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Decisão Arbitral
Processo n.º 802/2024-T
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Fernando Cardão Pito e Dr. Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em
02-09-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A. pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., união das freguesias de ... e ..., do concelho de Guimarães (...-...) (doravante apenas A... ou Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo que seja declarada a ilegalidade parcial e respectiva anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2024 ... e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2024 ..., bem como da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2024 ... .
A Requerente pede ainda reembolso da quantia paga em excesso com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-06-2024.
Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 09-08-2024.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02-09-2024.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 05-11-2024, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
-
Foi efectuada uma inspecção à Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço com o número 01202300940, relativa ao exercício de 2019, de âmbito parcial, visando o IRC,
-
Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II.1. Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal
Ordem de Serviço com o número 01202300940, emitida em 2023-06-23, ao sujeito A..., S.A..
O procedimento inspetivo é de origem central, Controlo dos sujeitos passivos com RFAI - 2019.
A Ordem de Serviço suprarreferida é uma ação externa de âmbito parcial, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com referência ao exercício de 2019.
A carta aviso foi notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica, uma vez que é aderente ao ViaCTT, com data de 2023-06-29.
(...)
IV.13. Benefícios fiscais
No ano de 2019, o sujeito passivo deduziu à coleta de IRC, campo 355 do quadro 10 da Modelo 22, o valor de 213.573,23 EUR com referência aos seguintes benefícios fiscais:
(...)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. Regime fiscal de apoio ao investimento
Com o objetivo de validar os pressupostos suprarreferidos, solicitou-se ao sujeito passivo, para efeitos de controlo de benefícios fiscais, no âmbito do presente procedimento de inspeção, os elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 25.º do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31 de outubro, e do previsto no art.º 7.º da Portaria n. 297/2015, de 21
de setembro, bem como a demonstração do cumprimento do requisito previsto na alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, quanto à criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto do investimento.
V.1.1. Criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto do investimento
Uma das condições para obtenção do direito ao benefício fiscal relaciona-se com a criação de postos de trabalho, requisito sempre imposto em todas as redações do regime do RFAI.
Esta condição encontra-se prevista, desde logo, na alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º do Código Fiscal ao Investimento, segundo a qual os investimentos relevantes têm de proporcionar a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).
Recorde-se que o espírito subjacente à permissão destes auxílios de Estado, regidos pelo Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto, e Regulamento (UE) n.º 651/2014da Comissão, de 16 de junho de 2014, insere-se num objetivo fulcral de alcançar uma melhoria do rendimento per capita nas regiões menos desenvolvidas da União Europeia.
Veja-se, ainda, o § 40 do preâmbulo do Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto, que determina que os "auxílios estatais com finalidade regional, destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável". E, no mesmo sentido, o§ 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014.
Assim, tendo em vista este desiderato, as diferentes redações do RFAI, desde 2009 até à data, sempre exigiram que o investimento realizado, para ser elegível, "proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento", pois só assim se alcança o objetivo de incremento do rendimento per capita das regiões identificadas como desfavorecidas, no desejado contexto sustentável (duradouro).
Ou seja, não releva todo e qualquer investimento, mas somente o investimento que proporcione a criação de postos de trabalho específicos, e que os postos de trabalho criados aumentem o nível de empregabilidade na empresa e na região, medido pelo aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço.
Acerca do conceito de criação de postos de trabalho, a Autoridade Tributária emitiu a informação vinculativa referente ao processo n.º 2010 002853, Informação Vinculativa n.º 1212, com entendimento sancionado por Despacho do Diretor-Geral, de 2010-10-27. Mais recentemente, no intuito de esclarecer diversas questões interpretativas sobre a referida condição, foi emitido pelo Subdiretor Geral da Gestão Tributária -Área do Imposto sobre o Rendimento, o ofício-circulado n.º 20.259, de 2023-06-28.
Segundo a referida informação vinculativa, raciocínio que podemos transpor para o presente caso concreto, apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo (conforme § 1 da informação vinculativa).
Ou seja, para poder usufruir do benefício fiscal no âmbito do RFAI, a condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e à sua manutenção, face ao disposto na alínea f) do n.º 4 do art.º 22º do Código Fiscal ao Investimento, tem que ser cumprida "à custa" de contratos de trabalho sem termo, e os postos de trabalho criados (criar é incrementar em relação ao existente) têm que garantir um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, salvaguardando assim os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI, designadamente, no§ 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014.
Indo de encontro à alínea b) do n.º 3 do art. 12.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto, bem como do S 32 do art2.º do Regulamento (UE) n. 651/2014 da Comissão, de 16dejunho de 2014, e à alínea a) do n.º 9 do art. 14,º, deste último regulamento, a informação vinculativa citada determina ainda que a condição de "criação de postos de trabalho "se considera "cumprida quando, à data de 31 de Dezembro (...) (considerando que o período de tributação do sujeito passivo coincide com o ano civil), se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes" (conforme § 2 da mencionada informação vinculativa), acrescentando que "pode acontecer com admissão de um único trabalhador" (conforme§ 3 da informação vinculativa).
Ou, dito de outro modo, tem que haver real criação de emprego aferida no seu todo, ou seja, os postos de trabalho especificamente criados pelo investimento têm que garantir o aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço da empresa (nível de empregabilidade).
Esta condição de "aumento líquido do número de trabalhadores" encontra-se definida no 32 do art. 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, no qual se estabelece ter de existir um "aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo". Por sua vez, a alínea a) do n.º 9 do art.º 14,º, do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, estipula que deve ocorrer "um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período".
E, a alínea k) do considerando 20 das Definições das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), refere o que se entende por «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados.
Note-se que, se assim não fosse, ou seja, caso não se verificasse um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, assim como a manutenção do nível de empregabilidade, havendo apenas a obrigação de criar e manter os postos de trabalho criados em razão do investimento relevante para efeitos do RFAI, no limite, poderíamos estar perante situações em que não se verificasse qualquer contributo para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, uma vez que se estaria a admitir que a mera manutenção dos postos de trabalho criados, ainda que acompanhada de diminuição do número de postos de trabalho desse estabelecimento, seriam suficientes para que se encontrasse preenchido o requisito a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI Aliás, essa dualidade (criação de postos de trabalho através de contratados sem termo cumulativamente com o aumento do número global de trabalhadores ao serviço da empresa) fica bem patente quando a referida informação vinculativa permite a admissibilidade da conversão de contratos com termo em contratos sem termo, como forma de se cumprir o aumento de contratos de trabalho sem termo. Obviamente que essa simples conversão não opera qualquer criação de emprego líquida se não for acompanhada de um real aumento do número de trabalhadores da empresa, assegurando assim o cumprimento das regras do direito da União Europeia. Aliás, os investimentos relevantes têm como objetivo criar empregos e só são admissíveis se o fizerem, e não apenas transformarem o vínculo laboral de trabalhadores anteriormente contratados.
E quanto à manutenção dos postos de trabalho, a mencionada informação vinculativa, referente ao processo n.º 2010 002853, PIV n.º 1212, é perentória, ao determinar no seu § 4, que os sujeitos passivos têm de "manter os postos de trabalho criados nos termos anteriormente referidos", ou seja, quando "à data de 31 de dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes".
Também relativamente à condição de manutenção dos postos de trabalho, a Autoridade Tributária, veio, divulgar entendimento, através do Oficio-circulado n.º 20259, sancionado por despacho de 2023-06-28 da Subdiretora -Geral da Área de Gestão do IR, em que no seu § 15, determina, que no final de cada um dos períodos de tributação compreendidos no período determinado nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal ao Investimento, terá de verificar-se número superior de trabalhadores face à média dos 12 meses anteriores ao início do investimento, sendo que têm de ser mantidos os postos de trabalho criados, em concreto, por força do investimento relevante para efeitos de RFAI.
Ora, se a criação é aferida em tais termos (em função do número de trabalhadores a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores ao inicio do investimento), torna-se óbvio que se impõe aos sujeitos passivos a manutenção, dos postos de trabalho criados aferidos no ano do investimento, durante o número de anos seguintes estabelecido no regime do RFAI aplicável.
É o carácter incremental subjacente ao pressuposto de criação de postos de trabalho, que garante que o objetivo de criação de emprego, definido no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014 e inerente a esta medida de política fiscal, é alcançado. Por tal motivo, a condição de manutenção dos postos de trabalho nos períodos seguintes, não pode deixar de ser entendida como a manutenção do nível de emprego proporcionado pelo investimento realizado, isto é, a manutenção do número médio de postos de trabalho permanentes (contratados sem termo), e bem assim, do nível de empregabilidade alcançado pelo investimento.
Recorde-se que o n.º 1 do art.º 107.º do TFUE (ex - art.º 87.º do TCE) considera "incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falseara concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções".
Contudo, a alínea a) do n.º 3 do mesmo art. 107.º prevê a admissibilidade de tais auxílios quando "destinados a promover desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego".
Ora, é nos termos da referida alínea a) do n.º 3 do mesmo arte 107.º do TFUE que o Regulamento (UE) n.º 651/2014da Comissão, de 16 de junho de 2014, declara certas categorias de auxílios, concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos art.ºs 107.º e 108.º do Tratado que institui o funcionamento da União Europeia.
O objetivo principal do regulamento comunitário referido, derrogando o princípio da "proibição dos auxílios de Estado", é assegurar que os auxílios com finalidade regional (direcionados apenas para algumas regiões) proporcionem um incremento do rendimento per capita das regiões identificadas como desfavorecidas, no desejado contexto sustentável (duradouro) referido no§31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014.
Ou seja, o desenvolvimento económico das regiões em causa apenas é alcançado se houver contratação líquida de pessoas, com contrato sem termo (sustentável), e se o nível de empregabilidade, atingido pela entidade no período do investimento relevante, for integralmente mantido durante o período mínimo imposto pelo regime do RFAI.
Em conclusão, as condições de acesso ao RFAI relacionadas com o objetivo de criação de emprego, não se resumem às condições específicas previstas no Código Fiscal ao Investimento:
i) Identificação e demonstração do nexo de causalidade entre o investimento relevante para efeitos de RFAI e os postos de trabalho criados estritamente em razão desse investimento - 1a condição específica;
ii) Os quais devem ser mantidos pelo período definido na alínea c) do n.º 4 do artigo 22º do Código Fiscal ao Investimento -2.ª condição específica).
Implicando que, em simultâneo, sejam igualmente cumpridas as condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados como compatíveis com o mercado interno, nomeadamente:
i) Que se verifique uma efetiva criação líquida de postos de trabalho, ou seja, um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento (trabalhadores com contrato sem termo no final do período de investimento)
-1 .ª condição geral;
ii) A par de um aumento do número de trabalhadores do estabelecimento (nível de empregabilidade)
-2.ª condição geral;
iii) E que essa criação de emprego (condição que resulta da cumulação das duas condições gerais anteriores) ocorra "num contexto sustentável", ou seja, que os seus efeitos perdurem, sejam duradouros, isto é, que, quer o número de postos de trabalho (trabalhadores com contrato sem termo no final do período), quer o nível de empregabilidade (número trabalhadores do estabelecimento) se mantenha superior à média dos 12 meses precedentes, dentro da mencionada regra prevista no ponto 17 do referido Ofício Circulado n.º 20259, de 2023-06-28 -3.ª condição geral.
Nestes termos, em face da dotação no âmbito do beneficio fiscal RFAI, e dos saldos que transitam para os períodos seguintes, declarados pela sociedade A..., com referência aos períodos de 2016, 2017, 2018 e de 2019, foram solicitados ao sujeito passivo os elementos demonstrativos do cumprimento do requisito previsto na alínea f) do n.º 4 do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, designadamente:
i) Mapa com a identificação dos trabalhadores admitidos com nexo de causalidade com o investimento realizado, assim como dos que cessaram relação laboral (nome e NIF), com indicação de datas de entrada e saída, área a que o trabalhador se encontrava afeto, e indicação do tipo de contrato (com ou sem termo), e a data da conversão do mesmo (quando aplicável);
ii) Mapa com a identificação do número mensal de trabalhadores, com discriminação por tipo de contrato (com ou sem termo), de janeiro de 2015 a dezembro de 2022;
iii) Evidência da criação liquida de postos de trabalho em relação à média dos 12 meses precedentes ao início do investimento relevante.
De entre os elementos remetidos pelo sujeito passivo, constam ficheiros em formato excel, que contém:
i) Ficheiro de trabalhadores com nexo de causalidade com o investimento realizado.
ii) Ficheiro com o número mensal de trabalhadores por tipo de contrato de trabalho, sem termo e com termo, com referência aos anos de 2015 a 2022;
iii) Ficheiro com a evidência da criação liquida de postos de trabalho em relação à média dos 12 meses precedentes ao início do projeto.
Quanto ao cumprimento da primeira condição específica de acesso ao benefício, prevista no Código Fiscal ao Investimento
A sociedade A..., apresentou, com referência aos projetos de investimento no âmbito do RFAI, relativos aos anos de 2016 a 2019, os seguintes quadros de trabalhadores com nexo de causalidade entre o investimento relevante para efeitos de RFAI e os postos de trabalho criados estritamente em razão desse investimento:
(...)
Em conformidade com os elementos apresentados pelo sujeito passivo, verifica-se que a sociedade A... nos anos de 2016, 2017, 2018 e de 2019, conseguiu demonstrar o nexo de causalidade entre o investimento o(s) posto(s) de trabalho criados, com recurso a contrato(s) de trabalho sem termo.
Quanto ao cumprimento da segunda condição específica de acesso ao benefício, prevista no Código Fiscal Investimento
Em conformidade com os elementos remetidos pelo sujeito passivo, a sociedade A... nos anos de 2016 2019, conseguiu, demonstrar, a manutenção do(s) posto(s) de trabalho criado(s) pelo período definido na alínea c) do n.º 4 do artigo 22º do Código Fiscal ao Investimento.
Quanto ao cumprimento das condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam considerados como compatíveis com o mercado interno.
Como acima referido, o sujeito passivo remeteu ficheiro com o número mensal de trabalhadores por tipo contrato de trabalho, com termo e sem termo, com referência aos anos de 2015 a 2022, cujo resumo a seguir reproduz:
(...)
Partindo das aplicações relevantes identificadas pela A..., o início dos investimentos, relativos ao RFAI dos anos de 2016 a 2019, corresponde em todos eles ao mês de janeiro.
Consequentemente, para efeitos de cumprimento das condições gerais exigíveis de acesso ao RFAI suprarreferidas, no final de cada um dos períodos de tributação do ano, após a conclusão do Projeto (ano n) e até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento nos termos da alínea c) do n.º 4 do art.º 22 do Código Fiscal do Investimento (ano n+3), terá de verificar-se um número superior de trabalhadores face à média dos doze meses anteriores ao inicio do investimento [média do n.º de trabalhadores dos meses de janeiro do ano (n-1) a dezembro do ano (n-1 )].
Por conseguinte, temos:
A) RFAI 2016
(...)
Pelo que, o sujeito passivo cumpriu com a referida condição.
B) RFAI 2017
(...)
Pelo que, o sujeito passivo cumpriu com a referida condição.
C) RFAI 2018
(...)
Pelo que, o sujeito passivo cumpriu com a referida condição.
D) RFAI 2019
De acordo com os Quadros XVI e XXI supra, o número total de trabalhadores com contratos de trabalho sem termo ao serviço da A... à data de 31 de dezembro de 2019 (70), é superior à média do número de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo dos doze meses precedentes ao início do investimento (62,42), pelo que, verifica-se, que o sujeito passivo, cumpriu, com a 1.a condição geral exigível ao acesso ao RFAI, uma efetiva criação líquida de postos de trabalho, ou seja, um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento (trabalhadores com contrato sem termo no final do período).
Quanto à 2.º condição geral exigível ao acesso ao RFAI, em conformidade com o Quadro XVI e XXII supra, verifica-se que o número total de trabalhadores ao serviço da A... à data de 31 de dezembro de 2019 (83), é superior à média do número total de trabalhadores dos doze meses precedentes ao início do investimento (77,83), pelo que, o sujeito passivo cumpriu, com a 2.ª condição geral exigível ao acesso ao RFAI, um aumento efetivo do número de trabalhadores do estabelecimento, do número global de postos de trabalho.
Relativamente à manutenção do nível de empregabilidade ao longo do período de manutenção do investimento, 3.ª condição geral exigível ao acesso ao RFAI, em conformidade com o Quadro XVI, XXI e XXII supra verifica-se que:
i) O número total de trabalhadores com contratos de trabalho sem termo ao serviço da A... à data de 31 de dezembro de 2020 (71 ), 2021 (77) e 2022 (72) regista um incremento (acréscimo de pelo menos um posto de trabalho) em relação à média do número total de trabalhadores sem termo dos doze meses precedentes ao início do investimento (62,42);
ii) O número total de trabalhadores ao serviço da A... à data de 31 de dezembro de 2020 (78), 2021 (78) e 2022 (72), não regista um incremento (acréscimo de pelo menos um posto de trabalho) em relação à média do número total de trabalhadores dos doze meses precedentes ao início do investimento (77,83).
Pelo que, o sujeito passivo não cumpriu com a referida condição.
Atendendo aos factos expostos, verifica-se que, relativamente ao RFAI de 2019, no período de manutenção obrigatória do nível de empregabilidade global, anos de 2020, 2021 e 2022, a A... não cumpriu com a 3.ª condição geral exigível ao acesso ao RFAI, com efeitos na manutenção obrigatória do nível de empregabilidade (no mínimo exigível para o cumprimento da 2.º condição geral exigível ao acesso ao RFAI face à média dos 12 meses anteriores ao início do investimento), pondo em causa a pretendida diminuição do nível de desemprego (condição evidenciada no ponto 19 do referido Ofício Circulado n.º 20259, de 2023-06-28 - 3.ª condição geral).
Com efeito, o nível de empregabilidade aferido em 31 de dezembro dos anos de 2020 (78), 2021 (78) e 2022 (72) é inferior ao nível mínimo exigível [79 (77,83+1 )] para que fosse cumprida a condição de manutenção do nível de empregabilidade (pelo mínimo exigível) nos três anos de manutenção obrigatória.
Não salvaguardando, assim, os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI, designadamente, no § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014.
E em consequência:
A dotação do RFAI de 2019, no montante de 124.016,12 EUR, não é aceite fiscalmente, pelo que a correção será concretizada através da desconsideração integral do valor declarado como "Dotação do período" e do "Saldo que transita para o período seguinte".
V.1.2. Critérios de elegibilidade das aplicações relevantes
Da análise realizada resultaram, no entanto, as irregularidades a seguir descritas, relacionadas com o não cumprimento dos critérios de elegibilidades de determinadas aquisições consideradas pelo sujeito passivo como aplicações relevantes para efeitos de RFAI, a seguir identificadas.
A) RFAI 2016
Transferências de investimento em curso de períodos anteriores para ativos fixos tangíveis Do mapa com a identificação da data e custo de aquisição de todas as aplicações relevantes com a listagem das faturas que titulem a respetiva aquisição, remetidos pela A..., constam os lançamentos contabilísticos com os n.ºs 6000010 e 12000037, no montante de 689.284,42 EUR e de 1.165.976,07 EUR, respetivamente, a seguir melhor identificados.
Requeridos esclarecimentos ao sujeito passivo, nomeadamente a remessa dos documentos necessários à validação da condição de elegibilidade previstas no artigo 22.º do CFI e demonstração de que os investimentos relevantes acima identificados enquadram-se numa das tipologias previstas na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro, a A... apresentou os extratos das contas correntes: 452221051 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO -IVA AUTOLIQUIDAÇÃO" e 452221052 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO - IVA NORMAL", dos quais constam os lançamentos referidos a saldar as respetivas contas por contrapartida das seguintes contas: 432104101 "PAV. IND. 410-PR.1; 432104102 "PAVIND.410-PR. 1-PROJ842", 432104202 "PAV.IND. 410-PR.2-PROJ842", 432104302 "PAVIND. 410-EXPEDIÇÃO-PROJ842", 43210602 "SISTEMA DESPOEIRAM.PR1-PROU842".
A conta de investimentos em curso 452221051 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO - IVA AUTOLIQUIDAÇÃO" regista diversos lançamentos contabilísticos com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, o qual mereceu a nossa melhor atenção:
i) Em 2015-12-31, a conta apresenta um saldo devedor acumulado no montante de 1.214.489,11 EUR;
ii) Em 2016-06-30, apresenta um saldo devedor acumulado no montante de 1.449.877,63 EUR, sendo que nessa mesma data a conta é creditada pelo montante de 689.284,42 EUR, através do lançamento contabilístico suprarreferido com o n.º 6000010;
iii) Em 2016-10-31, data imediatamente anterior ao lançamento contabilístico n.º 12000037 suprarreferido, a conta apresenta um saldo devedor acumulado de 785.054,20 EUR.
Por sua vez, a conta 452221052 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO -IVA NORMAL" também regista diversos lançamentos contabilísticos com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, da qual se destaca:
i) Em 2015-12-31, apresenta um saldo devedor acumulado no montante de 262.601,74 EUR;
ii) Em 2016-12-26, data imediatamente anterior ao lançamento contabilístico n.º 12000037 suprarreferido, a conta apresenta um saldo devedor acumulado de 380.921,87 EUR.
Ou seja, a A... procedeu no ano de 2016, à transferência de investimentos em curso de anos anteriores par3a ativos fixos tangíveis que não diziam respeito a adiantamentos e, considerou esses mesmos investimentos para efeitos de beneficio fiscal RFAI do ano de 2016.
De acordo com o n.º 5 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento "considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso".
Por sua vez, refere o n.º 6 do mesmo artigo que "para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos".
Pelo acima exposto, os investimentos relacionados com a transferência de investimentos em curso para ativos fixos tangíveis, desde que não digam respeito a adiantamentos, como é o caso em apreço, dos lançamentos contabilísticos relativos aos anos de 2014 e de 2015, que perfazem o montante total de 1.477.090,85 EUR a seguir discriminados:
i) Conta 452221051 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO -IVA AUTOLIQUIDAÇÃO", 1.214.489,11 EUR;
ii) Conta 452221052 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO -IVA NORMAL", 262.601,74 EUR;
não se consideram adições no ano de 2016, pelo que não podem beneficiar de RFAI, de acordo com os n.ºs 5 e 6, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
A conta 452221051 "PAVILHÃO INDUSTRIAL NOVO -IVA AUTOLIQUIDAÇÃO" acima referida, apresenta ainda, os registos contabilísticos identificados no quadro abaixo, com a data de 2016-01-27 e 2016-01-31 relativos a faturas de trabalhos de construção civil emitidas em 2015-12-31.
Assim, tais investimentos relacionados com adições de ativos ocorridas em 2015, no montante total de 10.896,23 EUR, não se consideram adições de ativos no ano de 2016, pelo que, também, não podem concorrer para a dotação de RFAI gerada no ano de 2016, de acordo com o art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
Painéis solares
Investimento relacionado com a aquisição e instalação de equipamentos fotovoltaicos, discriminados no quadro abaixo.
O que está em causa é um investimento relativo à aquisição e instalação de painéis fotovoltaicos, pelo que, o mesmo traduz-se numa aquisição isolada e, como tal, não pode ser considerado um investimento elegível para efeitos de RFAI em conformidade com a alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento (UE) n. 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, alínea a) do n.º 2 n.º 4, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
A aquisição e instalação de painéis fotovoltaicos, e como tal, um investimento realizado com o propósito de satisfazer parcialmente as necessidades energéticas da própria sociedade, através da produção de parte dessa energia que necessita, com recurso a uma fonte de energia limpa e renovável, não integra o conceito de "investimento inicial", uma vez que não se traduz na criação de um novo estabelecimento, num efetivo aumento da capacidade de produção instalada, na diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou numa alteração fundamental do processo global de produção de um estabelecimento existente.
Trata-se, sim, de um investimento relacionado com o aumento da eficiência energética, e como tal, corresponde a uma aquisição isolada, realizada com o propósito da satisfação parcial das necessidades energéticas do sujeito passivo.
Ainda que se possa considerar que o aumento do consumo de eletricidade possa estar relacionado com um aumento da produção, não se poderá considerar que esteja relacionado com um aumento da capacidade produtiva do estabelecimento, uma vez que não conduz a uma efetiva expansão da capacidade de produção instalada, mas tão somente, à obtenção de ganhos de eficiência, que permitirão a otimização do processo
produtivo, mas não incrementam os recursos produtivos propriamente ditos da entidade.
Ora, estando em causa investimentos com relevância direta nos gastos inerentes à exploração corrente de uma empresa, nomeadamente, no consumo de energia elétrica, quaisquer auxílios atribuídos com essa finalidade, não consubstanciam auxílios ao investimento, nos quais se insere o benefício fiscal RFAI, mas sim auxílios ao funcionamento, os quais, de acordo com a alínea p), do considerando 20 das OAR 2014-2020, se destinam a reduzir as despesas correntes da empresa.
Uma vez que os referidos investimentos estão integrados numa estratégia de racionalização do processo produtivo, os mesmos não contribuem, por si só, para um aumento efetivo da capacidade de produção instalada no estabelecimento. Na verdade, trata-se de um investimento que se propõe acrescentar eficiência e racionalização ao processo produtivo, e que eventualmente permitirá uma redução dos gastos associados ao consumo de energia elétrica.
Atendendo ao exposto, o investimento relacionado quer com a instalação, quer com a aquisição dos próprios equipamentos fotovoltaicos, destinados à produção de energia para autoconsumo, não pode beneficiar de RFAI, de acordo com a alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, alínea a) do n.º 2 e n.º 4, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
Acessórios de tecelagem
Da análise às faturas da A... relacionadas com as aplicações relevantes descritas no quadro supra, verifica-se que estas contêm a título exemplificativo as seguintes descrições:
i) "... Toothedbeltbonding unit220v..”.
ii) "...Kitinverter ...”.
iii) " ... Servo motors ...”.
iv) "...Conjunto 12 cabos ...";
v) "...Cylinder ...";
vi) "... Disparadores ...";
vii) "... Jacks ...".
O que está em causa, são aquisições relacionadas com acessórios de tecelagem, indispensáveis para a manutenção da fonte produtora. Os investimentos em questão estão expostos a grande desgaste, decorrente quer da produção intensa, quer das condições ambientais a que são expostos o que torna indispensável a sua substituição
No caso em análise, apesar da A... considerar a aquisição dos referidos acessórios como bens do ativo fixo tangível, é uma necessidade constante e fundamental para o fabrico dos seus produtos finais, sendo manifesto que os referidos investimentos, enquanto equipamentos básicos fundamentais e constantes ao processo de laboração normal da empresa, enquadram-se como investimento permanente na manutenção da
fonte produtora e não estão a contribuir para a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, não integrando consequentemente o conceito de "investimento inicial", alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento (UE) n. 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014 e alínea a) do n.º 2 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
A aquisição desses equipamentos não consubstancia um "investimento inicial". Consubstancia, sim, um investimento necessário que decorre do normal funcionamento de uma atividade de natureza industrial.
Os auxílios de Estado com finalidade regional não se destinam a financiaras necessidades de investimento para a realização da atividade de exploração corrente, não se destinam ao funcionamento das atividades pré-existentes, ainda que permitam ganhos de eficiência e/ou de produtividade, uma vez que não é a manutenção das atividades que promove o crescimento, o desenvolvimento sustentável e a criação de emprego, é o incremento dessas atividades ou a realização de atividades adicionais.
O conceito de "investimento inicial" tem que ter um carácter totalmente incremental, não podendo confundir-se com mera substituição, atualização ou complemento da capacidade existente (investimentos que teria sempre que fazer, devido a desgaste, obsolescência, etc.), ainda que permita ganhos de eficiência ou aumentos marginais de capacidade.
Aqueles investimentos, per si, não têm um impacto na criação de um novo estabelecimento, no aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, na diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou numa alteração fundamental do
processo de produção global de um estabelecimento existente.
Mesmo que se possa admitir que parte ou a totalidade do investimento possa contribuir para o aumento do número de unidades produzidas, pela maior operacionalidade do equipamento intervencionado, não se consegue
Vislumbrar de que modo aqueles investimentos contribuem para um aumento da capacidade produtiva, na aceção de expansão da atividade intrínseca ao efeito do incentivo, conceito distinto do aumento do número de unidades produzidas, o que pode ser alcançado sem alteração da capacidade produtiva instalada/disponível.
Tratando-se, antes sim, de um investimento inserido numa lógica de racionalização do processo produtivo e de substituição que não pode ser entendido como uma atividade adicional que contribui para o desenvolvimento de uma região. O aumento da capacidade de um estabelecimento existente tem que ter um carácter totalmente incremental, não podendo confundir-se com a mera substituição, atualização ou complemento da capacidade existente (investimentos que teria sempre que fazer devido a desgaste, obsolescência, etc.), ainda que permita ganhos de eficiência ou aumentos marginais de capacidade.
Este mesmo entendimento consta da nota de rodapé (30), para o qual remete o considerando 36 das OAR 2014-2020, "A obrigação de manter o investimento na região em causa por um período mínimo de cinco anos (três anos, no caso das PME) não deve impedir a substituição de instalações ou de equipamentos que se tenham tornado obsoletos ou se tenham avariado dentro desse prazo, desde que a atividade económica seja mantida na região em causa durante o período mínimo. Os auxílios com finalidade regional não podem, contudo, ser concedidos para substituir essas instalações ou equipamentos.".
O investimento de substituição permite apenas aumentos marginais de produção, enquanto que o investimento "inicial", dito de expansão, visa incrementar substancialmente a capacidade instalada, com potencial para o crescimento do negócio; sendo que, portanto, o que qualifica o investimento como "inicial", na modalidade de aumento da capacidade instalada, é este efeito, que, ocorrendo, não pode ser revertido por ter alguma relação com os equipamentos já existentes.
O RFAI pretende apenas incentivar o investimento novo e adicional que seja, simultaneamente:
1. Incremental, em relação ao investimento já existente,
2. incremental, em termos de capacidade instalada (tipologia indicada pelo sujeito passivo), e
3. incremental, ainda em termos de postos de trabalho criados.
Será ainda de referir, a este propósito, o ponto 62 das Orientações relativas aos Auxílios estatais com finalidade Regional para 2014-2020 (OAR), que esclarece que "Se o auxílio não alterar o comportamento do beneficiário incentivando investimentos (adicionais) na região em causa, pode considerar-se que o mesmo investimento teria sido nela realizado, mesmo na ausência do auxílio. Esse auxílio carece de efeito de incentivo para alcançar o objetivo regional e não pode ser aprovado como compatível com o mercado interno."
Ou seja, o incentivo não será compatível com o mercado interno quando se afigurar que um investimento idêntico teria sido efetuado na região ainda que o auxílio não tivesse sido concedido.
Consequentemente, o eventual aumento marginal da capacidade da empresa que resulte do "normal" investimento contínuo em ativos, quer substituindo os obsoletos, quer complementando os que existem, não pode caber na definição de investimento inicial, porque os apoios que daí poderiam advir seriam claramente incompatíveis com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Efetivamente, investimento inicial é precisamente o oposto de investimento de substituição, manutenção ou atualização.
De facto, enquanto que o investimento de manutenção se destina a reparar, conservar, substituir, atualizar, tornar mais eficiente, aumentar a produtividade (...) dos ativos existentes, sob pena de eliminação do mercado, um investimento inicial é um investimento adicional, de raiz, necessariamente distinto e incremental em relação ao
já existente, exigindo um conjunto suficiente de ativos que, de forma funcionalmente integrada e interrelacionada (entre si e não diretamente com a estrutura produtiva pré-existente), permita uma efetiva e significativa expansão da capacidade instalada, isto é, permita um "salto produtivo" que coloque a entidade num nível superior da sua capacidade produtiva instalada. (redimensionamento ou extensão da instalação produtiva).
Só assim se alcança um crescimento sustentável dirigido à COESÃO, que é o objetivo e condição dos auxílios regionais ao investimento.
Ou seja, a realização de um investimento inicial de aumento ou expansão da capacidade instalada não dispensa o investimento corrente na manutenção da capacidade pré-existente, sendo que, apenas o primeiro é elegível para efeitos do RFAI, impondo-se, por tal motivo a devida separação.
Assim, o investimento em ativos necessários à manutenção da exploração corrente do sujeito passivo, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art. 23.º do Código Fiscal do Investimento.
Soluções de segurança
A natureza destas aplicações não integra o conceito de "investimento inicial", considerado de uma forma global, nos termos da citada portaria. Na verdade, tratam-se sim, dos seguintes investimentos em prevenção e segurança: sistema de iluminação de emergência; sistema de controlo de acessos; sistema de segurança contra incêndios; sistema de gestão de circuito fechado de televisão (CCTV).
Os investimentos nos sistemas suprarreferidos, que, muito embora façam todo o sentido a sua instalação no âmbito da atividade que a A... exerce, fabricação de tecidos de malhas, e que deverá ser implementado em qualquer unidade produtiva, assumem a natureza de investimentos em prevenção e segurança.
As aquisições referidas não contribuem de forma direta para a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do
processo de produção global de um estabelecimento existente.
Assim, os referidos investimentos constituem uma aquisição isolada, não enquadrável no conceito de "investimento inicial" e não proporcionam a criação de postos de trabalho e, como tal, não poderão ser elegíveis para efeitos de RFAI, em conformidade com a alínea a) do ponto 49) do art.º 2. do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, alínea a) do n.º2 e n.º 4, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
Estas aplicações ocorrem apenas por motivos de prevenção e segurança no trabalho, pelo que não podem ser elegíveis no âmbito de um auxílio de Estado com finalidade regional (RFAI) direcionado para tal desiderato.
Equipamento informático
Equipamento de áudio e som e de água quente sanitária
Sinalética interior e exterior/Painéis
As aquisições suprarreferidas não integram o conceito de "investimento inicial", considerado de uma forma global, nos termos da alínea a) do ponto 49) do art. 2. do Regulamento (UE) n. 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014. Na verdade, tratam-se dos seguintes investimentos:
i) Investimento em equipamentos informáticos, nomeadamente: computadores; monitores; impressoras; relógio de ponto; servidor; discos; "tablet"; "docking station"; interface de rede para impressoras;
ii) Investimento numa solução de áudio e som;
iii) Investimento num equipamento de água quente sanitária;
iv) Sinalética interior e exterior/Painéis.
Mais uma vez, as aquisições referidas não contribuem de forma direta para qualquer uma das tipologias previstas na alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, pelo que os referidos investimentos constituem uma aquisição isolada, não enquadrável no conceito de "investimento inicial" e não proporcionam a criação de postos de trabalho e, como tal, não poderão ser elegíveis para efeitos de RFAI, em conformidade com a alínea a) do ponto 49) do art. 2. do Regulamento citado, alínea a) do n.º2 e n.º 4, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
Trabalhos de construção civil
Em conformidade com o art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento, consideram-se aplicações relevantes, para efeitos de cálculo dos benefícios fiscais, as despesas associadas aos projetos de investimento e relativas a ativos fixos tangíveis afetos à realização do projeto, não excecionadas nas subalíneas i) a vi) da alínea a) do n.º 2 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento. O investimento em edifícios e outras construções é afastado por força do disposto na subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do referido art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento, pelo que fica salvaguardado o investimento em edifícios que forem instalações fabris, ou que estejam afetos a determinadas atividades, como sejam atividades turísticas, atividades de produção audiovisual ou atividades administrativas, desde que, nestes casos, a atividade exercida pela empresa se confina às mesmas.
Da análise dos elementos que integram o processo de documentação fiscal, designadamente a descrição do investimento e identificação da data e custo de aquisição de todas as aplicações relevantes, faturas e orçamentos, verifica-se que, relativamente aos serviços de construção civil descritos no quadro acima, estes referem-se, designadamente a:
i) Obras em casa de banho;
ii) Fornecimento e instalação de estrutura para esplanada da sala de convívio;
iii) Fornecimento de caixilharia e estores em prédio sito na Praça ..., ...-... Póvoa de Varzim;
iv) Construção de muros;
v) Execução de serviços de retroescavadora/giratória;
vi) Obras de reparação;
vii) Obras no exterior-jardim;
Por conseguinte, as obras em causa não assumem a natureza de aplicações relevantes para efeitos do benefício RFAI, uma vez que não estão relacionados com edifícios que constituam instalações fabris.
Por sua vez, de acordo com n.º 5 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento, considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso, pelo que, apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", excluindo, portanto, os investimentos de reparação/remodelação em apreço, nos termos igualmente já descritos para os investimentos em "Acessórios de tecelagem".
Resumo das correções ao RFAI de 2016
Considerando os motivos expostos, o valor correspondente aos investimentos referidos, os quais totalizam 1.749.862,60 EUR, não é elegível para efeitos de aplicação do RFAI, pelo que, uma vez que o sujeito passivo ainda não utilizou a totalidade da dotação gerada em 2016, a correção no montante de 437.465,65 EUR, correspondente à aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii) da alínea a) do n. 1 do art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, ao valor das aplicações a desconsiderar, será concretizada pela redução do valor declarado do "Saldo não deduzido no período anterior" no montante de 437.465,65 EUR, pela redução do valor declarado da "Dedução do período" no montante de 38.333,20 EUR, e pela desconsideração integral do valor declarado do "Saldo que transita para o período seguinte" no montante de 399.132,45 EUR.
B) RFAI 2017
Como acima referido, com o objetivo de validar os pressupostos suprarreferidos, solicitou-se ao sujeito passivo, para efeitos de controlo de benefícios fiscais, no âmbito do presente procedimento de inspeção, os elementos previstos nos n.ºs 1 e2 do art. 25.º do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31 de outubro, e do previsto no art. 7.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
Relativamente às aplicações relevantes, a A... veio identificar a conta SNC, a data de aquisição, o n.º da fatura, a descrição do investimento, o respetivo valor e crédito fiscal, para efeitos do benefício RFAI, que ascendem ao montante total de 350.369,45 EUR, o que corresponde a uma dotação potencial de 87.592,36 EUR, decorrente da aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 do art.º 23.º Código Fiscal do Investimento, ao valor das aplicações.
Contudo, o sujeito passivo inscreveu no campo 714 Dotação do período, do quadro 074 REGIME FISCAL DE APOIO AO INVESTIMENTO, da Modelo 22, do ano de 2017, apenas o montante de 44.143,40 EUR.
Atendendo ao exposto, verifica-se que a A... considerou para efeitos de cálculo da dotação do período uma taxa correspondente a 12,60% do valor de aquisição das aplicações relevantes (44.143,40 EUR / 350.369,45 EUR).
Acessórios de tecelagem
(...)
Atendendo à fundamentação expressa no item, Acessórios de tecelagem, do ponto A) RFAI 2016, do presente capítulo, a aquisição das aplicações relevantes suprarreferidas, Quadro XXXIII, necessárias à exploração corrente do sujeito passivo, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art. 23.º do Código Fiscal do Investimento.
Equipamento informático
Equipamento de climatização
Mobiliário
Atendendo à fundamentação expressa nos itens, Equipamento informático, Equipamento de áudio e som e de água quente sanitária e Sinalética interior e exterior/Painéis, todos do ponto A) RFAI 2016, do presente capítulo, as aquisições suprarreferidas, Quadros XXXIV a XXXVI, não contribuem de forma direta para qualquer uma das tipologias previstas na alínea a) do ponto 49) do art.º 2.0 do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, pelo que os referidos investimentos constituem uma aquisição isolada, não enquadrável no conceito de "investimento inicial" e não proporcionam a criação de postos de trabalho e, como tal, não poderão ser elegíveis para efeitos de RFAI, em conformidade com a alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento citado, alínea a) do n.º 2 e n.º 4, do art.º 22.0 do Código Fiscal do Investimento.
Trabalhos de construção civil
Atendendo à fundamentação expressa no item, Trabalhos de construção civil, do ponto A) RFAI 2016, do presente capítulo, a aquisição das aplicações relevantes suprarreferidas, Quadro XXXVII, referem-se, designadamente a:
i) Aquisição e colocação de apainelados, piso flutuante, armários, secretárias, estantes;
ii) Obras de remodelação/reparação;
iii) Obras relacionadas com a remodelação de interiores em áreas não industrias e o seu acompanhamento, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art.º 23. do Código Fiscal do Investimento.
Resumo das correções ao RFAI de 2017
Considerando os motivos expostos, o valor correspondente aos investimentos referidos, os quais totalizam 216.540,07 EUR, não é elegível para efeitos de aplicação do RFAI, pelo que, uma vez que o sujeito passivo ainda não utilizou a totalidade da dotação gerada em 2017, a correção no montante de 27.284,05 EUR, correspondente à aplicação da taxa de 12,60%, de acordo com a taxa que sujeito passivo considerou para efeitos de cálculo da dotação do período, ao valor das aplicações a desconsiderar, será concretizada por via da redução do valor declarado do "Saldo não deduzido no período anterior" e da "Dedução do período" no montante de 27.284,05 EUR.
C) RFAI 2018
Acessórios de tecelagem
Atendendo à fundamentação expressa no item, Acessórios de tecelagem, do ponto A) RFAI 2016, do presente capítulo, a aquisição das aplicações relevantes suprarreferidas, Quadro XXXIX, necessárias à exploração corrente do sujeito passivo, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento.
Resumo das correções ao RFAI de 2018
Considerando os motivos expostos, o valor correspondente aos investimentos referidos, os quais totalizam 136.359,65 EUR, não é elegível para efeitos de aplicação do RFAI, pelo que, uma vez que o sujeito passivo ainda não utilizou a totalidade da dotação gerada em 2018, a correção no montante de 34.089,91 EUR, correspondente à aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii) da alínea a) do n. 1 do art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, ao valor das aplicações a desconsiderar, será concretizada por via da redução do valor declarado do "Saldo não deduzido no período anterior" no montante de 34.089,91 EUR, da redução do valor declarado da "Dedução do período" no montante de 22.368,22 EUR e, da desconsideração integral do valor declarado do "Saldo que transita para período seguinte", no montante de 11.721,69 EUR.
D) RFAI 2019
Por tudo o que acima foi exposto no capítulo V.1.1. Criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto do investimento, a dotação do RFAI do ano de 2019, no montante de 124.016, 12 EUR, relacionada com as aquisições reconhecidas nas subcontas de ativos fixos tangível, não é aceite fiscalmente, contudo, na hipótese que se coloca por mero exercício de raciocínio, que a dotação seria fiscalmente aceite, as aplicações relevantes a seguir identificadas, não cumpririam com os critérios de elegibilidade para efeitos de RFAI.
Acessórios de tecelagem
Atendendo à fundamentação expressa no item, Acessórios de tecelagem, do ponto A) RFAI 2016, do presente capítulo, a aquisição das aplicações relevantes suprarreferidas, Quadro XLI, necessárias à exploração corrente do sujeito passivo, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderia ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, o que implicaria a correção no montante de 4.295,30 EUR, correspondente à aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 do art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, ao valor das aplicações a desconsiderar, caso não fosse de corrigir a totalidade da dotação de 2019 por incumprimento da condição de Criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto do investimento (Capítulo V.1.1.).
V.2. Imparidade
No período em análise, a A... considerou gastos associados a créditos em mora, na subconta "653 Perdas por imparidade em dívidas a receber, no valor de 16.133,00 EUR (correspondente a 100% do crédito), relacionados com um crédito sobre a sociedade B..., LDA, melhor identificado no quadro seguinte.
Consideram-se gastos ou perdas os que comprovadamente forem incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.
Nos termos do art. 28.º-A do Código do IRC podem ser deduzidos para efeitos fiscais as perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, relacionadas com créditos decorrentes da atividade normal, que no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
O art. 28.º-B do Código do IRC vem definir, os casos em que os riscos de incobrabilidade dos créditos de cobrança duvidosa se consideram devidamente justificados, para efeitos de determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º. 1 do art.º 28.º-A do Código do IRC.
Todo o regime fiscal das imparidades relacionadas com cobranças duvidosas assenta numa grande rigidez estrutural, de forma a reduzir o grau de indeterminação e a possibilidade de manipulação do resultado fiscal.
Para efeitos fiscais o que é relevante é o facto objetivo que determina o risco de incobrabilidade, que o art.º 28.º-B bem define.
Assim,
As imparidades relacionadas com créditos de cobrança duvidosa, previstas nos termos do art.º 28.-A, n.º 1, alínea a) do CIRC, devem ser consideradas para efeitos fiscais no período em que de acordo com as alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art.º28.º-B do Código do IRC, o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado.
Ou seja, as perdas por imparidade cujo credor tenha efetuado diligências para o seu recebimento, em períodos anteriores, não podem ser consideradas para efeitos fiscais em períodos posteriores, atento ao princípio de especialização do exercício previsto no art.º 18.º do Código IRC.
E o credor, já havia efetuado diligências para o seu recebimento, em 2018, como demonstra a correspondência remetida pela sociedade C..., S.A. ...- SUCURSAL EM PORTUGAL para a A... , datada de 15 de junho de 2018.
O Código do IRC ao definir critérios objetivos de constituição ou reforço das imparidades fiscalmente dedutíveis, bem como os respetivos limites, conforme os art.ºs 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC, e ao adotar o principio de especialização do exercício previsto no art.º 18.º do mesmo código, vem considerar que a constituição das imparidades para efeitos fiscais tem um carácter obrigatório.
Este princípio constitui uma barreira à adoção de comportamentos arbitrários na definição do momento de reconhecer as componentes positivas e negativas do rendimento, não sendo, por isso, passível de derrogação, havendo, pois, a necessidade acrescida de o sujeito passivo demonstrara quantificação da imparidade imputada especificamente ao período em apreciação.
Por sua vez, as imparidades relacionadas com créditos que estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, apenas podem ser deduzidas para efeitos fiscais atendendo aos limites previstos no n.º 2 do art.º 28.º-B.
E no caso concreto, de um crédito em mora há menos de 23 meses aplica-se, para efeitos do montante anual acumulado de perda por imparidade a alínea c) do n.º 2 do art. 28.º-B do Código do IRC "75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses".
Atendendo ao exposto, propõe-se uma correção positiva ao lucro tributável, nos termos dos art.ºs 18.º, 28.-A e 28.º-B, do Código do IRC:
I)No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR * 25%), calculado nos termos legalmente previstos na alínea c), do n.º 2 do artigo 28.º-B do Código do IRC, e que respeita a um gasto que se reporta ao ano de 2018, pelo que, atento o princípio da periodização do lucro tributável, constante no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC e não estando em causa um gasto imprevisível ou manifestamente desconhecido, o mesmo não é aceite fiscalmente no ano de 2019;
ii) No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR * 25%), uma vez que, à data de 31 de dezembro de 2019, o crédito estava em mora há mais de 18 meses e até 24 meses, pelo que foi calculado um excesso de imparidade (100%-75%), nos termos previstos no n.º 3 do artigo 28.º-B do Código do IR.
V.3. Tributação autónoma, encargos com viaturas ligeiras de passageiros
O sujeito passivo reconheceu os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros e as despesas de representação, sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10% de acordo o disposto nos n.ºs 3 e 7 do art.º 88.º do Código do IRC, sem, contudo, considerar qualquer valor a título de tributações autónomas, campo 365 do quadro 10 - Cálculo do imposto, na declaração de rendimentos, Modelo 22, identificados no quadro abaixo.
Atendendo ao supra exposto e demonstrado, a tributação autónoma em falta, nos termos dos n.ºs 3 e 7 do art. 88.º do Código do IRC, ascende ao montante de 3.002,53 EUR.
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IRC n.º 2024 ... e de juros compensatórios n.º 2024 ..., bem como a respectiva demonstração de acerto de contas, de que resultou um valor a pagar de € 105.566,54 (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A Ordem de Serviço 012023..., em que se baseou a inspecção, foi notificada a D..., em 18-07-2024, na qualidade de Administrador da Requerente;
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O Relatório da Inspecção Tributária foi elaborado em 30-01-2024;
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A liquidação foi emitida com a data de 07-02-2024 e demonstração de acerto de contas de 08-07-2024, e refere-se na sua notificação que «a presente notificação considera-se efetuada no décimo quinto (15.º) dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização»;
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No ano de 2022, a Requerente viu-se privada de 17 dos seus colaboradores, 13 dos quais denunciaram os seus contratos de trabalho (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Três desses 17 trabalhadores regressaram e no ano de 2022 a Requerente conseguiu contratar 8 novos colaboradores, mas não tendo conseguido recrutar mais, como pretendia, devido a escassez de mão-de-obra no sector de actividade da Requerente (declarações de parte de D...);
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A Requerente não extinguiu os postos de trabalho dos trabalhadores que saíram procurando contratar trabalhadores para os substituírem (declarações de parte de D...);
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Entre Abril e Dezembro de 2022 a Requerente fez vários contactos com o centro de emprego de ... com vista à contratação de novos efetivos, porém, ninguém respondia às ofertas disponibilizadas pela Requerente (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e declarações de parte de D...);
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Foi constituída em 2002 sob a natureza de sociedade de quotas com a firma “E..., Lda.” tendo, em 02.05.2016, sido convertida em sociedade anónima e alterado a sua denominação para “A..., S.A.” (declarações de parte de D...);
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A A... dedica-se à fabricação de malhas para a indústria têxtil de vestuário (declarações de parte de D...);
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A atividade da Requerente, até 2013, era centrada na produção e venda de malha produzida em teares circulares, tendo, até então, como principais clientes empresas nacionais que se dedicavam à confeção, mas que exportam 100% das suas produções (declarações de parte de D...);
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A A... iniciou a sua laboração num pavilhão arrendado, centrando no mesmo espaço as secções de produção, armazém de matérias-primas e armazém de produtos/expedição e actualmente encontra-se instalada em três pavilhões industriais sitos no concelho de Guimarães (declarações de parte de D...);
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Em 2014, a A... iniciou um novo projeto com vista à diversificação dos seus produtos, à alteração do processo global de produção e ao aumento da sua capacidade produtiva e da qualidade do produto, passando a produzir malhas complexas para serem vendidas e comercializadas por prestigiadas marcas internacionais (declarações de parte de D...);
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A A... limitava-se, até então, à produção de malhas simples, básicas e generalistas – a comummente designada “malha em cru” (declarações de parte de D...);
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Apostando na inovação e qualidade dos seus produtos, a A... implementou um plano estratégico e de investimento, tendo como objetivo primordial não só passar a produzir malhas mais complexas e diferenciadas, mas também modernizar, melhorar e sectorizar as suas instalações por forma a otimizar procedimentos com vista ao aumento das suas produções e à qualificação do produto final e tendo em conta a diversificação dos seus clientes (declarações de parte de D...);
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A Requerente pretendeu qualificar-se com mecanismos e processos que possibilitassem um crescimento internacional sustentado, tendo como principais objetivos, aumentar as vendas, a internacionalização, produzir tendo em conta a proteção do ambiente, contratar trabalhadores qualificados, acrescentar valor aos produtos, obter novos clientes, adquirir novos equipamentos, produzir novos produtos, adoptar novo marketing, criar malhas novas, mais exigentes, de forma a satisfazer o que os mercados mais sofisticados estavam a procura (declarações de parte de D...);
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O projecto da Requerente permitiu-lhe atingir um nível de excelência, concretizando a diferenciação dos produtos, de maior valor acrescentado, que se refletiu num crescimento gradual e sustentado do volume de negócios e das quantidades produzidas (declarações de parte de D...);
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O plano de investimento iniciado pela A... em 2014, incluiu a aquisição de teares tecnologicamente avançados, com vista a produzir malhas de elevada complexidade, com redução do tempo de confeção e aumento a produção, que passou de cerca de 11,6 milhões de euros em 2014, para cerca de 16,2 milhões de euros em 2019 (declarações de parte de D... e documentos n.ºs 12 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A Requerente construiu um terceiro e novo pavilhão destinado a armazém/ de produtos acabados /expedição de produto acabado com zona de carregamento rápido de camiões (declarações de parte de D...);
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Os dois pavilhões existentes em 2014, tiveram de ser adaptados, quer através da remodelação do interior, quer através da implementação de infraestruturas elétricas, de ar comprimido e de segurança, bem como a criação de divisórias entre máquinas para contenção de partículas como forma de evitar a contaminação cruzada que afecta a produção (declarações de parte de D...);
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O projecto da Requerente incluiu a implementação de um sofisticado sistema de humidificação e aspiração do ar destinado a reduzir o nível de contaminação das malhas produzidas e, assim, melhorar a qualidade dos produtos, reduzir a quebra de fio e, consequente, as paragens do tear (declarações de parte de D...);
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A Requerente implementou nas suas instalações, uma solução informatizada integrada de gestão de custos e de planeamento da produção, bem como de um sistema de monitorização dos teares interligado com o sistema de pesagem para controlo quer da produtividade das máquinas, quer para controlo das quantidades consumidas e produzidas, através da informação fornecida por tablets que passaram as estar associados a cada tear, com utilização de software adequado (declarações de parte de D... e depoimento de declarações de parte de D... e depoimentos de F... e de G...);
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A informação produzida com os tablets e, em geral, com o software permite saber quanto cada tear está a produzir que quanta matéria prima se vai gastando, permitindo controlar os stocks e é necessária porque em vez de 20 teares produzindo com o mesmo tipo de fio que tinha em 2014, a Requerente com o novo projecto passou a ter 40 teares que utilizam 100 fios diferentes (depoimento de F...);
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O projecto da Requerente de obter produtos de alta qualidade, destinados a mercado de luxo, tornou necessário a criação de um laboratório e aquisição de respetivo equipamento, com o fim de desenvolver novos produtos e testar a sua qualidade (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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A Requerente iniciou as obras de construção do novo pavilhão em 2014;
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Ainda no ano de 2014, a Requerente iniciou a remodelação dos outros dois pavilhões, incluindo infraestruturas elétricas e de ar comprimido e de segurança (necessárias à implementação do sistema de humidificação e aspiração do ar), bem como à construção de divisórias entre máquinas para contenção de partículas como forma de evitar a contaminação cruzada (declarações de parte de D...);
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Em Março de 2015, a Requerente constatou que a estrutura construída relativamente ao novo pavilhão enfermava de defeitos susceptíveis de afectarem a sua sustentabilidade, pelo que as obras foram paradas (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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Só em 2016 é que os engenheiros solucionaram o problema tendo sido retomadas as obras tendentes à conclusão do novo pavilhão e a Requerente obteve a certeza de que iria concretizar o projecto (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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Por causa da incerteza quanto à viabilidade da estrutura do novo pavilhão e pelo facto do projeto PT2020 a que se tinha submetido apenas ter sido aceite em novembro de 2015, todo o projeto de investimento e modernização da A... ficou suspenso (dos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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Foi por causa dessa suspensão e a incerteza sobre a possibilidade de concretizar o projecto que as despesas com a construção do novo pavilhão e remodelação/requalificação dos existentes e, bem assim, as despesas com a implementação do sistema de humidificação e aspiração do ar, foram contabilisticamente lançadas na conta 45 (investimento em curso) e não lançadas como activo tangível (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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Até à solução apresentada para o novo pavilhão, em 2016, a Requerente não sabia se todo o investimento até então realizado podia ser aproveitado para o fim que visava e só nesse ano pôde concluir que tinha um novo activo (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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A Requerente instaurou contra o escritório de arquitetura e contra o arquiteto e o fiscal de obra ação declarativa de condenação e no âmbito da qual as partes transigiram, tendo o arquiteto reconhecido a sua responsabilidade e indemnizado a A... (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A despesa integrada no RFAI de 2016 e relacionada com o “fornecimento de caixilharia e estores do prédio sito na praça ..., ... -..., Póvoa do Varzim”., no valor de € 4.915,40, não têm relação com o projecto de investimento da Requerente (artigos 223.º a 225.º do pedido de pronúncia arbitral)
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As restantes despesas relativas a obras não aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de RFAI, referem-se a obras de adaptação das instalações da Requerente e construção do novo pavilhão (declarações de parte de D...);
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O equipamento de água quente sanitária e de sinalética interior e exterior, bem como o equipamento de climatização e mobiliário são equipamentos destinados à laboração do novo pavilhão de armazenamento de produtos acabados / expedição construído pela Requerente (declarações de parte de D...);
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As despesas com água quente e sinalética são despesas com higiene e segurança no trabalho necessários para obtenção de licença de utilização do novo pavilhão e para a Requerente ser certificada pelos seus clientes (declarações de parte de D...);
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O equipamento informático e de áudio está relacionado a informatização para controlar a actividade dos teares (depoimento de G...);
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O sistema de ar condicionado aspira o lixo e liberta vapor de água para aos fios dos teares correrem melhor e partirem menos (depoimento de G...);
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O fio húmido liberta menos partículas e as que liberta caem ao chão (depoimento de G...);
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Com o ar condicionado e um sistema de humidificação a Requerente consegue manter a temperatura para o fio dos cones dos teares entre 20 e 30 graus o que é importante para a produção (declarações de parte de D...);
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Quando está muito calor, os teares não produzem da mesma forma, perdendo grande quantidade de fio (declarações de parte de D...);
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Os sistemas de iluminação de emergência, de controlo de acessos e de segurança contra incêndios foram necessários para a Requerente obter licença de utilização (depoimento de F...);
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Para além da redução dos custos de energia a que está associada a instalações de painéis fotovoltaicos, este investimento visou dotar a A... de uma maior eficiência energética e sustentabilidade e, com isso, a aprovação e uma melhor cotação nas auditorias a que é submetida pelos seus clientes de prestígio, que lhe fazem auditorias para controlar se satisfaz as suas preocupações ambientais, questionado, inclusivamente quanto eletricidade a Requerente vende e considerando facto positivo a maior venda (declarações de parte de D... e depoimento de F... e documentos n.ºs 9 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Esses clientes de prestígio para quem a Requerente produz são os indicados no documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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As políticas ambientais e de sustentabilidade são muitíssimo valorizadas pelos indicados operadores com prestígio nos mercados internacionais para quem, a Requerente pretende produzir, sendo não só um elemento diferenciador dos demais concorrentes de mercado, como uma porta de acesso a novos mercados (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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O projecto da Requerente implicou a adaptação dos teares existentes com vista a integrá-los no novo sistema de produção da Requerente (declarações de parte de D... e depoimento de F...);
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Os teares circulares da Requerente têm como componentes fundamentais a carcaça que é a estrutura metálica que envolve o cilindro, equipamento elétrico e o cilindro (depoimento de F...);
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Destes três componentes, a parte electrónica pode ser substituída e o cilindro pode ser adquirido separadamente e substituído funcionando na mesma carcaça (depoimento de F...);
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O cilindro muda o tipo de malha, permitindo que o tear antigo passe a produzir novos produtos (depoimento de F...);
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Um cilindro novo tem o efeito que teria um tear novo (depoimento de F...);
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A Requerente não gastava dinheiro com a aquisição de novos teares quando podia adaptar os anteriores, para produzir os novos tipos de malha que pretendia obter (depoimento de F...);
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Em 13-11-2017 a Requerente emitiu à B..., LDA. a fatura n.º 2017A13/1076, com vencimento em 28-02-2018, no valor € 62.639,60 (RIT);
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Tendo dificuldade em cobrar a quantia respeitante àquela factura, a Requerente, em 2018, accionou o seguro de crédito de que dispunha (depoimento de F... e documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 22-02-2019 e 11-03-2019, a seguradora deu por concluídas as suas diligências de cobrança do crédito e indemnizou a Requerente do montante de € 24.750,00 (€ 19.800 + € 4.950,00) (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência da informação da seguradora, a Requerente reconheceu a imparidade, em 2019;
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A imparidade foi revertida em 2020 e 2021, quanto aos valores indicados nos documentos que constam do documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 27-03-2024, a Requerente pagou as quantias liquidadas no valor de € 105.566,54 (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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Em 25-06-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.1.1. Não se apurou exactamente que tipo de mobiliário foi considerado pela Requerente para efeitos do RFAI de 2017, apenas constando do RIT a transcrição das designações dadas pela Requerente, que são de material de escritório e estantes.
2.1.2. Não se provou que a Requerente tivesse qualquer vantagem em ter deixado de reconhecer imparidade em 2018, nem que a omissão do seu reconhecimento nesse ano seja uma omissão voluntária ou intencional.
Na verdade, isso nem sequer é aventado no RIT nem no presente processo.
2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo, bem como, nos pontos indicados com base nas declarações de parte e depoimentos das testemunhas.
O declarante e as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nas suas afirmações.
O declarante D... foi fundador da Requerente em 2002 (como sociedade por quotas) e é administrador desde 2014 (como sociedade anónima).
A testemunha F... trabalha na Requerente desde 2005 e é diretor geral desde há cerca de 3 anos.
A testemunha G... trabalha na Requerente há cerca de 20 anos e é director de produção.
A testemunha H... é contabilista da Requerente desde 2008.
3. Matéria de direito
Resulta da prova produzida que a actividade da Requerente, até 2013, era centrada na produção e venda de malhas simples, básicas e generalistas – a comummente designada “malha em cru” – produzida em teares circulares, tendo, até então, como principais clientes empresas nacionais que se dedicavam à confeção, mas que exportam 100% das suas produções.
Em 2014, a Requerente iniciou um novo projeto com vista à diversificação dos seus produtos, à alteração do processo global de produção e ao aumento da sua capacidade produtiva e da qualidade do produto passando a produzir malhas complexas e diferenciadas para serem vendidas e comercializadas por prestigiadas marcas internacionais.
Para atingir esse objectivo a Requerente modernizou, melhorou e sectorizou as suas instalações, construindo um terceiro pavilhão e remodelando os outros dois de que dispunha, por forma a optimizar procedimentos com vista ao aumento as suas produções e à qualificação do produto final e tendo em conta a diversificação dos seus clientes.
O projecto da Requerente permitiu-lhe atingir um nível de excelência, concretizando a diferenciação dos produtos, de maior valor acrescentado, que se refletiu num crescimento gradual e sustentado do volume de negócios e das quantidades produzidas.
Numa inspecção à Requerente, a AT efectuou várias correcções relativas a investimentos que beneficiaram do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) (€ 622.855,73), a uma imparidade (€ 8.066,50) e a tributação autónoma (€ 3.002,53), emitindo uma liquidação adicional de IRC e juros compensatórios com base nessas correcções.
No presente processo, a Requerente apenas impugna correcções relativas ao RFAI e imparidades.
A Requerente imputa às liquidações de IRC e juros compensatórios vícios
– de caducidade o direito de liquidação;
– falta de cumprimento de formalidades legais na acção inspectiva;
– ilegalidade das correcções efectuadas relativamente ao RFAI;
– ilegalidade da correcção relativa a imparidade.
3.1. Caducidade do direito de liquidação
O prazo geral de caducidade do direito de liquidação é de quatro anos, contando-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).
Nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, «o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção».
O procedimento de inspeção iniciou-se em 18-07-2023, com a assinatura da Ordem de Serviço por D..., NIF..., na qualidade de Administrador do sujeito passivo, e o RIT foi elaborado em 30-01-2024, terminando nesta data a inspecção.
A liquidação de IRC reporta-se ao período de 2019 e foi emitida em 07-02-2014 e considera-se notificada em 26-02-2024.
A Requerente defende que a inspecção estendeu-se por mais de 6 meses, pelo que não releva a suspensão do prazo de caducidade, à face do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o prazo da inspecção se suspendeu durante o mês de Agosto de 2023, por força do disposto no artigo 57.º-A, n.º 3, da LGT.
Abrangendo a inspecção tributária o mês de Agosto, o prazo de seis meses suspende-se com o início desse mês, só voltando a contar-se partir do início do mês de Setembro, o que se reconduz a o prazo da inspecção, nesse caso, ser de sete meses, para além de se estar perante um benefício fiscal de natureza condicionada, pelo que se suspende o prazo de caducidade nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT.
A norma do artigo 46.º n.º 1, da LGT, em, que se prevê que os efeitos da suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação decorrentes do início da inspecção cessam se esta ultrapassar seis meses, tem de ser conjugada com a do n.º 3 do artigo 57.º-A da LGT, do que resulta que o mês de Agosto não conta para efeitos deste prazo de seis meses.
Assim, neste caso, a inspecção iniciada em 18-07-2023 podia prolongar-se até 18-02-2024 (sete meses).
Como o RIT foi elaborado em 30-01-2024, tem de se concluir, considerando o período em que o prazo da inspecção esteve suspenso, que não foi excedido prazo de seis meses previsto no artigo 46.º, n.º 1, da LGT.
Assim, relevando para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação o período de suspensão, conclui.se que a notificação da liquidação em 26-0-202024 foi realizada dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quando a esta questão.
3.2. Falta de cumprimento de formalidades legais
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– para que haja lugar à inspeção, necessário se torna que haja fundamento que justifique a seleção do contribuinte para o efeito;
– a AT não alega a forma como a inspeção teve origem, e não esclarece ou explicita qual o fundamento da inspeção;
– omitido o teor da decisão que fundamenta a presente inspeção e, bem assim, os fundamentos concretos da inspeção e que conduziram à seleção da Requente como entidade inspecionada, a AT, para além de violar os princípios basilares e orientadores de todo o procedimento, impossibilita os sujeitos passivos do pleno exercício do seu direito de defesa (princípio do contraditório).
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o RIT tem toda a fundamentação necessária para a Requerente ter assegurados os seus direitos de defesa.
No RIT refere-se que «O procedimento inspetivo é de origem central, Controlo dos sujeitos passivos com RFAI – 2019», o que permite concluir que a inspecção foi realizada porque foi determinado centralmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o controlo da generalidade dos sujeitos passivos com RFAI – 2019 e a Requerente é um dos sujeitos passivos que se encontram nessas condições.
Desta informação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, que foi notificado à Requerente, percebe-se que a decisão de inspeccionar a Requerente quanto ao RFAI não foi de natureza individual, baseada em pressupostos atinentes especificamente à Requerente, mas sim de natureza genérica, abrangendo a generalidade dos sujeitos passivos que se encontram nessas condições.
E, esse controle generalizado dos contribuintes que usufruíram do RFAI , sintoniza-se com os objectivos gerais da inspecção tributária definidos na alínea h) do n.º 2 do artigo 2.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
Por outro lado, o Plano Nacional de Atividades da Inspeção Tributária e Aduaneira (PNAITA) tem carácter reservado nos termos do artigo 26.º do RCPITA pelo que não tem de ser feita qualquer notificação do mesmo dirigida aos sujeitos passivos a inspeccionar, nomeadamente no âmbito do procedimento de inspecção.
Para além disso, não se vislumbra como a falta de comunicação dos critérios de selecção possa afectar negativamente o direito de defesa da Requerente em relação às correcções efectuadas, que foram as que se repercutiram na liquidação impugnada.
Pelo exposto, não houve no procedimento de inspecção omissão de qualquer formalidade que nele tivesse de ser cumprida e com potencialidade de influenciar o sentido da decisão final e só se isso sucedesse se justificaria a anulação da decisão do procedimento.
Improcede, assim, este vício e preterição de formalidades legais.
3.1. RFAI
3.1.1. Correcção baseada no regime da criação de postos de trabalho
A inspecção tributária entendeu o seguinte, em suma, sobre os requisitos do RFAI relativos à criação de postos de trabalho:
– na alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º do Código Fiscal ao Investimento, segundo a qual os investimentos relevantes têm de proporcionar a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c);
– nos termos de uma Informação Vinculativa apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho” a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo;
– tem de haver real criação de emprego aferida no seu todo, ou seja, os postos de trabalho especificamente criados pelo investimento têm que garantir o aumento líquido do número de trabalhadores ao serviço da empresa (nível de empregabilidade);
– quanto à manutenção dos postos de trabalho, os sujeitos passivos têm de "manter os postos de trabalho criados nos termos anteriormente referidos", ou seja, quando "à data de 31 de dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes";
– «a sociedade A... nos anos de 2016, 2017, 2018 e de 2019, conseguiu demonstrar o nexo de causalidade entre o investimento o(s) posto(s) de trabalho criados, com recurso a contrato(s) de trabalho sem termo»;
– «a sociedade A... nos anos de 2016 2019, conseguiu, demonstrar, a manutenção do(s) posto(s) de trabalho criado(s) pelo período definido na alínea c) do n.º 4 do artigo 22º do Código Fiscal ao Investimento»;
– relativamente ao requisito de «um número superior de trabalhadores face à média dos doze meses anteriores ao inicio do investimento [média do n.º de trabalhadores dos meses de janeiro do ano (n-1) a dezembro do ano», a Requerente cumpriu a condição quanto aos anos de 2016, 2017 e 2018, mas não quanto ao ano de 2019, pois «o número total de trabalhadores ao serviço da A... à data de 31 de dezembro de 2020 (78), 2021 (78) e 2022 (72), não regista um incremento (acréscimo de pelo menos um posto de trabalho) em relação à média do número total de trabalhadores dos doze meses precedentes ao início do investimento (77,83)»;
– por isso, «a dotação do RFAI de 2019, no montante de 124.016,12 EUR, não é aceite fiscalmente, pelo que a correção será concretizada através da desconsideração integral do valor declarado como "Dotação do período" e do "Saldo que transita para o período seguinte"».
A Requerente defende o seguinte, em suma, sobre esta correcção:
– nem a letra nem a ratio legis do artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do Código Fiscal do Investimento (CFI) autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego;
– apenas é exigido que tenham sido efetivamente criados postos de trabalho em resultado do investimento inicial realizado e eles sejam mantidos pelo período legal previsto;
– as orientações administrativas não têm relevância como fundamento das correcções;
– AT em momento algum, põe em causa a existência do nexo causal entre o investimento efetuado pela Requerente e a criação de emprego ocorrida em 2019, nem a sua manutenção durante o período de dedução;
– a expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão apenas à alínea b) do n.º 4, e não também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido apenas é exigido nos casos de auxílios/apoios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira «acompanha integralmente a posição assumida no relatório de inspeção tributária».
A alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI estabelece, como requisito do RFAI, que os sujeitos passivos de IRC «efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que este requisito previsto no CFI se reconduz, em última análise, ao previsto na alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, em que se estabelece que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período».
Para fundamentar a sua interpretação, a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou no RIT uma decisão administrativa em que se adopta o entendimento de que «apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo».
Antes de mais, impõe-se esclarecer que as orientações administrativas invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira não têm relevância como fundamento de direito das correcções efectuadas.
Na verdade, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, as orientações administrativas vinculam (unicamente) Administração Tributária, surgindo no âmbito do princípio da colaboração recíproca que compreende, designadamente, a publicação de orientações genéricas sobre a interpretação e a aplicação das normas tributárias [art. 59.º, n.º 3, alínea b) da LGT].
Deste modo, as circulares e fichas doutrinárias não constituem fontes de direito fiscal, integrando antes o chamado «direito circulatório», composto por orientações genéricas dirigidas aos serviços da administração fiscal relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que não vinculam os Tribunais nem os contribuintes.
À face do princípio da legalidade fiscal, proclamado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», pelo que não pode por via de uma orientação administrativa ser regulamentada uma situação de incidência tributária, como é o campo de aplicação de benefícios fiscais.
Apreciando a questão à luz dos diplomas legislativos referidos, tem de se constatar que não há suporte textual para concluir que o investimento relevante tem de proporcionar um aumento líquido de postos de trabalho.
Na verdade, na alínea f) do n.º 4 do artigo 21.º do CFI não se faz referência a aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, mas apenas a «criação de postos de trabalho» e sua manutenção, o que constitui um elemento interpretativo de acentuada relevância no âmbito de benefícios fiscais, pois, como é jurisprudência pacífica, as normas sobre benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus termos, sem ampliações ou restrições, com primazia do elemento literal, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas ( [1] ), sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa. ( [2] ).
Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual, designadamente o de ser condição do RFAI a criação líquida de postos de trabalho.
Por outro lado, se é certo que o n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, refere que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período», também o é que ele é apenas aplicável «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados», como nele se refere expressamente, o que não sucede no caso, pois está-se perante benefício fiscal em que os custos elegíveis se baseiam em investimento em activos fixos tangíveis e intangíveis (artigo 21.º, n.º 2, do CFI) e não nos custos salariais.
Na verdade, aquele artigo 14.º do RGIC prevê, no seu n.º 4, como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos» [alínea a)], e «custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos» [alínea b)],ou «uma combinação» desses custos [alínea c)] e o seu n.º 9, em que se alude ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» só se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Esta expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do RGIC à alínea b) do n.º 4, e não também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido do número de trabalhadores apenas é exigido nos casos de auxílios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
De resto, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 307/2019-T ( [3] ), «terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho».
Como também se refere no mesmo acórdão:
«Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção».
Assim, é errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira ao transpor para este benefício fiscal enquadrável na alínea a) do n.º 4 do artigo 14.º do RGIC, (como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos») o regime previsto no seu n.º 9 quanto ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» que só se se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Neste sentido, relativamente a regime semelhante do RFAI de 2009, pode ver-se o acórdão os Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2023, processo 0411/16.0BEPNF, em que se decidiu que «no âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego» e em cuja fundamentação se refere o seguinte:
Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ibidem.). Ora, criação de postos de trabalho não se confunde com criação líquida de emprego, sendo que esta última expressão tem, manifestamente, um carácter bem mais restritivo que a primeira. Tenha-se presente que se aconselha redobrado cuidado na tarefa hermenêutica uma vez que nos situamos no âmbito de benefícios fiscais, que, como é sabido, se encontram a coberto do princípio da legalidade tributária (cfr. art. 8.º da LGT e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa), o que proíbe a sua integração por analogia (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). Para além disso, as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais (cfr. art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições.
Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no sentido de que a norma releva a criação efectiva (e ulterior manutenção durante o período da dedução) de postos de trabalho (Sendo de realçar que a AT, através da Ficha Doutrinária – Processo 2010 002853 e 2010 001800, divulgou já o entendimento de que é suficiente a criação de um posto de trabalho), independentemente de ser positiva a relação entre o número absoluto dos trabalhadores nesse ano e no ano anterior, i.e., independentemente do efectivo aumento global do número de trabalhadores da empresa.
(...)
No mesmo sentido aponta o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009 e que está na sua génese.
Na verdade, o referido Regulamento distingue dois tipos de apoios às PME: os apoios quantificados com base nos custos do investimento e os apoios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. É para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito de criação líquida de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
Ora, como deixámos já dito, o RFAI 2009 foi um apoio ao investimento, calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Por isso, também a ratio legis não autoriza a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009, que se refere a criação de postos de trabalho.
Concluímos, pois, que a expressão criação de postos de trabalho não pode ser interpretada, como pretende a Recorrente, com o sentido de criação líquida de postos de trabalho.
A esta luz, tem de se concluir que a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto à interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, pelo que não pode basear-se nela a não aplicação do RFAI a qualquer dos investimentos referidos.
3.1.2. Correcções relativas à elegibilidade de investimentos
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu existirem irregularidades relacionadas com o não cumprimento dos critérios de elegibilidades de determinadas aquisições consideradas pelo sujeito passivo como aplicações relevantes para o RFAI.
A Requerente, além de vícios de violação de lei, imputa também às correções relativas à elegibilidade dos investimentos vício de falta de fundamentação.
O vício de falta de fundamentação é gerador de anulabilidade e não nulidade, como decorre dos artigos 161.º e 163.º do Código do Procedimento Administrativo.
Assim, atento o preceituado no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, começar-se-á por apreciar os vícios de violação de lei .
3.1.2.1. Transferências de investimentos efectuadas relativamente ao RFAI de 2016
Refere-se no RIT o seguinte, em suma:
Ou seja, a A... procedeu no ano de 2016, à transferência de investimentos em curso de anos anteriores para ativos fixos tangíveis que não diziam respeito a adiantamentos e, considerou esses mesmos investimentos para efeitos de beneficio fiscal RFAI do ano de 2016.
De acordo com o n.º 5 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento "considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso".
Por sua vez, refere o n.º 6 do mesmo artigo que "para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos".
Pelo acima exposto, os investimentos relacionados com a transferência de investimentos em curso para ativos fixos tangíveis, desde que não digam respeito a adiantamentos, como é o caso em apreço, dos lançamentos contabilísticos relativos aos anos de 2014 e de 2015, que perfazem o montante total de 1.477.090,85 EUR a seguir discriminados:
Como resulta da prova produzida, estes investimentos reportam-se ao novo pavilhão que a Requerente construiu bem como remodelação/requalificação dos existentes e, bem assim, as despesas com a implementação do sistema de humidificação e aspiração do ar.
Segundo resulta da prova produzida, o novo pavilhão começou a ser construído em 2014, continuando as obras até Março de 2015, mas foram suspensas por a estrutura construída relativamente ao novo pavilhão enfermar de defeitos susceptíveis de afectarem a sua sustentabilidade e só em 2016 é que os engenheiros solucionaram o problema tendo sido retomadas as obras tendentes à conclusão do novo pavilhão e a Requerente obteve a certeza de que iria concretizar o projecto.
A Requerente defende, em primeira linha, que os investimentos de 2014 e 2015 relativos a obras suspensas até 2016 devem ser relevantes para o RFAI deste ano.
Subsidiariamente, para o caso de se entender que os investimentos não são relevantes para o RFAI de 2016, a Requerente defende que, uma vez que a AT não coloca em causa a efectiva realização dos investimentos, nem a sua elegibilidade para efeitos de RFAI, deviam os mesmos ser considerados ser considerados para o RFAI nos períodos de tributação em que foram realizados.
No contexto factual provado, de suspensão das obras a que se referiam os investimentos efectuados em 2014 e 2015, por existência de dúvidas quanto a possibilidade de concretização do projecto, conclui-se que a Requerente só em 2016 dispôs de novos activos fixos tangíveis correspondentes ao novo pavilhão e melhoramentos nos outros, mas estas adições de activos verificadas em 2016, resultam das transferências de investimentos em curso transitados dos anos de 2014 e 2015.
Assim, não tendo aqueles investimentos de 2014 e 2015 natureza de pagamentos antecipados (adiantamentos), o n.º 6 do artigo 22.º do CFI afasta a possibilidade de lhes ser aplicável o RFAI no período de tributação de 2016, pois «não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos».
É esse o caso dos autos, pois os referidos investimentos de 2014 e 2015 reportavam-se a activos que estavam em processo de construção e ainda não prontos para uso, estando adequadamente reconhecidos numa conta 45 referente a «investimentos em curso».
É a este tipo de investimentos que se reporta aquele n.º 6 do artigo 22.º, afastando a possibilidade de serem considerados adições de activos relevantes para o RFAI no período de tributação em que são reconhecidos como activo fixo tangível.
Mas, assente que se trata de investimentos sobre os quais a Autoridade Tributária e Aduaneira não suscitou dúvidas quanto à sua elegibilidade para o RFAI, é corolário da irrelevância desses investimentos no período de tributação de 2016, que ela lhes fosse reconhecida nos períodos de tributação de 2014 e 2015, em que foram realizados.
E essa relevância nos períodos de tributação de 2014 e 2015 deveria ter sido reconhecida na própria inspecção de controlo do RFAI 2019, pois como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-05-2022, processo n.º 596/09.1BEPRT 0411/18:
"(...) o art. 58.º da LGT e o art. 6.º do RCPIT, que definem os princípios do inquisitório e da verdade material, impõem à AT a realização oficiosa de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, a nível do apuramento da situação tributária do contribuinte, o que permite concluir que é dever da AT, no âmbito do apuramento da matéria tributável, não só retirar relevância fiscal aos elementos de facto resultantes de actos dos contribuintes que os favoreçam indevidamente, mas também atribuir relevância tributária a situações de facto que os favoreçam, independentemente de estes terem praticado os actos que deveriam evidenciá-las. Isto é, o mesmo dever de busca da verdade material que permite à AT retirar relevância contabilística a erros praticados pelo contribuinte na elaboração da contabilidade que o favoreçam, também lhe impõe que atribua relevância a outros erros contabilísticos que o prejudiquem. Trata-se, afinal, de um corolário do princípio da legalidade, no seu entendimento mais amplo, do qual decorre que, no cumprimento da legalidade a que está adstrita, a AT deve procurar conformar a sua actuação com a lei em sentido material, de modo a lograr na aplicação da lei aos casos concretos a repartição dos encargos tributários legalmente determinada; exige-se-lhe, pois, que procure e releve, tanto quanto lhe for possível, todos os factos que permitam a mais completa e fidedigna percepção da situação tributária do contribuinte".
Pelo exposto, quanto a esta correcção, improcede o pedido principal, mas procede o pedido subsidiário, por a Autoridade Tributária e Aduaneira, após ter decidido que estes investimentos não podiam ser considerados para o RFAI de 2016, não ter ponderado a relevância para o RFAI desses investimentos nos anos anteriores.
3.1.2.2. Trabalhos de construção civil – RFAI 2016 E 2017
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a elegibilidade para o RFAI de várias despesas realizadas pela Requerente em 2016, no montante global de € 24.937,10 designadamente:
i) Obras em casa de banho;
ii) Fornecimento e instalação de estrutura para esplanada da sala de convívio;
iii) Fornecimento de caixilharia e estores em prédio sito na Praça ..., ...-... Póvoa de Varzim;
iv) Construção de muros;
v) Execução de serviços de retroescavadora/giratória;
vi) Obras de reparação;
vii) Obras no exterior-jardim.
E a Autoridade Tributária e Aduaneira também não aceitou a elegibilidade para o RFAI de trabalhos de construção civil realizados em 2017, no montante global de € 161.18,27, designadamente:
i) Aquisição e colocação de apainelados, piso flutuante, armários, secretárias, estantes;
ii) Obras de remodelação/reparação;
iii) Obras relacionadas com a remodelação de interiores em áreas não industriais e o seu acompanhamento, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art.º 23. do Código Fiscal do Investimento.
As razões invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para a não aceitação da elegibilidade destes trabalhos para o RFAI é não estarem relacionados com edifícios que constituam instalações fabris ou se tratar de reparações e apenas se consideram elegíveis as aplicações relevantes em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que se traduzam em "adições", excluindo, portanto, os investimentos de reparação/remodelação.
Como fundamentos de direito a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o artigo 22.º n.º 2, alínea a) subalíneas i) a vi) , e 5.
Da prova produzida resulta que, com excepção do fornecimento de caixilharia e estores em prédio sito na Praça..., ...-... Póvoa de Varzim (no montante de € 4.915,40), estes trabalhos estão conexionados coma construção do novo pavilhão e remodelação dos outros dois, sendo todos eles instalações fabris. Aliás, a Requerente aceita essa correcção relativa ao prédio situado na Póvoa de Varzim (artigos 223º a 225.º do pedido de pronúncia arbitral).
O artigo 2.º alínea a), subalínea ii) do artigo 22.º do CFI considera aplicações relevantes os investimentos na «construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios», se «forem instalações fabris».
Por isso, reportando-se estas obras, com excepção da referida efectuada na Póvoa de Varzim (no montante de € 4.915,40), à construção e reparação de edifícios fabris, a sua elegibilidade para o RFAI é assegurada por aquela subalínea ii) da alínea a), do n.º 2 do artigo 22.º do CFI. Como resulta do teor expresso desta norma, incluem-se entre os investimentos relevantes os respeitantes a «reparações» de edifícios que sejam instalações fabris.
Consequentemente, as correcções efectuadas relativamente a estes trabalhos de construção civil, , com excepção da efectuada na Póvoa de Varzim (no montante de € 4.915,40) enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
3.1.2.3. Equipamentos de segurança, informáticos, de água quente sanitária, sinalética interior e exterior considerados no RFAI 2016 equipamentos informáticos, de climatização de mobiliário considerados no RFAI de 2017
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a elegibilidade para o RFAI de investimentos efectuados pela Requerente em 2016 em equipamento de segurança, informáticos, de água quente sanitária, sinalética interior e exterior, designadamente os seguintes:
– sistema de iluminação de emergência; sistema de controlo de acessos; sistema de segurança contra incêndios; sistema de gestão de circuito fechado de televisão (CCTV);
– investimento em equipamentos informáticos, nomeadamente: computadores; monitores; impressoras; relógio de ponto; servidor; discos; "tablet"; "docking station"; interface de rede para impressoras;
– investimento numa solução de áudio e som;
– investimento num equipamento de água quente sanitária;
– sinalética interior e exterior/Painéis.
Relativamente ao RFAI de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a elegibilidade despesas com equipamento informático, equipamento de climatização e mobiliário de escritório.
As razões pelas quais não foi aceite a elegibilidade destes investimentos foi tratar-se de aquisições isoladas, não enquadráveis no conceito de "investimento inicial" e que não proporcionam a criação de postos de trabalho, pelo que não poderão ser elegíveis para efeitos de RFAI, em conformidade com a alínea a) do ponto 49) do artigo 2.º do (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014 (RGIC), e alínea a) do n.º 2 e n.º 4, do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento.
Da prova produzida resulta que estes investimentos não foram aquisições isoladas, antes estão conexionados com a ampliação e remodelação das instalações com que foi concretizado o projecto da Requerente, designadamente:
– os dois pavilhões existentes em 2014, tiveram de ser adaptados, quer através da remodelação do interior, quer através da implementação de infraestruturas elétricas, de ar comprimido e de segurança, bem como a criação de divisórias entre máquinas para contenção de partículas como forma de evitar a contaminação cruzada que afecta a produção;
– o projecto da Requerente incluiu a implementação de um sofisticado sistema de humidificação e aspiração do ar destinado a reduzir o nível de contaminação das malhas produzidas e, assim, melhorar a qualidade dos produtos, reduzir a quebra de fio e, consequente, a paragens do tear;
– os sistemas de iluminação de emergência, de controlo de acessos e de segurança contra incêndios foram necessários para a Requerente obter licença de utilização;
– as despesas com água quente e sinalética são despesas com higiene e segurança no trabalho necessários para obtenção de licença de utilização do novo pavilhão e para a Requerente ser certificada pelos seus clientes;
– a Requerente implementou nas suas instalações, uma solução informatizada integrada de gestão de custos e de planeamento da produção, bem como de um sistema de monitorização dos teares interligado com o sistema de pesagem para controlo quer da produtividade das máquinas, quer para controlo das quantidades consumidas e produzidas, através da informação fornecida por tablets que passaram as estar associados a cada tear, com utilização de software adequado;
– a informação produzida pelos tablets e software permite ver quanto cada tear está a produzir que quanta matéria prima se vai gastando, permitindo controlar os stocks e é necessária porque em vez de 20 teares produzindo com o mesmo tipo de fio que tinha em 2014, a Requerente com o novo projecto passou a ter 40 teares que utilizam 100 fios diferentes;
– os equipamentos informático, de áudio e som são indispensáveis para utilizar a informatização para controlar a actividade dos teares;
O mobiliário referido não é especificado no RIT, apenas constando deste as designações dadas pela Requerente, que são de material de escritório e estantes.
Como diz a Requerente, sem que tal seja questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e está de acordo com as regras da experiência comum, «todas as instalações fabris necessitam de secretárias, mesas de apoio, cadeiras e estantes para laborar».
Assim, estando todas estas despesas de segurança, de informática, de água quente sanitária, sinalética interior e exterior, de climatização e de mobiliário conexionadas com o projecto global de ampliação e remodelação das instalações fabris da Requerente, a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto ao considerá-las aquisições isoladas.
3.1.2.4 Painéis solares
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a elegibilidade de despesas com painéis solares, pelas seguintes razões, em suma:
Trata-se, sim, de um investimento relacionado com o aumento da eficiência energética, e como tal, corresponde a uma aquisição isolada, realizada com o propósito da satisfação parcial das necessidades energéticas do sujeito passivo.
Ainda que se possa considerar que o aumento do consumo de eletricidade possa estar relacionado com um aumento da produção, não se poderá considerar que esteja relacionado com um aumento da capacidade produtiva do estabelecimento, uma vez que não conduz a uma efetiva expansão da capacidade de produção instalada, mas tão somente, à obtenção de ganhos de eficiência, que permitirão a otimização do processo
produtivo, mas não incrementam os recursos produtivos propriamente ditos da entidade.
A prova produzida revela que a razão primordial pela qual a Requerente adquiriu os painéis solares foi a necessidade de assegurar a eficiência energética e sustentabilidade para obter aprovação e uma melhor cotação nas auditorias a que é submetida pelos seus clientes de prestígio, que lhe fazem auditorias para controlar se satisfaz as suas preocupações ambientais, questionando, inclusivamente quanto eletricidade a Requerente vende.
Como também resulta da prova produzida, as políticas ambientais e de sustentabilidade são muitíssimo valorizadas pelos operadores internacionais de mercado de prestígio em que a Requerente se posiciona, sendo não só um elemento diferenciador dos demais concorrentes de mercado, como uma porta de acesso a novos mercados.
Assim, a aquisição dos painéis solares não constitui uma aquisição isolada, mas um dos componentes relevantes do projecto de acesso a mercados internacionais de prestígio que a Requerente implementou.
Pelo exposto, a correcção relativa aos painéis solares enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto.
3.1.2.5. Acessórios de tecelagem
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a elegibilidade para o RFAI de investimentos efectuados em 2016, 2017, 2018 e 2019, com «acessórios de tecelagem».
Os fundamentos invocados para considerar estas despesas inelegíveis são, em suma, os seguintes:
– são aquisições relacionadas com acessórios de tecelagem, indispensáveis para a manutenção da fonte produtora. Os investimentos em questão estão expostos a grande desgaste, decorrente quer da produção intensa, quer das condições ambientais a que são expostos o que torna indispensável a sua substituição;
– é uma necessidade constante e fundamental para o fabrico dos seus produtos finais, sendo manifesto que os referidos investimentos, enquanto equipamentos básicos fundamentais e constantes ao processo de laboração normal da empresa, enquadram-se como investimento permanente na manutenção da
fonte produtora e não estão a contribuir para a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, não integrando consequentemente o conceito de "investimento inicial", alínea a) do ponto 49) do art.º 2.º do Regulamento (UE) n. 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014 e alínea a) do n.º 2 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento;
– o investimento em ativos necessários à manutenção da exploração corrente do sujeito passivo, não integra o conceito de "investimento inicial" e, como tal, não poderá ser elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI, previsto no art. 23.º do Código Fiscal do Investimento.
Da prova produzida resulta que não se está perante material de substituição, nem de activos necessários à manutenção da exploração nos termos em que existia em 2013, mas, antes, de alteração profunda dos teares que, com as novas peças, passam a poder produzir as malhas mais complexas e de maior qualidade do que as que produzia até 2013, que foi o objectivo do projecto da Requerente:
– os teares circulares da Requerente têm como componentes fundamentais a carcaça que é a estrutura metálica que envolve o cilindro, equipamento elétrico e o cilindro;
– destes três componentes, a parte electrónica pode ser substituída e o cilindro pode ser adquirido separadamente e substituído funcionando na mesma carcaça;
– o cilindro muda o tipo de malha, permitindo que o tear antigo passa a produzir novos produtos;
– um cilindro novo tem o efeito que teria um tear novo;
– a Requerente não gastava dinheiro com a aquisição de novos teares quando podia adaptar os anteriores, para produzir novos tipos de malha que pretendia obter.
Assim, conclui-se da prova produzida que a aquisição dos denominados no RIT como «acessórios de tecelagem» tinha por finalidade obter a diversificação de produtos em relação aos que produzia em 2013, que era necessária para a Requerente poder produzir para as empresas internacionais de alta qualidade, como pretendia.
Pelo exposto, esta correcção enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, ao assentar no errado pressuposto de que os «acessórios de tecelagem» se destinavam, a substitui peças desgastadas.
3.1.2.6. Conclusão
Decorre d0 exposto que o pedido de pronúncia arbitral procede quanto aos vícios de violação de lei invocados pela Requerente relativos à elegibilidade de investimentos para o RFAI, justificando-se a anulação da liquidação na parte respectiva.
Consequentemente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos vícios de falta de fundamentação que a Requerente imputa a correcções relativas à elegibilidade de investimentos.
3.2. Imparidade
A Requerente, no ano de 2019, considerou gastos associados a créditos em mora, na subconta "653 Perdas por imparidade em dívidas a receber, no valor de 16.133,00 EUR (correspondente a 100% do crédito), relacionados com um crédito sobre a sociedade B..., LDA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que deviam ser feitas as seguintes correcções, invocando os artigos 18.º, 28.-A e 28.º-B, do Código do IRC:
I)No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR * 25%), calculado nos termos legalmente previstos na alínea c), do n.º 2 do artigo 28.-B do Código do IRC, e que respeita a um gasto que se reporta ao ano de 2018, pelo que, atento o princípio da periodização do lucro tributável, constante no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC e não estando em causa um gasto imprevisível ou manifestamente desconhecido, o mesmo não é aceite fiscalmente no ano de 2019;
ii) No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR 25%), uma vez que, à data de 31 de dezembro de 2019, o crédito estava em mora há mais de 18 meses e até 24 meses, pelo que foi calculado um excesso de imparidade (100%-75%), nos termos previstos no n.º 3 do artigo 28.-B do Código do IR.
A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou as correcções no seguinte, em suma:
– as perdas por imparidade cujo credor tenha efetuado diligências para o seu recebimento, em períodos anteriores, não podem ser consideradas para efeitos fiscais em períodos posteriores, atento ao princípio de especialização do exercício previsto no art.º 18.º do Código IRC.
– o credor já havia efetuado diligências para o seu recebimento, em 2018, como demonstra a correspondência remetida pela sociedade C...- SUCURSAL EM PORTUGAL para a A..., datada de 15 de junho de 2018;
– o Código do IRC ao definir critérios objetivos de constituição ou reforço das imparidades fiscalmente dedutíveis, bem como os respetivos limites, conforme os art.ºs 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC, e ao adotar o principio de especialização do exercício previsto no art.º 18.º do mesmo código, vem considerar que a constituição das imparidades para efeitos fiscais tem um carácter obrigatório.
– este princípio constitui uma barreira à adoção de comportamentos arbitrários na definição do momento de reconhecer as componentes positivas e negativas do rendimento, não sendo, por isso, passível de derrogação, havendo, pois, a necessidade acrescida de o sujeito passivo demonstrara quantificação da imparidade imputada especificamente ao período em apreciação.
– por sua vez, as imparidades relacionadas com créditos que estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, apenas podem ser deduzidas para efeitos fiscais atendendo aos limites previstos no n.º 2 do art.º 28.º-B.
– e no caso concreto, de um crédito em mora há menos de 23 meses aplica-se, para efeitos do montante anual acumulado de perda por imparidade a alínea c) do n.º 2 do art. 28.º-B do Código do IRC "75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses".
A Requerente aceita o princípio da especialização dos exercícios, mas, com base em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, defende que
– o princípio da especialização dos exercícios deve «tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios»;
– no caso, a omissão da Requerente ao não reconhecer a imparidade em 2018 não foi volutaria nem intencional, resultando de apenas em 2019, com a comunicação da seguradora sobre a inviabilidade de cobrar o crédito, concluiu pela dificuldade de cobrança do crédito, assumindo a perda e considerando-a de “cobrança duvidosa”, transferindo o crédito para a conta “Perdas por imparidade em dividas a receber”.
Interpretando o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, em conjugação com artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, conclui-se que as perdas por imparidade se consideram componente negativa do lucro tributável do exercício em que devem ser reconhecidas.
Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, «para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado», o que ocorre, em princípio, nas situações indicadas no n.º 2 do mesmo artigo.
. Assim, as imparidades relacionadas com créditos que estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, se existirem provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, podem ser deduzidas para efeitos fiscais atendendo aos limites previstos no n.º 2 do art.º 28.º-B.
No entanto, no caso em apreço, existia seguro de crédito, pelo que a Requerente apenas podia considerar de cobrança duvidosa uma «importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório», por força do n.º 3 do mesmo artigo 28.º-B.
Neste caso, o crédito venceu-se em 28-02-2018, pelo que ainda nesse ano deveria ter sido reconhecida imparidade quanto a 25% da percentagem não garantida, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC.
Em 2019, podia ser reconhecida imparidade acumulada quanto a 75% da importância do crédito não garantida, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC, pelo que, considerando que deveria ser reconhecida imparidade quanto a 25.º em 2018, em 2019 poderia ser reconhecida imparidade quanto a 50% da importância não garantida.
Mas, não estando, em 2019, o crédito vencido há mais de 24 meses, não podia nesse ano ser reconhecida imparidade quanto a 100% da importância não garantida.
Assim, as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de imparidades estão em sintonia com o preceituado do n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC:
I)No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR * 25%), calculado nos termos legalmente previstos na alínea c), do n.º 2 do artigo 28.-B do Código do IRC, e que respeita a um gasto que se reporta ao ano de 2018, pelo que, atento o princípio da periodização do lucro tributável, constante no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC e não estando em causa um gasto imprevisível ou manifestamente desconhecido, o mesmo não é aceite fiscalmente no ano de 2019;
ii) No montante de 4.033,25 EUR (16.133,00 EUR * 25%), uma vez que, à data de 31 de dezembro de 2019, o crédito estava em mora há mais de 18 meses e até 24 meses, pelo que foi calculado um excesso de imparidade (100%-75%), nos termos previstos no n.º 3 do artigo 28.º-B do Código do IR.
No entanto, como defende a Requerente, quanto a imparidades cujo reconhecimento é feito em exercício posterior àquele em que deviam ser reconhecidas é necessário ponderar a eventual aplicação do princípio da justiça, que o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo uniformemente que deve atenuar a rigidez do princípio da especialização dos exercícios. ( [4] )
A Requerente invoca este princípio da justiça, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e 55.º da LGT, como obstáculo à não consideração das perdas por imparidade em exercícios posteriores àqueles em que poderiam ser constituídas à face dos elementos indiciadores de imparidade indicados no artigo 28.º.-A do CIRC.
A observância do princípio da justiça é imposta à globalidade da actividade da Administração Tributária, pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto
O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos (agora gastos) referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [5] )
Aliás, há muito que a Administração Tributária reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-Circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:
Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:
a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:
- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;
- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;
- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.
b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.
Subjacente à referida jurisprudência está a circunstância de o sujeito passivo ter sido prejudicado ou não ter tido vantagem pelo atraso da relevância fiscal do gasto, que, a verificar-se, é um elemento de relevo decisivo para presumir que o erro foi involuntário e não intencional.
No caso em apreço, não se demonstra qualquer vantagem da Requerente em atrasar a relevância fiscal da referida perda por imparidade que deveria ter sido reconhecida em 2018.
Com efeito, por um lado, o próprio diferimento da consideração fiscal de gastos, obrigando o sujeito passivo a suportar o pagamento de um imposto que podia ser evitado, é, em si mesmo, prejudicial para o sujeito passivo, pois atrasa a disponibilidade da quantia de imposto que resulta da consideração dos gastos.
Por outro lado, a taxa geral de IRC, prevista no artigo 87.º do CIRC, manteve-se nos anos de 2018 e 2019 e, quanto ao benefício fiscal do RFAI, a Requerente não obteve qualquer vantagem decorrente do reconhecimento da imparidade em 2019.
Assim, não há qualquer razão para crer que o atraso na consideração fiscal das perdas por imparidade tenha como motivação obter qualquer vantagem fiscal e, pelo contrário, é de concluir a Requerente foi prejudicada com tal atraso.
Nestas condições, o princípio da justiça prevalece sobre o princípio a especialização dos exercícios, pelo que a correcção relativa à imparidade que deveria ser reconhecida em 2018 enferma de vício de violação de lei por erro de interpretação o artigo 28.º-A do CIRC e do princípio da especialização dos exercícios, enunciado no artigo 18.º do CIRC, limitado à luz do princípio da justiça.
O mesmo não sucede, porém, com a outra correcção efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente à antecipação para o exercício de 2019 do reconhecimento de 25% do valor do crédito não garantido pelo seguro, pois tal só poderia suceder em 2020, em que se completavam os 24 meses sobre o vencimento do crédito.
Na verdade, quanto a esta correcção, houve uma vantagem indevida para a Requerente resultante da antecipação da relevância da imparidade e correlativa diminuição da matéria tributável do exercício de 2019, pelo que a eliminação dessa vantagem indevida não ofende o princípio da justiça.
Aliás, a Requerente reconhece que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto a esta correcção (artigo 347.º do pedido de pronúncia arbitral), pelo que, interpretando o pedido, ela não é objecto de impugnação.
Pelo exposto, quanto a imparidades, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção relativa à imparidade que deveria ser reconhecida em 2018, mas não quanto a que só podia ser reconhecida em 2020.
3.3. Conclusão
Do exposto decorre que o pedido de pronúncia arbitral procede quanto às correcções que foram impugnadas:
– as correcções relativas ao RFAI, com excepção da referente ao “fornecimento de caixilharia e estores do prédio sito na ..., ...-..., Póvoa do Varzim”, no valor de € 4.915,40, que a Requerente aceita;
– a correcção relativa à imparidade no montante de € 4.033,25, que, apesar de ser um gasto que se reporta ao ano de 2018, não deveria ter sido efectuada por aplicação do princípio da justiça.
Os vícios que afectam a liquidação de IRC repercutem-se na liquidação de juros compensatórios, que tem aquela como pressupostos (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).
Assim, justifica-se a anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios, nas partes correspondentes as correcções referidas nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT .
4. Reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia de € 105.566,54, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas e pede e reembolso com juros indemnizatórios.
4.1. Reembolso
Na sequência da anulação parcial da liquidação, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia que pagou a mais, o que é consequência da anulação.
O reembolso reporta-se ao IRC correspondente às correcções relativamente às quais o pedido de pronúncia arbitral é julgado procedente, bem como os correspondentes juros compensatórios.
Assim, não tendo sido impugnadas todas as correcções, designadamente a relativa ao RFAI no tocante às despesas com um prédio sito na Povoa de Varzim, uma das respeitantes a imparidades e as tributações autónomas, a Requerente terá direito a reembolso de IRC e juros compensatórios menor do que o valor de € 105.566,54, que pede no artigo 356.º e na parte final do pedido de pronúncia arbitral.
O montante a reembolsar deverá ser determinado em execução da presente decisão arbitral, uma vez que a Requerente não o quantifica, indicando como valor da causa o valor integral da demonstração de acerto de contas, apesar de não impugnar totalidade das correcções, e, como se vê pela mesma demonstração de acerto de contas, há que ter em conta o montante de liquidação anterior.
4.2. Juros indemnizatórios
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações de Regulamento do Imposto de Compensação e juros compensatórios que são imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem direito juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende nas suas alegações que não deve haver lugar a juros indemnizatórios por a Requerente não ter exercido o direito de audição, mas esta pretensão não tem fundamento legal, uma vez que se trata aí de um direito e não um dever e o critério legal é a existência de nexo de causalidade entre erros de que enfermam as liquidações e a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Designadamente, nem mesmo pode vislumbrar-se uma imputabilidade desses erros à Requerente, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os reassume na sua totalidade, ao defender no presente processo a improcedência do pedido, mesmo nas alegações, após a produção de prova e com conhecimento pleno da posição da Requerente.
Os juros indemnizatórios devem ser calculados sobre o montante a reembolsar e contados desde 27-03-2024, data em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
– anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2024..., na parte correspondente às correcções relativas ao RFAI, com excepção da relativa ao prédio sito na praça ..., ...-..., Póvoa do Varzim;
– anular ainda a mesma liquidação, na parte correspondente à imparidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu dever ter sido reconhecida em 2018;
– anular parcialmente a liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., na mesma proporção em que é anulada a liquidação de IRC;
– julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, em medida correspondente às partes das liquidações de IRC e juros compensatórios que são anuladas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o que for determinado em execução da presente decisão arbitral;
.– julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4.2. desta decisão arbitral;
– improcedem os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios nas partes restantes.
6. Valor do processo
A Requerente atribuiu ao processo o valor de € 105.566,54, que é o que foi apurado na demonstração de acerto de contas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira impugnação o valor da causa, dizendo que a Requerente aceita as correções relacionadas com encargos com viaturas ligeiras de passageiros no montante de € 3.002,53.
A Requerente nada veio dizer quanto ao valor da causa.
O valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, pelo que não deve ser considerado para o valor da causa o de correcções que a Requerente expressamente aceite.
É esse o caso da correcção relativa à correcção de € 3.002.53 respeitante a tributações autónomas, mas também da correcção relativa ao RFAI respeitante a um prédio sito na Póvoa de Varzim, no montante de € 4.915,40, a que corresponde o valor de RFAI de € 1.228,85 (25%).
É também o caso a correção relativa a imparidade que a Requerente reconhece que não deveria ser reconhecida em 2019 (artigo 347.º do pedido de pronúncia arbitral), no valor de 4.033,25 a que corresponde em IRC, derrama municipal e juros compensatórios cerca de 943,74 (21% de IRC = 846,98; 1,5% de derrama municipal =€ 60,50; e 4% de juros compensatórios = € 36,26).
Assim, de harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 100.400,42 (105.566,54 – 3.002,53 – 1.228,85- 934,74).
7. Custas
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende nas suas alegações que as custas devem ser encargo da Requerente ou, no mínimo, devem ser repartidas, por a Requerente não ter exercido o direito de audição.
No entanto, esta pretensão não tem fundamento legal, pois o na fixação da responsabilidade por custas deve atender-se o decaimento ou a quem dá origem à causa, como decorre do preceituado no n.º 2 do artigo 122.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem responsabilidade por custas na medida em decaiu, uma vez que também deu origem à causa ao emitir as correspondentes liquidações de IRC e juros compensatórios e ao ter pedido a improcedência total do pedido, mesmo nas suas alegações, após a produção de prova.
Assim, nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
[6]Uma vez que, como se referiu relativamente à correcção do valor da causa, a interpretação do pedido de pronúncia arbitral se concluiu que a Requerente não impugnou as correcções relativas a tributações autónomas, ao RFAI respeitante a um prédio sito na Póvoa de Varzim à imparidade que deveria ser reconhecida em 2019, que são as únicas em que decaiu, conclui-se que a responsabilidade por custas recai integralmente sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida».
Lisboa, 25-11-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(António Fernando Cardão Pito)
(Hélder Faustino)
[1]( ) O TJUE tem decidido que as normas derrogatórias, como são as relativas a isenções e benefícios fiscais, devem ser objecto de interpretação estrita (acórdãos 14-06-2007, processo C-434/05, n.º 16; de 05-03-2015, processo C-553/13, n.º 39; de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, n.º 26; de 08-10-2020, processo C-235/19, n.º29; de 12-03-2015, processo C-594/13, n.º 17).
[2]( ) Essencialmente neste sentido, CLOTILDE CELORICO PALMA, Enquadramento das operações financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, in Colecção Cadernos IDEFF, n.º 13, [Coimbra], Almedina, 2011, páginas 60-63.
[3] Posição também adotada nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T, 508/2021-T, 544/2022-T, 483/2022-T, 299/2024-T e 860/2024-T.
[4] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07; de 5-2-2003, processo n.º 01648/02; de 25-6-2008, processo n.º 0291/08; e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.
Na mesma linha, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo citados em nota anterior.
[6] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-01-14.