Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 401/2024-T
Data da decisão: 2024-11-25   Outros 
Valor do pedido: € 7.981,14
Tema: Caducidade do direito de ação; Contagem de prazo fixado em meses; Art. 279º, al. c), do Código Civil.
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SUMÁRIO:

I- Nos termos da al. c) do artigo 279º do Código Civil “O prazo fixado em semanas, meses ou anos a contar de certa data termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data (…)”.

II-Estando em causa um prazo fixado em meses, a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecido na alínea c) do art. 279 do C. Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

1.No dia 21.03.2024, a Requerente, A... LDA., contribuinte fiscal número ..., com sede na Rua ...- ..., Vialonga, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do  ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 21.08.2023, bem como sobre os atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário de agosto a dezembro do ano 2019 e de janeiro a dezembro dos anos de 2020 a 2022,

subjacentes às faturas constantes do documento que juntou com a petição inicial  como doc. nº 1.

A Requerente peticiona, ainda, o reembolso Requerente de todas as quantias que alega ter suportado, no montante global de 7.981,14€.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 04.06.2024.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, no essencial, os seguintes:

 

  1. No âmbito da sua atividade, no período de  agosto a dezembro do ano 2019 e de janeiro a dezembro dos anos de 2020 a 2022 a Requerente suportou, como consumidor final/ utilizadora da  rede rodoviária nacional  o valor  de € 7.981,14€ a título de CSR, correspondente ao valor da referida contribuição, o qual vinha já incluído no preço  no produto petrolífero.
  2. Conforme já foi reconhecido pelas diversas instâncias nacionais e internacionais, a presente contribuição configura um verdadeiro imposto, o qual afronta, sobremaneira, o Direito da União Europeia e, nessa medida, os atos de liquidação da CSR que originaram que a Requerente tenha de suportar tal imposto devem ser revistos, na respetiva proporção, uma vez que padecem de manifesto erro imputável aos serviços.
  3. Através do Despacho da Oitava Secção do TJUE, do dia 7 de fevereiro de 2022, no âmbito do Processo n.º C-460/21, este Tribunal veio a considerar que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental, não se  podendo considerar que prosssegue um motivo específico, exigido pelo n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/117 e, como tal, encontra-se desconforme o Direito da União Europeia.
  4. não obstante a Requerente não figurar como sujeito passivo, certo é que, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, “A contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, acrescentando, ainda, o n.º 1 do artigo 4.º que “A contribuição de serviço rodoviário incide sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e deles não isentos.
  5. Quem, de facto, suportou o imposto em análise foi a Requerente, uma vez que os impostos especiais sobre o consumo, no qual se insere a CSR, procuram onerar o consumidor final.
  6. Aliás, do normativos citados, assoma à evidência que a ratio dos mesmos visava onerar os utilizadores da rede rodoviária nacional, ou seja, os consumidores finais, na medida do seu consumo de combustíveis, verificando-se, deste modo, uma repercussão legal.
  7. Os atos sindicados padecem de manifesto erro nos pressupostos de facto e de Direito, situação que gera a ilegalidade dos mesmos e, nessa medida, impõe-se a sua remoção da ordem jurídica, com as legais consequências.
  8. verifica-se um erro imputável aos serviços, razão pela qual deverão os atos sindicados ser removidos da ordem jurídica e, em consequência, deverá ser restituído à Requerente o valor de 7.981,14€ (sete mil, novecentos e oitenta e um euros e catorze cêntimos).

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

Por exceção,

 

Da caducidade do direito de ação por dedução extemporânea do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Importa, desde já, invocar que o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.
  2. O pedido de pronúncia arbitral surge na sequência da presunção do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto dos serviços da AT em 21.08.2023.
  3. O prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa, na sequência do pedido é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, partir dos quais a Requerente poderia presumir o indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  4. Sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contados a partir da formação do indeferimento tácito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, o prazo  terminou em 20-03-2024, pelo que o mesmo se  encontrava já esgotado em 21-03-2024, data da interposição da presente ação arbitral, ocorrendo, consequentemente a caducidade do direito de ação.

 

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

 

  1. Tratando-se a CSR de uma contribuição e não um imposto, o tribunal arbitral não é materialmente competente para conhecer do mérito do pedido em apreço por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelos quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos.
  2. Sempre ocorreria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, uma vez que resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo, pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos o que não se insere no âmbito da competência do tribunal arbitral uma vez que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação de atos tributários.
  3. Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

 

  1. A Requerente não é sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, pelo não têm legitimidade para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
  2. Carece igualmente a Requerente de legitimidade à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois que, no caso concreto, não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto.
  3. Por outro lado, no caso sub judice, as faturas apresentadas não materializam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, sendo que a repercussão, a ocorrer pode ser progressiva ou degressiva.
  4. Acresce  que os adquirentes de combustíveis, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma atividade comercial e que utilizam os combustíveis como fatores de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens ou prestação de serviços), procuram, também eles, repassar nos preços praticados todos os gastos em que incorrem, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo da sua atividade económica sendo que  a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma atividade com fins lucrativos, no âmbito do transporte rodoviário de mercadorias (CAE 49410) repassa, necessariamente, no preço dos serviços prestados, os gastos em que incorre, nomeadamente, com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, seriam os consumidos finais de tais serviços, e não a Requerente.
  5. Assim, inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea e), e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.
  6. caso assim se não entenda, Carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

 

Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto

 

  1. A Requerente limita-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores, alegando que terá sido esta entidade que, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, terá procedido à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente, sem, no entanto, identificar quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto pelo que o presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, havendo ineptidão da petição inicial determinativa da nulidade de todo o processo e da absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

 

Ineptidão da Petição inicial – ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir

 

  • A Requerente estrutura o seu pedido apresentando como causa de pedir, para efeitos de reembolso do que foi pago, a repercussão de um tributo alegadamente inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União.
  • Ocorre contradição entre o pedido (a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações) e a causa de pedir (a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União).
  • Assim,  verifica-se  a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial por uma dupla razão: a não-identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de

todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.

 

Da caducidade do direito de ação por intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

  1. A falta de identificação dos atos de liquidação em alegada discussão impede a aferição da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formulados pela Requerente.
  2. Uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global), para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que face à impossibilidade de identificação dos atos tributários em litígio, é impossível.
  3. No entanto,  tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos.
  4. Isto porque, tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições efetuadas no período compreendido entre agosto e dezembro do ano 2019 e entre 2020 e 2022 e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 03-08-2023, este se encontrava largamente ultrapassado.
  5. Verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de consequente reembolso por alegado pagamento de valores a título da alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
  6. A acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em   03-08-2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR daí que,  pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em datas anteriores a  21-08-2020 e mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido,  e caso  assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância.

 

Por impugnação,

 

  1. Alega a Requerente ter adquirido à sua fornecedora as quantidades de gasóleo referentes ao período de agosto a dezembro do ano de 2019 e de janeiro a dezembro dos anos de 2020 a 2022, e que, por força de tais aquisições, suportou, a título de CSR, a quantia global de 7.981,14€.
  2. Sucede que, confrontando o alegado pela Requerente com os documentos que juntou aos autos facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
  3. Devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
  4. De acordo com o artigo 344.º do Código Civil – CC - (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.
  5. Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
  6. Acresce que as faturas contêm parcelas relativas a “descontos”, cujo valor foi incluído no montante final, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto à própria presunção da repercussão da CSR.
  7. Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis que a Requerente adquiriu, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.
  8. Sendo que a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
  9. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR, na aquisição dos combustíveis aos seus fornecedores e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR.

 

5. A Requerente pronunciou-se por escrito sobre as exceções invocadas pela R. pugnando pela sua improcedência.

 

6. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, à luz do disposto nos artigos 16º, al. c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a apresentação  de alegações, por não se mostrarem necessárias.

 

II - SANEAMENTO

 

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

8. As partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

9.  O processo não enferma de nulidades.

 

10. Tendo em consideração as exceções suscitadas pela Requerida, importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

 

No decisão do processo nº 1049/2023-T pode ler-se o seguinte:

“A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos  e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).

Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).

A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.

Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).

Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.

Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) ou para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), que são caracterizadas como típicas contribuições financeiras, não tendo qualquer aplicação ao caso a jurisprudência constante dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a CSB, nem a dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 248/2019-T e 585/2020-T, que incidiram sobre a CESE.

Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.

 

Acompanhando-se este entendimento, entende-se ser improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral com este fundamento.

 

Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir

 

Pode ler-se, ainda, na decisão arbitral acima citada:

“A Autoridade Tributária suscita ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo.

A arguição assenta num evidente equívoco.

A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de março de 2019 a dezembro de 2022, invocando como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo.

Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.

Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com o direito europeu, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir”.

 

O tribunal acompanha também este entendimento, sendo, consequentemente, também improcedente a exceção de incompetência material com este fundamento.

 

Incompetência em razão da apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasar o âmbito material da arbitragem tributária

 

A Requerente veio requerer a constituição de tribunal arbitral na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente.

Consta do pedido a seguinte pretensão:

 

Nestes termos e nos demais de direito ao caso aplicáveis (…), deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser declarado totalmente procedente determinando-se, em consequência::

 (…)”.

B. A anulação dos atos tributários de liquidação da CSR em apreço;

 

 

Assim, inexiste  qualquer dúvida de que os atos de liquidação de imposto constituem objeto do processo arbitral pelo que, também à luz deste fundamento de incompetência do tribunal, improcede a exceção suscitada.

 

 

Caducidade resultante de  intempestividade na propositura do pedido de pronuncia arbitral

 

Atendendo quer ao modo como foi conformada a defesa, quer à ordem logica concretamente suscetível de se revelar mais eficiente,  entende-se pertinente  apreciar de seguida a invocada exceção de caducidade resultante da  alegada intempestividade na propositura do pedido de pronuncia arbitral.

 

Vejamos.

 

A  Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa  em 21.08.2023 (facto consensual entre as partes)  dispondo a Requerida do prazo  de quatro meses para se pronunciar nos termos do art. 57º, nº 1, da Lei Geral Tributária.

De acordo com o nº 4º do mesmo artigo “(…), o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.”

Por sua vez, nos termos da al. c) do artigo 279º do Código Civil “O prazo fixado em semanas, meses ou anos a contar de certa data termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data (…)”.

 

Sustenta a Requerente na sua pronuncia sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida que:

“Importa, pois, referir que de acordo com a alínea b) do artigo 279.º do Código Civil (aplicável por força do artigo 20.º, n.º 1 do CPPT e do artigo 29.º, nº1 do Regime de Arbitragem Tributária), “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;”.

 

Porém, conforme se pode ler no acórdão do STA de 25-10-2017, proc. 01140/16[1], em linha com anterior jurisprudência[2] do mesmo tribunal:

“(…)estando em causa um prazo fixado em meses, a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecido na alínea c) do art. 279 do C. Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b).
De facto, como se sublinhou no Acórdão do Pleno da SCA de 05.05.2006, proferido no recurso 46/04, reiterando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal Administrativo, citada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, “ tratando-se de um prazo de dias ou de horas, entendeu o legislador (cfr. a referida alínea b) do artigo 279.º citado), para esse efeito, não dever contar-se o dia ou a hora em que ocorre o evento que marca o início do prazo, beneficiando assim (necessariamente) o interessado com a fracção restante da unidade de tempo em que se verificou o mencionado evento.
De forma diferente se passam as coisas no caso previsto na alínea c) do mesmo artigo, dos prazos fixados em semanas, meses ou anos em que afixação do termo do prazo no fim do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data, assegura já por si ao interessado, com o aludido beneficio, a disponibilidade do prazo por inteiro, pois a consideração de dois dias – o primeiro e o último – com a mesma ordem na semana ou mês oferece, sem mais, a segurança que se pretende alcançar quanto aos outros prazos através da aplicação da norma da alínea b).
Cumular a aplicação, no mesmo caso, destas duas regras que tem campos de aplicação distintos e que se orientam pela ideia básica atrás referida, significaria aumentar em um dia os prazos fixados em semanas, meses ou anos, resultado para o qual não se encontra qualquer justificação material e quebraria ostensivamente a coerência do sistema gizado pelo legislador.”[3]
 

Defende  a Requerente que:

“tendo o pedido de revisão oficiosa sido feito no dia 21.08.2023, e formando-se o indeferimento tácito presumível em 21.12.2023, o prazo de 90 dias para a constituição do tribunal arbitral apenas findou no dia 22.03.2024.”

 

Analisemos, porém,  em detalhe, os dias transcorridos, desde o início do prazo até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

O  prazo de decisão terminou às 24 horas do dia 21.12.2023, iniciando-se o prazo de 90 dias para apresentação do pedido arbitral em 22.12.2023, de acordo com o entendimento vertido no douto acórdão do STA citado,  que aqui se acompanha.

Assim, em Dezembro de 2023 transcorreram 10 dias (22 a 31), acrescendo 31 dias em janeiro de 2024 e 29 dias em fevereiro  deste  ano bissexto, o que perfaz 70 dias, sobrando, pois, 20  dias de prazo para o mês de março. Assim,  o nonagésimo e último dia para apresentação do pedido de pronuncia arbitral foi em  20 de Março de 2024, dia anterior à da apresentação do pedido de pronuncia arbitral.

Conclui-se, assim, que o pedido arbitral foi apresentado extemporaneamente e, em consequência, procede  a exceção em causa.

 

A caducidade do direito de ação é  uma exceção dilatória (Cfr. arts. 89º, nº 2, e nº 4, al. K), do Código de Processos nos Tribunais Administrativos e   art. 575º, nº 2, do Código de Processo Civil) e dá lugar à absolvição da instância (Cfr. arts. 89º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e   art. 575º, nº 2, do Código de Processo Civil).

 

Na medida em que a procedência desta exceção implica a absolvição da instância, resulta prejudicado o conhecimento das demais exceções dilatórias suscitadas.

 

 

V - Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a exceção  dilatória de incompetência material do tribunal.

b) Julgar procedente a exceção dilatória de caducidade resultante de  intempestividade na propositura do pedido de pronuncia arbitral e, em consequência, decretar a absolvição da Requerida da instância.

 

VI. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 7.981,14€ (sete mil, novecentos e oitenta e um euros e catorze cêntimos), indicado pela Requerente sem oposição da Requerida.

 

VII. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze  euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 25  de Novembro  de 2024

 

                                O Árbitro

 

 

                               Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt.

[2] Cfr. acórdão  de 27.06.2001,  proc. 21638   com sumário também disponível em “www.dgsi.pt”.

[3] Destaque nosso.