Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2024-T
Data da decisão: 2024-12-12   Outros 
Valor do pedido: € 71.651,94
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR) - Competência dos Tribunais Arbitrais – Legitimidade – Ineptidão do Pedido Arbitral.
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como imposto e não como contribuição, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, mas já não de atos de repercussão daquele imposto.
  3. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.
  4. A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, já que inexistindo no processo elementos que permitam à Requerida – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as faturas e as liquidações que lhe estão a montante e cuja anulação é pedida pela Requerente, entende-se que o pedido deve ser considerado inepto.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco (árbitro vogal), Profa. Doutora Maria do Rosário Anjos (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 20-02-2024, acordam no seguinte:

 

I - Relatório

 

 A... LDA., Pessoa Coletiva nº ..., com sede na ..., ..., ... - ... ..., Vila Real (adiante designada por Requerente), apresentou em 28-03-2024 T pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), “(…) para impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B... S.A., C... LDA., D..., UNIPESSOAL LDA., na sequência da aquisição de 645.513 (seiscentos e quarenta e cinco mil quinhentos e treze) litros de gasóleo e, em face da qual suportou 71.651,94 Euros (setenta e um mil seiscentos e cinquenta e um euros e noventa e quatro cêntimos) de CSR e 3.204,94 (três mil duzentos e quatro vírgula noventa e quatro) litros de gasolina e, em face da qual suportou 278,83 Euros (duzentos e setenta e oito euros e oitenta e três cêntimos) de CSR àquela entidade, evidenciados nas cópias das faturas emitidas pela entidade referida, juntas aos autos como documentos n.º 1, 2, 3 e 4 anexos ao pedido arbitral.

A Requerente por não se conformar com os atos tributários supra identificados, e por considerar que os mesmos enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, veio apresentar pedido arbitral para a sua anulação, após indeferimento tácito do pedido de revisão dirigido à AT, nos termos previstos no artigo 78º da LGT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por Requerida).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 28-03-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 01-04-2024 e automaticamente notificado, na mesma data, à Requerida.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 22-05-2024, como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Na mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14-06-2024.

 

Por Despacho de 15-06-2024 foi ordenada a notificação da Requerida para apresentar resposta nos termos do artigo 17º do RJAT. Por requerimento apresentado em 25-06-2024 a Requerida apresentou a sua resposta.

A Requerida, em suma, começa por suscitar matéria de exceção, nomeadamente, a (1) incompetência do Tribunal em razão da matéria; (2) a ilegitimidade processual e ilegitimidade substantiva da Requerente; (3) a ineptidão do pedido arbitral.

Para além disso, a Requerida defendeu-se por impugnação, referindo que a Requerente não fez prova do que alega, designadamente que pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão, pelo que não aceita, nessa medida, o vertido no pedido arbitral.

Por último refere a Requerida que nunca e em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal. Assim, conclui que, não estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia, já que até ao momento não existe qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare. Em todo o caso, não se verifica, no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços, os quais se limitaram a aplicar a CSR, em conformidade com o regime jurídico em vigor.

Pugna pela procedência das exceções de incompetência do Tribunal, ilegitimidade ativa da Requerente e ineptidão do pedido arbitral. Por cautela, entende que o pedido sempre teria de improceder por ausência de erro dos serviços e, bem assim, ausência de prova dos factos que o sustentam, com destaque para a lesão decorrente da aplicação da CSR sobre as transações efetuadas, porquanto a Requerente com toda a certeza repercutiu o valor suportado como custo no preço final dos bens e serviços prestados aos seus clientes. Não provando que suportou, efetivamente, o montante da CSR não lhe assiste qualquer legitimidade para peticionar o reembolso do valor sob pena de enriquecimento sem causa. O ónus da prova de tal facto cabia à requerente que não logrou alcançar tal prova.

Quanto ao pedido de pagamento de Juros Indemnizatórios, refere a Requerida que existe abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que entende que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.

 

  Por despacho arbitral de 26-06-2024 foi a Requerente notificada para responder às exceções no prazo de 10 dias. Por requerimento apresentado em 10-07-2024 a Requerente respondeu às exceções refutando-as e pugnando pela sua improcedência.

Por despacho de 10-07-2024 o Tribunal arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT nos termos seguintes:

«1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido exercido o contraditório em matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.

2. Notifiquem-se as partes para produ1zirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. No mesmo prazo deverá ser processado o pagamento da taxa de arbitargem subsequente. 

3. Designa-se o dia 14 de Dezembro de 2024 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD.»

 

Adicionalmente foi ainda a Requerente advertida que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD, o que veio a efetuar em 17-07-2024, juntamente com a apresentação das suas alegações, nas quais reitera o pedido formulado. A Requerida apresentou as suas alegações escritas, concluindo como na Resposta. Em 22-07-2024 a Requerida apresentou as suas alegações, pugnando pela procedência das exceções invocadas ou, alternativamente, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido.

 

2. Saneador

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

*

Considerando a matéria de exceção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da caducidade do direito de ação, da ineptidão da petição inicial por falta de objeto e falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente), importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à indústria de construção civil e obras públicas.

 

  1. No período compreendido entre agosto de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial, 645.513 (seiscentos e quarenta e cinco mil quinhentos e treze) litros de gasóleo e 3.204,94 (três mil duzentos e quatro vírgula noventa e quatro) litros de gasolina às sociedades B... S.A., C... LDA., D..., LDA., E..., UNIPESSOAL LDA;

 

  1. As aquisições referidas, encontram-se identificadas nas faturas juntas aos autos como documentos nºs 1 a 4 em anexo do pedido arbitral;

 

  1. De acordo com a listagem das ditas faturas, durante o período em causa nos autos o valor de CSR imputável aos consumos de gasóleo pela requerente, foi de:

 

  1. O preço por si pago por força da compra do combustível compreendeu, por força da repercussão económica efetuada pelas referidas Gasolineiras, suas fornecedoras, os montantes suportados por estas entidades a título de CSR, ascendendo o encargo tributário repercutido sobre a Requerente a 71.930,77 Euros, valor que resulta da aplicação do valor da CSR ao valor base das transações faturadas (cfr. documentos nºs 1, 2, 3 e 4 anexos ao pedido arbitral);
  2. A fornecedora B... SA (...) é titular de estatuto fiscal, habilitado a introduzir no consumo gasolina e gasóleo, podendo, enquanto tal, ter sido sujeito passivo de ISP/CSR;
  3. As fornecedoras C..., Lda., com o NIF nº ...,  D..., Lda., com o NIF ..., E... Unipessoal, Lda., com o NIF nº ... e F... Gmbh, com o NIF nº ... não são titulares de estatuto fiscal e, por isso, não são responsáveis pela introdução do produto em causa (gasóleo e gasolina) no consumo nem pelo pagamento da CSR correspondente;
  4. Em cada uma das faturas emitidas pelas fornecedoras, e que se encontram juntas aos autos consta a descrição do produto fornecido e local de entrega, a quantidade, o preço unitário, o desconto, o valor total e o IVA, sendo que no final de cada uma das faturas é evidenciado o valor base, o valor do IVA e o total em EUR da mesma;
  5. Em cada uma das faturas emitidas não há qualquer referência à liquidação ou cobrança de CSR;
  6. O montante da CSR quantificada no pedido pela Requerente, relativa ao gasóleo rodoviário adquirido e descrito nas faturas juntas aos autos como documentos nºs 1 a 4 em anexo ao pedido arbitral, no período em análise, teve por base o cálculo apresentado pela própria Requerente, tendo como referência o rácio legalmente previsto à data dos factos, por cada 1.000 litros de gasóleo;
  7. Das cópias das faturas que a Requerente apresentou como elementos de prova não consta qualquer referência a CSR, não podendo assim, por si só, delas aferir-se se a CSR integra (ou não) o preço;
  8. A Requerente apresentou, em 30-08-2023, pedido de revisão oficiosa, o qual não foi decidido nos 4 meses subsequentes à data da sua apresentação, considerando-se tacitamente indeferido;
  9. Em 28-03-2024, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

2.2. Factos não provados

Não se considerou provado que as fornecedoras identificadas nos autos fossem, à data a que se reportam os factos, sujeitos passivos de ISP ou CSR, nem que tenham apresentado, à Requerida, Declarações de Introdução no Consumo (DIC), nos períodos a que se referem as faturas que constam dos documentos nºs 1 a 4 em anexo ao pedido arbitral.

Não se identificaram e, consequentemente, não foi dado como provada, a identificação dos sujeitos passivos que possam ter emitido as (supra) referidas DIC.

Não se identificaram quais as liquidações de CSR que a Requerida possa ter emitido aos sujeitos passivos do ISP, relativamente ao combustível adquirido pela Requerente à G..., nos períodos a que se referem as faturas juntas aos autos.

 

Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

Acresce que, no que diz respeito à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

 

2.3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida.

Quanto ao valor da CSR suportado pela Requerente, considerou-se provado o que indica, com base nas quantidades indicadas nas faturas, as quais beneficiam da presunção de veracidade, não foram impugnadas, pelo que se aceita que os montantes de combustíveis adquiridos correspondem à realidade.

 

Posto isto, cumpre decidir.

 

Resulta dos autos que a Requerida AT na resposta invocou matéria de exceção, pelo que o seu conhecimento precede, obrigatoriamente, o conhecimento da questão de direito relacionada com a eventual ilegalidade, inconstitucionalidade e desconformidade com o Direito da União Europeia. Assim, comecemos pelo conhecimento das exceções invocadas pela Requerida AT.

 

3. Análise da matéria de exceção suscitada pela Requerida

3.1. Questão da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria

A primeira exceção invocada pela Requerida AT é a da incompetência do Tribunal Arbitral. Para responder a esta questão há que ter em devida conta a natureza do pedido e a causa de pedir subjacente. Ora, a Requerente suscita, no seu pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral que declare “a presente pronúncia arbitral ser julgada procedente e provada, e em consequência serem anulados os atos tributários melhor identificados no frontispício desta petição com as demais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 71.930,77 Euros (setenta e um mil novecentos e trinta euros e setenta e sete cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.”

Por sua vez, a Requerida, na sua Resposta, suscitou a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende, em síntese, que  “a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º que dispõe que os serviços e organismos referidos (…) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (…)”, alegando que “foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições”(…) Assim, conclui a Requerida que estando em causa a apreciação da legalidade de uma contribuição (Contribuição de Serviço Rodoviário - CSR) e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal”.[1]

Ora, com o devido respeito por diferentes entendimentos jurisprudenciais, nomeadamente arbitrais, é entendimento deste tribunal arbitral que não se trata, na verdade, de contribuição, mas antes de um imposto. Como bem alega a Requerente o que determina a qualificação de um tributo como contribuição financeira é o facto desse tributo ter por finalidade compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo dessa mesma contribuição seja presumidamente beneficiário ou que a elas tenha dado causa. Não importa, pois, a designação que o legislador atribui ao tributo, mas sim a sua natureza intrínseca, a qual tem de respeitar os princípios subjacentes à qualificação de cada categoria de tributo.

Dito de outro modo, e retornando ao caso concreto da CSR, seria necessário que a prestação pública beneficiasse o respetivo sujeito passivo. Assim sendo, não se vislumbra como considerar a CSR uma contribuição, já que esta é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (entidade titular da correspondente receita), os sujeitos passivos são as empresas responsáveis pela introdução no consumo dos produtos petrolíferos (principalmente empresas distribuidoras de combustíveis) mas os beneficiários e os responsáveis pelo financiamento da tarefa da Infraestruturas de Portugal é a população em geral, incluindo tanto os utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal, como os utilizadores de vias rodoviárias não incluídas da rede concessionada. Ora, esta generalidade contraria a alegada natureza de contribuição da CSR.

 

A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nºs 113/2023-T, de 15-07-2023, 410/2023, de 13-11-2023, 375/2023-T, de 15/01/2024, 101/2024, de 04-06-2024, e, mais recentemente, a decisão proferida no processo nº 957/2023-T, de 08-07-2024, entende este Tribunal Arbitral que improcede a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Nesta matéria, segue-se o entendimento seguido na decisão arbitral proferida no processo 957/2023, ao qual se adere integralmente, e que passamos a citar:

«O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui também designada por Requerida).

A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo. A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.[2]

Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.[3]

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.[4]

Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º) (…) a referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º). Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6.º).

A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).

Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.

A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).

Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários.

Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.»

 

Posto isto e retornando ao caso dos presentes autos, em tudo idêntico ao que foi decidido no citado Acórdão, é entendimento deste Tribunal arbitral que não existindo (e não existe) qualquer nexo específico entre o benefício da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos do tributo, não pode este ser classificado como contribuição, mas sim como imposto.

Acresce, ainda, um outro argumento a rebater e que assenta no paralelismo que, por vezes, se tenta estabelecer entre a CSR e a CESE (Contribuição especial para o Sector Energético), o que, contudo, não se afigura correto uma vez que a caracterização da CESE é distinta da CSR, e por ser assim, não é aplicável a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE.[5] Ora, a CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE). Com efeito, a receita obtida pela CESE[6] é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, e tem por base uma contraprestação de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.

Sendo assim, não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre «uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos», nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.

Nestes termos, como se disse no Acórdão supracitado, proferido no processo nº 957/2023-T, «a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.»

 

Por último, aos argumentos expostos acresce mencionar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), reforça este entendimento quanto à qualificação da CSR como imposto. Segundo o TJUE, à luz do Direito da União Europeia, esta qualificação “compete ao Tribunal de Justiça”, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, acórdão de 18 de janeiro de 2017, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, acórdão de 12 de dezembro de 2016, §107, entre outros). Ora, a acrescer a estas decisões, o TJUE teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão atinente à CSR no âmbito do processo arbitral nº 564/2020-T, no qual foi promovido um pedido de reenvio prejudicial.

 

Analisada a decisão proferida pelo TJUE conclui-se que este qualificou a CSR como imposto, porquanto na decisão (Despacho do Tribunal de Justiça de 07 de fevereiro de 2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21) o Tribunal de Justiça, não colocou em causa essa qualificação e assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto que abrange «quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado.[7]

 

Seguindo o raciocínio inerente à decisão do TJUE, o tributo criado pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, por opção do legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118. Ou seja, o legislador português apesar de classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto), colocando-se, assim, no âmbito de aplicação do artigo 1, n.º 2 da Diretiva 2008/118. Isto significa que, como mencionado na decisão proferida no processo 957/2023-T, supracitado, «mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (inconstitucional, desde já se avança), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva. Isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.»

 

Por tudo o que fica exposto, considerando os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8, n.º 4 da CRP)[8] conclui-se que a CSR configura um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos e, em consequência, improcede a alegada exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

Porém, alega a Requerida, à cautela, que mesmo que sucumba a alegada incompetência relativa, sempre teria de se considerar o Tribunal Arbitral incompetente em termos absolutos.

Vejamos, pois, se assim é.

 

3.2. Questão da exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria

A alegação da Requerida pode resumir-se do seguinte modo: «ainda que se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade da CSR (…) sempre existiria incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via porquanto (…) como resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a ilegalidade do regime da CSR, no seu todo (…) pretendendo a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa (…)».

 

Em suma, na ótica da Requerida, o que se pretende nos presentes autos é, em bom rigor, suspender a eficácia de atos legislativos, o que manifestamente excede o âmbito da competência do Tribunal arbitral, o qual apenas pode conhecer de um contencioso de mera anulação, o qual «não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação.»

 

Ora, não assiste razão à Requerida nesta alegação, pelo que, deve também improceder a alegada exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

Na verdade, a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral (na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa relativo à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR praticados pela Requerida e, bem assim, relativos aos atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas juntas aos autos e mencionadas no probatório. Para sustentar este pedido invoca a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respetivo regime jurídico. Mas, ainda que tivesse sido suscitada essa inconstitucionalidade, importa ressaltar que tal é sempre possível por via de recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (inconstitucionalidade concreta; artigo 204º e artigo 280.º, n.º 1 da CRP).

 

Resulta do disposto no artigo 204º da CRP, que os tribunais têm competência própria, no âmbito desta inconstitucionalidade concreta, sem distinção entre Tribunais Estaduais e Arbitrais, o que não se confunde com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstrata da constitucionalidade. O próprio Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

Nada obsta, portanto, a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição, se tal questão tivesse sido suscitada, o que, todavia, não sucedeu nos presentes autos.

De resto, e para rematar esta questão, no caso está em causa a desconformidade do regime da CSR com a o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, matéria que não pode deixar de estar abrangida pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral. Como é sabido as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição). Logo, a impugnação judicial de uma liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

 

 Pelo que, sem necessidade de maior explanação, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

 

3.3. Questão da ilegitimidade (processual e substantiva) da Requerente

 

Passemos a aferir a alegada ilegitimidade processual da Requerente.

 

Em síntese, do ponto de vista da Requerida apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem ter efetuado o pagamento dos respetivos ISP e CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. Entende, assim, que no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo, pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados. Desenvolve esta tese na sua resposta (a qual se dá por integralmente reproduzida) sendo que o argumento crucial para sustentar a alegada exceção de ilegitimidade ativa assenta no entendimento segundo o qual só podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, o que não é, seguramente, o caso da Requerente.

Reitera ainda a Requerida que, no âmbito dos IEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Entende, ainda, a Requerida que não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro, e não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

Acresce, ainda, segundo a Requerida, que a mera repercussão económica ou de facto, como sucede no caso da CSR, a qual depende de decisão dos sujeitos passivos procederem, ou não, à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para os seus clientes, não confere à Requerida o alegado direito à revisão e reembolso de imposto. Segundo este ponto de vista, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) alegado(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis, ou seja, a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão. Qualquer destes argumentos conduz, segundo a Requerida, à ilegitimidade ativa da Requerente, porquanto, «inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância».

Conclui a Requerida que a Requerente não suportou, a qualquer título, o encargo com a CSR, ou pelo menos não provou que suportou efetivamente este encargo, como lhe cabia fazer, tentando obter um reembolso, de forma absolutamente ilegal, relativo a uma contribuição, que obviamente repercutiu no preço de venda aos seus clientes.

Assim, conclui a Requerida que: «(…) carece a Requerente não só de legitimidade processual como também de legitimidade substantiva”, “(…) o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.»

 

Em resposta à esta matéria de exceção, veio alegar a Requerente, em síntese, que a Requerente está a impugnar atos de liquidação de imposto, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para a presente ação, de acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011. Alega, ainda, que a falta de identificação das liquidações não obsta à apreciação da causa, pois não sendo a Requerente o sujeito passivo, estas não lhe foram emitidas, tendo sido o seu encargo repercutido e daí advindo a sua legitimidade ficou provado que a Requerente disponibilizou à AT todas as faturas de que dispunha que consubstanciam a prova da repercussão e permitem à Requerida identificar os atos de liquidação em causa.

 

Vejamos, se assiste razão à Requerida quanto à alegada exceção.

 

Estabelece o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redação inicial) estabelece-ainda que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.»

 

Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas”. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 (…) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”.

 

Decorre desta jurisprudência, que há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou, pelo que no caso de tributos suscetíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada, e, ainda, da demonstração de não ter ocorrido nova repercussão do encargo, que como qualquer custo pode ser repercutido sobre o preço final dos bens e serviços prestados. Ou seja, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso se e quando prove ter sido, efetivamente, o único onerado pelo encargo. Tem de demonstrar a sua lesão efetiva.

 No caso em apreço, deu-se como provada a repercussão completa da CSR cobrada pelas fornecedoras, nas vendas de combustível que efetuou à Requerente, no período em análise. Porém, não se trata de uma repercussão legal, mas antes decorrente de uma transação comercial, o que é bem diferente. Acresce que, a Requerente, enquanto entidade repercutida (embora não se trate de repercussão legal), só teria eventualmente direito ao reembolso da CSR repercutida nas aquisições de combustível que efetuou, se demonstrasse que não alcançou ela própria repercutir esse imposto no preço final do bem ou serviço prestado. Ora, a Requerente não provou que não tenha repercutido, por sua vez, o encargo do imposto no preço final dos bens por si transacionados, já que se trata de um custo que como qualquer outro se repercute no preço final e, sendo assim, é questionável a sua legitimidade para requerer a revisão dos alegados atos de liquidação.

Dito isto, importa ainda referir que segundo a jurisprudência do TJUE já citada, no caso de ter havido repercussão, apenas aquele que tenha sido efetivamente repercutido tem legitimidade para impugnar os atos que a concretizem ou os que a antecedam, porquanto apenas o repercutido é afetado na sua esfera jurídica pelo ato lesivo.

Posto isto, no caso dos presentes autos, será que a Requerente provou que foi, efetivamente, afetada na sua esfera jurídica pelo ato lesivo?

A questão faz todo o sentido, nos termos sobreditos, desde logo, para evitar abusos e enriquecimento sem causa do alegado repercutido, quando também este, na sua atividade económica, pode repercutir no preço final o dito encargo.

Na verdade, a Requerente não logrou provar essa lesão, sendo que o mais natural é ela própria ter repercutido o imposto suportado, o qual, como bem sabemos passa a ser um custo de produção como custo e, nessa medida, operado a natural repercussão económica no preço final dos seus bens ou serviços prestados.

Assim, reconhecendo que o repercutido legal tem legitimidade para impugnar os atos de liquidação (se os conseguir identificar), já quanto aos repercutidos por efeito económico decorrente de transações comerciais normais, a legitimidade dependerá sempre da demonstração de que foi efetivamente lesado pelo ato tributário, o que nos presentes autos não sucedeu.

A legitimidade é assegurada, no caso da repercussão legal, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1, da LGT, conjugados com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido. Se assim não fosse estaríamos perante a violação da garantia constitucional à tutela jurisdicional efetiva. Nos restantes casos de repercussão meramente económica há que demonstrar a lesão efetiva sofrida pelo repercutido, tudo o que vem exposto, procede a exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.

Ainda em reforço deste entendimento, acresce mencionar, além das decisões arbitrais já citadas, a decisão proferida em novembro de 2024, no processo 288/2024-T, na qual se decidiu que:

«(…) A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.

(…) Não houve nem há repercussão legal da CSR, não podendo presumir-se essa repercussão, nem se dispensar a prova da repercussão efectiva.

(…) Na ausência de “repercussão formalizada”, não pode alcançar-se a anulação de liquidações através da mera impugnação de repercussões, ou sequer identificar-se os sujeitos passivos das liquidações, ou o nexo entre liquidações e repercussões.»

          

 

 

3.3. Quanto à ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida defende ainda que o pedido de pronúncia arbitral é inepto dado a Requerente não identificou os atos de liquidação que, concretamente, são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT. Alega a Requerida que a Requerente não identifica as liquidações da CSR que acredita estar em causa e não apresenta quaisquer documentos que visem comprovar a alegada repercussão económica da CSR, limitando-se, a identificar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, sem, no entanto, identificar os atos tributários e que o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância (…), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.

A Requerente, veio alegar, na resposta às exceções, que do requerimento arbitral consta claramente que o mesmo visa a anulação das liquidações de CSR e que tem por base o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa no sentido anulatório daquelas liquidações de CSR (apesar de no pedido arbitral não ser feita menção ao indeferimento tácito), o qual, por sua vez, assentou em erro de serviços. De ressaltar que não basta a alegação de erro dos serviços, sendo necessário a sua demonstração, o que é, por vezes, difícil de alcançar quando os serviços se limitam a cumprir a lei em vigor (certa ou errada).

Posto isto, para a Requerente resulta do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e documentação anexa «que estão claramente identificados os atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, os quais constam das faturas juntas aos autos.»

 Mas, o certo é que a questão não é assim tão simples. Na verdade, faturas não se confundem com atos de liquidação. De resto, resulta provado que estas faturas explicitam, apenas e só, o valor total do combustível adquirido e o valor do IVA incidente sobre o valor da transação, e nada mais.  

            A este propósito, adere-se ao entendimento seguido no Acórdão proferido no processo nº 110/2024, de 3 de outubro de 2024, nos termos seguintes:

« Quanto ao argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua Fornecedora de Combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha” (o que era especialmente relevante para a questão anterior); mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (…)

A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?

A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva Fornecedora de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do ano de 2021” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

(…) qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”

Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”

Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.”.

 

 Idêntica conclusão, ainda que com fundamentos diversos, tinha já sido firmada no Acórdão do Tribunal Arbitral proferido em 15 de janeiro de 2024, proc. n.º 375/2023-T, nos termos seguintes: 

“37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:

i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).

 

38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.

39. Contudo, o único facto que as Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe).

 (…) 41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).

42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;

ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum. (…)»

 73. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de excepção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.

 

      Por último, também na recente decisão proferida no processo nº 240/2024-T, de 4 de novembro, no qual se decidiu que:

«A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.»

 

 

Tendo presente a argumentação acabada de citar, à qual se adere integralmente, conclui o presente Tribunal Arbitral pela procedência da exceção dilatória de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de objeto, já que a Requerente não logrou identificar os atos de liquidação cuja legalidade pretende sindicar, o que implica a absolvição da Requerida da instância por força do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Como resulta da matéria de facto fixada, as faturas de venda de combustíveis juntas aos autos não incluem o montante da CSR suportada, mas tão só o valor base e respetivo IVA.

Assim, conclui também o presente Tribunal Arbitral pela procedência da exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa, dado que a Requerente não logrou demonstrar que suportou economicamente o encargo da CSR por força de repercussão legal, nem que reúne os critérios atribuídos de legitimidade previstos no artigo 15.º do Código dos IEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT, o que implica a absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

4. Questões de conhecimento prejudicado

Face ao sentido desta decisão, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

5. Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral”. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

          No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com as consequências daí decorrentes

 

 

 

6. Decisão

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral Coletivo em:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
  2. Julgar procedente a exceção de ilegitimidade;
  3. Julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 71.651,94 Euros (setenta e um mil seiscentos e cinquenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), indicado pela Requerente sem oposição da Requerida.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448.00 € (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 12-12-2024

 

Os Árbitros

 

 

Fernanda Maçãs
(Presidente)

 

 

 

 

 

 

 

Maria do Rosário Anjos

(Árbitro Adjunto e relatora)

 

 

Raquel Franco

(Árbitro Adjunto)

(Acompanho o sentido final da decisão, mas teria adotado fundamentos diferentes dos que foram adotados pelo Tribunal. Considero verificada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, por entender que existem motivos para se considerar a CSR como contribuição financeira e não como imposto e, adicionalmente, por considerar que os tributos que se enquadram nesta última categoria se encontram excluídos do âmbito material da competência dos tribunais constituídos junto do CAAD. Por outro lado, quanto à questão da legitimidade, entendo que as entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, que suportam o encargo tributário da CSR por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reação contra a ilegalidade da repercussão e que, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, segundo se entende, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e que poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e ss.). Recordando a norma contida no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, assim como a regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, entendo que, ainda que se considere que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimidade para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.)  

 

 

 



[1] Para reforço da sua posição, cita a Requerida o teor da decisão proferida pelo CAAD, em 29-05-2023, no âmbito do Processo n.º 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e enumera diversas outras decisões favoráveis á sua posição.

[2] Neste âmbito, vide Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.

[3] Nesta matéria, vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287.

[4] Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 365/2008, de 02-07-2008 (Relator Conselheiro João Cura Mariano).

[5] Neste sentido, cfr: Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 714/2020-T, de 12-07-2021.

[6] A CESE foi criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, como contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.

[7] Vd. par. 26 do Despacho Vapo Atlantic.

[8] Cfr, ainda, Acórdão do Tribunal Constitucional, no processo n.º 422/2020.