SUMÁRIO: O artigo 2.º do Anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que define a incidência subjectiva do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade tributária, na dimensão de exigência da generalidade dos impostos e de proibição do arbítrio.
DECISÃO ARBITRAL
A... SA, com o número de identificação de pessoa colectiva ... e sede social no Edifício ..., ... (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
I. Relatório
O pedido formulado pela Requerente consiste na (i) declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa dos actos de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB) de 2021, 2022 e 2023, no valor total de € 293.879,62 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 15 de Julho de 2024.
A Requerida remeteu o processo administrativo e a sua resposta em 24 de Setembro de 2024. Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Ambas as Partes apresentaram alegações finais.
Posição da Requerente
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:
-
A Requerente é uma instituição financeira de crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal. Rege-se pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF") e encontra-se sujeita ao Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB);
-
Em 15 de Dezembro de 2021, 21 de Julho de 2022 e 21 de Junho de 2023, a Requerente submeteu, respetivamente, a declaração modelo 57 dos anos de 2021, 2022 e 2023. Tendo apurado um valor a pagar (e que pagou) de, respetivamente, € 91.384,28, € 99.205,91 e € 103.289,43;
-
Sucede, no entanto, que a tributação do ASSB é inválida, por ser inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade. Pelo que a Requerente não deveria ter sido sujeita à autoliquidação e pagamento do ASSB e, nessa medida, as referidas autoliquidações são inválidas por inconstitucionais e devem ser anuladas, com o consequente reembolso acrescido de juros indemnizatórios;
-
Em 15 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou à AT uma reclamação graciosa, pedindo a anulação das autoliquidações do ASSB relativas aos períodos de 2021 e de 2022. E em 26 de Fevereiro de 2024, submeteu outra reclamação graciosa, formulando idêntico pedido relativo ao período de 2023;
-
A Requerente foi notificada dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas em 5 de Fevereiro de 2024 (anos de 2021 e 2022) e 18 de Março de 2024 (ano de 2023), com fundamento no facto de o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se inserir no escopo da função administrativa;
-
O ASSB foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI à referida Lei. A criação deste tributo teve como objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, de forma a compensar a isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores (cfr. artigo 1.º n.º 2 do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020);
-
Os sujeitos passivos do ASSB são: (i) as instituições de crédito com sede principal e efetiva administração situada em território português - como é o caso da Requerente -, (ii) as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e (iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º n.º 12 do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020). O ASSB incide sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos;
-
Não estamos perante uma taxa, na medida em que o seu pagamento não tem como correspondência qualquer contraprestação individualizada por parte de um ente público. Também não poderá ser qualificado como uma contribuição financeira, na medida em que o "grupo" sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um "grupo" que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado ou a um "grupo" que surja como especial causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer "grupo";
-
Em suma, o ASSB só pode qualificar-se como imposto;
-
Da norma de incidência subjetiva, resulta de forma clara que apenas as instituições de crédito são sujeitas a tributação em sede de ASSB. i. e. apenas um sector de empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos é sujeito passivo deste imposto. O ASSB será, assim, um imposto sectorial, o que não se adequa à natureza de um imposto, nem tem acolhimento constitucional;
-
À luz da Constituição da República Portuguesa (CRP), apenas as contribuições financeiras seriam suscetíveis de ser tributos sectoriais, na medida em que a previsão constitucional das taxas e dos impostos não é compatível com a setorialidade caraterística das contribuições;
-
O princípio da capacidade contributiva é corolário do princípio da igualdade quando aplicado a um imposto - incluindo o ASSB. Para que este tributo, classificado como imposto, pudesse ser aplicado à Requerente sem violar o princípio da igualdade, teria necessariamente de se demonstrar que há uma especial capacidade contributiva associada à sua atividade enquanto instituição de crédito. E que esse aumento de capacidade contributiva não se poderia verificar noutras entidades não sujeito ao ASSB;
-
É evidente que tal não se verifica. O facto de a Requerente ser uma instituição de crédito (critério adotado para a incidência subjetiva do ASSB) não justifica a sua sobretributação relativamente aos demais contribuintes. Não havendo uma manifestação de capacidade contributiva, a sujeição a este imposto torna-se arbitrária e, como tal, inconstitucional;
-
A incidência subjetiva do ASSB - mais concretamente o artigo 2.º do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020 - não cumpre a exigência constitucional da generalidade, violando o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP;
-
E não se tente legitimar o ASSB como sendo uma forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais setores. A isenção está consagrada a nível europeu (artigo 135.º da Diretiva 2006/112/CE) e nunca poderia ser vista como um benefício para a Requerente, na medida em impõe um encargo através do impedimento da recuperabilidade (dedução) do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) IVA suportado a montante. Acresce que a isenção de IVA já é contrabalançada pelo Imposto do Selo cujo campo de incidência abrange grande parte das operações e serviços financeiros;
-
Mesmo que se tente apresentar tal justificação como fundamento para criação do ASSB, estar-se-ia sempre perante uma grave violação do princípio da proporcionalidade;
-
Citando uma de entre várias decisões arbitrais: “não é possível encontrar outra razão de ser para a incidência subjetiva do ASSB que não a consideração, pelo legislador, de ser uma forma viável de obtenção de mais receita. Ou seja, que apenas o interesse fazendário determinou a criação de um novo imposto que, mesmo após pesadas as razões determinantes da sua criação, resulta inconstitucional, desde logo quanto à sua incidência subjetiva, porque sectorial" (cfr. Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 599/2022-T CAAD).
Posição da Requerida
Na sua contestação, a Requerida alegou que:
-
A criação do ASSB está indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2. O ASSB foi uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária;
-
Foi nesta conjuntura pandémica de crescente pressão sobre o sistema de segurança social que a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aprovou, no seu artigo 18.º, o regime que criou o ASSB, previsto no Anexo VI;
-
Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras;
-
Entende, erroneamente, a Requerente que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, violam o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e proibição da criação de impostos desproporcionais e não genéricos;
-
A questão a esclarecer consiste em saber se a sujeição das instituições de crédito ao ASSB consubstancia uma distinção discriminatória em relação aos demais sectores de atividade, i. e., se configura uma desigualdade de tratamento materialmente infundada ou sem qualquer fundamento razoável, objetivo e racional;
-
No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA;
-
Considerando que o IVA constitui uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção coerente do legislador;
-
Ao que acresce ainda o facto de, desde 2011, todos os trabalhadores do sector bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social. Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um sector reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do sector financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o financiamento da segurança social;
-
E não se diga que a isenção aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras não representa um benefício efetivo para os sujeitos passivos, in casu, as instituições de crédito, por se tratar de uma isenção simples ou incompleta, ou seja, que não confere direito a dedução do imposto suportado a montante nas operações internas. Desde logo, porque admitir que a tributação em IVA dos serviços e operações financeiras, com a consequente possibilidade de dedução do IVA suportado a montante para a sua realização, é que seria benéfica para o sector bancário, aumentando o seu lucro, significaria, na prática, que a atividade deste sector não gera valor acrescentado em termos de resultado dos exercícios, o que não se crê, mesmo empiricamente, que seja verosímil;
-
Além disso, aquela asserção simplesmente ignora o facto de os inputs com IVA no âmbito da atividade financeira serem residuais e, também eles, genericamente isentos de IVA.
-
Recorde-se que a alínea a) do n.º 1 do artigo 137.º da Diretiva do IVA faculta aos Estados-Membros a possibilidade de concederem aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação dos serviços e operações financeiras. O exercício dessa opção levaria à tributação dos serviços e operações financeiras, aumentando a carga fiscal do sector financeiro. Em conclusão, a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no sector bancário, em detrimento de outros sectores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA que, como já se demonstrou acima, contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social”;
-
Em Portugal, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta por via do Imposto do Selo, cujas taxas são inferiores às do IVA e não estão consignadas à segurança social, desse modo beneficiando o sector financeiro;
-
Atenta a relevância económica do sector financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, a par de desigualdade na distribuição do esforço tributário. As instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes sectores de atividade através do denominado “IVA social”. A criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os sectores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável;
-
A capacidade contributiva concretiza o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente da uniformidade, pressupondo que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objetivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real e efetiva de cada um. Exigindo-se que o imposto incida sobre manifestações de riqueza, por um lado, e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas, por outro;
-
O ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA, tendo como alvo um determinado sector que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da Contribuição sobre o Sector Bancário, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço. Afigura-se pouco provável, ou até mesmo inexequível, a escolha de um outro critério, mais adequado, por forma a alcançar a manifestação da capacidade contributiva destas entidades;
-
O legislador, agindo dentro da liberdade de conformação fiscal, encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação em impostos indiretos de determinadas operações. Por isso, ao contrário do que propugna a Requerente, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras;
-
Não existindo qualquer erro de facto ou de direito no ASSB autoliquidado, improcede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
-
Saneamento
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.
-
Matéria de facto
Matéria provada e não provada
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma instituição financeira de crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal;
-
Em 15 de Dezembro de 2021, 21 de Julho de 2022 e 21 de Junho de 2023, a Requerente submeteu as declarações Modelo 27 referentes, respetivamente, ao ASSB de 2021, 2022 e 2023. Nas quais autoliquidou, respetivamente, o ASSB no valor de € 91.384,28 (2021), € 99.205,91 (2022) e € 103.289,43;
-
Os referidos valores foram pagos;
-
Em 15 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa (n.º ...2023...) na qual solicitou a anulação das referidas autoliquidações do ASSB dos períodos de 2021 e 2022. Em 26 de Fevereiro de 2024, a Requerente submeteu outra reclamação graciosa (n.º ...2023...) em que formulou idêntico pedido relativamente ao ASSB autoliquidada em 2023;
-
Em 5 de Fevereiro de 2024 e em 18 de Março de 2024, a Requerente foi notificada dos despachos de indeferimento expresso das referidas reclamações graciosas.
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo remetido pela AT.
-
Matéria de direito
A Requerente entende que a incidência subjetiva do ASSB constitui uma violação do princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade, ao impor-lhe, enquanto sociedade financeira de crédito, um imposto a que estão excluídos os demais sujeitos passivos e adstrito ao financiamento da segurança social que incumbe à generalidade dos contribuintes. Ao incidir sobre elementos do passivo contabilístico, não há manifestação de capacidade contributiva passível de revelação, como sejam o rendimento, património ou consumo.
Já a Requerida sustenta que o legislador, atuando dentro da sua margem de liberdade de conformação fiscal, identificou uma capacidade contributiva na reduzida tributação das sociedades financeiras de crédito em sede de tributação indireta (IVA), de que resulta um menor esfoço no financiamento do sistema previdencial.
Vejamos.
O ASSB foi instituído pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI desta última lei.
Os sujeitos passivos do ASSB são (i) as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, (i) as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e (iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (n.º 1 do artigo 2.º).
A incidência objetiva do ASSB consiste (i) no passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e (ii) no valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (artigo 3.º)
O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3). O n.º 4 do aludido 4.º esclarece que a base de incidência (apurada nos termos do artigo 3.º) é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o ASSB, tal como aprovadas no ano seguinte.
Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º definem, respetivamente, as taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança. Por fim, o artigo 9.º determina que o valor apurado em sede de ASSB constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
Começando pela qualificação jurídica do tributo, entendemos estar perante a figura de um imposto.
Com efeito, o ASSB não se subsume ao conceito de taxa, dado que o seu pagamento não tem correspondência numa qualquer contraprestação individualizada e realizada por um ente público. O ASSB também não se apresenta como uma contribuição financeira, na medida em que o universo dos seus sujeitos passivos não se reconduz a um grupo homogéneo que usufrua de especiais vantagens individualizáveis e/ou apropriáveis em resultado de um serviço realizado por um ente público. De igual modo, não estamos perante um grupo cuja atividade económica surja como causador da necessidade da existência de um determinado serviço público.
Convocando o Acórdão 149/2024 do Tribunal Constitucional: “o critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal”.
Estamos, assim, perante um imposto. Entendimento este que é partilhado pela Requerente e pela Requerida.
Seguindo de perto o Acórdão n.º 477/2023 do Tribunal Constitucional, que apreciou em sede de recurso a decisão arbitral no processo n.º 599/2022, “(…) deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo.
(…) A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou «sem fundamento material bastante» -proibição do arbítrio -, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria. No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa”.
Em suma, e continuando a convocar o referido Acórdão, “a igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou "sem fundamento material bastante" - proibição do arbítrio”.
O fundamento em que o legislador suporta o tratamento desigual que faz incidir sobre o sector financeiro, por via da imposição do ASSB, consiste na necessidade de compensação pela isenção do IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras.
Sendo o IVA um dos impostos harmonizados a nível europeu, as regras de incidência e isenção constam da Diretiva 2006/112 de 28 de Novembro de 2006, estando o legislador nacional obrigado à correspondente transposição para o direito interno, i. e. a modelação ou modificação do elenco de operações abrangidas pelo regime de isenção está subtraída à disponibilidade do legislador nacional.
A isenção de IVA, aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, estende-se a outros bens e serviços, designadamente, seguros, operações imobiliárias, educação, cultura ou serviços médicos, sem que aos correspondentes agentes económicos tenha sido imposto um tributo compensatório como consequência da despesa fiscal associada a tais isenções.
É importante salientar que, ao contrário de algumas das isenções consagradas no artigo 9.º do Código do IVA, aos sujeitos passivos é vedado renunciar à isenção aplicáveis aos serviços e operações financeiras.
Retomando o fundamento que subjaz à decisão legislativa de criação do ASSB, está em causa a afetação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) a receita do IVA resultante do aumento da taxa normal operada através do n.º 6 do artigo 32.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (de 16% para 17%), que usualmente se denomina por “IVA social”.
Conforme se pode ler no Acórdão n.º 477/2023 do Tribunal Constitucional:
“Muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1. º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o "benefício" da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. (…) Independentemente da incidência de Imposto do Selo, a "isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras" dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução”.
Com efeito, a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras, impõe aos respetivos sujeitos passivos um custo por via da impossibilidade de recuperação do imposto suportado a montante, i. e. a isenção impede o funcionamento do princípio da neutralidade do IVA ao longo do circuito económico.
Como esclarece Clotilde Celorico Palma, “as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA obedecem a uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “ao passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto, mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).
Como explica ainda Sérgio Vasques, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que este acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros.
A esse custo poderia ainda adicionar-se o Imposto do Selo, dado que este incide sobre as operações financeiras sujeitas a IVA e do mesmo isento. Todavia, importa recordar que o Imposto do Selo liquidado e, num primeiro momento suportado pelo sector financeiro, é simultânea ou subsequentemente repercutido ao beneficiário (cliente), conforme estipulado nas alíneas e) e f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo. E estando o sector financeiro vinculado à repercussão legal do Imposto do Selo, este dificilmente configurará um ónus semelhante ao que decorre da impossibilidade de dedução do IVA nas operações passivas.
Chegados aqui, é lícito concluir que a Requerente, enquanto sociedade financeira de crédito cuja atividade principal está abrangida por um regime de isenção de IVA, se encontra numa situação idêntica à de outros sujeitos passivos igualmente alcançados por outros regimes de isenção de IVA. Importando determinar se justificação legislativa de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema previdencial mediante a imposição do ASSB sobre o sector financeiro, apresenta alguma relação, direta ou mediata, para com o regime de isenção de IVA aplicável nas operações financeiras. E, em caso de existência de dessa relação, faltará que determinar se a mesma reveste uma densidade que permita uma diferenciação tributária circunscrita a um grupo de sujeitos passivos ou se, pelo contrário, uma tal diferenciação se apresenta como arbitrária.
O Acórdão n.º 477/2023 oferece uma resposta clara e precisa: " (…) a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado. Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária. "
(…)
“O princípio da capacidade contributiva (…) assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja constituído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se a1-voram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos.
Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos «assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património».
Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, «[...] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). [...] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos", nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, "[...] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras ('financial activities taxes') e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras ('financial transaction taxes'), em qualquer uma das suas modalidades [...]",nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem - acrescente-se - a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
(…)
Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. dt., pp. 111/113): [Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva - composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço - possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.
Se, no caso da CSB [Contribuição sobre o Setor Bancário], a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típico desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.
Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto 'impostos de grupo'.
Pese embora a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB.
A CSB foi instituída pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, entretanto alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, como uma contribuição extraordinária, que constitui receita do Fundo de Resolução (criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). O Fundo de Resolução tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas. Nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal.
A CSB tem por base uma contraprestação que atinge um determinado grupo, constituindo numa contrapartida rececionadas pelos seus membros sob a forma de cobertura do risco sistémico inerente à atividade do sector financeiro. Esta sua natureza bilateral coexiste com a consignação da receita ao Fundo de Resolução, porquanto a este compete a prevenção do referido risco sistémico.
Contrariamente, o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita consignada ao FEFSS e, embora destinado a cobrir as necessidades de financiamento do sistema previdencial, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.
Face ao exposto, dificilmente se discerne, objetivamente, o critério de diferenciação ou a fundamentação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições financeiras e de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário.
Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o sector financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção é incompleta e, por esse motivo, não confere o direito à dedução do imposto a montante, não representando, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo. Bem pelo contrário: força-o a suportar a incidência do imposto através e no momento das suas aquisições.
Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector financeiro, como forma de compensar a isenção de IVA, configura uma diferenciação arbitrária, na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
Retomando o Acórdão 477/2023:
“(…) a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo - que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa - levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC [Tribunal Constitucional], não podem ficar indiferentes.
Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva”.
No caso do ASSB, não se identifica qualquer relação entre a incidência real do imposto e os factores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no - erróneo - pressuposto de que as instituições financeiras poderão suportar um agravamento da carga fiscal por se encontrarem isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. De que decorre o soçobrar do fundamento inerente ao racional do legislador ordinário, nos termos do qual o sector financeiro, por via da isenção de IVA nas suas operações activas, aufere um benefício que justifica um agravamento da sua carga fiscal.
Em consequência, padece de ilegalidade a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa da autoliquidação do ASSB relativo aos períodos de tributação de 2021, 2022 e 2023.
A Requerente pede ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto e até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros nos termos previstos na LGT e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação do ASSB, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa legal aplicável (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
-
DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Declarar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
b) Declarar ilegais e anular os atos tributários de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente a 2021, 2022 e 2023, no valor total de € 293.879,62, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida; e
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
-
Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 293.879,62 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
-
Custas
Custas no montante de € 5.202, (cinco mil duzentos e dois euros), a suportar integralmente pela Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2024
Fernanda Maças (Presidente)
Raquel Franco (árbitro vogal)
José Luís Ferreira (árbitro vogal e relator)