Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 573/2024-T
Data da decisão: 2024-11-15  IRS  
Valor do pedido: € 59.788,92
Tema: Inutilidade superveniente da lide – Custas.
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SUMÁRIO:

  1. Em face da revogação pela AT do ato tributário objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral, dentro do prazo de 30 dias consagrado no nº 1 do artigo 13º do RJAT, a respetiva consequência é a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se a pretensão tiver sido, como foi, integralmente satisfeita, com a revogação em causa.
  2. Tendo a Requerida vindo a dar conhecimento aos autos da decisão de revogação administrativa, já em momento temporalmente posterior à constituição destes, a ela são imputáveis as custas pelo pleito, porquanto a ele deu causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 02 de julho de 2024, decide:

 

I. Relatório

A..., titular do número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., ..., apartamento ..., ...-... Lisboa (adiante designada por “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare ilegal a liquidação de IRS do ano de 2021, com o n.º 2024..., no valor de € 59.788,92 e, consequentemente, a anule, peticionando ainda a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios e à restituição do imposto indevidamente pago.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 17 de abril de 2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 19 de abril de 2024 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, notificadas dessa designação em 14 de junho de 2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 02 de julho de 2024.

 

A Requerida foi notificada para, querendo, oferecer Resposta e requerer a produção de prova adicional, conforme despacho de 03.07.2024.

 

A Requerida veio a apresentar requerimento em 01.08.2024, dando a conhecer que o ato tributário de liquidação supra identificado foi objeto de revogação, por despacho datado de 24.07.2024, cuja cópia anexou ao processado.

 

A Requerente foi notificado para efeitos de se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos, tendo vindo a manifestar não pretender o prosseguimento dos mesmos, na medida em que a sua pretensão se encontrava satisfeita, por via da ocorrida revogação.

 

Em 14.10.2024 veio a ser proferido despacho dispensando a realização de reunião arbitral, da formulação de alegações e bem assim a notificar a Requerente para proceder ao pagamento da taxa subsequente devida, deixando-se ainda consignado que a decisão seria objeto de prolação até ao prazo constante do n.º 1 do artigo 21º do RJAT.

 

II. Saneamento:

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

III.I. Matéria de facto:

 

  1. Factos Provados:

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS correspondente ao ano de 2021, com o n.º 2024..., no valor de € 59.788,92;
  2. No dia 17 de abril de 2024 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que está na origem dos presentes autos, inconformando-se com o facto de a AT ter desconsiderado como habitação própria e permanente o imóvel objeto de mais-valias, peticionando ainda o pagamento de juros indemnizatórios;
  3. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 02 de julho de 2024;
  4. A Requerida veio a apresentar requerimento, em 01.08.2024, dando a conhecer que o ato tributário de liquidação supra identificado foi objeto de revogação, por despacho datado de 24.07.2024, proferido pela Subdiretora Geral da DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR no qual se considerou que o imóvel alienado deve considerar-se destinado a habitação própria e permanente da Requerente e do seu agregado familiar, podendo beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, cujo teor de tal despacho e respetiva informação se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
  5. A Requerente foi notificada para efeitos de se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos, tendo vindo a manifestar não pretender o prosseguimento dos mesmos, na medida em que a sua pretensão se encontrava satisfeita, por via da ocorrida revogação;

 

 

            B. Factos Não Provados:

Não há outros factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

 

C. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base na peça processual, requerimentos das partes e informação constante no sistema do CAAD.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.II Matéria de Direito

 

Como se evidenciou em sede de “Factos Provados”, na sequência da notificação efetuada nos termos do artigo 13º do RJAT, veio a Requerida a proceder à revogação do ato tributário de IRS mediatamente aqui arbitralmente impugnado (ponto 1 de “Factos Provados”), por força do despacho de 24.07.2024, exarado pela Senhora Subdiretora Geral para a área do Imposto sobre Pessoas Singulares, com todas as consequências legais daí advenientes, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.

 

O que o mesmo significa afirmar que a liquidação de IRS de 2021 que estava na base e constituía o ato tributário arbitralmente impugnado e identificado em 1. dos “Factos Provados”, desapareceu da ordem jurídico-tributária, por via da revogação operada após a constituição do presente Tribunal Arbitral Singular, o qual teve lugar em 02.07.2024.

 

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

 

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

 

Em qualquer caso, o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide deve ser superveniente, ou seja, a sua verificação deve ter lugar após a constituição da instância. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil.

 

No caso dos presentes autos, dúvidas não subsistem quanto à superveniência da causa extintiva da lide – revogação pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, ocorrida por despacho proferido em data posterior à propositura do PPA – dado o primeiro impulso arbitral ter sido desencadeado com a submissão eletrónica do PPA, cuja aceitação pelo CAAD ocorreu em 19.04.2024 e bem assim em data posterior à constituição deste Tribunal Arbitral.

 

Ante o exposto, fica evidenciado que com o desaparecimento da ordem jurídico-tributária do ato tributário de liquidação de IRS torna inútil e impossível o prosseguimento da presente lide, por falta de objeto e determina a extinção da instância, visto o facto da pretensão processual da Requerente quanto à anulação do ato tributário em causa se mostrar já alcançada, por via da revogação desse mesmo ato tributário de IRS.

 

O mesmo valendo e se aplicando relativamente à matéria de juros indemnizatórios a favor da Requerente, os quais foram igualmente objeto de deferimento, no âmbito do despacho de revogação levado a efeito pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que também neste particular segmento, se encontra já o pedido esvaziado de objeto.

 

 

IV. Decisão

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este Tribunal Arbitral Singular:

  1. determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por revogação do ato tributário nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC;
  2. condenar a Requerida no pagamento das custas do processo, no valor de € 2.142,00;

 

V. Valor do processo:

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 59.788,92.

 

VI. Custas:

Custas a cargo da Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, apenas tendo revogado e comunicado a anulação do ato após a constituição do tribunal arbitral, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se esta decisão arbitral à Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 15 de Novembro de 2024.

  

O Árbitro

 

                                                Luís R. F. Sequeira