas uma mera opinião e meio de prova muito subjetivo, a qual é insuficiente e insuscetível de poder determinar, em concreto, de forma rigorosa e objetiva, se uma determinada liquidação de ISV de um veículo proveniente de outro EM/“importado”, é ou não, superior ao valor residual de imposto incorporado em veículos usados similares nacionais.

Sublinha-se que o Requerente alega apenas que o imposto calculado viola o artigo 110.º do TJUE e, em tese, que “O valor do veículo usado importado utilizado pela AT como base de tributação, deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional. O montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.”

Assim, o Requerente, se convicto dessa premissa e discordando do montante apurado através da liquidação provisória prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, poderia ter recorrido ao método de avaliação previsto no n.º 3 dessa norma, de acordo com o qual, o cálculo do imposto, a pedido do sujeito passivo, é efetuado com base na fórmula de cálculo, objetiva, aí prevista. Método de cálculo especialmente destinado a tomar em conta os argumentos apresentados pelo Requerente contra a presente liquidação, como supra referido.

Termos em que estamos perante domínio em que para determinar o residual de imposto no preço de venda de um veículo nacional no mercado de usados, torna-se igualmente necessário apresentar elementos de prova objetivos, assentes em cálculos e suportes documentais (estudo e/ou relatório técnico) que sustente/m, rigorosa e objetivamente, qual o efetivo residual de imposto naqueles veículos, tendo, necessariamente, essa prova que detalhar e apresentar o montante de cada uma das componentes (incluindo o valor residual de ISV incorporado) que concorrem para a formação do respetivo preço de venda.

Ora, o Requerente não apresentou prova documental ou relatório técnico (elementos de prova objetivos e indispensáveis), por forma a conterem o detalhe, a precisão e valores confiáveis e sustentados (assentes em fórmulas e exemplos), suscetíveis de demonstrar/em que o ISV incidente sobre o veículo objeto do PPA é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares.

Acresce, ainda, que o Requerente não recorreu sequer à fórmula e critérios de cálculo tributação previstos no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, cujos elementos previstos nessa norma poderiam ajudar a fundamentar e sustentar os factos que invoca no presente PPA, porquanto essa demonstração poderia, pelo menos, indiciar se a liquidação é, ou não, de valor muito superior àquela que seria devida nos termos do referido n.º 3, atento o valor real e a depreciação do veículo quando comparado com os restantes veículos à venda no mercado

Observa-se que o preço inferior dos veículos adquiridos em outros EM muito contribui para a sua elevada representação no mercado nacional após tributação (mais de 2/3 do mercado nacional), segundo as comunicações e estatísticas difundidas pelas entidades representativas do setor - v.g. https://acap.pt/index.php?route=base/pt/estatisticas.

Nesse sentido pronunciou-se publicamente o representante máximo da ACAP, nos termos seguintes: “Em 2023, foram importados cerca de 100 mil veículos usados, o que significa, um rácio que geralmente é feito em termos europeus, 50% da totalidade dos veículos novos vendidos em Portugal. É um rácio que só países do Leste da Europa e que entraram mais tarde na UE é que têm. A ACAP não tem nada contra a livre circulação de pessoas, bens e capitais na UE, só que este problema existe por não haver uma harmonização fiscal no setor automóvel na UE. Já houve várias propostas diretivas e regulamentos comunitários, mas nunca se conseguiu harmonizar essa fiscalidade e há um grupo de países que tributa bastante os veículos automóveis, tradicionalmente na compra, e outros que não tributam. Portugal, infelizmente, é um dos que tributa na compra, temos o Imposto sobre Veículos [ISV]. Há vantagens fiscais de veículos que pagaram menos em incorporação de imposto quando foram vendidos novos. E isso vem a envelhecer o rácio, também já agora, dos veículos que foram importados, usados ou já matriculados noutro Estado Membro, com uma idade média de 7,1 anos, o que é elevado.” https://www.dn.pt/5793768783/helder-pedro-importamos-cem-mil-carros-usados-50-das-vendas-de-novos-racio-que-so-os-paises-do-leste-da-europa-tem/

Objetivamente, sendo Portugal um dos países que mais tributa os automóveis no ato da compra do veículo novo, a componente residual do imposto no preço do veículo usado é igualmente elevada e, subsequente, contribui para apresentar um preço muito superior (novo ou usado) face a um veículo similar proveniente de outro EM, mesmo após a tributação, principalmente os veículos menos eficientes na componente ambiental.

Nesse sentido e segundo aquele responsável da ACAP, “os planos de incentivo ao abate através do Fundo Ambiental, visa retirar de circulação veículos que emitem, em média, 180 gramas de dióxido de carbono [CO2], renovando por veículos ou com emissões zero ou com motores de combustão interna de baixas emissões…” . https://www.fundoambiental.pt/listagem-noticias/incentivo-ao-abate.aspx

Ainda, segundo os dados publicados pelos media com base nas fontes estatísticas divulgadas pela ACAP “Os carros usados importados já valem mais de dois terços do mercado automóvel nacional. Em 2022, por cada três automóveis novos comprados, os portugueses foram lá fora buscar dois veículos em segunda mão.” https://observador.pt/2023/02/15/veiculos-importados-usados-foram-mais-de-dois-tercos-das-matriculas-novas-em-2022/

Ao sujeito passivo (SP) impende o ónus de provar, de forma técnica, objetiva e detalhada, as diferentes componentes que integram o preço de venda dos veículos automóveis usados nacionais e, subsequente, o valor residual do imposto (ISV) incorporado no preço de mercado desses veículos, de modo a demonstrar, objetiva e fundamentadamente, a existência de um tratamento desvantajoso na tributação do veículo usado proveniente de outro EM.

Assim, da análise crítica das provas, das ilações tiradas de factos instrumentais e demais fundamentos que foram decisivos para convicção formada, em nada se pode concluir, de forma rigorosa, objetiva e sustentadamente, ter ocorrido um tratamento desvantajoso e que o montante do imposto liquidado seja superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares, bem como que esse regime protege o mercado de veículos usados nacionais em detrimento dos veículos provenientes de outros EM, porquanto toda a informação oficial publicada e estatísticas do setor automóvel  revelam, manifestamente, o contrário, como se referiu e alude no ponto seguinte.

Termos em que, os factos foram apreciados e valorados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, observados os princípios da livre apreciação da prova e da economia, conforme resulta da alínea e) do art.º 16.º do RJAT e do n.º 1 do art.º 596.º, dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º, bem como do art.º 130.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

O Requerente considera que o disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), é ilegal porque essa norma não observa o disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que discrimina negativamente os veículos usados provenientes de outros EM, quando admitidos em território nacional, em relação a veículos similares já matriculados e comercializados em Portugal.

Fundamenta essa asserção nas diferentes percentagens de redução aplicáveis à “componente cilindrada” e à “componente ambiental”, atenta a idade do veículo, defendendo que devem ser iguais.

Entende, o Requerente, que essa distinção não observa o artigo 110.º do TFUE, o qual preceitua que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.”

O presente Tribunal Arbitral, em função da(s) conclusão(ões) extraídas sobre a apreciação do(s) vício(s) invocado(s) e no caso da respetiva fundamentação para a improcedência/procedência do pedido, concluirá o seu julgamento.

Com relevância para o pedido, recorda-se que o regime do ISV é um imposto interno de consumo, não harmonizado comunitariamente. O CISV determina a incidência e taxas do imposto, sendo ato tributário objeto do PPA praticado ao abrigo dos artigos 7.º e 11.º daquele Código.

A introdução no consumo de veículos usados que sejam objeto de admissão no território nacional aplica-se, no âmbito do regime geral de tributação, o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis), o qual consagra, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes “cilindrada” e “ambiental”.[1]

Por sua vez, o artigo 11.º do CISV estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados (na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, - Lei do Orçamento para 2021), cujo n.º 1 daquela norma preceitua o seguinte:

“Taxas – veículos usados

1 -O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados -Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente: TABELA D (…)”. Tabela que se dá aqui por reproduzida.

Observa-se que essa norma incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça, Processo n.º C-169/20, porquanto a Tabela D prevê que os veículos usados provenientes de outros EM beneficiem de uma redução, quer para a componente “cilindrada”, quer “ambiental” do ISV, embora diferenciadas, maxime, em linha com as medidas e as metas de política ambiental, bem como tributária.

Atentos esses fundamentos, políticas, metas e o disposto no artigo 110.º TFUE, nada obsta que Portugal não possa fixar taxas e reduções diferenciadas para as referidas componentes no cálculo do ISV.

Consequentemente, atento o teor do Despacho do TJUE, de 06 de fevereiro de 2024, a alegada ilegalidade da legislação nacional e da subsequente liquidação de ISV, exige prova objetiva e detalhada que demonstre que o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo proveniente de outro EM, excede o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, por forma a, comprovada e objetivamente, poder concluir-se, ainda, que o regime favorece a venda dos veículos usados nacionais.

Ora, a realidade veiculada em todas as estatísticas públicas divulgadas pelas entidades representativas do setor automóvel, demonstram, antes, o contrário, ou seja, o predomínio do mercado de usados provenientes de outros EM como referido em 3 – IV, supra.

Em Portugal, outros impostos, além do ISV, incidem sobre a propriedade/circulação de veículos, sendo que quanto maior a cilindrada e menor eficiência ambiental do veículo, maior o ISV, assim como o IUC, consequentemente esses fatores condicionam o preço de mercado e as inerentes componentes do preço, incluindo o montante residual do ISV nos veículos usados nacionais, pelo que é recorrente o recurso à compra de veículos, incluindo, de usados em outros EM.

Na formação do preço dos veículos no mercado nacional, a componente de imposto presente nesse preço, novo ou usado, é sempre muito elevada, em face da elevada fiscalidade que incide/iu sobre o veículo novo quando é/foi matriculado, comparativamente com um veículo usado similar matriculado em outro EM.

Essa elevada tributação e preço dos veículo nacionais, muito contribui para a importação crescente de veículos usados, muitos dos quais pouco eficientes na “componente ambiental”, como é o exemplo do veículo objeto do presente PPA (o qual emite 233 gramas de dióxido de carbono - CO2), uma muito significativa carga poluente e ineficiência ambiental, a qual muito inflacionaria o seu preço pela elevada tributação a que estaria sujeito como veículo novo em Portugal e, consequentemente, o seu preço no mercado de usados, conduzindo à opção pela sua aquisição em outro EM.

A rácio da diferente e mais exigente redução da “componente ambiental” encontra-se sustentadamente justificada e, desde logo, tem, ainda, a respetiva sustentação nas políticas, metas ambientais e objetivos de interesse público, por forma a proteger a saúde e o ambiente, bem como impedir a “importação” de veículos usados poluentes e de impedir o País de alcançar as metas de redução de emissões poluentes.

As diferentes reduções previstas no artigo 11.º do CISV, têm ainda a virtude de desincentivar comportamentos poluentes e compensar o Estado/cidadãos pela adoção desses comportamentos contrários àquelas políticas ambientais e sociais e aos inerentes deveres de cidadania e interesse público.

Ora, atento o objeto do presente PPA, estamos perante um veículo proveniente de outro EM que emite 233 gramas de dióxido de carbono [CO2], o que contraria as próprias políticas nacionais, pagas por todos os contribuintes, no sentido de promover a retirada de circulação de veículos poluentes – v.g.: medidas que pretenderam retirar da circulação veículos que emitiam, em média 180 gramas de dióxido de carbono [CO2], como supra referido na fundamentação da matéria de facto

Na tributação automóvel, a componente ambiental é um instrumento cada vez mais utilizado pelos EM para promoverem a sustentabilidade e reduzir as emissões de gases poluentes. Ao vincular o valor do imposto à emissão de poluentes, incentiva-se a aquisição de veículos mais eficientes e menos prejudiciais ao meio ambiente.

Os veículos são uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Ao taxar mais os veículos poluentes, estimula-se a transição para veículos que emitem menos CO2, em prol do interesse público.

Os custos ambientais da utilização de veículos, como a poluição do ar e as alterações climáticas, não são geralmente pagos pelos condutores. A tributação da componente ambiental serve para internalizar esses custos, fazendo com que os poluidores paguem pelos danos que causam à sociedade e ao ambiente.

A fiscalidade nacional sobre o automóvel inflaciona o preço dos automóveis novos e, subsequentemente, o respetivo preço no mercado como usado, incluindo, o montante residual do imposto incorporado no veículo usado nacional, com vantagem competitiva e comparativa para o veículo usado proveniente de outro EM, não se comprovando, ainda, a existência de “(…imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.” – cf. artigo 110.º do TFUE

Atento ao teor da decisão do TJUE, e analisados os dados das entidades representativas do setor e as posições públicas dos respetivos responsáveis, verifica-se um muito elevado peso (2/3) dos veículos usados provenientes de outros EM no mercado automóvel nacional, factos que demonstram que a aplicação do ISV a esses veículos não indicia que o imposto que incide sobre um veículo usado preveniente de outro EM, exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, maxime, que o regime de tributação favorece a venda de veículos usados nacionais em detrimento de veículos usados similares provenientes de outros EM, antes se verifica, na prática e no mercado, a situação inversa, com o seu manifesto peso relativo (2/3) e o crescimento dos veículos usados provenientes de outros EM.

Nesse contexto, sobre o objeto do presente PPA e a matéria de direito, releva-se o Acórdão do STA, de 24 de abril de 2024, Processo 025/23.8BALSB,[2] no qual citando o TJUE no âmbito do processo n.º C-399/23, reproduz o seguinte: «O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».

V. Colocada assim a questão, está fácil de ver que a resposta dada à questão prejudicial colocada por este Tribunal àquele Tribunal de Justiça da União será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do daquele Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.

Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras ainda daquele Tribunal, por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.” (…)

“III. CONCLUSÃO

A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.”

Em consequência, atentos os fundamentos invocados e a jurisprudência citada, este Tribunal Arbitral considera que o ato impugnado não enferma do vício de violação de lei, sendo válido o ato de liquidação de ISV no montante de € 10.131,15, constante da DAV n.º 2024/..., de 12 de fevereiro de 2024.

Face à conclusão a que se chega, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios.

  1. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos impugnado.
  2. Absolver a Requerida do pedido.
  3. Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se à causa o valor de € 2.587,39, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelo Requerente, por ser a parte vencida.

Notifique-se nos termos legais.

 

Lisboa, 11 de dezembro de 2024.

 

O Árbitro,

 

Vítor M.R. Braz

 

 

 



[1] Aplicável aos veículos automóveis de passageiros, aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas ou pela taxa intermédia.

[2] No mesmo sentido, STA, Acórdão de 23/05/2024, Processo: 071/23.1BALSB.