SUMÁRIO:
As correções técnicas promovidas pelos Serviços Inspetivos da AT, quando não estiverem suficientemente fundamentadas, são ilegais por não ter sido cumprido o ónus da prova imposto pelo nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária e, como tal deverão ser revogadas e, o imposto delas resultante anulado, com todas as consequências legais daí advindas.
DECISÃO ARBITRAL
A..., Lda., NIPC..., sedeada na..., ...-... ..., ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ºconjugado com o artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do artigo 2.º da Portaria n.º112-A/2011, de 22 de Março, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral contra os atos de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes aos períodos de:
2022.03T LA n.º ... no valor de € 2.384,27 e juros compensatórios Liquidação n.º 2024 ... no valor de € 184,20;
2022.06T, LA n.º nº ... no valor de € 2.384,28 e juros compensatórios liquidação n.º 2024 ... no valor de € 157,03;
, 2022.09T, LA n.º ... no valor de € 2.384,66 e juros compensatórios liquidação nº 2024 ... no valor de € 136,26; e
2022.12T, LA n.º ... no valor de € 2.386,82 e juros compensatórios liquidação nº 2024 ... no valor de € 111,69, tudo no valor global de € 10.129,21.
Tais valores são resultantes de correções promovidas em sede de procedimento de inspeção da Autoridade Tributária, aqui Requerida.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 03/06/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro signatário, Dr. Arlindo José Francisco, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do aludido diploma, que comunicou a respetiva aceitação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º já referido, no prazo aplicável. Notificadas dessa designação, a Requerente e a Requerida não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 12 de agosto de 2024, que na mesma data proferiu Despacho, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para notificação da Senhora Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
A Requerente, em síntese, suporta o pedido por, em seu entender, ter havido preterições de formalidades legais nos procedimentos inspetivos, na medida em que iniciou um procedimento de inspeção externa, com base em procedimento interno, sem prévia notificação, como lhe impõe o artigo 49º do RCPIT e sem apresentar qualquer justificação para o efeito, de harmonia com o disposto no artigo 50º do referido Regime, havendo ainda violação dos prazos legais para decurso do procedimento inspetivo. Para suportar o seu ponto de vista sobre o procedimento da AT cita vária jurisprudência, para concluir que o procedimento inspetivo não foi devidamente e em momento prévio notificado, dando-lhe a conhecer todos os seus direitos e deveres, sendo por isso ilegais as liquidações levadas a efeito pela AT em consequência das referidas inspeções.
Por outro lado, tais correções não estão devidamente fundamentadas e estão erroneamente qualificadas e quantificadas concluindo pelas dúvidas sobre a existência de facto tributário por erro nos pressupostos de facto e de direito, tudo como melhor consta na petição que aqui se dá, nessa parte, por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, concluindo pela procedência do pedido e consequente anulação das liquidações em causa.
Por sua vez a AT na sua resposta, também síntese, vem dizer que não houve qualquer procedimento inspetivo prévio, seja de natureza interna ou qualquer outro, nem tão pouco a Requerente junta qualquer prova da sua existência, esclarecendo que quando no RIT se diz que o procedimento inspetivo «teve origem numa seleção aleatória de contribuintes para verificação da faturação no setor da pastelaria», apenas e tão só significa que a Requerente, a par com outros contribuintes deste setor, foram selecionados para que se procedesse a uma ação de inspeção relativamente a cada contribuinte selecionado, a qual, no caso da Requerente, como bem resulta da respetiva ordem de serviço, sempre foi externa que teve início a 2024-02-01, na data da assinatura da ordem de serviço, de harmonia com o disposto no nº.2 do artigo 51º do RCPITA, tendo o respetivo relatório sido notificado via CTT em 09/05/2024, dentro do prazo geral de seis meses a contar da notificação, de acordo com o artigo 36º do RCPITA.
Quanto à falta de fundamentação do RIT e da alegada ilegalidade das correções promovidas – incumprimento do ónus probatório, fundamentação insuficiente, aplicação de métodos indiretos e meras presunções, considera que não resulta do RIT a invocada falta de fundamentação o que existe é uma discordância com as correções por parte da Requerente. Na verdade o RIT não pôs em causa a veracidade da contabilidade da Requerente, mas apenas a divergência no enquadramento da tributação em sede de IVA na venda e consumo local e na venda para levar para casa, concluindo pela improcedência das alegações da Requerente e consequentemente do pedido de pronúncia.
II – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A Requerida apresentou resposta e o processo administrativo em 30/09/2024.
Em 03/10/2024 o Tribunal proferiu o seguinte Despacho: “Determina-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, no próximo dia 7 de Novembro de 2024, às 10:00, nas instalações do CAAD em Lisboa.
Nessa reunião proceder-se-á à inquirição das testemunhas e à realização de depoimento de parte.
Notifique-se as partes”.
Em 07/11/2024 teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT com o depoimento de parte e a inquirição da testemunha arrolada conforme ata e gravação incorporadas nos autos, tendo sido as partes notificadas para produzirem alegações escritas, querendo, no prazo simultâneo de 20 dias. Na mesma diligência foi notificada a Requerente para até 30 de Novembro de 2024, proceder ao pagamento da taxa de justiça subsequente, nos termos do nº 4 do artigo 4º do RCPAT e consequente prova junto do CAAD.
Em cumprimento do disposto no artigo 18º nº.2 do RJAT o Tribunal informou que a prolação da decisão ocorreria até 12/02/2025.
Em 13/11/2024 a Requerente apresentou as suas alegações, na mesma data notificadas à Requerida e ao Tribunal nas quais procurou reforçar os seus pontos de vistas sobre as questões em litígio.
Em 27/11/2024 a Requerida juntou as suas alegações na mesma data notificadas à Requerente e ao Tribunal.
O processo não padece de nulidades.
Assim, nã o há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III- FUNDAMENTAÇÃO
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As questões a dirimir são as seguintes:
Se as liquidações adicionais de IVA e consequentemente os juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2022 sofrem dos vícios aduzidos pela Requerente no seu Pedido de Pronúncia e como tal devem ser anulados, ou se pelo contrário, por serem legais, deverão ser mantidas na ordem jurídica.
2 - Matéria de Facto
2.1 – Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade de responsabilidade Ldª, com sede na área do serviço de finanças de Montemor-o-Velho por onde se encontra coletada em IRC e IVA pela atividade principal de Pastelaria e casa de chá CAE 56303 e atividades secundárias de 47240 e 10712, com adesão às notificações eletrónicas desde 15/03/2012;
b) A Requerente tem dois estabelecimentos de venda ao público, um situado na ... e outro na cidade de Coimbra na Rua ... .
c) Do cadastro consta que são responsáveis pela Empresa à data dos factos os sócios gerentes B... NIF ... e C... NIF ..., sendo contabilista certificada D... NIF ... .
d) A Requerente foi identificada e selecionada como um dos sujeitos passivos da área de atividade Pastelaria e casa de chá a ser objeto de inspeção externa no exercício de 2022 que foi de âmbito geral, cujo procedimento coube aos Serviços Inspetivos da Direção de Finanças de Coimbra, conforme Despacho de 09/01/2024;
e) Foi emitida Carta Aviso, enviada via eletrónica (via CTT), notificada à Requerente a 23/01/2024 na qual foi dada nota que procedimento inspetivo externo era credenciado pela Ordem de Serviço nº OI2023... e que iria ser de âmbito geral.
f) A referida ordem de serviço foi assinada, em 01-02-2024, pela contabilista certificada da Requerente, considerando-se essa a data do início da ação inspetiva e durante a qual foram analisados os ficheiros SAF-T, 3 ficheiros correspondentes a 3 terminais, foi analisada a contabilidade e documentos de suporte e verificados os procedimentos da empresa.
g) O programa informático da Requerente permite a diferenciação das taxas de IVA a aplicar aos produtos consumidos no local (13%) ou para consumo fora (23%), resultando da inspeção correções em sede de IVA.
h) Resulta do Relatório Inspetivo que não foram alterados o volume de negócios ou rendimentos declarados, e que apenas houve correções nas declarações periódicas relativamente à aplicação da taxa intermédia de 13% quando deveria ser a taxa normal de 23%.
i) Por Carta Aviso via eletrónica (Via CTT) foi notificado à Requerente a 02/04/2024 o projeto de Relatório para que esta, querendo, exercer, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia ou exercer a faculdade de apresentar requerimento para a regularização voluntária, indicando as correções relativamente às quais pretendia a regularização.
j) Não tendo a Requerente exercido qualquer das faculdades postas à sua disposição, foi em 02/05/2024 elaborado o Relatório final de Inspeção com as correções de IVA já referidas, que lhe foi notificado por via eletrónica (Via CTT), a 09/05/2024.
l) No depoimento de parte e pela testemunha arrolada foi declarado na audiência de 07/11/2024 no CAAD que, por vezes, é vendido apenas o saco sem qualquer mercadoria, por ser um saco especial, com caraterísticas próprias que os clientes compram para uso que nada tem a ver com os bolos que levam para casa e que também ocorre haver grupos a comprar bolos ao quilo para comerem no local, aplicando-se as taxas de IVA de acordo com o programa informático;
m) Na mesma audiência, a Representante da Requerida prescindiu da audição da testemunha arrolada a técnica inspetora tributária E... que fez parte da equipa de inspeção à Requerente.
n) Em 03/06/2024 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
2.2. Factos não provados
Não foi provado que os bolos rei, rainha e folar, vendidos ao quilo sejam comidos no local.
Não havendo outros factos não provados com relevância para a decisão.
2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados e ainda no depoimento de parte e na prova testemunhal
Nos termos do artigo 396º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal.
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-Matéria de Direito
A questão essencial traduz-se em saber se as liquidações adicionais de IVA e consequentes juros compensatórios aqui em causa, produzidas pela Requerida, em resultado de ação inspetiva dos seus serviços, deverão ser anuladas por serem ilegais, por padecerem dos vícios aduzidos pela Requerente nomeadamente de ilegalidade dos referidos procedimentos e de falta/insuficiência de fundamentação ou se, pelo contrário deverão ser mantidas na ordem jurídica por terem sido processadas de acordo com as normas legais aplicáveis.
O Tribunal, tendo em conta as posições da Requerente e da Requerida atrás consideradas, a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, vai proceder à composição do litígio.
Quanto à ilegalidade do procedimento inspetivo
A Administração Tributária no exercício das suas funções na prossecução do interesse público, está subordinada a agir de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários, (cf. artigo 55º da LGT), devendo no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido (cf artigo 58º da LGT).
No caso vertente a AT deu cumprimento ao Plano Nacional de Atividades de Inspeção Tributária e Aduaneiro de acordo com o estipulado nos artigos 23º a 27º do RCPITA, realizando uma única inspeção externa à Requerente que fazia parte da seleção a que alude o referido artigo 27º, tal como resulta da matéria de facto dada como provada, donde também resulta que a Requerente tinha aderido às notificações eletrónicas desde 15/03/2012 e que foi emitida Carta Aviso, enviada via eletrónica (via CTT), notificada à Requerente a 23/01/2024 na qual foi dada nota que o procedimento inspetivo externo credenciado pela Ordem de Serviço nº OI2023... e que iria ser de âmbito geral, tendo a referida ordem de serviço sido assinada, em 01-02-2024 pela contabilista certificada da Requerente nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 52º do RCPITA, considerando-se essa a data do início da ação inspetiva, tendo, o projeto e o relatório final, sido notificados pela mesma forma em 02/04/2024 e 09/05/2024,respetivamente, pelo que se considera não ter existido, no procedimento inspetivo, os vícios suscitados pela Requerente.
Na verdade, a Requerente só por mero equívoco, poderá ter considerado a seleção a que alude o artigo 27º do RCIPTA, como uma inspeção interna, quando tal procedimento apenas dá cumprimento ao Plano Nacional de Atividades de Inspeção Tributária e Aduaneira a que alude o artigo 23º, conforme artigo 25º, ambos do citado Regime, sem que seja feito qualquer tipo de inspeção, trata-se apenas de uma seleção. Em consequência de tal seleção é que foi emitida a Ordem de Serviço nº OI2023... e credenciado o Inspetor Tributário para o procedimento inspetivo, constando da referida OS que o procedimento seria de âmbito geral.
É patente a inexistência dos vícios apontados, desde a alegada mudança do lugar do procedimento inspetivo, da também alegada falta de notificação prévia do sujeito passivo e bem assim da alegada falta de designação de representante, ou da violação dos prazos legais para decurso do procedimento inspetivo.
Diga-se que o RCPITA, tal como consta do seu preâmbulo, visa em primeira linha “…a organização do sistema inspetivo, e consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões…”
A eventual violação de normas do RCPITA, em regra e que no caso não sucedeu, tem como consequência obstar a que ocorram determinados efeitos próprios daquele procedimento, como a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, ou a obrigação de abertura das instalações dos visados à inspeção tributária e não se reflete nas liquidações resultantes da recolha de informações pela AT (veja-se nesse sentido o Acórdão do STA, proferido no processo 0955/07, em 27-02-2008) cujo sumário, com a devida vénia, transcrevemos: “Os procedimentos inspetivos e de liquidação são distintos entre si, ainda que este tenha carácter meramente preparatório ou acessório, o que não significa que as ilegalidades nele cometidas se projetem, fatalmente, na liquidação, invalidando-a”.
Concluindo-se no caso em apreço, que os procedimentos inspetivos observaram as disposições contidas no RCPITA e dos princípios enunciados pela LGT e que foram realizadas as diligências necessárias ao desiderato de satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material no cumprimento do dever que é imposto à AT pelo artigo 58º da LGT, termos em que o Tribunal considera não assistir razão, nesta parte do pedido, à Requerente.
Quanto à falta/insuficiência de fundamentação das correções
Relativamente a esta matéria e analisando o Relatório inspetivo verifica-se que foi feita não só uma análise aos elementos contabilísticos e documentos de suporte como também foi feita uma verificação e observação dos procedimentos internos da empresa, fazendo validações e cruzamentos com a informação disponível no sistema informático da AT. Também se realça que não houve alteração ou correção ao volume de negócios declarado pela Requerente, houve sim, correções às taxas de IVA aplicadas nas diferentes operações.
Os serviços inspetivos com base no SAFT de cada estabelecimento da Requerente e retirando a faturação anulada, e com recurso a tabelas dinâmicas, verificou a incorreta aplicação das taxas de IVA, constatando a existência de produtos que, em seu entender, foram sujeitos à taxa intermédia, quando deveriam ter sido tributados à taxa normal e assim no âmbito dos bolos vendidos ao quilo, verificou que se trata da venda de bolo rei, bolo raínha e folares, que em regra não são para consumir no estabelecimento, mas para levar para casa e nesse caso sujeitos à taxa normal, tendo apurado o imposto em falta de € 1 072,76.
Quanto aos bolos vendidos à unidade, segundo o relatório no que respeita aos bolos referenciados “caixa” ou “cx” constatou que eram sempre tributados à taxa de 23% e as queijadas/pastéis quer se trate de uma ou mais unidades foi sempre aplicada a taxa de 13%, apesar de não constar nas faturas o consumo de bebidas e em muitas delas existir a venda de saco, o que levou, os serviços inspetivos, a pressupor que o consumo ocorre fora do estabelecimento. Escudando-se em critérios de razoabilidade, considerou que a partir de 6 unidades, o consumo ocorreria fora do estabelecimento e seria de aplicar a taxa normal de 23%, apurando assim o imposto em falta € 8 119,23.
Quanto aos Salgados que a Requerente também vende nos seus estabelecimentos, os serviços inspetivos constatam no seu relatório que nessa parte se transcreve: “ em todos os salgados vendidos à unidade foi aplicada a taxa intermédia ou a taxa normal de IVA, demonstrando a vertente de venda no estabelecimento e de levar para casa, consoante as taxas aplicadas ou seja estes bens, quando vendidos para consumo fora do estabelecimento é aplicada a taxa máxima de IVA, uma vez que não constam nem na lista I, nem na lista II, anexa ao CIVA. A percentagem de transmissão destes salgados à taxa normal é de 4,3, bastante reduzida, dada a especificidade deste estabelecimento, como já foi referido”. Desta constatação, sem mais qualquer justificação,utiliza o critério anterior dos bolos vendidos à unidade, fazendo uma correção técnica de € 3 451,19 e apura o imposto em falta no montante de € 345,12.
Concluindo que o imposto em falta apurado pelos serviços inspetivos é de € 9 537,11, tudo como melhor consta no respetivo Relatório que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e para o qual, na sua resposta, a AT remete.
Por sua vez a Requerente faz uma longa teorização sobre a falta/insuficiência de fundamentação em geral citando doutrina e jurisprudência mas, em termos concretos, acaba apenas por referir que analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão/liquidações em causa, verifica-se que a fundamentação nela contida não é clara, congruente e não permite ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT. Assim, sem se debruçar em concreto sobre a factualidade descrita no Relatório da Inspeção que apenas procurou contradizer com o depoimento de parte e da tesmunha arrolada, concluindo ter ficado inequivocamente demonstrada a inadequação e a errada aplicação dos critérios de qualificação e quantificação utilizados pela AT, até porque são totalmente omissos.
Decorre dos nº1 e 2 do artigo 77º da LGT as exigências legais sobre a fundamentação, que aqui transcrevemos:
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Face a estas normas legais e confrontando com elas o Relatório da Inspeção verifica-se que os Serviços Inspetivos, contrariamente ao que defende a Requerente, explanam com clareza a sua linha de pensamento e de atuação que qualquer destinatário normal entende, ver neste sentido Acórdão do STA de 20/04/2024- Pº 01090/08.3BESNT – 2ª secção, cujo ponto II do seu sumário, com a devida vénia, aqui se transcreve: “A fundamentação do ato administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, suposto na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão”.
Mas uma coisa é a clareza da metodologia e os critérios usados outra é saber se objetivamente se coadunam e fundamentam uma determinada situação em concreto.
De acordo com o nº 1 do artigo 75º da LGT que se transcreve:
“ 1 — Presumem-se verdadeiras e de boa- fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”
Esta presunção pode ser ilidida, no caso em apreço, por aplicação das normas previstas nas alíneas a) e c ) do nº. 2 do referido artigo da LGT que também transcrevemos:
“2 – A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) …
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei. “.
Também o artigo 87º do CIVA permite as correções das declarações e liquidações, conforme o seu nº 3 que também se transcreve:
“3 - As inexatidões ou omissões podem igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento”.
E por último, transcreve-se ainda o nº 1 do artigo 74º da LGT que impõe o ónus da prova dos factos a quem os invoque:
“Artigo 74.º - Ónus da prova
1 — O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. “
Sendo este o quadro legal que o Tribunal considera aplicável ao caso em apreço e considerando que os Serviços Inspetivos não puseram em causa o volume de negócios declarado pela Requerente e constataram que o seu programa informático permite a diferenciação das taxas de IVA a aplicar aos produtos consumidos no local (13%) ou para consumo fora (23%), temos que avaliar e decidir sobre os critérios de razoabilidade aplicados para as correções técnicas aplicadas de que resultaram as liquidações adicionais aqui em crise.
Nesta perspetiva consideramos que a metodologia seguida pelos serviços da AT e, apesar da constatação do sistema informático da Requerente permitir a aplicação diferenciada das taxas, entende o Tribunal que quanto aos bolos vendidos ao quilo, do tipo bolo rei, bolo raínha e folares, é do senso comum que sejam adquridos para serem comidos em casa, não sendo usual o seu consumo nas pastelarias, a não ser à fatia. A Requerente, no entender do Tribunal, não concretiza qualquer facto consistente que demonstre que o enquadramento da tributação em sede de IVA feito pelos Serviços Inspetivos neste tipo de bolos seja diferente da que consta do respetivo relatório, na verdade, do depoimento de parte e da audição da testemunha não resulta claro o consumo deste tipo de bolos no local. Assim sendo, o Tribunal considera o critério usado pelos serviços inspetivos idóneo e dentro das regras da experiência comum, veja-se neste sentido o ponto III do sumário do Acórdão TCA Norte de 19 de Maio de 2022- Pº 00932/19.2BEAVR – 2ª secção – Contencioso Tributário que aqui se transcreve:” Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível”.
Nesta perspetiva o Tribunal entende que as correções neste segmento deverão ser mantidas por se encontrarem fundamentadas e a Requerente não ter conseguido provar o contrário, considerando-se que imposto apurado de € 1 072,76 deverá ser mantido na ordem jurídica.
Já no que respeita aos bolos vendidos à unidade, a metodologia usada pelos Serviços Inspetivos e apesar de ter constatado que o programa informático da Requerente permitia a diferenciação das taxas de IVA a aplicar aos produtos consumidos no local (13%) ou para consumo fora (23%), e não tendo posto em causa o sistema ou os procedimentos utilizados pela Requerente na utilização do seu sistema, verificou que os bolos queijadas/pastéis, eram sempre tributados à taxa intermédia de 13% e que os bolos referenciados “caixa” ou “cx” eram sempre tributados à taxa de 23% e desta constatação estabeleceu um critério de razoabilidade para o primeiro caso, sempre que houvesse venda superior a 6 unidades, sem bebida consumida e por vezes acompanhada de saco, a tributação seria de mais 10 pontos pontos percentuais, isto é, à taxa normal de 23%, desprezando a situação dos bolos” caixa” e “cx” aos quais era sempre aplicada a taxa de 23%, quando poderia haver situações em que eram consumidos no local , com bebidas e sem venda de saco. Logo por aqui o critério não é razoável, na medida em que só foi aplicado às situações de taxa intermédia e desprezou, sem qualquer análise, a segunda situação em que os bolos são sempre vendidos à taxa de 23%, sem ter em conta o consumo inferior a seis unidades com consumo de bebidas e sem venda de saco, situações passíveis de tributação à taxa intermédia que não foi considerada e haverá tributação superior à devida em 10 pontos precentuais. Também os Serviços Inspetivos da AT não pesquisaram, ou pelo menos não o referem se, associadas às vendas superiores a 6 unidades existirão ou não vendas de bebidas em faturas diferentes. Por outro lado, no depoimento de parte e da testemunha arrolada, foi posto em causa o critério das 6 unidades, dado que por vezes aparecem grupos, famílias que consomem no local quantidades bem superiores sendo que a venda do saco nem sempre é para levar bolos para casa, sendo a sua aquisição destinada ao uso indeferenciado pelos clientes dadas as suas caraterísticas especiais, argumentação que não foi contrarida pela Requerida nas suas alegações que apesar de serem simultâneas a Requerente produziu as suas em 13/11/2024 e a Requerida só as produziu em 27/11/2024. Por outro lado na audiência de 07/11/2024, estava arrolada como testemunha da Requerida a Inspetora Tributária que procedeu à inspeção e á elaboração do relatório, mas que não esteve presente, tendo a Representante da Requerida prescindido, legitimamente, do seu depoimento.
Do exposto resulta que ao não ser posto em causa o sistema informático da Requerente relativamente ao sistema de diferenciação de taxas e, sem mais justificações, partir para a utilização de critérios de razoabilidade que mais não visaram que um cálculo de imposto diferente do apurado pela Requerente, utilizando tais critérios apenas para as situações de aplicação da taxa intermédia sem a devida fundamentação, o Tribunal considera que do exposto e da audiência de 07/11/2024, ficou demonstrada a fragilidade de tais critérios e não foi possível à Requerida contrariar os factos apresentados pela Requerente, prescindindo, inclusivé, da testemunha arrolada, Inspetora que procedeu à Inspeção e elaborou o Relatório e posteriormente, nas alegações produzidas bem depois das da Requerente, nada disse de novo sobre esta matéria.Nesta conformidade o Tribunal só pode considerar as correções técnicas praticadas pela Requerida sem fundamento e por isso ilegais, pelo que o imposto apurado, suportado pelas ditas correções ilegais, deverá ser consequentemente anulado o correspondente valor de € 8 119,23.
Quanto aos salgados, a Requerida fazendo uma análise à prática da Requerente e sem qualquer justificação que ponha em causa a diferenciação de taxas do sistema informático da Requerente que reconheceu existir, parte para uma correção técnica com o mesmo critério seguido para os bolos vendidos à unidade, termos em que o Tribunal só pode considerar as correções técnicas praticadas pela Requerida sem fundamento e por isso ilegais, pelo que o imposto apurado e suportado pelas ditas correções ilegais deverá ser consequentemente também anulado no valor de € 345,12.
Em conclusão o Tribunal considera que apenas a correção técnica no montante de € 10 727,61 praticada quanto aos bolos vendidos ao quilo, do tipo bolo rei, bolo raínha e folares, deverá ser mantida na ordem jurídica pelos motivos anteriormente aduzidos e consequentemente também o imposto inerente no montante de € 1 072,76, deverá ser mantido bem como os correlativos juros compensatórios.
Quanto às restantes correções técnicas referentes aos bolos vendidos à unidade no montante € 81 192,29 e à venda de salgados no montante € 3 451,19 as mesmas foram praticadas, pelos motivos expostos, sem a adequada fundamentação que, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, cabia à AT demonstrar o que não conseguiu, pelo que são ilegais e como tal deverão ser revogadas e consequentemente o imposto correspondente a cada uma delas de € 8 119,23 e € 345,12, respetivamnte e correspondentes juros compensatórios deverão ser anulados.
4. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De harmonia com o disposto na alínea b), do artigo 24.º, do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Da matéria de facto dada como provada não resulta que o imposto tenha ou não sido pago, deste modo na execução dos presentes julgados e caso o imposto tenha sido pago haverá lugar ao seu reembolso acompanhado dos referidos juros indemnizatórios, nos termos do nº 5, do artigo 24.º do RJAT, do artigo 43º da LGT, e do artigo 61º do CPPT, que serão contados desde a eventual data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
IV – DECISÃO
De harmonia com o exposto o Tribunal Arbitral decide o seguinte:
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Declarar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Manter na ordem jurídica a correção técnica praticada no montante de 10 727,61 e o imposto inerente no montante de € 1 072,76 e respetivos juros compensatórios.
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Revogar as restantes correções técnicas no montante global de € 84 643,48 e declarar a consequente anulação do imposto correspondente no valor de € 8 464,35 e juros compensatórios inerentes.
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Que na execução dos presentes julgados, caso se verifique que o imposto agora anulado no montante de € 8 464,35 e correspondentes juros compensatórios tenham sido pagos, declara-se o direito ao seu reembolso acompanhado dos respetivos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Fixar o valor do processo em € 10.131,46 ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e do 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixar as custas em € 918,00 ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Requerida 88,75% a que corresponde o montante de € 814,73 e da Requerente 11,25% a que corresponde o montante de € 103, 27 na proporção dos respetivos decaimentos.
Notifique.
Lisboa, 10 de dezembro de 2024
O Árbitro,
Arlindo José Francisco