Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 694/2014-T
Data da decisão: 2015-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 20.951,40
Tema: IRS -Métodos Indiretos; Competência o Tribunal
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 24 de Setembro de 2014, A..., contribuinte fiscal n.º …, com domicílio fiscal na Rua …Vila Nova de Gaia, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento de Reclamação Graciosa autuada com o número …, bem como do acto tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre Rendimento das Pessoas Singulares e juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2010, no montante global de €20.951,40.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que os actos objecto de pronúncia arbitral estão feridos de ilegalidade por:

                                                              i.      Preterição de formalidades essenciais;

                                                            ii.      Violação do principio da verdade material e do ónus da prova; e

                                                          iii.      erro quanto aos pressupostos.

 

  1. No dia 26-09-2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, nos termos legais, árbitro do tribunal arbitral singular. Tendo sido comunicado pela AT a vontade de recusar o árbitro designado, em pretensão, a final, acolhida pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, veio este a designar o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo sido comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 17-12-2014, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-01-2015.

 

  1. No dia 12-02-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e impugnação.

 

  1. Notificado para o efeito, o Requerente pronunciou-se por escrito sobre a matéria de excepção.

 

  1. Tendo as partes prescindido das mesmas, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

  1. Por despacho, foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      No ano de 2010 o Requerente apresentou declaração modelo 3 de IRS, conjuntamente com B..., com o NIF …, enquanto sujeitos passivos do imposto, na qualidade de casados não separados judicialmente de pessoas e bens.

2-      No âmbito de actos inspectivos externos à empresa “C..., LDA.”, com o NIF …, foram apurados montantes creditados na conta bancária da entidade "Montepio Geral" do sujeito passivo  B… em 2010, a título de depósitos de cheques e transferências bancárias emitidos pela sociedade acima mencionada, no montante global de € 64.820,08.

3-      Porque a declaração modelo 3 de IRS de 2010 não reflectia o recebimento daquela importância global, nem o sujeito passivo se encontrava inscrito por qualquer actividade de natureza comercial ou industrial, foi aberta a ordem de serviço OI2013… a fim de apurar a sua situação jurídico-tributária.

4-      No âmbito daquela ordem de serviço foi efectuado pedido de esclarecimentos ao referido sujeito passivo, através de carta registada com aviso de recepção, para a morada do domicilio fiscal sito na Av. …, Lousada (n/ ofício no …de 2013-01-21), ao abrigo do artigo 59º da Lei Geral Tributária), para no prazo de 10 dias, justificar a natureza dos rendimentos recebidos da sociedade “C... –, Lda.”, em 2010, no montante global de €64.820,08.

5-      O ofício n.º …veio devolvido com a indicação de “Não atendeu”/”Objecto não reclamado”.

6-      Foi novamente notificado o sujeito passivo B..., através de carta registada com aviso de recepção, para a morada do domicílio fiscal sito na Av. …, Lousada (ofício n.º …de 2013-02-06), ao abrigo do artigo 59.º da Lei Geral Tributária), para no prazo de 10 dias, justificar a natureza dos rendimentos recebidos da sociedade “C... –, Lda.”, em 2010, no montante global de € 64.820,08.

7-      O ofício n.º …veio igualmente devolvido com a indicação de “Não atendeu”/”Objecto não reclamado”.

8-      Subsequentemente, foi concluído no procedimento de inspecção que “dada a ausência de justificação por parte do sujeito passivo “B...” quanto à natureza dos rendimentos recebidos da sociedade “C... – ..., Lda.”, em 2010, no montante global de €64.820,08, os mesmos foram considerados acréscimos patrimoniais não justificados nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS (CIRS), determinado com recurso a Métodos Indiretos nos termos do disposto nos artigos 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que estamos perante uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, à luz do disposto na 2.ª parte da al. d) do artigo 88.º da LGT, existindo impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRS de 2010 do sujeito passivo “B...”, conforme disposto na al. b) do artigo 87.º da LGT”.

9-      Na sequência da aplicação de Métodos Indirectos na determinação do rendimento tributável em sede de IRS para 2010, nos termos da al. d) do artigo 88.º e al. b) do artigo 87.º da LGT, os valores depositados/transferidos no montante de € 64.820,08 foram considerados pela AT acréscimos patrimoniais não justificados, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS (CIRS).

10-  Por ofício n.º …, de 03/04/2013, foram os sujeitos passivos notificados do projecto de relatório para exercício do direito de audição prévia, o que exerceram através de exposição de 23/04/2013.

11-  Por despacho de 30/04/2013 foram sancionadas as conclusões da inspecção tributária e, consequentemente, determinada a avaliação indirecta da matéria colectável.

12-  Por registo postal dos CTT …PT, de 26/08/2013, recepcionado a 27/08/2013, foi remetida ao sujeito passivo a liquidação adicional n.º 2013 … .

13-  No seguimento da referida liquidação adicional, o contribuinte apresentou, nos termos do artigo 37.º do CPPT, um pedido de emissão de certidão com os fundamentos de facto e de direito da mesma, ao qual foi dada resposta.

14-  Do oficio n.º …datado de 6/05/2013, que procedeu à notificação “das correções resultantes da ação de inspeção” consta, para além do mais, que:

Nos termos do artigo 91.º da LGT, poderá(ão) solicitar a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de Finanças da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da data da presente notificação, com indicação do perito que o representa e, eventualmente, o pedido de nomeação de perito independente.

No caso de ter havido a aplicação do regime previsto no artigo 89º-A da LGT - manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados - poderá(ão) apresentar recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias nos termos dos n.º 7 e 8 do referido, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91° e seguintes da LGT

15-  O Requerente procedeu ao pagamento, do imposto subjacente à liquidação adicional de IRS, acrescido dos respectivos juros compensatórios, associada ao facto tributário sub judice.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-      O contribuinte foi sócio da sociedade denominada D..., Lda. que exerce a sua actividade no sector industrial de produção de papéis.

2-      Para o exercício da actividade industrial, a sociedade referida teve necessidade de renovar o parque de máquinas que utiliza na transformação de papel e seus derivados.

3-      Neste sentido a sociedade, fruto das exigências do mercado, realizou fortes investimentos na renovação do parque de máquinas através da aquisição de equipamentos em sistema de leasing.

4-      Face à necessidade de cumprir as suas obrigações perante a banca, a sociedade em causa recorreu a operações de financiamento directo e indirecto, em muitos casos com recurso a operações correntes por emissão de letras de favor aceites por terceiros.

5-      Para segregar e separar os movimentos da D... que respeitassem a operações de natureza comercial dos movimentos relacionados com operações bancárias o contribuinte constituiu uma conta bancária dedicada exclusivamente a realizar tais movimentos.

6-      A conta no Montepio Geral foi utilizada in casu com o propósito de ter a natureza de conta veículo, com o objectivo de receber fluxos de terceiros que tinham relação directa ou indirecta com a D... e de imediato cumprir obrigações respeitantes a esta empresa.

7-      Do referido modo, e com esse propósito, foi utilizada a referida conta, gerida pelo responsável financeiro da empresa, limitando-se o Requerente a assinar os cheques ou subscrever ordens de transferência que lhe eram indicadas pela responsável pela gestão financeira da empresa.

8-      O contribuinte não teve qualquer relação comercial com a entidade que promoveu os depósitos bancários ou as transferências na conta do Montepio Geral, nem obteve qualquer vantagem com os fluxos daqui decorrentes, dado que tais valores depois de recebidos eram de imediato canalizados para pagamento de responsabilidades bancárias assumidas pela D… em decorrência dos contratos de leasing com diversas instituições ou de letras de favor que terceiros teriam aceites, e que à D... cumpriria honrar as suas obrigações.

9-      O depósito supra mencionado tem origem em entidade que iria promover o pagamento de responsabilidades bancárias da D…, e que utilizou a conta do Montepio Geral do contribuinte como conta veículo para diferenciar os fluxos emergentes das relações comerciais da D... com os fluxos que se relacionavam com o cumprimento de obrigações bancárias, tudo por indicações e critério do responsável pela gestão financeira da sociedade.

10-  O depósito em apreço, resultou de uma entidade terceira que tinha em vista promover o financiamento da D... para que esta cumprisse, como cumpriu, as suas obrigações perante a banca,

11-  Tais valores resultavam da venda de equipamentos realizada a tais entidades.

12-  Existem outros movimentos a crédito para além dos que a ATA assinalou e, no mesmo período dos movimentos a crédito, existem operações ou movimentos a débito no mesmo montante, os quais se destinavam a serem depositados na conta da D... (conta BES com o numero …, conta Montepio Geral …, conta Millennium …, conta Banco Popular …, conta CGD …), ou de terceiros que tinham aceite letras de favor para acudir a problemas pontuais de tesouraria da D..., e cujo pagamento tinha de ser realizado pela entidade beneficiária (na circunstância a D...), e bem assim ao pagamento de letras de favor que eram, na data do seu vencimento, debitadas na conta do Montepio Geral do ora requerente.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos dados como não provados decorrem da ausência de prova bastante, a seu respeito.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Previamente ao conhecimento do mérito, coloca a AT a questão relativa à competência deste Tribunal arbitral para conhecer do objecto dos presentes autos.

            Considera a AT que “decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos pelo Requerente que o presente meio arbitral se destina a reagir contra a correcção efectuada exclusivamente através da aplicação de métodos indirectos, correcção essa que decorreu da total impossibilidade de quantificar de forma directa e exacta a matéria tributável, reunindo-se os pressupostos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea d) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT)”. Assim, entendendo a AT que “dúvidas não restam, pelo exposto, de que a pretensão da ora Requerente visa a apreciação do acto de liquidação em resultado da aplicação de métodos” indirectos, conclui “pela impossibilidade do presente tribunal arbitral decidir o presente litígio, quer se considere que estamos perante a excepção de incompetência material do tribunal arbitral ou perante excepção dilatória inominada por falta de vinculação da AT”.

            Por sua vez, o Requerente dá conta que “no caso em apreço vem a pretensão da pronúncia arbitral instaurada do acto de liquidação de IRS melhor identificado no corpo da petição e no artigo 1º do mesmo documento”, e daí resulta que “a pretensão de tutela arbitral não tem por objecto o acto de lançamento [de determinação da matéria colectável ou tributável], mas o acto tributário de liquidação, que constitui a decisão final do procedimento tributário.”.

            Como bem nota a AT, “a decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos constitui acto destacável do procedimento tributário, susceptível de reacção por parte dos sujeitos passivos apenas através de meio próprio”.

            E como, também bem, nota o Requerente, o objecto do presente processo arbitral é o acto tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre Rendimento das Pessoas Singulares e juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2010 no montante global de €20.951,40.

            Ora, um e outro não se confundem. E sendo o objecto da presente acção arbitral este último acto, e não aquele, dever-se-á o Tribunal julgar competente, nos termos do artigo 2.º/1/a) do RJAT, e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

            É certo que, em sede arbitral, o Tribunal não pode conhecer de “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.”, conforme decorre da al. b) do referido artigo 2.º da Portaria.

            Contudo, não tendo a presente acção por objecto “a decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos”, não poderia em caso algum, mesmo que a presente acção corresse num Tribunal Tributário, conhecer-se das pretensões relativas àquele acto, uma vez que aquele “constitui acto destacável do procedimento tributário”, não podendo, por isso ser abrangido pela faculdade consagrada no artigo 54.º do CPPT.

            Com efeito, o acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos precedente do acto impugnado nos presentes autos de processo arbitral, é directamente impugnável, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT.

Assim sendo, são directamente transponíveis para o presente caso as considerações tecidas pelo Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[1], a propósito dos actos destacáveis de avaliação directa, quando refere que “os vícios que afectem o acto de avaliação” (no caso, indirecta) “quer os existentes no próprio acto final de avaliação, quer os que se reportem ao respectivo procedimento de avaliação, apenas podem ser invocados na respectiva impugnação e não na impugnação dos actos de liquidação que venha a ser praticado com base no acto de avaliação”. “Por outro lado, para atacar o acto de liquidação, na respectiva impugnação, o interessado não poderá servir-se dos fundamentos que tiver para atacar o acto de avaliação” (no caso, indirecta) “e, designadamente, não poderá sustentar que a matéria tributável a considerar não é a que foi utilizada para efectuar a liquidação.

Ou seja, e em suma: uma coisa é a impugnação do acto de avaliação indirecta e, outra, a impugnação do acto de liquidação praticado com base naqueloutro acto.

O presente processo, reporta-se ao segundo daqueles casos, sendo que, pelo atrás exposto, não se poderão conhecer  “os vícios que afectem o acto de avaliação” “quer os existentes no próprio acto final de avaliação, quer os que se reportem ao respectivo procedimento de avaliação”, já que esses apenas poderiam “ser invocados na respectiva impugnação”.

Deste modo clarificado o objecto do presente processo, dúvidas não restarão, julga-se, da competência do presente Tribunal arbitral para o conhecer.

Não mudará o que vem de se dizer, a circunstância, verificada ou hipotética, de na impugnação do acto de liquidação o interessado suscitar questões relativas a vícios que afectem o acto de avaliação. Com efeito, o Tribunal apenas tem que aferir se tais questões se repercutem, ou não, na legalidade do acto de liquidação, juízo para o qual é competente, sendo que se, erradamente, considerar como tendo tal repercussão um vício do acto de avaliação autonomamente impugnável, enquanto tal, estará, não a extravazar as suas competências (o que apenas ocorreria se se pronunciasse sobre a validade do acto de avaliação[2]), mas, simplesmente, a aplicar erradamente a lei, a uma questão (a validade ou não do acto de liquidação) cuja decisão cai no âmbito daquelas.

Assim, e face a todo o exposto, improcede a excepção suscitada pela AT.

 

*

            Argui ainda a AT a ocorrência de erro na forma do processo, por “o Requerente vem invocar a preterição de formalidade essencial por falta de notificação dos meios de reacção ao seu dispor, alegando que a certidão que lhe foi emitida ao abrigo do art. 37.º do CPPT se encontra ferida de ambiguidade”, pelo que “entendendo o Requerente que a certidão requerida não continha o prazo e meios de reacção contra o acto notificado, cabia-lhe lançar mão do meio de intimação para um comportamento expressamente previsto no art. 147º do CPPT, a fim de que a AT desse cabal cumprimento ao disposto no art. 37º do CPPT, emitindo a certidão requerida para os efeitos pretendidos pelo Requerente”.

            Também aqui, ressalvado o respeito devido, se entende não assistir razão à AT.

            De facto, como assinala o Requerente, “o que se pretende com o pedido de tutela arbitral não é a intimação da AT a revelar o conteúdo da notificação, mas a pronúncia do Tribunal sobre os efeitos de uma notificação com erro quanto aos pressupostos, que na tese do requerente constitui uma preterição de formalidade essencial que determina a ilegalidade intrínseca do acto em causa”.

            Ou seja, e uma vez mais, o que está em causa no presente processo é saber se, havendo alguma deficiência na notificação, a mesma se repercute ou não no acto de liquidação. E quanto a isto, nada de errado há na forma de processo eleita.

            Daí que também esta questão prévia haja de improceder.

 

***

Entrando no fundo da causa, começa o Requerente por arguir que “a indicação dos meios de defesa e respectivo prazo integram o conteúdo da notificação do acto constituindo condição de eficácia da decisão.”, e que “considerando que in casu a notificação é condição de eficácia do acto notificando (...) a sua falta apesar de não contender com a perfeição do acto notificando (...) determina a sua inexigibilidade e uma ineficácia interna superveniente desse mesmo acto.”. Entendendo o Requerente que “não sendo validamente notificado ao Requerente quais os meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado” conclui que “A falta de notificação legalmente exigida constitui preterição de formalidade essencial do procedimento, face ao disposto nos artigos 36º, 1 do CPPT e 77º, 6 da LGT, por constituir requisito de eficácia do próprio acto, impeditivo de se proceder à prática do acto subsequente.”, sendo que, no seu entender, a “referida preterição de formalidade essencial constitui vício determinante da anulação da liquidação, nos termos do artigo 99º alínea d) do CPPT.”.

Relativamente a esta matéria, haverá que dividir a respectiva análise em duas vertentes.

A primeira questão reporta-se a apurar se uma inexistência de notificação, ou uma ilegalidade daquela que a invalide, relativamente ao acto de fixação da matéria tributável, se repercute, ou não na validade do acto de liquidação subsequente.

Em matéria de notificação dos actos tributários, entende-se, com o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[3], que:

Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamento de impugnação judicial, factos que não afectem a validade dos actos mas apenas tenham a ver com a sua eficácia , como é o caso da falta ou irregularidade da sua notificação.

A notificação da liquidação é um acto posterior e exterior a esta e por isso, em regra, os vícios que afectem o acto de notificação não afectam o acto notificado.

As questões que tenham a ver com a eficácia ou ineficácia do acto, como questões que se colocam posteriormente à prática do acto que se prendem com a possibilidade de o acto produzir efeitos em relação ao destinatário, são questões que poderão ser conhecidas em processo de oposição à execução fiscal, mas não mas não podem ser objecto autónomo de apreciação em processo de impugnação judicial. (...)

Por isso, parece ser agora claro que a falta de notificação (ou a existência de irregularidades que afectem a sua validade, que se traduzem em falta de uma notificação válida) afecta a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que, em princípio, deve ser invocada essa falta de notificação e, como fundamento de oposição, poderá invocar-se nela essa falta de notificação válida mesmo que não se tenha impugnado a liquidação.

            Prosseguindo com o mesmo autor[4]:

No entanto, as deficiências que afectem a validade da notificação, não afectam a validade do acto notificado.

Com efeito, a notificação de um acto, é um acto exterior a este e, por isso, os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a invalidade da notificação e a consequente ineficácia do acto notificado, não afectam a validade deste.”.

Ou seja, e em suma: entende-se que a falta de (ou a ilegalidade invalidante da) notificação de um acto de tributário, não contende com a validade daquele, mas, unicamente, com a sua eficácia.

            Não quer isto dizer, contudo, que a falta de (ou a ilegalidade invalidante da) notificação de um acto não possa repercutir-se na legalidade de um acto subsequente, que o pressuponha. Assim, por exemplo e no caso, admite-se que falta de (ou a ilegalidade invalidante da) notificação de um acto destacável de fixação da matéria colectável, gere, por vício de procedimento, a invalidade do acto de liquidação subsequente.

            Continuando com o Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “o interessado poderá atacar o acto de liquidação com fundamento na ineficácia do acto de avaliação em que aquela assenta, que impede que ele possa produzir, mesmo indirectamente, efeitos em relação ao destinatário.[5].

Em conclusão, e transpondo o quanto se vem de dizer para o caso concreto, considera-se que a falta de (ou a ilegalidade invalidante da) notificação do acto de avaliação indirecta que ocorreu a montante do acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, gerando a ineficácia daquele em relação ao Requerente, será susceptível de invalidar a referida liquidação, já que esta pressupõe legalmente a existência de um acto de avaliação prévio, válido e eficaz.

Entrando-se, deste modo, na segunda vertente da questão decidenda, cumpre então aferir se se verifica, ou não, falta de (ou a ilegalidade invalidante da) notificação do acto de avaliação indirecta.

Nesta matéria, o Requerente não questiona a ocorrência do acto de notificação. Questiona, isso sim, a legalidade da mesma, em termos de a sua falta aos requisitos por si entendidos como legalmente impostos a impedir de produzir os seus efeitos, conferidores de eficácia ao acto de determinação da matéria colectável, pressuposto pela liquidação objecto do presente processo.

No entender do Requerente, o texto constante da notificação que lhe foi dirigida, “foi indicado, de forma vaga e ambígua, meios de reacção distintos e com base legal diversa.”.

Compulsado o texto em questão, verifica-se que assim é. Resta saber se os efeitos daí decorrentes são os que o Requerente pretende.

Aqui, ressalvado o respeito devido à sua opinião, entende-se que não.

Prosseguindo com os ensinamentos do Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[6], “a falta de qualquer daqueles requisitos” do artigo 36.º/2 do CPPT (com excepção da menção relativa à delegação de poderes, sendo caso) “não implica, necessariamente, a invalidade da notificação”. Antes, “as consequências da inobservância dos requisitos referidos devem conexionar-se com a finalidade que justifica a sua exigência”.

Ou seja, considera-se que as formalidades previstas para as notificações, devem ser entendidas como estando funcionalizadas a determinados fins, que as explicam e justificam, e que, consequentemente, as consequências da inobservância daquelas, estarão em directa dependência com o grau de comprometimento dos fins por si visados.

No caso, a indicação dos meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, visam proporcionar ao notificado o conhecimento dos meios ao seu dispor para contestar tal acto.

Consequentemente, entende-se que a deficiente (ou mesmo inexistente) indicação dos meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, deverá relevar unicamente com a aceitabilidade do meio e prazo de que o interessado lance mão para se defender. Assim, por exemplo, se for indicado um prazo errado, superior ao legal, e o interessado se apresentar a defender dentro do prazo indicado, mas fora do prazo legal, dever-se-á entender como tempestiva a sua reacção. Outrossim, se for indicado um meio de reacção errado, e o interessado o utilizar, não poderá ser este penalizado pela sua desadequação.

Daí que, em conclusão, se entenda que, no caso concreto, a deficiente indicação dos meios e prazo de defesa, não tenha efeito invalidante da notificação.

Em todo o caso, ainda que assim não fosse, subscreve-se igualmente o entendimento, também do Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[7], segundo o qual “o vício que afecta a notificação ficará sanado se não for pedida a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, nos termos do artigo 37.º”, daqui se retirando o corolário de que se não for efectuada a notificação ou passada a certidão nos termos requeridos, deverá o interessado lançar mão do meio contencioso respectivo (intimação para um comportamento, do artigo 147.º do CPPT), sob pena de sanação dos vícios que eventualmente tenham ocorrido na notificação.

Ou seja: não contendo a notificação efectuada os meios e prazos de reacção, deverá o notificado, se o pretender, solicitar a respectiva notificação nos termos do artigo 37.º do CPPT, beneficiando do efeito previsto no n.º 2 daquele artigo, sob pena de se considerar sanada a imperfeição da notificação. Caso, nessa sequência, a AT não dê resposta, ou a dê em termos que o interessado repute de, face às exigências legais, não satisfatórios, deverá o mesmo, lançar mão dos meios legalmente disponíveis para intimar a AT a dar a resposta que entenda como legalmente devida, sob pena de, nos mesmos termos, se considerar sanada a eventual imperfeição da notificação.

Assim, e face a todo o exposto, não se detectando nenhum vício invalidante da notificação do acto de determinação da matéria tributável, deverá improceder a suscitada preterição de formalidades do acto objecto da presente acção arbitral.

 

*

            Seguidamente, alega o Requerente que “no caso dos presentes autos (...) a ATA violou claramente o artigo 58º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.”, já que, na sua óptica, “a ATA não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação na existência de depósito e transferências bancárias para a conta do Requerente”, “quando lhe era exigido procedimento diverso (...) Não só por via do inquisitório, já referido, como também, por via do artigo 74.º da LGT”, entendendo que a AT deveria ter procedido à “audição de outros intervenientes que pudessem aferir da veracidade das transacções verificadas”. Mais entende o Requerente que “a ATA no âmbito do procedimento de inspecção que determinou a liquidação em sede de IRS sub judice não apurou elementos que demonstrem que a conta bancária in casu era alimentada com valores provindos efectivamente de actividades desenvolvidas pelo contribuinte”.

            Ressalvado o respeito devido por outra opinião, entende-se que os vícios que o Requerente assaca, nesta parte, são vícios não do acto de liquidação, mas do (procedimento relativo ao) acto de fixação da matéria tributável.

            Com efeito, as diligências que o Requerente reclama, bem como a supostamente errada aplicação das regras do ónus da prova por si apontada, reportam-se directamente aos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos utilizados naquele acto.

            Deste modo, devem/deveriam tais vícios ser assacados ao acto directamente por eles determinado, uma vez que, como se viu, se trata aquele de um acto destacável.

            Tendo-se, na presente acção, por força da vinculação do Tribunal ao objecto do pedido, e da referida natureza destacável do acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos já abordados, de tomar este acto como válido, não se poderia retirar qualquer efeito da verificação dos alegados vícios, ora em causa.

            Assim, e pelo exposto, deverá também esta alegação improceder.

 

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            Por fim, alega o Requerente que “a ATA deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (...)O que não se verificou nos presentes autos.”, concluindo “no caso vertente, não se encontravam verificados os necessários pressupostos legais para que a ATA lançasse mão da metodologia indirecta com base na factualidade constante do relatório de inspecção”.

            São válidas aqui, mutatis mutandis, as considerações que se vêm de fazer.

Com efeito, a eventual falta dos “necessários pressupostos legais para que a ATA lançasse mão da metodologia indirecta”, repercute-se directamente no acto de fixação da matéria tributável, por tais métodos, e apenas mediatamente (por meio daquele acto) no acto de liquidação.

Entendendo-se, como se expôs e citou anteriormente, que “para atacar o acto de liquidação, na respectiva impugnação, o interessado não poderá servir-se dos fundamentos que tiver para atacar o acto de avaliação”, considera-se que, enquanto estiver validamente vigente na ordem jurídica o acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, o eventual erro nos pressupostos daquele não é susceptível de afectar a validade do acto de liquidação subsequente que, como se viu já, constitui o objecto da presente acção arbitral.

Deve, por isso, improceder também esta alegação do Requerente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Absolver a Requerida do pedido; e

b)      Condenar o Requerente nas custas do processo, no montante de €1.224,00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €20.951,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

15 de Abril de 2015

 

O Árbitro

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 



[1]  “CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 425.

[2] O que, para além do mais, integraria uma pronúncia extra petitum.

[3]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 706 e s..

[4]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 327.

[5]  “CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 426.

[6]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 325.

[7]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 325.