Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 587/2024-T
Data da decisão: 2024-11-21  IVA  
Valor do pedido: € 30.749,79
Tema: IVA – Exclusão (ou mera limitação) do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de serviços de alimentação e alojamento por aplicação da alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA ou por aplicação das alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do mesmo compendio normativo.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

  1. As exclusões (ou limitações) do direito à dedução previstas no artigo 21.º do CIVA, não violam o direito comunitário e aplicam-se, mesmo que, no caso, se demonstre que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada.
  2. Não é o simples facto de os serviços de alimentação e alojamento se terem destinado ou terem sido utilizados para a realização de operações tributáveis, porquanto incorridos na decorrência de obrigação legal, que justifica, ipso facto, a dedutibilidade do IVA suportado e contido nas facturas que titulam a incorrência de tais custos.

I. RELATÓRIO:

 

  1. A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número de identificação fiscal ... e com representação permanente/estabelecimento estável na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerente), apresentou, em 24.4.2024, pelas 23:49 horas, pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto no número 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.  10/2011, de 20 de Janeiro, que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.
  3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 17.6.2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 5.7.2024 para apreciar e decidir o objecto do processo.
  6. Em 4.11.2024, a Requerente apresentou no SGP do CAAD alegações finais, onde, no essencial repristinou a posição defendida no PPA e trouxe ainda à colação a circunstância de haver apresentado pedido de revisão oficiosa relativamente ao IVA suportado nos exercícios de 2017, 2018 2019 e 2020 e sobre o qual igualmente recaiu despacho de indeferimento, sendo que, nessa decorrência, apresentou pedido de pronúncia arbitral no qual peticionou a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios. Afirmando a Requerente que tal pedido de pronúncia arbitral (que tramitou a coberto do Processo n.º 709/2023-T), foi julgado procedente, juntando aquela cópia da decisão arbitral que sobre ele recaiu.
  7. A Requerida não apresentou alegações finais.
  8. Mediante requerimento entrado no SGP do CAAD em 7.11.2024, apresentou a Requerida requerimento superveniente ao abrigo do principio do contraditório, pronunciando-se sobre as alegações finais apresentadas pela Requerente em 4.11.2024 e, nomeadamente, sobre a circunstância da Requerente haver feito junção à petição que consubstanciou as referidas alegações de cópia da decisão arbitral tirada no Processo n.º 709/2023-T.  
  9. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa n.º ...2023... que teve origem na convolação de pedido de revisão oficiosa entretanto apresentado e dirigido aos actos tributários de autoliquidação de IVA reportados aos períodos de tributação de 2021/01M, 2021/02M, 2021/03M, 2021/04M, 2021/05M e 2021/06M; bem como na consequente declaração de ilegalidade parcial daqueles mesmos actos de autoliquidação de IVA, reportados ao ano de 2021 e que totalizam o montante de 30.749,79 €, por, alegadamente, estarem enfermados do vício de violação de lei; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos de autoliquidação de IVA, na regularização do imposto suportado pela Requerente; iii) no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT e ainda, com a procedência dos pedidos supra explicitados, na condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da taxa de arbitragem.
  10. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Breve síntese das alegações da Requerente:

  1. A Requerente começa por aduzir no sentido de que “(...) é uma sucursal em Portugal de uma companhia aérea sediada em Espanha, B..., S.A., que dispõe de uma rede de voos em território português e tem como objeto social o “transporte aéreo nacional e internacional de passageiros, carga, correio regular e irregular, assim como qualquer outra atividade relacionada, dentro do âmbito do objeto social da empresa sujeita a legislação deste país e às normas aplicáveis às sucursais de sociedades com sede no estrangeiro”.
  2. De seguida dá nota de que, em sede de IVA, se encontra enquadrada no regime normal de tributação de periodicidade mensal, especificando que “No âmbito da sua atividade, a Requerente pratica operações que, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, permitem a dedução do IVA incorrido – operações sujeitas a IVA e não isentas e operações isentas pela alínea r) do número 1 do artigo 14.º do Código do IVA (“CIVA”), a qual dispõe que se encontram isentas de IVA as operações relativas ao “transporte de pessoas provenientes ou com destino ao estrangeiro, bem como o das provenientes ou com destino às Regiões Autónomas, e ainda o transporte de pessoas efetuado entre as ilhas naquelas Regiões”.”
  3. Prossegue referindo que “[N]o contexto da prossecução da sua atividade em Portugal, nos últimos anos, a Requerente tem incorrido em despesas de natureza diversa, relativamente às quais, por erro de enquadramento, não deduziu IVA.” Discriminando-as, refere as seguintes operações passivas que consistiram na aquisição de bens e serviços: “Alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis.”
  4. Seguindo-se o argumento de que “(...) o direito à dedução apresenta-se como um elemento essencial ao funcionamento do IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e de igualdade do tratamento fiscal, concretizando-se no mecanismo do crédito de imposto.”
  5. E partindo daí aduz a Requerente como segue: “[C]om efeito e atendendo aos serviços mencionados supra, entende a Requerente que a atividade por si desenvolvida não apresenta impedimentos quanto à dedução do IVA incorrido.”
  6. Pronunciando-se de seguida sobre a tempestividade e sobre a idoneidade do pedido de revisão oficiosa apresentado (entretanto convolado em reclamação graciosa), informa a Requerente que  “(...) solicitou que lhe fosse concedido o direito à dedução do IVA incorrido, nas despesas supramencionadas, no montante de total de Euro 30.749,79 (trinta mil, setecentos e quarente e nove euros e setenta e nove cêntimos, cfr. Documento n.º 4) da seguinte forma pelos respetivos períodos: - 2021/01M: Euro 660,87 (seiscentos e sessenta euros e oitenta e sete cêntimos); - 2021/02M: Euro 9.084,50 (nove mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos); - 2021/03M: Euro 4.145,42 (quatro mil, cento e quarenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos); - 2021/04M: Euro 4.845,43 (quatro mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos); - 2021/05M: Euro 6.706,69 (seis mil, setecentos e seis euros e sessenta e nove cêntimos); - 2021/06M: Euro 5.306,88 (cinco mil, trezentos e seis euros e oitenta e oito cêntimos).”
  7. Segue-se a referência ao indeferimento da reclamação graciosa e aos fundamentos que estão a estribar tal posição da AT que alegou: “(...) a Requerente não demonstrou os factos alegados, nomeadamente: (i) A relação direta e imediata entre as aquisições de bens e serviços e as operações a jusante; e (ii) Que está vedada a dedução do IVA por força do disposto no artigo 21.º do Código do IVA;”
  8. Perante tal posição diz a Requerente não poder “(...) concordar com o indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa do ato tributário, uma vez que o mesmo não resulta de uma idónea aplicação e concretização da Lei, consubstanciando uma desvirtuação do seu propósito (...).”
  9. Delimitando o objecto do dissidio, diz a Requerente que a AT identifica “o direito à dedução do imposto contido nas despesas incorrido a título de “Alimentação”, “Alojamento”, “Aluguer de viaturas”, “Combustível”, “Participação em feiras e workshops e organização de eventos” e “Serviços de catering”, encontra-se vedado ou limitado, nos termos do artigo 21.º do Código do IVA.”, pelo que, a contradita que explicita dirige-se, tão-só, às facturas faturas enquadráveis naquelas categorias, i.e.: i) Despesas de Alimentação e Alojamento; ii) Aluguer de Viaturas e Combustíveis; iii) Despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; e iv) catering.
  10. Quanto às despesas de alimentação e alojamento, identificadas em i) do ponto precedente, começa a Requerente por trazer à colação a posição da AT que defende que o imposto incorrido na aquisição desses inputs não pode ser deduzido por subsunção na alínea d) do n.º 1 o art.º 21.º do Código do IVA que veda o direito à sua dedutibilidade.
  11. E rebatendo uma tal hermenêutica, aduz a Requerente no sentido de que considera “(...) que as restrições do direito à dedução, consagradas no artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA, são excecionais sendo que respeitam a casos determinados taxativamente pelo legislador.”, trazendo à discussão o seguinte excerto tirado da decisão arbitral prolatada no Processo n.º 40/2016-T: “Considerando-se ilidida a presunção contida na alínea d), do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, resulta ter a Requerente direito a deduzir a totalidade do IVA relativo às mencionadas despesas.” e afirmando concordar com “(...) a posição sufragada pelo Tribunal Arbitral, uma vez que entende que as restrições do direito à dedução do IVA, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 21.º do Código do IVA, consubstanciam-se numa presunção ilidível, ou seja, esta pode ser afastada mediante a comprovação objetiva de que os gastos incorridos são exclusivamente afetos à atividade empresarial, podendo exercer-se o direito à dedução do IVA.”
  12. Concretizando a efectiva natureza dos aludidos gastos com alimentação e alojamento, refere a Requerente que incorreu, em Portugal, em despesas de alimentação e alojamento de clientes, decorrentes de atrasos nos voos que realiza. Desenvolvendo afirma: “[E]stas despesas foram incorridas no contexto do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91 (...).” Referindo mais: “[N]os termos do artigo 6.º do Regulamento, na ocorrência de atrasos nos voos, deve a transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros: i) a assistência especificada na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 9.º, e ii) quando a hora de partida razoavelmente prevista for, pelo menos, o dia após a hora de partida previamente anunciada, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º; e iii) quando o atraso for de, pelo menos, cinco horas, a assistência especificada na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º.”, entendendo adequando trazer ainda à discussão o art.º 9.º do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que, sob a epígrafe “Direito de Assistência”, dispõe: “1. Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros: a) Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera; b) Alojamento em hotel: - caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou - caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro; c) Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro). 2. Além disso, devem ser oferecidas aos passageiros, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio electrónico. 3. Ao aplicar o presente artigo, a transportadora aérea operadora deve prestar especial atenção às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida e de quaisquer acompanhantes seus, bem como às necessidades das crianças não acompanhadas.”
  13. Feita a transcrição de parte das normas do  Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, refere a Requerente que é no contexto de tal obrigação legal que as despesas de alimentação e alojamento são incorridas e que o IVA que as está a onerar é susceptível de ser deduzido e, nessa conformidade, justificando-se o seu reembolso na totalidade.
  14. Reforçando o seu entendimento da dedutibilidade do IVA suportado naquela tipologia da despesas, aduz a Requerente como segue: “[N]ão se trata de uma qualquer decisão empresarial, mas do cumprimento de uma obrigação legal, à qual a Requerente não se pode furtar.”  
  15. Afirma ainda a Requerente haver demonstrado “(...) nas faturas referentes a “alimentação” e “alojamento” que estes tipos de despesas de clientes, decorrentes de atrasos nos voos, se comprovam através da menção dos seus nomes, data e serviços a serem incluídos na concreta prestação de serviços.”
  16. E não se detendo conclui a Requerente com o segue: “Não permitir a dedução do IVA incorrido seria penalizar a Requerente para além do permitido pelo princípio da neutralidade e proporcionalidade.”
  17. Segue-se a enunciação de jurisprudência comunitária que visa respaldar tal hermenêutica, transcrevendo-se um excerto do Acórdão do TJUE, firmado no Processo n.º C-225/18, que, alega a Requerente, prevê a possibilidade de dedução do IVA no que tange à aquisição de serviços de alojamento e restauração e partindo daí retira a Requerente que tendo incorrido “(...) em despesas de alimentação e alojamento por via de obrigação regulamentar, a não dedução do IVA de tais despesas seria violadora dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade.” Dizendo mais: “Em face do exposto, entende a Requerente que estas despesas têm um nexo direto com a atividade exercida, sendo evidente que os mesmos não se destinam a fins particulares, podendo deduzir-se a totalidade do IVA.”
  18. A Requerente solicita ainda que o Tribunal, em caso de dúvida sobre a compatibilidade com o Direito da União Europeia (em particular, dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade) com a não dedutibilidade do IVA em despesas incorridas em alimentação e alojamento em conformidade com o previsto no artigo 21.º do Código do IVA, quando as mesmas são exigidas ao sujeito passivo por via de obrigação legal, submeta tal questão interpretativa ao TJUE, a título de reenvio prejudicial, nos termos do disposto no art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.  
  19. Quanto às despesas de Aluguer de viaturas e Combustíveis, identificadas em ii) do ponto I), afirma a Requerente que  “Nenhuma das faturas cujo IVA se entende passível de dedução, anexadas ao procedimento de reclamação graciosa objeto de indeferimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira se reporta a aluguer de viaturas e a combustível (...)”, pelo que, a tal propósito, estamos fora do objecto da presente lide.
  20. No que tange agora às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, identificadas em iii) do ponto I), começa a Requerente por trazer à colação a posição da AT que defende que o imposto incorrido na aquisição desses inputs não pode ser deduzido por subsunção no art.º 21.º do Código do IVA [sem especificar] que veda o direito à sua dedutibilidade. De seguida aduz aquela no sentido de que o IVA suportado naquela tipologia de despesas é dedutível na proporção de 25%, nos termos do disposto na alínea e) do número 2 do artigo 21.º do Código do IVA. Afirmando ainda, no que respeita às despesas incorridas com a organização de eventos, dispor a alínea d) do número 2 do artigo 21.º do Código do IVA que, à exceção do tabaco, todas as despesas efetuadas para as necessidades diretas dos participantes, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços e que comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, o imposto é dedutível na proporção de 50%.
  21. Enunciados aqueles preceitos legais que limitam o exercício do direito à dedução nos termos referidos, traz a Requerente à discussão a posição sufragada pelo Tribunal Arbitral, no âmbito do processo n.º 238/2013-T, de 4 de abril de 2014, que em parte transcreve: “(...) é de considerar ilidida a presunção ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, pelo que a requerente tem o direito de deduzir a totalidade do IVA relativo às despesas referidas.”
  22. E respaldada naquela decisão arbitral refere a Requerente que: “Tem o número 1 do artigo 21.º, nas situações de afastamento do direito à dedução, subjacente a presunção de que as despesas indicadas não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeita a IVA. Não obstante, esta presunção poderá ser ilidida desde que se demonstre que a organização de eventos tem o propósito de promover a imagem da empresa, e que se destina a entidades comercialmente interessadas no setor e ao público em geral.”
  23. E isto dito, conclui a Requerente no sentido de que “(...) se deverá considerar ilidida a presunção consagrada na alínea d) do número 2, do artigo 21.º do Código do IVA, quando se está perante a organização de eventos que visem a divulgação da empresa, uma vez que assumem um interesse relevante e um nexo direto e imediato com a atividade da empresa.”
  24. Ainda quanto às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, identificadas em iii) do ponto I), afirma a Requerente que estamos perante despesas gerais da actividade da Requerente, trazendo à colação a Informação Vinculativa n.º 10490, emitida por despacho de 12 de Setembro de 2016 que em parte transcreve. E partindo daí, considera a Requerente que “(...) as despesas gerais da atividade revestem um interesse relevante e estabelecem um nexo direto e imediato com a atividade da empresa, sendo notório que tais despesas não se realizam para satisfazer interesses particulares ou para atender a interesses alheios ao escopo da empresa.” Dizendo mais: “[N]este caso, e atento o exposto, consideramos que o IVA incorrido nestas despesas é dedutível na totalidade, uma vez que estão em causa despesas gerais da atividade e não se aplica nenhuma das exceções tipificadas no artigo 21.º do Código do IVA, sendo evidente que estas despesas não se realizam para satisfazer interesses alheios ao escopo da empresa ou para favorecer interesses particulares.”
  25. Quanto às despesas com Catering, identificadas em iv) do ponto I), afirma a Requerente que  “Nenhuma das faturas cujo IVA se entende passível de dedução, anexadas ao procedimento de reclamação graciosa objeto de indeferimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira se reporta a cetering (...)”, pelo que, a tal propósito, estamos também fora do objecto da presente lide.
  26. A Requerente aduz ainda com o facto da AT colocar outro impedimento à dedução do IVA e que se consubstancia no facto de “os elementos constantes do procedimento não se mostram suficientes para apurar corretamente o imposto devido em cada um desses períodos de tributação”.
  27. A este propósito da não disponibilização de documentos contabilísticos relevantes para aferição da dedutibilidade do IVA controvertido, começa a Requerente por dizer que cumpre escrupulosamente com o imposto pelo artigo 44.º do Código do IVA, trazendo à colação o princípio do inquisitório previsto no art.º 58.º da LGT e defendendo que “[A] não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do ato tributário ou do ato ou decisão em matéria tributária.”; e bem assim como o princípio da colaboração previsto no art.º 59.º da LGT. Pugnando pela não procedência deste argumentário por violação por parte de AT dos princípios do inquisitório e da colaboração.
  28. Conclui a Requerente peticionando que deve o PPA ser julgado procedente na sua totalidade, por provado, e, em consequência, ser promovida a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em que a AT convolou o Pedido de Revisão Oficiosa e a ReguIarização do imposto suportado pela Requerente no montante de Euro 30.749,79, relativamente aos períodos de tributação de 2021/01M, 2021/02M, 2021/03M, 2021/04M, 2021/05M e 2021/06M, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade. Peticiona ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e no pagamento das custas judiciais devidas.
  1. Em 23.9.2024, a Requerida apresentou resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) Breve síntese das alegações da Requerida:

 

  1. No ponto i. da Resposta, a Requerida começa por discorrer abundantemente sobre a natureza do direito à dedução em sede de IVA, o que aqui se deve considerar reiterado.
  2. No ponto ii. da Resposta, trata a Requerida da subsunção do caso concreto no direito enunciado no ponto i., começando por dizer que a Requerente indica no PPA estarem em causa as seguintes operações: «Alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis.»
  3. E partindo dali, diz: “[C]onsultando o documento em anexo ao PPA, que contém as faturas que titulam o imposto suportado pela Requerente cujo direito à dedução é invocado, é possível identificar os seguintes serviços: - Comunicações; marketing; contabilidade; alojamento; alimentação; consumo de eletricidade; consumo de água; aeroportuários; cedência/aluguer de espaço; limpeza; assessoria jurídica.”
  4. E prosseguindo aduz: “[E]m concreto, a Requerente apenas apresenta defesa no presente PPA relativamente às despesas de alimentação e alojamento, e às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos.”
  5. E no que tange às despesas de alimentação e alojamento, aduz a Requerida no sentido de que “[A] Requerente alega que incorreu, em Portugal, em despesas de alimentação e alojamento de clientes, decorrentes de atrasos e cancelamentos nos voos, o que decorre de uma obrigação legal no âmbito da sua atividade.”, referindo de seguida que a alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA, exclui do direito à dedução do imposto as despesas respeitantes a alojamento e alimentação.
  6. A Requerida diz de seguida que, para os casos previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA,  a exclusão in totum do direito à dedução não se verifica, quedando-se a indedutibilidade do IVA suportado pelos valores percentuais que dali decorrem. Acrescentando: “(...) uma vez que não está em causa nenhuma das situações taxativamente elencadas no n.º 2 do art.º 21.º do Código do IVA, que representam as exceções à exclusão do direito à dedução da regra geral do n.º 1 que são legalmente permitidas, não é possível aceitar o IVA das despesas de alimentação e alojamento contantes das faturas em apreço como sendo dedutível.”
  7. Traz ainda a Requerida à colação a informação vinculativa, prestada no âmbito do processo n.º 25201, com despacho de 2023-11-30, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação, que em parte transcreve. Ali se diz: «19. (…) não basta que os bens ou serviços sejam efetivamente utilizados para a realização das operações tributáveis, para que seja possível deduzir o imposto previsto no n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, isto é, apenas as situações previstas no n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, permitem afastar, ainda que parcialmente, a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas despesas referidas no n.º 1 do mesmo artigo. 20. Assim, no caso em análise, o IVA suportado com alojamento e alimentação pela Requerente, sendo objeto de consumo final no âmbito da sua atividade ficam abrangidas pela exclusão do direito à dedução nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA. 21. Aos referidos gastos (alojamento e alimentação) não se aplicam as exceções previstas nas alíneas b), c) d) e e) do n.º 2 do artigo 21.º, por não estarem verificadas as condições enunciadas em cada uma dessas disposições.»
  8. No que tange às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, defende a Requerida que “[N]a situação vertente, não é possível identificar nas faturas anexas ao PPA qualquer operação relativa a participação em feiras e eventos, que, pelo menos, permitisse o enquadramento no n.º 2 do art.º 21.º do Código do IVA.”
  9. Já no que diz respeito às demais despesas, refere a Requerida que “[F]ace à falta de demonstração pela Requerente do âmbito da dedutibilidade do IVA contido nas demais faturas, não é possível nesta sede obter a confirmação de que estão preenchidos os requisitos formais e materiais do direito à dedução supra explanados, cabendo à Requerente o ónus da prova do direito invocado – art.º 74.º da LGT.”
  10. Defendendo finalmente que deve ser proferida decisão que determine a improcedência, in totum, do pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida dos pedidos, com todas as legais consequências.

 

I.C) Alegações da Requerida no articulado superveniente apresentado na sequência das alegações finais da Requerente:

 

  1. Em 4.11.2024, a Requerente apresentou no SGP do CAAD alegações finais e juntou cópia da decisão arbitral que foi prolatada no Processo n.º 709/2023-T.
  2. Mediante requerimento entrado no SGP do CAAD em 7.11.2024, apresentou a Requerida, ao abrigo do principio do contraditório, requerimento superveniente pronunciando-se sobre as alegações finais apresentadas pela Requerente em 4.11.2024 e, nomeadamente, sobre a circunstância da Requerente haver feito junção à petição que consubstanciou as referidas alegações de cópia da decisão arbitral tirada no Processo n.º 709/2023-T.  
  3. A Requerida começou ali por dizer que “(...) a Decisão Arbitral em questão, ainda não transitou em julgado, sendo que, na verdade, na data em que a Requerente a veio juntar aos autos, ainda nem sequer se considerava (aquela decisão) notificada à ali Requerida.”
  4. Dá, de seguida, nota de que vai apresentar Recurso de Uniformização de Jurisprudência que vai ter por objecto aquela Decisão. E fá-lo-á, porquanto, diz, tal decisão: “(...) não só contraria vasta Jurisprudência do CAAD sobre a matéria, como até, viola o Direito da União Europeia, na medida em que contraria também a Jurisprudência do TJUE, que versa sobre esta mesma exacta matéria.”
  5. Isto dito, começa a Requerida por defender que “(...) a questão em apreço nos presentes autos, em primeira instância, é a de saber se, as exclusões do direito à dedução de IVA, previstas no artigo 21.º do CIVA, são presunções ilidíveis.” Prosseguindo refere: “[E], em segundo lugar, em caso de resposta negativa àquela questão, se ao não permitirem prova em contrário, tais presunções (ou exclusões), violam o Direito da União Europeia.” Dizendo mais: “Apenas em caso de resposta positiva a alguma daquelas duas questões, importará aferir da relação entre tais inputs e a actividade da Requerente.” Acrescentando ainda: “Isto porque, se as exclusões do direito à dedução, não se tratarem de presunções que permitem prova em contrário e, isto for conforme ao direito da União Europeia, então, inútil será aferir da relação entre os inputs e a actividade da Requerente, porque de todo o modo a dedução do imposto sempre se mostrará excluída.” Para a Requerida é este o cerne da presente contenda.
  6. E no sentido de se avaliar se as questões colocadas têm resposta negativa, traz à discussão a declaração de voto que está plasmada na decisão que foi prolatada no Processo n.º 709/2023-T, trazida à colação pela Requerente e que a Requerida transcreve abundantemente e que dá conta de que nos processos arbitrais nºs 425/2018-T e 513/2020-T se colocaram dúvidas aos respectivos tribunais arbitrais sobre a correcta interpretação do direito comunitário e, nessa conformidade, se submeteram ao TJUE reenvios prejudiciais que são muito relevantes para a apreciação do litígio aqui em causa.
  7. Da transcrição empreendida e que aqui se deve considerar reiterada, retira a Requerida que “[R]esulta claro que, em primeiro lugar, naqueles dois Processos, entenderam os Tribunais ali constituídos, que as exclusões do direito à dedução do IVA, não constituem presunções que se possam derrogar, pois num como noutro caso, perguntaram ao TJUE se, o facto de não ser permitida a dedução ainda que o sujeito passivo comprove “que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada” é compatível com o Direito da União Europeia.” Dizendo mais: “[O]u seja, as questões foram formuladas no pressuposto de que, a norma (art.º 21.º do CIVA), prevê as exclusões do direito à dedução, independentemente de se comprovar a relação entre os inputs e actividade dos sujeitos passivos.”
  8. E partindo, entre outros, da Jurisprudência firmada naqueles dois Processos, sustenta a Requerida que a resposta à primeira questão é não, na medida em que, defende, com respaldo naquelas decisões e respectivos pronunciamentos do TJUE: “[A]s exclusões do direito à dedução previstas no art.º 21.º do CIVA, não são presunções ilidíveis, ou seja, a exclusão aplica-se ainda que, a totalidade de tais despesas seja integralmente afecta ao exercício da atividade económica tributada do sujeito passivo.”
  9. Já quanto à [segunda] questão (a da eventual violação do direito comunitário), volta a defender a Requerida que, de igual modo, se verifica que a única resposta possível é não. Afirmando contundentemente que “[A]s exclusões do direito à dedução previstas no artigo 21.º do CIVA, não violam o Direito da  União Europeia.”, não deixando de trazer à colação a decisão proferida no âmbito do Processo 207/2019-T, “(...) no qual se analisou a legalidade do artigo 21.º do CIVA, quando exclui do direito à dedução o IVA suportado em despesas de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens, mesmo quando tais despesas sejam integralmente afectas ao exercício da atividade económica tributada do sujeito passivo.”
  10. A Requerida transcreve ainda, abundantemente, a referida decisão arbitral tirada no processo n.º 207/2019-T, o que aqui se deve considerar reiterado.
  11. De seguida traz a Requerida à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.02.2021, proferido no âmbito do Processo 0353/11.5BECTB, que igualmente transcreve e que aqui se deve considerar repristinado.
  12. Da transcrição operada pela Requerida, retira aquela, com respaldo na transcrita decisão do STA, a conclusão de que “(...) as exclusões (ou limitações) do direito à dedução, previstas no artigo 21.º do CIVA, se aplicam, mesmo que, no caso, se demonstre que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada.”; bem como se retira que tal norma legal não viola a Constituição, nem o Direito da União Europeia.
  13. Isto dito e volvendo novamente para a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo 709/2023-T, sustenta a Requerida que tal decisão “(...) é amplamente contrariada, quer pelo TJUE, que tendo proferido suficiente Jurisprudência sobre a matéria, no último reenvio já se escusou a fazê-lo, tendo decidido por Despacho, quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, que como observámos, refere que as exclusões do artigo 21.º do CIVA se aplicam, independentemente de as despesas serem integralmente afectas à realização de operações que conferem o direito à dedução e, que esta norma é legal, respeitando, nomeadamente, o Direito da União Europeia e a Constituição.”
  14. Face ao exposto, volta a Requerida a peticionar a improcedência do PPA e consequentemente, a sua absolvição de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, ou, a não se entender assim, sem conceder, mas que por dever de cautela equaciona, peticiona ainda seja julgada inconstitucional a solução legal que possa vir a estar em contradição com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia citada, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

  1. As questões decidendas são: i) a da aplicabilidade, ou não, de restrições no direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação e alojamento incorridas pela Recorrente no âmbito do “Direito de Assistência” dos seus clientes/passageiros e ainda do IVA suportado na incorrência de despesas com a participação em feiras e eventos. A questão é saber se a Requerente tem direito à dedução integral do IVA incidente sobre aqueles serviços que contratou a terceiros, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CIVA, quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), do mesmo compêndio normativo; ii) a de saber se a Requerida violou o princípio do inquisitório e da colaboração; e finalmente iii) o direito da Requerente a juros indemnizatórios.
  2. Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria atenta a conformação do objecto do processo, dirigido aos actos de autoliquidação de IVA reportados aos períodos de tributação de 2021/01M, 2021/02M, 2021/03M, 2021/04M, 2021/05M e 2021/06M, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Não foram suscitadas existem excepções que se mostre necessário apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

III.A) Factos que se consideram provados:

 

  1. Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
  1. A Requerente é uma sucursal em Portugal da companhia aérea sediada em Espanha,  B..., S.A., que dispõe de uma rede de voos em território português e tem como objeto social o “transporte aéreo nacional e internacional de passageiros, carga, correio regular e irregular, assim como qualquer outra atividade relacionada, dentro do âmbito do objeto social da empresa sujeita a legislação deste país e às normas aplicáveis às sucursais de sociedades com sede no estrangeiro”. (Cfr. art.º 14.º do PPA e fls. 9/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  2. Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de tributação, de periodicidade mensal. (Cfr. art.º 15.º do PPA e fls. 9/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  3. No âmbito da sua atividade, a Requerente pratica operações que, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, permitem a dedução do IVA incorrido – operações sujeitas a IVA e não isentas e operações isentas pela alínea r) do número 1 do artigo 14.º do CIVA, comportando-se, assim, como sujeito passivo misto para efeitos do que dispõe o art.º 23.º do CIVA. (Cfr. art.º 16.º do PPA e fls. 9/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  4. No contexto da prossecução da sua atividade em Portugal, nos últimos anos, a Requerente tem incorrido em despesas de natureza diversa, relativamente às quais, não deduziu IVA. (Cfr. art.º 17.º do PPA e fls. 9/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  5. Tais operações passivas consubstanciadas nas despesas referidas no ponto D) do Probatório, consistem na aquisição dos seguintes de bens e serviços: Alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis (Cfr. art.º 18.º do PPA; Doc. n.º 3 junto ao PPA; e fls. 16/255 a 231/255do PA – Reclamação Graciosa);
  6. Com referência aos períodos de tributação de 2021.01M, 2021.02M, 2021.03M, 2021.04M, 2021.05M e 2021.06, a Requerente submeteu as seguintes declarações periódicas (DPs), tendo apurado crédito de imposto a recuperar (Campo 94) e inscrito os mesmos valores no campo 96 - “Excesso a reportar”: i) Em 2021-03-22 - ... (2021-01) - crédito de imposto a recuperar - € 49.715,95; ii) Em 2021-04-20 - ... (2021-02) - crédito de imposto a recuperar - € 49.712,97; iii) Em 2021-05-19 - ... (2021-03) - crédito de imposto a recuperar - € 49.711,48; iv) Em 2021-06-14 - ... (2021-04) - crédito de imposto a recuperar - € 49.708,44; v) Em 2021-07-18 - ... (2021-05) - crédito de imposto a recuperar - € 49.704,54; vi) Em 2021-08-11 - ... (2021-06) - crédito de imposto a recuperar € 49.702,24. (Cfr. fls. 5/255 e 235/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  7. Em 24.2.2023, a Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa das seguintes autoliquidações de IVA: n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., todas com crédito de imposto a recuperar nos montantes de € 49.715,95, € 49.712,97, € 49.711,48, € 49.708,44, € 49.704,54 e € 49.702,24, com referência aos períodos de tributação de 2021.01M, 2021.02M, 2021.03M, 2021.04M, 2021.05M e 2021-06, respetivamente. (Cfr. fls. 5/255 e 235/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  8. No Pedido de Revisão Oficiosa referido no ponto G) do Probatório que veio a dar origem ao Processo n.º ...2023..., a Requerente peticionava a admissibilidade da regularização do imposto suportado naqueles períodos no montante total de € 30.749,79, conforme se discrimina: i) 2021-01M - € 660,87; ii) 2021.02M - € 9.084,50; 2021.03M - € 4.145,42; 2021.04M - € 4.845,43; 2021.05M - € 6.706,69; 2021.06M - € 5.306,88. (Cfr. art.º 24.º do PPA; Doc. n.º 4 junto ao PPA; e fls. 5/255 e 235/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  9. Por despacho de 11.5.2023, do Exm.º Senhor Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, o Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2023..., foi convolado em Procedimento de Reclamação Graciosa que junto da AT veio a tomar o n.º ...2023... . (Cfr. art.º 25.º do PPA e fls. 3/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  10. Por despacho de 22.12.2023, da Exm.ª Senhora Directora de Finanças, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a Reclamação Graciosa identificada no ponto I) do Probatório, estribando-se tal decisão de indeferimento na informação de 21.12.2023, que, no seu ponto V. (tem por epígrafe “Análise do Pedido e Parecer”), refere: “[V].1 – Resumidamente a, reclamante pretende que, nas autoliquidações de imposto contestadas, seja considerado o IVA suportado, nos diferentes períodos de tributação de 2021, invocando erro de direito. V.2 - O direito à dedução do imposto suportado a montante é uma peça fundamental da estrutura do IVA, pois assegura a não cumulatividade do imposto e garante a sua neutralidade, do ponto de vista dos efeitos económicos. Efetivamente, conforme determina a 6.ª Diretiva, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis, o sujeito passivo poderá deduzir o imposto suportado nas suas aquisições. V.3 - Estabelece o art.º 22.º do Código do IVA, o momento e modalidades do exercício do direito à dedução, dispondo para o efeito que: V.3.1 – “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período. V.3.2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. V.3.3 - Se a receção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.” V.4 – De acordo com o estipulado no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, o direito à dedução pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento desse direito, porém o limite temporal estabelecido nesta norma não significa que possa ser à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto. V.5 - Em regra, é passível de dedução todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados em operações tributadas, conforme resulta das normas dos artigos 19.º e 20.º do CIVA. V.6 - Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais se encontram previstas no n.º 1 do art.º 21.º do CIVA, autorizadas pela cláusula denominada de "congelamento" ou de standstill, prevista no art.º 17.º, n.º 6 da Sexta Diretiva, e estão sobretudo relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas caraterísticas os torna não essenciais à atividade produtiva ou suscetíveis de serem utilizados para fins alheios a uma atividade tributada. V.7 - Com efeito, no caso em análise importa referir que o direito à dedução do imposto contido nas despesas incorridas a título de “Alimentação”, “Alojamento”, “Aluguer de viaturas”, “Combustível”, “Participação em feiras e workshops e organização de eventos” e “Serviços de catering”, encontra-se vedado ou limitado, nos termos da norma supracitada. V.8 – Assim para ser dedutível o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito. V.9 - Com efeito não ficou demonstrado, que as despesas referidas têm uma relação direta com a atividade tributada da empresa, nem inerente à obtenção de proveitos tributados, pelo que não cumprirá, em termos genéricos as condições para a dedução fiscal. V.10 - Assim, na situação em análise não se demonstram os factos alegados, estando ainda a dedução do IVA das despesas mencionadas no ponto “V.7” vedadas por força do disposto no art.º 21.º do Código do IVA, bem como os elementos constantes do procedimento não se mostram suficientes para apurar corretamente o imposto devido em cada um desses períodos de tributação.” (Cfr. art.º 25.º do PPA e fls. 248 e 249/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  11. No dia 25 de Janeiro de 2024, foi a Requerente notificada, através do ofício n.º..., de 24 de Janeiro de 2024, da Direcção de Finanças de Lisboa, do despacho de indeferimento que recaiu sobre o procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... . (cfr. art.º 2.º do PPA – facto não controvertido – e fls. 252/255 do PA – Reclamação Graciosa);
  12. Em 24.4.2024, pelas 23:49 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
  13. O PPA foi aceite em 29.4.2024, pelas 12:53 horas. (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

IV.B) Factos não provados:

  1. Não se provou a incorrência de custos com a participação em feiras e eventos ou com a organização de eventos que pudessem subsumir-se nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, já que da análise às  facturas juntas ao PPA como Doc. n.º 3 não consegue o Tribunal descortinar que qualquer um daqueles documentos titule tal tipologia de despesas.
  2. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
  3. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.

 

IV.D) Do Direito:

 

IV.D.1) Apreciação do mérito da causa:

  1. A Requerente defende a inaplicabilidade ao IVA suportado nas despesas de alimentação e alojamento da alínea d), do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e ainda que refira as alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, a propósito do IVA suportado nas despesas incorridas com a participação em feiras e eventos e a organização de eventos,  por tais inputs revestirem carácter estritamente profissional não se destinando a consumos privados ou a fins alheios à actividade societária prosseguida pela Requerente, sustenta que tal IVA deve considerar-se desonerado na totalidade por inaplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do  art.º 21.º do CIVA, já que considera ilidida da presunção que, diz, aquela norma encerra.
  2. Aduzindo tal como está sobejamente reproduzido no ponto dedicado às alegações da Requerente para onde se remete. Não obstante, sempre se dirá que a Requerente sustenta, no essencial, o seguinte: i) quanto às despesas de alimentação e alojamento: 1) A excepcionalidade das restrições ao direito à dedução previstas no n.º 1 do art.º 21.º do CIVA; 2) A previsão de presunção que vai no sentido de que tais despesas (referidas na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA) não têm relação exclusiva com o exercício de actividades tributadas; 3) Trazendo à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 40/2016-T, defende que as restrições ao direito à dedução previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA se consubstanciam numa presunção ilidível que pode ser afastada mediante prova em contrário, ou seja, de que os gastos incorridos são exclusivamente afectos à actividade empresarial; 4) As despesas de alimentação e alojamento são incorridas por via de obrigação legal que resulta da vigência do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91; 5) Invoca a Requerente jurisprudência do TJUE, concretamente o Acórdão de 2 de Maio de 2019, Processo n.º C-225/18, Caso Grupa Lotos AS([1]); 6) Tendo a Requerente incorrido em despesas de alimentação e alojamento em resultado de obrigação legal, a não desoneração do IVA suportado seria violadora dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade; 7) Tais despesas têm um nexo directo com a actividade exercida pela Requerente, donde, não são despesas desviáveis para finalidades privadas, podendo deduzir-se a totalidade desse IVA;  ii) no que tange às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos: 1) Quanto à participação em feiras e eventos, traz a Requerente à colação a alínea e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, para sustentar que o IVA suportado com tais despesas é dedutível na proporção de 25%; 2) já no que respeita às despesas incorridas com a organização de eventos, traz a Requerente à colação a alínea d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, para sustentar que o IVA suportado com tais despesas é dedutível na proporção de 50%; 3) Trazendo à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 238/2013-T, defende que as restrições ao direito à dedução previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA se consubstanciam numa presunção ilidível, desde que se demonstre que a organização de eventos tem o propósito de promover a imagem da empresa, e que se destina a entidades comercialmente interessadas no sector e ao público em geral; 4) Conclui que se deverá considerar ilidida a presunção consagrada na alínea d) do número 2, do artigo 21.º do Código do IVA, quando se está perante a organização de eventos que visem a divulgação da empresa, uma vez que assumem um interesse relevante e um nexo direto e imediato com a atividade da empresa; 5) Quanto a estas despesas afirma ainda a Requerente que estamos perante despesas gerais da actividade da Requerente, trazendo à colação a Informação Vinculativa n.º 10490, emitida por despacho de 12 de Setembro de 2016 que em parte transcreve. E partindo daí, considera a Requerente que “(...) as despesas gerais da atividade revestem um interesse relevante e estabelecem um nexo direto e imediato com a atividade da empresa, sendo notório que tais despesas não se realizam para satisfazer interesses particulares ou para atender a interesses alheios ao escopo da empresa.” Dizendo mais: “[N]este caso, e atento o exposto, consideramos que o IVA incorrido nestas despesas é dedutível na totalidade, uma vez que estão em causa despesas gerais da atividade e não se aplica nenhuma das exceções tipificadas no artigo 21.º do Código do IVA, sendo evidente que estas despesas não se realizam para satisfazer interesses alheios ao escopo da empresa ou para favorecer interesses particulares.”.
  3. Tal como resulta da matéria de facto não provada, nas facturas juntas ao pedido de pronúncia arbitral como Doc. n.º 3, não consegue o Tribunal descortinar que qualquer um daqueles documentos titule a incorrência de custos com a participação em feiras e eventos ou a organização de eventos que pudessem subsumir-se nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA.
  4. Assim sendo, e atendendo a que a Requerente, como visto, defende também a subsunção destas despesas na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e a sua dedutibilidade in totum por se mostrar ilidida a presunção que dali diz decorrer, para o Tribunal esta tipologia de despesas não se distingue nem autonomiza das restantes despesas de alimentação e alojamento, pelo que, a questão decidenda está claramente ligada à questão de saber se aquela podia, ou não, desonerar-se do IVA suportado nas prestações de serviços de alimentação e alojamento que estão tituladas nas facturas que integram o Doc. n.º 3 e que têm tal natureza. O que nos leva à necessidade de enquadramento para efeitos do direito à dedução, tão-só, das despesas em que a Requerente incorreu de alimentação e alojamento (onde também se integram as referidas pela Requerente despesas incorridas com a participação em feiras e eventos) na previsão da alínea d) n.º 1 art.º 21.º Código do IVA. Ainda assim, abordaremos adiante a questão dos requisitos substanciais e formais que permitem a dedutibilidade daquela tipologia de despesas por subsunção nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21º do CIVA, considerando, diga-se desde já, não estarem cumpridos, in casu, tais requisitos, pelo que, mais uma vez sustentaremos a inaplicabilidade de tais preceitos e, por isso, a impossibilidade de desoneração meramente parcial do IVA suportado em tais despesas com fundamento naquelas disposições do n.º 2 do art.º 21º do CIVA.
  5. A dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos nas operações intermédias do circuito económico é um elemento central do funcionamento do sistema do IVA, que tem como objetivo tributar apenas o consumo final.
  6. O direito à dedução pressupõe, pois, que os sujeitos passivos recuperem, em regra, o IVA suportado em bens e serviços com vista à realização de operações tributadas, dentro dos limites estabelecidos no Código do IVA.
  7. Nesse sentido, o art.º 19.º, n.º 1 do CIVA estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA.
  8. O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, no entanto, um condicionalismo formal, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas na forma legal, as faturas que contenham os requisitos enunciados no n.º 5 do art.º 36.º ou no n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CIVA.
  9. Por seu lado, o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, determina que só pode deduzir-se o imposto suportado pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas, nos termos da sua alínea a), ou nas operações elencadas na sua alínea b).
  10. Intuindo-se das aludidas normas que o imposto susceptível de desoneração por via do exercício do direito à dedução, corresponde, em princípio, a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações activas tributadas.
  11. Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas excepções, as quais têm previsão legal no art.º 21.º do CIVA, que, sob a epígrafe “Exclusões do direito à dedução”,  estatui como segue: “1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor; b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com exceção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, gasolina, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível: i) Veículos pesados de passageiros; ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car; iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados; iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola; v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg; c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens; d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções; e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração. 2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos: a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda; b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares; c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso; d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %; e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %. f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC; g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 %; h) Despesas respeitantes a eletricidade utilizada em viaturas elétricas ou híbridas plug-in. 3 - Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.”
  12. Tais exclusões do direito à dedução estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.
  13. Em sede de IVA e nos termos e em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IVA, encontra-se excluído do exercício do direito à dedução o imposto suportado nas “Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imoveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções.”
  14. As normas  vindas de explicitar constituem o quadro normativo interno que permite dirimir o dissidio sub judicio.
  15. Volvendo agora a nossa abordagem para o ordenamento jurídico-comunitário, diga-se que o exercício do direito à dedução em sede de IVA consubstancia uma das principais características deste imposto, em conformidade, aliás, com o regime consagrado na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977), concretamente no seu art.º 17.º [que corresponde ao art.º 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA (vulgarmente denominada de "Diretiva IVA")], preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do referido direito.
  16. O direito comunitário é matriz e fundamento do Sistema Comum do IVA.
  17. Sendo que, o direito interno dos Estados-membros (o nacional e a tal propósito, basicamente explicitado acima) não pode conceber e adotar soluções legislativas que se mostrem em contravenção com a matriz a que todos devem obediência.
  18. O direito à dedução é elemento estruturante e basilar de funcionamento do IVA e, por princípio, não pode ser limitado ou simplesmente excluído, excepto nas situações previstas expressamente no normativo comunitário em vigor. Vejamos,
  19. O aludido Sistema Comum do IVA, já o dizia o art.º 2.º da Diretiva n.º 67/227/CEE (o que se mantém perfeitamente inalterado na actual Diretiva n.º 2006/112/CE) “(...) consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
  20. O cálculo do IVA pelos operadores económicos efetua-se através do designado método subtrativo indirecto, em conformidade com o estabelecido no 2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 1.º da actual Diretiva n.º 2006/112/CE - “Diretiva IVA” - nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
  21. O regime das deduções que enforma o Sistema Comum do IVA, visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas, desde que, elas próprias, estejam efetivamente sujeitas a imposto. Como reiteradamente vem afirmando o TJUE: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA”. Neste sentido vejam-se Acórdãos do TJUE: - de 5.7.2018, Proc.C-320/17, Marie Participations; -  de 2.5.2019, Proc. C-225/18, Grupa Lotos; - de 3.7.2019, Proc. C-316/18, The Chancellor, Masters and Scholars if the University of Cambridge; e - de 26.2.2020, Proc. C-630/19, PAGE International.
  22. O direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.” (Cfr. Acórdão do TJUE de 14.6.2917, Proc. C-38/16, Compass Contract Services e ainda Acórdão do TJUE de 18.10.2018, Proc. C- 153/17, Volkswagen Financial Services).
  23. O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (doravante, DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
  24. Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem, em princípio, direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços. No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma factura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à facturação.
  25. Não obstente, a DIVA, no seu art.º 176.º, exclui o exercício do direito à dedução em relação às “[D]espesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.”
  26. A DIVA autoriza que os Estados-Membros possam consagrar nas suas legislações nacionais exclusões do direito à dedução, na condição de as mesmas constarem de legislação anterior à adopção do IVA, tal como delineado no âmbito do sistema comum. Vejamos: para além de limitações ou exclusões por razões conjunturais que podem emergir após consulta ao Comité do IVA (Cfr. art.º 177º da DIVA); ou até de limitações ou exclusões excepcionalmente autorizadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade e sob proposta da Comissão, para evitar situações de fraude ou evasão fiscal (Cfr. art.º 395.º da DIVA), releva ainda como fundamento para o afastamento do direito à dedução, a vigência de normas de direito interno que vigorassem em momento anterior a 1.1.1979 ou vigorassem em momento anterior à data de adesão de um determinado Estado-Membro à União Europeia (Cfr. art.º 176.º da DIVA que dispõe:“[O] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão. – a parte por nós destacada a carregado e sublinhado é vulgarmente conhecida como cláusula “standstill”).
  27. Tal autorização encontrava-se igualmente expressa no n.º 6 do art.º 17.º, da Diretiva 77/388/CEE (sexta Directiva), em vigor à data de adesão da República Portuguesa à então Comunidade Económica Europeia, com a seguinte redacção: “O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva[2].”
  28. A Sexta Directiva do Conselho entrou em vigor em 17/05/1977.
  29. No que respeita a Portugal, o CIVA entrou em vigor em 01.01.1986 (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 42/85, de 22/08), na mesma data em que entrou em vigor o Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e as Adaptações dos Tratados, em anexo ao Tratado de Adesão, assinado a 12.06.1985, tendo Portugal ficado obrigado a dar cumprimento ao sistema comum do IVA, a partir de 01.01.1989.
  30. O artigo 395.º do Acto de Adesão dispõe como segue: “Os novos Estados membros porão em vigor as medidas necessárias para darem cumprimento, a partir da adesão, ao disposto nas directivas e decisões, na acepção do artigo 189.º do Tratado CEE e do artigo 161.º do Tratado CEEA, bem como nas recomendações e decisões, na acepção do artigo 14.º do Tratado CECA, a menos que seja fixado um prazo na lista constante do anexo XXXVI ou noutras disposições do presente Acto.
  31. Nos termos do artigo 395.º do Acto de Adesão e Anexo XXXVI, estava a República Portuguesa obrigada a adoptar, a partir de 01.01.1989, as medidas necessárias ao cumprimento da Sexta Directiva.
  32. Tendo presente que a adesão à CEE teve efeitos a partir de 01.01.1986, que o Código de IVA não se encontrava em vigor em 31/12/1985 e que não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA nessa data, uma vez que o Código do Imposto de Transacções (CIT) revogado pelo CIVA, não previa as exclusões à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, colocava-se a questão de saber se poderia ou não o legislador nacional introduzir as exclusões e as limitações ao direito à dedução com base na cláusula “standstill”.
  33. Sobre a compatibilidade das limitações e exclusões do direito à dedução com o normativo comunitário, constantes do art.º 21.º do CIVA, foi, em decisão arbitral proferida no processo 207/2019-T que tramitou no CAAD e também invocado pela Requerida, suscitado o reenvio prejudicial e colocadas ao TJUE as seguintes questões: 1) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (ao referir que os Estados-Membros «podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva») permitia que um novo Estado Membro, na data da respectiva adesão, introduzisse na sua legislação interna exclusões do direito à dedução de IVA? 2) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva tem alcance idêntico ao artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28.11.2006 (ao estabelecer que os Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após 1 de Janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional na data da respectiva adesão), quanto à data relevante para apurar quais «as exclusões previstas na respectiva legislação nacional» que podem ser mantidas? 3) No pressuposto de que, à face da Sexta Directiva, Portugal podia manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva em 1 de Janeiro de 1989, data da entrada em vigor a Sexta Directiva em Portugal, essa possibilidade foi alterada pela Directiva n.º 2006/112/CE, ao indicar como data relevante a da adesão (1 de Janeiro de 1986)? 4) O artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que, na data da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, comecem a vigorar regras (como as constantes no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) que estabelecem a exclusão do direito à dedução de imposto respeitante a determinadas despesas (inclusivamente de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens), em situação em que tais regras tinham sido publicadas e inicialmente previstas para entrarem em vigor antes da adesão, mas foi diferida a sua entrada em vigor para a data em que ocorreu a adesão? 5) O artigo 168.°, alínea a) da Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que na legislação interna de um Estado Membro sejam consagradas regras de exclusão do direito à dedução (como as constantes do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, relativas a despesas de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens) aplicáveis mesmo quando se faz prova de que os bens e serviços adquiridos foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo? 6) O artigo 176.° da Diretiva 2006/112 e o princípio da proporcionalidade opõem-se a que as exclusões do direito a dedução nela não previstas, mas que podem ser mantidas pelos Estados- Membros ao abrigo da sua 2.a parte, sejam aplicáveis quando se faz prova de que as despesas respectivas têm natureza estritamente profissional e os bens e os serviços foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo?”
  34. Em resposta às (acima transcritas) questões prejudiciais, o TJUE, em despacho fundamentado datado de 17.09.2020, proferido no processo C-837/19, Super Bock Bebidas, determinou: “ O artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado-Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União Europeia segundo a qual as exclusões do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”
  35. Na data de entrada em vigor em Portugal da 6.ª Directiva, ou seja, como visto, em 1.1.1989, o ordenamento jurídico interno tinha a vigorar as exclusões e limitações ao exercício do direito à dedução previstas no art.º 21º do CIVA e manteve-as exactamente ao abrigo do aludido regime de exclusão prévia, consubstanciado na aplicação da referida “clausula standstill”.
  36. Por conseguinte, uma vez que as exclusões e limitações ao direito à dedução do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nos inputs em que incorre, constituem limitação ao princípio da neutralidade do imposto e a sua introdução no direito interno, por transposição do normativo comunitário, só é possível em conformidade com norma expressamente prevista na Directiva matriz que regula e harmoniza o Sistema Comum do IVA e esclarecido que está que as exclusões e limitações ao direito à dedução previstas no art.º 21.º do CIVA não estão em contravenção como o normativo comunitário, estando, aliás, suportadas na acima referida cláusula de "congelamento" ou “standstill”; resolvida a questão da compatibilidade do art.º 21º do CIVA com o normativo comunitário em vigor, adequado se mostra discorrer sobre o tipo de despesas cujo IVA suportado não é susceptível de dedução: as despesas cujo IVA suportado está excluído (ou limitado) de desoneração por via do exercício do direito à dedução nos termos do art.º 21.º do CIVA (mesmo na sua redacção à data de entrada em vigor da 6.ª Directiva em Portugal) são despesas que, pela sua natureza, podem ser facilmente desviáveis para fins privados ou não empresariais, consubstanciando-se, assim, em consumos finais e, por isso, não susceptíveis de desoneração em IVA. 
  37. A razão de ser das exclusões ao exercício do direito à dedução radica no facto de se tratar de consumos que, não obstante, possam ser absolutamente necessários para a prossecução de determinadas atividades, são facilmente desviáveis para consumos privados. Colocando-se até a questão de saber se as limitações ou exclusões previstas no art.º 21º do CIVA subsistem mesmo que os bens ou serviços que originaram o imposto suportado sejam insusceptíveis de utilização privada[3] (como é o caso nos presentes autos já que a Requerente tem de suportar as despesas com alojamento e alimentação por imposição legal) ou até mesmo que se demonstre que tais bens ou serviços têm carácter estritamente profissional.
  38. A jurisprudência comunitária emanada do TJUE[4], vem firmando entendimento consolidado que vai no seguinte sentido:   i) As exclusões e limitações podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm carácter estritamente profissional; as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da atividade; e as que não são susceptíveis de, no caso concreto, serem utilizadas para fins privados; ii) Não pode ser excluído ou limitado o exercício do direito à dedução relativamente a bens e serviços de modo que o conteúdo do direito à dedução resulte esvaziado; iii) Não pode ser alargado o âmbito das exclusões e limitações após a data de 1.1.1979 ou após a data da adesão do respectivo Estado-Membro, conquanto essa adesão haja ocorrido após o dia 1.1.1979  (cláusula standstill), ou seja, alterações ulteriores no sentido do alargamento das exclusões ou limitações já a vigorar violam claramente o normativo comunitário.
  39. Inferindo-se daqui que o IVA suportado nas despesas de alimentação e alojamento, não obstante ligado, inequivocamente, in casu, à realização de actividades empresariais, não era, em princípio, suscetível de desoneração por aplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 21º do CIVA, ou seja, não era o facto de haver uma inequívoca ligação dos inputs consubstanciados nas despesas de alimentação e alojamento à realização de actividades tributadas que conferia à Requerente a possibilidade de desoneração do IVA suportado naquelas despesas.   
  40. Entre as exclusões do direito à dedução e que têm relevância para o caso sub judicio, nos termos e em conformidade com o referido na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA, encontra-se o imposto suportado em “[D]espesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções".
  41. Não obstante as exclusões e limitações previstas no n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e de entre elas a exclusão prevista na alínea d) daquele normativo, o n.º 2 do mesmo artigo, permite, em certos casos, a dedução, ainda que nalgumas situações a título meramente parcial, do IVA incluído nas respectivas despesas. É o que se verifica com as despesas referidas nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA.
  42. Quanto à referida alínea d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, não há exclusão do direito à dedução, antes se admitindo uma dedução parcial do IVA suportado na aquisição de despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções, ou seja, podendo o IVA suportado em tais despesas ser deduzido, na proporção de 50%, na condição de serem relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, e só se forem efetuadas para as necessidades dos participantes nestes eventos.
  43. No sentido de clarificar o teor e alcance das alíneas c) e d) do n.º 1 e alíneas d) e e) do n.º 2, ambos do artigo 21.º do CIVA, os Serviços do IVA sancionaram, através do Ofício-Circulado n.º 30090/2006, de 31 de Março, que vem esclarecer o regime aplicável à dedução do IVA suportado nas despesas aí referidas.
  44. Resulta do ponto 6 do referido Ofício-Circulado, que apenas podem usufruir da possibilidade consignada na alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º, os organizadores de congressos, feiras, exposição, seminários, conferências e similares.
  45. Sob a Epígrafe “Condições Formais”, diz ainda o n.º 9 do referido Ofício-Circulado n.º 30090/2006, de 31 de Março: “[P]ara que o IVA suportado nas despesas a que alude a alínea d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA possa ser efetivamente objeto de dedução por parte dos organizadores dos eventos aí referidos, exige a lei que aquelas, em alternativa, resultem de contratos celebrados: - Diretamente com o prestador dos serviços cuja dedução do IVA que os onera se pretende efetuar; - Com entidades habilitadas, nos termos da lei, a intermediarem a aquisição ou o fornecimento de tais serviços.”
  46. Ademais, se o organizador do evento subcontrata os serviços para posteriormente serem debitados a um terceiro e discrimina esses serviços na faturação emitida, aplica-se a alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, deduzindo-se o IVA na sua totalidade. Diz aquela norma: “[N]ão se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos: (...) c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso; (...).”
  47. Se, por outro lado, o organizador subcontrata serviços, por exemplo, de refeições, mas estas não são evidenciadas na facturação efetuada, não sendo objecto de débito discriminado a terceiros, então, e não se verificando a condição do débito "com vista a obter o respetivo reembolso", não pode aplicar-se a alínea c) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, pelo que a única possibilidade de desoneração, meramente parcial, é fazer-se uso do disposto na alínea d) desse preceito, permitindo-se, como visto, a dedução em 50%.
  48. O exercício do direito à dedução das despesas aqui em causa em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 21º do CIVA está ainda sujeita ao cumprimento de requisitos de ordem formal e que são:  i) débito formal ao cliente, com discriminação das respectivas despesas e aplicação do IVA à taxa correspondente a cada um dos bens e/ou serviços debitados, devendo apensar-se à respetiva factura cópias das referidas despesas, dado que os originais são os documentos de suporte dos lançamentos efetuados na sua contabilidade, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do Código do IRC; ii) o débito deve ocorrer por via de uma fatura autónoma ou por via da identificação do dito serviço em linha autónoma da fatura, pois só assim fica garantido o cumprimento das regras do imposto.
  49. Do que vem de ser  dito pode inferir-se que a desoneração do IVA suportado em despesas subsumíveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 21º do CIVA, é a excepção, ou seja, em principio, ela está incontornavelmente excluída ou afastada por aplicação daquele normativo[5] e só é admitida na hipótese do redébito com vista à obtenção do seu reembolso, admitindo-se a sua desoneração a 100% e desde que cumpridos os formalismos acima explicitados; sendo ainda admitida a desoneração do IVA suportado para as hipóteses previstas nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA.
  50. A Requerente, não obstante haver invocado as alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA para sustentar que a desoneração parcial do IVA suportado com a participação em feiras e eventos e até na organização de eventos, não provou haver dado cumprimento aos formalismos acima enunciados; nem mesmo se provou, tal como resulta da matéria de facto dada como não provada, que os documentos de facturação que foram juntos ao PPA titulassem despesas incorridas com a participação em feiras e eventos ou ainda com a organização desses mesmos eventos, pelo que, assim sendo, a aventada pretensão da Requerente de ancorar o erro de enquadramento das autoliquidações sindicadas (quanto a esta tipologia de despesas incorridas com a participação em feiras e eventos) na errónea aplicação das alíneas d) e/ou e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA e, como em resultado disso, a pretensão de desoneração do IVA suportado nas referidas despesas, tão-somente, em função dos valores percentuais ali previstos, na interpretação do Tribunal não pode colher também para esta tipologia de despesas
  51. Prosseguindo e tal como resulta sobejamente referido na parte reportada às alegações da Requerente e da Requerida, aquela apresentou alegações finais e juntou a decisão arbitral tirada no Processo n.º 709/2023-T e à data ainda não transitada em julgado.
  52. Em requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 7.11.2024, a Requerida exerceu o contraditório sobre as referidas alegações finais apresentadas pela Requerente e, nomeadamente, sobre a junção da aludida decisão arbitral não transitada, informando, aliás, que iria interpor Recurso de Uniformização de jurisprudência.
  53. Naquele Requerimento superveniente começa a Requerida por dizer que a questão relevante no presente dissídio é a de saber se as exclusões e limitações do direito à dedução previstas no art.º 21.º do CIVA se podem consubstanciar como presunções ilidíveis e, em caso de resposta negativa a tal questão, se, ao não permitirem prova em contrário, violam o direito da União Europeia.
  54. Dizendo mais: “[A]penas em caso de resposta positiva a alguma daquelas duas questões, importará aferir da relação entre tais inputs e a actividade da Requerente.” (...) “[I]sto porque, se as exclusões do direito à dedução, não se tratarem de presunções que permitem prova em contrário e, isto for conforme ao direito da União Europeia, então, inútil será aferir da relação entre os inputs e a actividade da Requerente, porque todo o modo a dedução do imposto sempre se mostrará excluída.”
  55. No sentido de avaliar se as questões colocadas tinham (ou não) resposta negativa, a Requerida transcreve abundantemente a declaração de voto formulada na referida decisão arbitral e que igualmente aqui se reproduz em parte. Ali se diz: “[C]ompete agora fazer uma análise detalhada da jurisprudência existente, designadamente, temos o TJUE, que já se pronunciou sobre esta questão nos processos 513/2020-T e 425/2018- T, que para esse fim solicitaram o reenvio prejudicial, conforme de seguida, sumariamente, se elenca.”
  56. No âmbito do citado Processo n.º 425/2018-T e por decisão de 7 de Agosto de 2019, foi enunciada a seguinte questão que foi submetida a reenvio prejudicial ao abrigo do art.º 267.º do Tratado de funcionamento da União Europeia: “(...) a apreciação da questão de saber se a Requerente tem direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering que subcontratou a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA.” Concretamente foi colocada ao TJUE a seguinte questão: “A correta interpretação da alínea a) do artigo 168.º e do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, e dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, permitem que o legislador português, na alínea d) do n.º 1 e na alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, limite em 50% o direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada?”
  57. Tal pedido de reenvio prejudicial, feito ao abrigo do art.º 267.º do TFUE, deu origem ao Processo n.º C-630/19, onde foi proferido, em conformidade com o art.º 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, despacho fundamentado, de 26 de Fevereiro de 2020, que pode ser lido in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=224104&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=734823 .
  58. Nos pontos 20 a 38 do referido Despacho fundamentado, diz-se: “(...) 20 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal que, após a adesão do Estado‑Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do IVA, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do IVA que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável. 21 A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito à dedução previsto no artigo 168.°, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. É imediatamente exercido em relação à totalidade do IVA que tenha onerado as operações efetuadas a montante (v., nomeadamente, Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 25 e jurisprudência referida). 22 O regime das deduções visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 26 e jurisprudência referida). 23 Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou esse serviço para as necessidades das suas operações tributadas, está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou ao referido serviço (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 27 e jurisprudência referida). 24 Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito à dedução do IVA nos casos expressamente previstos nas disposições das diretivas que regem esse imposto (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 28 e jurisprudência referida). 25 Entre essas derrogações figura o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.°, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»), e cuja adoção não teve incidência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 29 e jurisprudência referida). 26 Tal como o artigo 17.°, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill que prevê, nomeadamente, para os Estados que aderem à União, a manutenção das exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, que eram aplicáveis antes da data da respetiva adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo desse artigo 176.°, o que, até à data, o Conselho ainda não fez (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 30 e jurisprudência referida). 27 Em terceiro lugar, a competência residual dos Estados‑Membros para manter as exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, em aplicação do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, porém, absoluta. Foi neste sentido que o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula de standstill não visa permitir a um novo Estado‑Membro alterar a sua legislação interna por ocasião da sua adesão à União, cujo efeito consista em alargar o âmbito das exclusões existentes, num sentido que afaste essa legislação dos objetivos da Diretiva IVA, o que seria contrário ao próprio espírito dessa cláusula (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 31 e jurisprudência referida). 28 A situação já será diferente, como também declarou o Tribunal de Justiça no que respeita à interpretação do artigo 17.°, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, quando, depois da entrada em vigor da referida diretiva, a regulamentação de um Estado‑Membro reduza o âmbito das exclusões existentes, aproximando‑se dessa forma do objetivo desta diretiva. Nessa situação, o Tribunal de Justiça admitiu que essa regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C‑345/99, EU:C:2001:334, n.º 22, e de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C‑538/08 e C‑33/09, EU:C:2010:192, n.º 67). 29 Em conformidade com o que foi recordado no n.º 25 no presente despacho, uma vez que a jurisprudência relativa à interpretação do artigo 17.°, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva é pertinente para a interpretação do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, há, portanto, que considerar que uma regulamentação de um Estado‑Membro que reduza o âmbito das exclusões que existiam em 1 de janeiro de 1979, ou, se esse Estado‑Membro aderiu à União após essa data, na data da sua adesão, está abrangida pela derrogação prevista no referido artigo. 30 Por outro lado, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado‑Membro em causa e averiguar se essa legislação teve por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após a adesão (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 33 e jurisprudência referida). 31 No caso em apreço, importa precisar, antes de mais, que, em conformidade com o artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23), interpretado em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu às Comunidades Europeias em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a aplicação integral das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C‑524/10, EU:C:2012:129, n.º 13). 32 Em seguida, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, à data da adesão da República Portuguesa, o artigo 21.° do Código do IVA excluía do direito à respetiva dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes à alimentação e que, na sequência de uma alteração do referido artigo, em 2005, o direito à dedução do IVA para este tipo de despesas foi admitido, em certas condições, até ao limite de 50 %. 33 Afigura‑se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência da alteração do artigo 21.° do Código do IVA, despesas que estavam totalmente excluídas do direito à dedução do IVA passaram a conferir, em certas condições, um direito à dedução parcial deste imposto. Por conseguinte, essa alteração, que reduz o âmbito das despesas excluídas deste direito à data da adesão da República Portuguesa à União, está abrangida pela cláusula de standstill prevista no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C‑345/99, EU:C:2001:334, n.os 23 e 24). 34 Por último, importa ainda apreciar, em conformidade com a jurisprudência, se a legislação nacional em causa prevê de maneira suficientemente precisa a natureza e o objeto dos bens ou dos serviços para os quais fica excluído o direito à dedução do IVA, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados‑Membros não sirva para prever exclusões gerais a esse regime (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 40 e jurisprudência referida). 35 A este respeito, há que observar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C‑538/08 e C‑33/09, EU:C:2010:192, n.os 50 e 51), o Tribunal de Justiça entendeu que categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas ao pessoal de um sujeito passivo assim como ao fornecimento de alojamento estavam definidas de forma suficientemente precisa, pelo que a exclusão do direito à dedução, prevista pelo direito nacional em causa nesse processo, estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill. 36 Além disso, no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C‑225/18, EU:C:2019:349, n.º 42), o Tribunal de Justiça também considerou que a categoria de despesas relativa aos «serviços de alojamento e de restauração», na medida em que diz respeito à natureza dos referidos serviços, estava definida de forma suficientemente precisa na perspetiva das exigências estabelecidas pela jurisprudência. 37 À semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C‑225/18, EU:C:2019:349), no processo principal, a categoria das despesas relativas à alimentação prevista no artigo 21.°, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea d), do Código do IVA parece estar definida de forma suficientemente precisa na perspetiva das exigências estabelecidas pela jurisprudência. 38 Por outro lado, importa recordar que a circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afetas ao exercício das suas atividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese do referido artigo, esta cláusula autoriza os Estados‑Membros a excluir do direito à dedução do IVA categorias de despesas que têm caráter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na aceção da jurisprudência referida no n.º 34 do presente despacho (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.os 47 e 48).”
  59. Termos em que o TJUE declarou: O artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado‑Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.”
  60. Tal como se diz na declaração de voto que está junta à decisão arbitral tirada no Processo n.º 709/2023-T e que aqui vimos seguindo de perto, na Decisão Arbitral proferida no citado Processo n.º 425/2018-T, decidiu-se o seguinte: “Como vimos, feito o reenvio prejudicial veio o TJUE entender, realizada que foi uma digressão pela jurisprudência do TJUE bem como uma incursão temporal pelas regras do nosso CIVA nos termos enunciados supra, que o artigo 168.o, alínea a), e o artigo 176.o da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado-Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.”
  61. Ademais e no âmbito do citado Processo n.º 513/2020-T, por decisão de 8 de Julho de 2021, foi enunciada a seguinte questão que foi submetida a reenvio prejudicial ao abrigo do art.º 267.º do Tratado de funcionamento da União Europeia: “[O] princípio da equivalência opõe-se a uma regulamentação nacional em sede de IVA como a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), mantida ao abrigo da cláusula stand still, que prevê exclusão total ou em 50% do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, relativamente às quais se admite, em sede de imposto sobre o rendimento, a relevância total como gastos (sem prejuízo de controle a posteriori e sujeição a condições) ou, através de imposição de tributações autónomas, se admite uma dedutibilidade real como gastos em percentagem maior do que 50%?”
  62. Tal pedido de reenvio prejudicial, feito ao abrigo do art.º 267.º do TFUE, deu origem ao Processo n.º C-459/21, onde foi proferido, em conformidade com o art.º 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, despacho fundamentado de 9 de Dezembro de 2022, que pode ser lido in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62021CO0459 .
  63. O TJUE decidiu que o artigo 21.º, n.º 1, do CIVA não é incompatível com o princípio da equivalência. Na fundamentação deste Acórdão, processo C‐459/21, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte: “24 As requerentes no processo principal alegam que tais despesas beneficiam de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional, a saber, o IRC. A este respeito, consideram que o legislador nacional deveria alinhar o mecanismo do direito à dedução vigente em matéria de IVA com o previsto para a dedutibilidade de despesas em sede de IRC, sob pena de violação do princípio da equivalência. 25 Não se pode deixar de observar que esta argumentação assenta numa compreensão errada do alcance do princípio da equivalência. 26 Com efeito, por um lado, o alcance do direito à dedução do IVA suportado a montante é, como o Governo português e a Comissão salientaram com razão nas suas observações escritas, uma questão de ordem material. Não se trata de uma modalidade processual de uma ação destinada a assegurar a salvaguarda de direitos conferidos às requerentes no processo principal pelo direito da União. 27 A este respeito, a interpretação do princípio da equivalência sugerida pelas requerentes no processo principal teria por efeito desvirtuar o alcance deste princípio. Com efeito, se tal interpretação fosse acolhida, haveria o risco de o âmbito de aplicação do referido princípio ser alargado a qualquer questão de ordem material como, em matéria fiscal, a fixação da taxa de IVA. Ora, essa extensão iria além da finalidade prosseguida pelo mesmo princípio, a saber, o enquadramento da autonomia processual dos Estados-Membros. 28 Por outro lado, contrariamente ao que defendem, em substância, as requerentes no processo principal, o mecanismo do direito à dedução do IVA e o regime de dedutibilidade de despesas em sede de um imposto direto, como o IRC, não são comparáveis para efeitos da aplicação do princípio da equivalência. 29 Com efeito, um imposto indireto como o IVA e um imposto direto como o IRC revestem uma natureza fundamentalmente diferente. 30 Além disso, o mecanismo de dedutibilidade, nestas duas formas de imposto, não é comparável e não tem um objeto e uma causa de pedir semelhantes na aceção da jurisprudência recordada no n.º 20 do presente despacho. Com efeito, embora seja certo que o mecanismo instituído pelo artigo 168.° da Diretiva IVA assenta na dedução do imposto suportado a montante com as despesas referidas nesta disposição, a dedutibilidade em sede de imposto direto pressupõe a dedução dessas despesas, enquanto tais, para efeitos do cálculo do lucro tributável. 31 Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.”
  64. O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre a questão colocada, declarando o seguinte: “O princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.”
  65. Devidamente sopesadas as decisões de reenvio supra melhor identificadas e que estão referidas na declaração de voto acima referida e igualmente trazidas à colação no Requerimento Superveniente entrado no SGP do CAAD em 7.11.2024 e que aqui se repristinam[6], o Tribunal Arbitral Singular não pode deixar de as acompanhar, louvando-se, aliás, nelas (e ainda na decisão do TJUE, consubstanciada no despacho fundamentado datado de 17.09.2020, proferido no processo C-837/19, caso Super Bock Bebidas e que veio na sequência de reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 207/2019-T acima sobejamente transcrita) para decidir no sentido de que as exclusões (ou limitações) do direito à dedução, previstas no artigo 21.º do CIVA, não violam o direito comunitário e aplicam-se, mesmo que, no caso, se demonstre que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada. Não é o simples facto de os serviços de alimentação e alojamento se terem destinado ou terem sido utilizados para a realização de operações tributáveis, porquanto incorridos na decorrência de obrigação legal, que justifica, ipso facto, a dedutibilidade do IVA suportado e contido nas facturas que titulam a incorrência de tais custos.
  66. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
  67. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .
  68. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
  69. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[7], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
  70. Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE e do CAAD e ainda do STA, conclui-se que as autoliquidações impugnadas, ao aplicarem a exclusão do direito à dedução do IVA, prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA (e demonstrada também a inaplicabilidade das alíneas d) e e) do n.º 2 do mesmo normativo), suportado com as despesas relacionadas com o “Direito a Assistência” dos clientes/passageiros da Requerente e suportado também em despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, não enfermam de qualquer ilegalidade.
  71. Restando concluir, sem mais, que as autoliquidações sindicadas não enfermam de erro sobre os pressupostos de direito em que assentaram, por manifesta inexistência de erro de interpretação do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e até do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, face à jurisprudência acima invocada, sendo que, nessa decorrência, os actos tributários de autoliquidação contestados não enfermam de qualquer ilegalidade por violação de lei, donde, devem ser mantidos na ordem jurídica.

IV.D.2) Da desnecessidade de Reenvio Prejudicial:

 

  1. As questões discutidas nos autos com relevância para a decisão foram sobejamente clarificadas pelo TJUE conforme a jurisprudência que foi atrás referenciada e sobejamente transcrita.
  2. É certo que quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária se mostre clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia e a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência firmada pelo TJUE, não é necessário proceder a essa consulta, tal como resulta do Acórdão do TJUE de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.
  3. De acordo com o entendimento do TJUE firmado no citado Acórdão Cilfit, a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando: i) A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou ii) O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou iii) O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  
  4. À face do exposto, conclui este Tribunal Arbitral pela desnecessidade de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça.

 

IV.D.3) Questões de conhecimento prejudicado:

  1. Julgando-se improcedente o pedido, tal como já se deixou antever, fica assegurada a tutela eficaz dos interesses da Fazenda, donde, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão da não disponibilização dos documentos contabilísticos por parte da Requerente no âmbito do procedimento de reclamação graciosa entretanto decidido; tal como igualmente prejudicada fica a apreciação da questão da inconstitucionalidade (peticionada no requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 7.11.2024) de solução legal que alinhasse na senda da decisão prolatada no Processo n.º 709/2023-T e que, segundo a Requerida, sempre estaria em manifesta contradição com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
  2. Fica ainda prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.

 

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:

 

  1. manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... .
  2. julgar a acção improcedente, in totum, mantendo-se as autoliquidações de IVA sindicadas, referentes aos períodos de tributação de 2021.01M, 2021/02M, 2021/03M, 2021/04M 2021/05M e 2021/06M, no valor de 30.749,79 €;
  3. Indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial para o TJUE.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 30.749,79 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 1.836,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das autoliquidações sindicadas), a cargo da Requerente,  nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Novembro de 2024.

 

O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT, regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.

 

 

O árbitro,

 

(Fernando Marques Simões)

 

 

 



[1] Quanto à invocação da decisão do TJUE tirada no Processo n.º C-225/18, deve ter-se sempre a cautela de se verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas e até as especificidades que o ordenamento jurídico subjacente ao dissidio pode encerrar, nomeadamente em matéria, como in casu, de aplicação da cláusula standstill, não devendo “(...) olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões. 

[2] Carregado e sublinhado nosso.

[3] Questão essa que a Requerente traz à colação , sustentando até que, por isso, a alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA não tem aplicabilidade ao caso sub judicio.  

[4] Acórdão de 05.10.1999, Proc. -305/97, Royscot e o.; Acórdão de 14.06.2001, Proc. C-40/00, Comissão contra Franca; Acórdão de 08.01.2002, Proc. C-409/99, Metropol. 

 

[5] Ainda que, como visto, as despesas em causa revistam a natureza de despesas de carácter empresarial, tal como afirma a Requerente tratar-se e o tribunal acolhe.  

[6] O Requerimento Superveniente entrado no SGP do CAAD 7.11.2024, traz ainda à colação a decisão jurisprudencial do STA de 3.2.2021, tirada no Processo n.º 0353/11.5BECTB e que pode ser lida in https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/af20c493cd54a00980258677003a28cb?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 e aqui se deve considerar reproduzida.

[7] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.