Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 390/2024-T
Data da decisão: 2024-11-25  IRC  
Valor do pedido: € 207.474,53
Tema: Tributação de dividendos pagos a Organismos de Investimento
Coletivo (OIC) não residentes. Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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SUMÁRIO:

I - O artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
II - É ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1 e n.º 10, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da UE, ainda que à luz da Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009.
III - A desconformidade do direito interno com o direito da União Europeia consubstancia, em termos substantivos, um erro de direito que tem de ser imputado aos órgãos do Estado, e tratando-se de matéria fiscal / tributária, tal erro tem de ser imputado aos serviços da AT, pelo que, em relação aos actos tributários, ainda que de autoliquidação ou de retenção na fonte, que enfermem de ilegalidade por força dessa desconformidade, é admissível a interposição de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT para proceder à reconstituição da legalidade.

 

 

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (árbitro-presidente), Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Dr. Hélder Faustino (árbitros-vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, decidem o seguinte:

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

 

  1. A..., SICAV, organismo de investimento colectivo (OIC) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, titular do número fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade gestora B... S.A., com sede em ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante designada Requerente) apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas nos 10.º, n.º 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (doravante designada por Requerida), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado a 18 de Setembro de 2023.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral (PPA), apresentado em 20 de Março de 2024, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção na fonte ocorridas em 2021, no valor total de € 207.474,53, sejam anuladas com fundamento em ilegalidade, por violação do artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

  1. A Requerente pede a restituição do valor de € 207.474,53 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Em 22 de Março de 2024, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e de imediato foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, para integrar o Tribunal Arbitral Colectivo, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros os signatários da presente decisão arbitral, os quais, no prazo legal, comunicaram a aceitação do encargo.

 

  1. Em 14 de Maio de 2024, as Partes foram notificadas desta designação e não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 4 de Junho de 2024 verificou-se a constituição do Tribunal Arbitral.

 

  1. Em 5 de Junho de 2024 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 9 de Julho de 2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta e juntou o Processo Administrativo.

 

  1. Em 12 de Junho de 2024, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT), foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido o prazo de 15 dias para pronúncia sobre a questão prévia e as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Em 23 de Agosto de 2024, veio a Requerente fazê-lo, apresentando também alegações escritas e juntando novos documentos.

 

  1. Em 2 de Setembro de 2024, foi proferido despacho arbitral para que a Autoridade Tributária e Aduaneira pudesse exercer o contraditório.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou alegações escritas.

 

 

II. ARGUMENTOS ADUZIDOS PELAS PARTES

II.1 Pela Requerente

 

  1. A Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da legislação que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, que entre 2019 e 2021 auferiu dividendos com fonte em Portugal.

 

  1. A matéria de excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser julgada improcedente, na medida em que a Requerente, no pedido de revisão oficiosa e nos presentes autos, apresentou os elementos adequados e necessários a identificar os actos tributários em apreço, a saber: (i) a data e o montante dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte; (ii) o montante da liquidação de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os referidos rendimentos; (iii) a entidade registadora e depositária de valores mobiliários que, na qualidade de substituto tributário, efectuou a liquidação de IRC por retenção na fonte sobre os referidos rendimentos e que entregou o imposto arrecadado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. A Requerente observou o ónus da prova que sobre si impendia nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, tendo em conta que:
    1. É o C..., S.A., número fiscal português n.º..., na sua qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, nos termos do artigo 94.º, n.º 7, do Código do IRC, que é responsável por liquidar o imposto incidente sobre os dividendos, subtraindo-o ao valor dos rendimentos disponibilizado à Requerente;

 

  1. Em momento algum dessa relação jurídica a Requerente entra em contacto directo com a Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo esse contacto assegurado na íntegra pelo C..., S.A., na qualidade de substituto tributário;

 

  1. A declaração junta aos autos, atestando a data do pagamento dos dividendos sujeitos a retenção na fonte, o estatuto da Requerente como beneficiário efectivo de tais dividendos, a retenção na fonte de IRC que incidiu sobre tais dividendos e o número da guia de entrega junto dos cofres do Estado de tais retenções na fonte, foi emitida pelo C..., S.A., na qualidade de substituto tributário, auxiliar da Autoridade Tributária e Aduaneira na gestão da relação jurídico-tributária, investido do dever de prossecução do interesse público, não podendo ser desconsiderada com base num alegado non-liquet que nem sequer foi devidamente sustentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos presentes autos;

 

  1. É o substituto tributário e a Autoridade Tributária e Aduaneira – mas não a Requerente – que dispõem da informação relativa aos montantes retidos e às guias de retenção na fonte do imposto subjacente aos actos tributários controvertidos na presente sede, os quais incidiram sobre os dividendos auferidos pela Requerente em 2021;

 

  1. A declaração apresentada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (e também perante o Tribunal Arbitral) contém toda a informação em poder da Requerente, não se encontrando a entidade registadora e depositária de valores mobiliários acima identificada obrigada a notificar formalmente à Requerente outros elementos aquando da liquidação do imposto e da respectiva entrega junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Encontram-se em condições que permitem ao Tribunal Arbitral apurar, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, quais as declarações Modelo 30 entregues pelo substituto tributário relativamente às retenções na fonte controvertidas, nos termos dos artigos 119.º, n.º 7 e n.º 11, do Código do IRC e 125.º do Código do IRC, e, a partir de tais declarações, identificar a Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência, o montante do IRC retido na fonte, e bem assim, as guias de entrega das liquidações de IRC por retenção na fonte controvertidas, conclui-se estarem devidamente identificados todos os factos tributários e liquidações de IRC em apreço.

 

  1. É inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, a interpretação normativa da norma extraída do artigo 108.º, n.º 1, do CPPT, que permita à Autoridade Tributária e Aduaneira ou aos Tribunais, sem encetar as diligências necessárias e adequadas, ainda que junto de terceiros, maxime, junto do substituto tributário, com vista à identificação do acto tributário de retenção na fonte objecto de reclamação graciosa, revisão oficiosa, impugnação judicial ou impugnação arbitral, abster-se de conhecer do pedido de declaração de ilegalidade formulado nesses procedimentos pelo substituído (sujeito passivo indirecto), por falta de identificação do acto impugnado.

 

  1. A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à pronúncia sobre a legalidade dos actos tributários em apreço e sobre a respectiva anulabilidade, sendo a pronúncia sobre os concretos montantes a restituir à Requerente em consequência dessa declaração de ilegalidade uma matéria que extravasa a competência do Tribunal Arbitral, que deverá ser remetida para uma acção de execução de julgados.

 

  1. A retenção na fonte assente numa norma de Direito interno incompatível com o Direito da União Europeia traduz-se numa ilegalidade qualificável como erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira tem o poder-dever de decidir, no prazo de quatro meses, os pedidos de revisão oficiosa de actos de retenção na fonte assentes em normas de direito interno incompatíveis com o Direito da União Europeia que sejam apresentados no prazo de 4 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

 

  1. A falta de decisão dos pedidos de revisão oficiosa evidencia, para efeitos de tutela dos direitos do sujeito passivo, a posição silente da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a (i)legalidade da retenção na fonte.

 

  1. Os erros praticados no acto de retenção são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

 

  1. Apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artigo 132.º do CPPT, o contribuinte pode pedir a revisão oficiosa de actos de retenção na fonte, dentro do prazo legal em que a Autoridade Tributária Aduaneira a podia efectuar — 4 anos — e pode impugnar contenciosamente, em sede de arbitragem tributária, a decisão expressa ou tácita de indeferimento.

 

  1. Concluindo-se que o pedido de revisão oficiosa deve ser equiparado à reclamação graciosa independentemente do prazo em que o mesmo seja apresentado, cedem os alicerces sobre os quais a Autoridade Tributária e Aduaneira edificou a excepção de inimpugnabilidade dos actos de liquidação por retenção na fonte, com recurso à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 1000/2023-T e ao voto de vencido proferido no processo n.º 984/2023-T.

 

  1. Sem conceder e por mero dever de patrocínio, mantendo o Tribunal Arbitral dúvidas sobre se à luz do princípio do primado do Direito da União Europeia e de acordo com os princípios da efectividade e da equivalência, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao decidir um pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, tem o dever de aplicar as normas de Direito Comunitário que protejam a livre circulação de capitais, designadamente o artigo 63.º do TFUE – se necessário desaplicando normas de direito interno incompatíveis com aquelas –, nos mesmos termos em que, nos pedidos de revisão oficiosa relativos a situações puramente internas, aplica as normas de direito nacional, deverá suspender-se a presente instância abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE e submeter-se a ao Tribunal de Justiça da União Europeia a apreciação da questão sub judice, a título prejudicial.

 

  1. Nesse caso, a questão a submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia será então a seguinte:

 

À luz do princípio do primado do Direito da União Europeia e de acordo com os princípios da efectividade e da equivalência, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao decidir um pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, tem o dever de aplicar as normas de Direito Comunitário que protejam a livre circulação de capitais, designadamente o artigo 63.º do TFUE – se necessário desaplicando normas de direito interno incompatíveis com aquelas –, nos mesmos termos em que, nos pedidos de revisão oficiosa relativos a situações puramente internas, aplica as normas de direito nacional?

 

  1.  O artigo 22.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 10, do EBF, ao dispensar de retenção na fonte e excluir de tributação em sede de IRC apenas os dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, trata discriminatoriamente os OIC não residentes, que sejam residentes noutro Estado-Membro da União Europeia e sejam constituídos e operem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa.

 

  1. Os OIC não residentes constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE são colocados numa situação de desvantagem tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal, não obstante estarem numa situação objectivamente comparável à dos OIC residentes em Portugal.

 

 

  1. Os dividendos auferidos pela Requerente foram sujeitos a tributação por retenção na fonte que não teria ocorrido caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal.

 

  1. O tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente entre 2019 e 2021 não é justificado por quaisquer razões imperiosas de interesse geral.

 

  1. Não foi possível à Requerente neutralizar no seu Estado de residência a tributação dos dividendos auferidos em Portugal através do crédito de imposto previsto no artigo 23.º, n.º 2, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (ADT Portugal/Luxemburgo).

 

  1. As eventuais dúvidas que subsistissem relativamente à incompatibilidade do regime consagrado no artigo 22.º do EBF com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, ficaram definitivamente dissipadas face à posição afirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão AllianzGi-Fonds AEVN de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).

 

  1. Os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), e n.º 5, 87.º, n.º 4, do Código do IRC e 22.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar (i) a anulação das liquidações por retenção na fonte em apreço, (ii) a restituição do imposto retido na fonte à Requerente, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, e (iii) o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e n.º 3, alínea d), da LGT.

 

 

II.2 Pela Requerida

 

  1. Na sua Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela manutenção dos actos tributários de retenção na fonte de IRC incidentes sobre dividendos decorrentes de participações detidas por OIC não residente em sociedades residentes em territórios português e relativos ao ano de 2021.

 

  1. Defende, enquanto questão preliminar, que os montantes peticionados pela Requerente não coincidem com os montantes indicados nas declarações Modelo 30 apresentadas pelo substituto tributário, as quais não foram apresentadas para todos os períodos em causa, acrescentando não ser possível confirmar, a partir das referidas declarações, os números de identificação das guias de retenção na fonte. Ficaria, assim, comprometido o cumprimento do dever de identificação dos actos tributários em apreço.

 

  1. Por exceção, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a excepção dilatória de impossibilidade originária da lide por falta de objecto, no segmento correspondente à “diferença entre a taxa de retenção na fonte a título definitivo de 25% e o limite convencional de 15%”, sustentando o seu entendimento na informação transmitida pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI) no sentido de a restituição dessa diferença ter sido solicitada em pedidos de reembolso da Requerente.

 

  1. Invoca, ainda, a impugnabilidade de actos tributários de liquidação por retenção na fonte e competência material dos Tribunais Arbitrais para apreciação dos pedidos formulados pela Requerente.

 

  1. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira é sobre a Requerente que recaí o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais.

 

  1. Entende que não está em causa a bondade nem o acerto da jurisprudência europeia que as Decisões Arbitrais pretendem seguir de perto e cuja aplicabilidade em abstracto à situação alegada pela Requerente é inquestionável.

 

  1. E que a Requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efectivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União.

 

  1. Mais,

 

  1. A aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em Imposto do Selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis.

 

  1. E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da Requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.

 

  1. Não compete à Autoridade Tributária e Aduaneira avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma directa e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do Direito interno português e o Direito Europeu.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.

 

  1. Contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo.

 

  1. Conclui a Autoridade Tributária e Aduaneira que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado-
    -Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.

 

  1. Relativamente o pagamento de juros indemnizatórios, a Autoridade Tributária e Aduaneira cita o resumo do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB), nos termos do qual; “Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.

 

  1. E ainda que a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do sujeito passivo se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

III. DO CONHECIMENTO DAS QUESTÕES PRÉVIAS E DAS EXCEPÇÕES

 

III.1. DO ALEGADO INCUMPRIMENTO DO DEVER DE IDENTIFICAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS EM APREÇO

 

  1. Na Resposta apresentada, a Autoridade Tributária e Aduaneira transmite a informação oriunda da Direcção de Serviços do IRC, segundo a qual os montantes peticionados pela Requerente não coincidem com os montantes indicados nas declarações Modelo 30 apresentadas pelo substituto tributário, as quais não foram apresentadas para todos os períodos em causa, acrescentando não ser possível confirmar, a partir das referidas declarações, os números de identificação das guias de retenção na fonte.

 

  1. Tanto no pedido de revisão oficiosa como no processo arbitral em apreço, a Requerente apresentou os elementos adequados e necessários a identificar os actos tributários controvertidos, a saber:

 

  1. A data e o montante dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte;

 

  1. O montante da liquidação de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os referidos rendimentos;

 

  1. O número das guias de retenção na fonte através das quais o IRC liquidado foi entregue nos cofres da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Por outro lado:

 

  1. É o C..., S.A., titular do número de identificação fiscal português ..., na sua qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, nos termos do artigo 94.º, n.º 7, do Código do IRC, que é responsável por liquidar o imposto incidente sobre os dividendos, subtraindo-o ao valor dos rendimentos disponibilizado à Requerente;

 

  1. Em momento algum dessa relação jurídica a Requerente entra em contacto directo com a Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo esse contacto assegurado na íntegra pelo C..., S.A., na qualidade de substituto tributário;

 

  1. A declaração junta ao processo arbitral (cfr. Documento n.º 5), atestando a data do pagamento dos dividendos sujeitos a retenção na fonte, o estatuto da Requerente como beneficiário efectivo de tais dividendos, a retenção na fonte de IRC que incidiu sobre tais dividendos e o número da guia de entrega junto dos cofres do Estado de tais retenções na fonte, foi emitida pelo C..., S.A., na qualidade de substituto tributário, auxiliar da Autoridade Tributária e Aduaneira na gestão da relação jurídico-tributária, investido do dever de prossecução do interesse público, não podendo ser desconsiderada com base num alegado non-liquet que nem sequer foi devidamente sustentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

 

  1. É o substituto tributário e a Administração Tributária – mas não a Requerente – que dispõem da informação relativa aos montantes retidos e às guias de retenção na fonte do imposto subjacente aos actos tributários controvertidos, os quais incidiram sobre os dividendos auferidos pela Requerente em 2021;

 

  1. A declaração apresentada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira contém toda a informação em poder da Requerente, não se encontrando a entidade registadora e depositária de valores mobiliários acima identificada obrigada a notificar formalmente à Requerente outros elementos aquando da liquidação do imposto e da respectiva entrega nos cofres do Estado.

 

  1. Nessa medida, a Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se em condições de identificar, pelos seus próprios meios, a partir dos elementos facultados pela Requerente, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, a Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência, para confirmar o montante do IRC retido na fonte em cada caso, que esse montante foi entregue nos cofres do Estado e através de que guias, não tendo a Requerente ao seu alcance outros elementos que lhe permitam pronunciar-se sobre o teor das declarações Modelo 30 subjacentes aos actos tributários controvertidos.

 

  1. Em todo o caso, acrescente-se que o dever inquisitório que impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira de identificar os actos tributários objecto de reclamação graciosa ou revisão oficiosa apresentados por um repercutido, sujeito passivo indirecto da relação jurídico-tributária em questão, traduz a concretização nesses procedimentos do direito dos sujeitos passivos a uma tutela jurisdicional efectiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

 

  1. Com efeito, apenas por essa via será assegurado a tal sujeito passivo indirecto a plena possibilidade de sindicar os actos tributários de retenção na fonte que afectam patrimonialmente a sua esfera jurídica, no contexto de uma relação jurídico-tributária triangular, em que a obrigação principal de entrega do imposto é assegurada pelo substituto tributário e a obrigação acessória, concretamente atinente à emissão de uma guia de entrega de retenção na fonte, é também assegurada por tal substituto, sempre à margem de qualquer intervenção do sujeito passivo indirecto (mero repercutido).

 

  1. Neste contexto, sem encetar as diligências necessárias e adequadas com vista à identificação do acto tributário de retenção na fonte objecto de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa, não poderá a Autoridade Tributária e Aduaneira abster-se de conhecer o pedido de declaração de ilegalidade formulado nesses procedimentos pelo sujeito passivo, por falta de identificação do acto impugnado, nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do CPPT, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

 

  1. Nesta medida, a partir dos elementos facultados pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se em condições de apurar, pelos seus próprios meios, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, quais as declarações Modelo 30 entregues pelo substituto tributário relativamente às retenções na fonte controvertidas, nos termos dos artigos 119.º, n.º 7 e n.º 11, do Código do IRC e 125.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e, a partir de tais declarações, identificar a Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência, o montante do IRC retido na fonte e a guia de entrega da liquidação de IRC por retenção na fonte controvertida, conclui-se estarem devidamente identificados todos os factos tributários e liquidações de IRC em apreço.

 

  1. Termos em que se julga improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, por se encontrarem perfeitamente identificados os actos tributários.

 

 

III.2. DA ALEGADA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE POR FALTA DO SEU OBJECTO NO SEGMENTO EM QUE O IMPOSTO SUPERA OS 15% DE

RETENÇÃO NA FONTE

 

  1. Na Resposta junta aos autos, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a excepção dilatória de impossibilidade originária da lide no segmento correspondente à “diferença entre a taxa de retenção na fonte a título definitivo de 25% e o limite convencional de 15%”, sustentando o seu entendimento na informação transmitida pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI) no sentido de a restituição dessa diferença ter sido solicitada em pedidos de reembolso da Requerente:

 

“Mais se informa que foi efetuado pedido de informação à DSRI, através da Comunicação GPS n.º ...2024... de 02.05.2024, referente a eventuais pedidos/efetuados e quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos em causa nos presentes autos.

A resposta aquela Direção de Serviços foi rececionada em 21.05.2024, através da Comunicação GPS n.º ...2024..., no qual aquele Serviço refere o seguinte:

“Relativamente à existência de pedidos de reembolso, instaurados por esta Direção de Serviços, em nome da entidade não residente A...-NIF-P ..., informa-se que na aplicação local RELINT, em uso nesta Direção de Serviços, não foi encontrado registo de pedidos de reembolso.

Da consulta à aplicação central SGRI, VERIFICA-SE O REGISTO DE PEDIDOS DE REEMBOLSO AO ABRIGO DA CDT PORTUGAL/LUXEMBURGO, CONFORME MAPA SGRI EM ANEXO.

[...]

Ou seja, estão em análise VÁRIOS PEDIDOS DE REEEMBOLSO DO VALOR CORRESPONDENTE À DIFERENÇA ENTE A TAXA DE RETENÇÃO NA FONTE A TITULO DEFINITIVO DE 25% E O LIMITE CONVENCIONAL DE 15%, efetuados pela requerente junto da DSRI, PELO QUE OCORRERÁ DUPLICAÇÃO DE PEDIDO: PEDIDO DE REEMBOLSO JUNTO DA DSRI E NO ÂMBITO DO PEDIDO ARBITRAL”.

 

  1. Ora, a apresentação de pedidos de reembolso e a sua eventual concretização não se afigura relevante para a procedência ou improcedência parcial do pedido de pronúncia arbitral, porquanto, reconduzindo-se o pedido principal formulado à declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos tributários, é indiferente, no presente processo arbitral, saber se aos referidos actos se encontram associados pedidos de reembolso e se os mesmos foram já concretizados.

 

  1. Ou seja, a questão decidenda no presente processo arbitral reconduz-se à pronúncia sobre a legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte controvertidos e sobre a respectiva anulabilidade.

 

  1. Neste contexto, ainda que a Requerente tenha apresentado pedidos de reembolso de parte do imposto retido na fonte ao abrigo do ADT Portugal/Luxemburgo, mantém plena acuidade uma pronúncia arbitral que aprecie a legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte em apreço.

 

  1. Ou seja, a Requerente tem pleno interesse em agir na apreciação da legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte no seu todo, na medida em que, desde logo, o seu direito a juros indemnizatórios dependerá da declaração de ilegalidade de tais actos tributários.

 

  1. De resto, ainda que, entretanto, venham a ser concretizados, ao abrigo do ADT Portugal/Luxemburgo, reembolsos dos montantes retidos na fonte à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá tão-só de, no momento de execução da decisão arbitral que venha a ser proferida este Tribunal Arbitral, reflectir tais pagamentos entretanto feitos nos montantes a restituir à Requerente.

 

  1. Termos em que se julga improcedente a excepção de impossibilidade originária da lide, por falta de objecto.

 

 

 

III.3. DA ALEGADA IMPUGNABILIDADE DE ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO POR RETENÇÃO NA FONTE E COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS PARA APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS FORMULADOS PELO ORA REQUERENTE NOS PRESENTES AUTOS

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta, ainda, a incompetência material dos Tribunais Arbitrais para apreciação dos pedidos formulados relativamente ao pedido de revisão oficiosa, com os seguintes fundamentos:

 

  1. O recurso a arbitragem tributária seria admissível se (e apenas se) precedido de um procedimento de reclamação graciosa, cujo pedido deveria ser apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para entrega do imposto retido na fonte, o que a contrario significa que o recurso a arbitragem tributária jamais seria admissível se precedido de um pedido de revisão oficiosa;

 

  1. Do pedido de pronúncia arbitral resulta que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer se pronunciou expressamente sobre os actos tributários impugnados, tendo-se verificado um indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e que não efectuou directamente a retenção na fonte do imposto, inexistindo nessa medida, por impossibilidade lógica, manifestada aliás na ausência de identificação e comprovação do mesmo, erro de Direito imputável aos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, passível de controlo em sede de arbitragem tributária.

 

  1. Neste sentido, a Autoridade Tributária e Aduaneira pugna a inimpugnabilidade dos actos tributário por retenção na fonte, corroborando o seu entendimento com a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 1000/2023-T e o voto de vencido proferido no processo n.º 984/2023-T.

 

  1. Vejamos,

 

  1. A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

 

  1. O n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril estabeleceu que o âmbito da autorização prevista neste artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias: “a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”.

 

  1. A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) e alínea p), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

 

  1. Aquando da utilização da autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

 

  1. É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, sem qualquer restrição.

 

  1. No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redação inicial, que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”, norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se excetuam da competência dos tribunais arbitrais as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

  1. Em momento posterior à publicação da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, foi emitida a Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro, tendo estabelecido que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

  1. Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, excluem-se do âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

  1. A referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia “quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária” (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

 

  1. No artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de “pedidos de revisão de actos tributários”.

 

  1. A fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

  1. É unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação (a que são equiparáveis os actos de retenção na fonte) na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa. [1]

 

  1. A exigência de reclamação graciosa prévia necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao sujeito passivo, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

 

  1. Nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Autoridade Tributária e Aduaneira, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.º 1 e n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. [2]

 

  1. É inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes eram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Atenta a proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março, há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

 

  1. Verificando-se que o pedido de revisão do acto tributário assegura a possibilidade de apreciação da pretensão do sujeito passivo antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de “reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão oficiosa, deduzidos ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente “recurso à via administrativa”, que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

 

  1. É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação e de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

 

  1. O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir uniformemente, como se pode verificar pelos Acórdãos seguintes:

 

  1. de 6 de Outubro de 2005, processo n.º 01166/04: “O indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação”;

 

  1. de 2 de Fevereiro de 2005, processo n.º 01171/04, de 8 de Julho de 2009, processo n.º 0306/09, de 23 de Setembro de 2009, processo n.º 0420/09, de 12 de Novembro de 2009, processo n.º 0681/09: “o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial”.

 

  1. Na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e, consequentemente, também o meio alternativo que é o processo arbitral.

 

  1. Acresce que, no caso em apreço, o que está em causa é a violação do Direito Europeu pelo Direito interno, consubstanciado na violação pelas normativos do artigo 22.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 10 do EBF, das normas dos artigos 18.º, 49.º e 63.º do TFUE e do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, violação esta que consubstancia um erro de direito que tem de ser imputado aos órgãos do Estado português, que atenta a particularidade de no caso em análise estar em causa matéria fiscal/tributária, o erro de direito tem de ser imputado à Autoridade Tributária e Aduaneira e, nesta conformidade, é admissível que os sujeitos passivos da relação jurídica tributária lesados por normas tributárias que enfermam de tal tipo de ilegalidade possam utilizar o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, conforme previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 9 de Novembro de 2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR sobre actos de retenção de Imposto do Selo efetuados por entidades bancárias. O essencial deste Acórdão está na seguinte passagem: “Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.o do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT [pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários] apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”. Afigura-se que tal argumentação se aplica a outras situações de retenção na fonte que não sejam de Imposto de Selo, mas, nomeadamente, de IRC, como a aqui em apreciação.

 

  1. Especificamente sobre retenções na fonte de IRC, vejam-se as Decisões Arbitrais proferidos nos processos n.º 501/2022-T e n.º 200/2023-T: também aí se chega à conclusão inequívoca de que o erro nas retenções na fonte se subsume no conceito de erro imputável aos serviços.

 

  1. Nestes termos, não se verifica a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, sendo o mesmo admissível por alegado “erro imputável aos serviços” consubstanciado na violação do Direito da União Europeia. E se a Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o mesmo, tal sucedeu não porque não lhe tenha sido dada oportunidade para o fazer, mas porque violou o dever legal de se pronunciar no prazo para o efeito (v. artigos 56.º e 57.º da LGT e 13.º do CPA).

 

  1. Já sobre a alegada incompetência material derivada de a “decisão silente” do pedido de revisão oficiosa não ter apreciado a legalidade dos actos de liquidação e, se o tivesse, de essa decisão ser necessariamente de intempestividade do pedido de revisão, com a consequente insindicabilidade por via de impugnação judicial e, portanto, também pela sucedânea acção arbitral, interessa referir que é irrelevante saber se a decisão administrativa chegou ou não a pronunciar-se sobre as ilegalidades imputadas à liquidação, conforme assinala a actual jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., Acórdãos de 18 de Novembro de 2020, processo n.º 0608/13.4BEALM 0245/18, e de 13 de Janeiro de 2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR).

 

  1. Assim, o que releva é saber se o pedido do sujeito passivo tem por objecto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto. Em caso afirmativo, como sucede no caso em apreço o meio processual de reacção não é a acção administrativa, mas a impugnação judicial (ou a arbitragem tributária, meio alternativo à impugnação judicial). Não há, pois, incompetência do Tribunal Arbitral, pelo que mesmo que a decisão do pedido de revisão oficiosa fosse a intempestividade, que não foi, a Requerente poderia fazer uso da acção arbitral.

 

  1. Importa, portanto, assentar que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a legalidade do acto de retenção na fonte, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, e “é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa” (artigo 91.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Há que salientar, ainda, que é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul sobre a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, o que naturalmente tem implícita a possibilidade de apreciação de qualquer “pedido de revisão” previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT. [3]

 

  1. Deste modo, importa concluir que o Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, devendo, assim, considerar-se improcedente a exceção dilatória arguida pela Requerida.

 

 

IV. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades e analisada a matéria de excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

 

V. FUNDAMENTAÇÃO

V.1. MATÉRIA DE FACTO

V.1.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC – cfr. cópias de certificado de residência da Requerente (Documento n.º 2), de certidão emitida pela Commission de Surveillance du Secteur Financier ao abrigo do artigo 2.º do Regulamento UE n.º 584/2010, da Comissão, de 1 de Julho de 2010,  (Documento n.º 3), e de prospecto da Requerente, (Documento n.º 4), e publicação do referido acto legislativo luxemburguês, disponível no sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg. [4]

 

  1. Constituído e operando ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, a Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva – a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

 

  1. A Requerente é administrada pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em..., no Grão-Ducado do Luxemburgo – cfr. Documento n.º 3.

 

  1. A Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (ADT Portugal/Luxemburgo) – cfr. Documento n.º 2.

 

  1. Em 2021, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 829.989,11, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (cfr. cópias das liquidações de IRC por retenção na fonte – Documento n.º 5):

 

 

 

 

  1. As retenções na fonte de IRC em causa – no montante de € 207.474,53 – foram efectuadas e entregues junto da Autoridade Tributaria e Aduaneira, através das guias de retenção na fonte n.º ..., n.º ..., n.º ..., pelo C..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do Código do IRC – cfr. Documento n.º 5.

 

  1. A Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto do referido pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo do ADT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo – cfr. cópia de declaração da entidade gestora da Requerente (Documento n.º 6).

 

  1. Em 18 de Setembro de 2023, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CPPT – cfr. Documento n.º 1, pugnando que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

  1. À data da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, o referido procedimento de revisão oficiosa encontrava-se pendente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, correndo os seus termos sob o n.º ...2023... .

 

  1. Volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação do referido pedido de revisão oficiosa, a Requerente não foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de decisão final em sede do correspondente procedimento, verificando-se assim uma situação de indeferimento tácito.

 

  1. Em 20 de Março de 2024, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

V.1.2. Motivação - Factos provados e não provados

 

  1. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

V.2. Matéria de Direito

 

  1. Em ordem a decidir sobre a matéria controvertida nos presentes autos, importa elencar e escalpelizar o Direito aplicável, sendo que a questão a decidir consiste em determinar a conformidade dos normativos do Código do IRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com os artigos 18.º, 49.º e 63.º do TFUE.

 

  1. O que está em causa é saber se a retenção na fonte de IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia, no caso, o Luxemburgo, e, em simultâneo, isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Importa, assim, cuidar da compatibilidade entre as normas do ordenamento nacional que isentam de tributação de IRC os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, tributando por retenção na fonte a título definitivo os dividendos distribuídos por entidades residentes em Portugal a OIC com sede em outro Estado-Membro da União Europeia e, consequentemente, não constituídos de acordo com a legislação nacional, tendo em consideração as disposições do TFUE, em concreto, os seus artigos 49.º e 63.º que, respectivamente, consagram as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

 

  1. Em matéria de liberdade de circulação de capitais o artigo 63.º do TFUE consagra uma íntima relação com as demais liberdades fundamentais, ou seja, com as liberdades de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-
    -Membro e capitais provenientes de fora. Sendo certo que os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem estabelecer medidas discriminatórias. Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Directiva n.º 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento colectivo. Importa dizer que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal à Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção do artigo 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988.

 

  1. Por sua vez, a alínea a) do artigo 65.º do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-
    -Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. Todavia, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer excepção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º, isto é, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais. Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objectivamente comparável.

 

  1.  Há que sublinhar que, no caso de fundos de investimento residentes no Luxemburgo, a respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (ADT), permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%.

 

  1. Acresce que o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos franceses. Estas diferenças podem ser invocadas para sustentar que não se trata de situações comparáveis.

 

  1. Assim, está em causa determinar se na comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e os ADT entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respectivos investidores. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos Estados-Membros, a partir dos relevantes ADT, se as houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os accionistas fossem, eles próprios, pessoas colectivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.

 

  1. Neste sentido, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os Tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

 

  1. Ainda que não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os accionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de accionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas.

 

  1. Na interpretação e aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a excepção. Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o carácter excepcional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objecto de interpretação restritiva. A admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros encontra-se prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Directiva n.º 88/361/CEE.

 

  1. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-
    -Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação. Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos.

 

  1. Tendo em consideração a legislação nacional aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades nacionais, e em face do pedido de reenvio prejudicial efectuado no âmbito do processo arbitral n.º 93/2019-T, o TJUE apreciou a matéria controvertida, a qual é coincidente com a matéria em análise nos presentes autos, tomaremos em consideração o Acórdão do TJUE, de 17 de Março de 2022, proferido no processo C-545/19, no qual se estabelece que:

 

Direito português

3. O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «EBF»), dispunha:

«1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

[...]

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares], exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º- A do [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas], bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

[...]

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

[...]

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

[...]

14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado-Membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.»

4. O artigo 22.º-A do EBF prevê:

«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, são tributados em IRS ou IRC, nos seguintes termos:

a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou

que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:

i) À taxa prevista no n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, quando os titulares sejam

sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola;

ii) À taxa prevista no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo;

[...]

c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento

imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %, quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10 %, nas restantes situações;

d) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC;

e) Nos restantes casos, nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC.

2 - O disposto na subalínea i) da alínea a) e na alínea b) do número anterior não prejudica a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS.

3 - O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável, sendo os rendimentos tributados nos termos das alíneas a), b) ou e) do mesmo número, quando:

a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal

claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;

b) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional.

[...]

13 - Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.»

5. O artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

«1 - O IRC incide sobre:

[...]

d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim,

os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.»

6. Nos termos do artigo 4.º deste código:

«2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:

[...]

c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção

efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um

estabelecimento estável nele situado: [...]

3) Outros rendimentos de aplicação de capitais; [...]»

7. O artigo 87.º, n.º 4, do referido código prevê:

«Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 % [...]»

8. Nos termos do artigo 88.º, n.º 11, do mesmo código:

«São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»

9. O artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas enuncia: «1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

[...]

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

[...]

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:

[...]

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

[...]

5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º.

6 - A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.»

10. O n.º 29 do quadro geral que figura no [Código do Imposto do Selo], na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispunha:

«29 - Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF:

29.1 - Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 %.

29.2 - Outros organismos de investimento coletivo — sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11. A AllianzGI-Fonds AEVN é um organismo de investimento coletivo (OIC) de tipo aberto, constituído ao abrigo da legislação alemã e com sede na Alemanha. É gerido por uma entidade gestora cuja sede também se situa na Alemanha, não sendo essa entidade residente nem possuindo um estabelecimento estável em Portugal.

12. Uma vez que tem residência fiscal na Alemanha, a AllianzGI-Fonds AEVN está isenta do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado-Membro ao abrigo da regulamentação alemã.

Este estatuto fiscal impede-a de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos.

13. Nos anos de 2015 e de 2016, a AllianzGI-Fonds AEVN era detentora de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal. Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos foram sujeitos, em conformidade com o artigo 87.º, n.º 4, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25 %, pelo valor total de 39 371,29 euros.

14. Relativamente ao ano de 2015, a AllianzGI-Fonds AEVN obteve o reembolso de 5 065,98 euros ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, na qual se prevê a taxa máxima de 15 % para a tributação dos dividendos.

15 Em 29 de dezembro de 2017, a AllianzGI-Fonds AEVN apresentou, na Autoridade Tributária e Aduaneira, uma reclamação graciosa dos atos através dos quais esta última procedeu à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo aos anos de 2015 e 2016.

Pedia a anulação desses atos por violação do direito da União, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Essa reclamação foi indeferida por Decisão de 13 de novembro de 2018.

16. Em 12 de fevereiro de 2019, a AllianzGI-Fonds AEVN recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), pedindo a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de 34 305,31 euros.

17. Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AllianzGI-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A AllianzGI-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.º TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º TFUE.

18. A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, por sua vez, que o regime fiscal português aplicável aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação nacional e o regime aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são, por natureza, comparáveis, uma vez que o primeiro destes regimes também não exclui a tributação dos dividendos a cargo dos organismos que abrange, seja através do imposto do selo ou do imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Tendo em conta que a tributação dos dividendos é feita segundo modalidades diferentes, nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa seja mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal por um organismo como a AllianzGI-Fonds AEVN. A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que também não está demonstrado que a parte do imposto não recuperada pela AllianzGI-Fonds AEVN não possa ser recuperada pelos investidores desta última.

19. O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se, ao isentar do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas os dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal a OIC com sede neste Estado-Membro e que foram constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa, ao mesmo tempo que tributa à taxa de 25 % os dividendos pagos por essas sociedades a OIC com sede noutro Estado-Membro da União, não sendo assim constituídos nem operando de acordo com a legislação nacional, o regime fiscal português é contrário ao artigo 56.º TFUE relativo à livre prestação de serviços ou ao artigo 63.º TFUE relativo à livre circulação de capitais. 20 Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O [artigo 63.º TFUE], relativo à livre circulação de capitais, ou o [artigo 56.o TFUE], relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.o do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

2) Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

3) O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

4) Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e [OIC] não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

5) Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

21. Na sequência da apresentação das conclusões da advogada-geral, a AllianzGI-Fonds AEVN, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de julho de 2021, pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, ao abrigo do artigo 83.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

22. Em apoio do seu pedido, a AllianzGI-Fonds AEVN alega, em substância, que as conclusões da advogada-geral, na medida em que examinam a questão da aplicabilidade, no processo principal, do artigo 14.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, se baseiam em elementos novos, ainda não debatidos entre as partes. A AllianzGI-Fonds AEVN refere-se, em especial, aos n.ºs 10, 20 e 92 dessas conclusões. Além disso, contesta tanto a interpretação feita pela advogada-geral no que respeita à pretensa necessidade de evitar a não tributação dos dividendos distribuídos por OIC não residentes como a análise efetuada pela mesma no que respeita à técnica de tributação dos dividendos efetuada através do imposto do selo.

23. A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de os interessados visados no artigo 23.o deste Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado-geral (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 22 e jurisprudência referida).

24. Por outro lado, por força do artigo 252.º, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado- geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação no termo da qual o advogado-geral baseia essas conclusões.

Por conseguinte, o facto de uma parte interessada discordar das conclusões do advogado- geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, por si só, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 23 e jurisprudência referida).

25. Não obstante, o Tribunal pode, a qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.º do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou ainda quando o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 24 e jurisprudência referida).

26. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, no entanto, ouvida a advogada- geral, que dispõe, no termo da fase escrita e tendo em conta, por um lado, as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em resposta ao pedido de informações complementares do Tribunal de Justiça e, por outro, as respostas dadas pelas partes às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, de todos os elementos necessários para decidir. Por outro lado, o presente processo não deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes e o pedido de reabertura da fase oral do processo não revela nenhum facto novo que possa influenciar a decisão a proferir.

27. Além disso, à luz da jurisprudência que figura no n.º 24 do presente acórdão, as contestações da AllianzGI-Fonds AEVN relativamente à análise efetuada pelas conclusões da advogada-geral sobre a pretensa necessidade de evitar a não tributação dos dividendos distribuídos por OIC não residentes, bem como sobre a técnica de tributação dos dividendos efetuada através do imposto do selo, não podem justificar a reabertura da fase oral do processo.

28. Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvida a advogada-geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

29. Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.o e 63.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado-Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.

Quanto à liberdade de circulação aplicável

30. Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.º TFUE como do artigo 63.º TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.

31. A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C- 323/18, EU:C:2020:140, n.º 51 e jurisprudência referida).

32. O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.

33. Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).

34. Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado-Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura-se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar-lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).

35. Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE.

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).

40. Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43. Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44. O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes - a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45. Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.º-A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46. Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47. Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48. Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu-se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49. Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

50. Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente  comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C- 282/07, EU:C:2008:762, n.º 41).

51. Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52. No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

53. A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54. Além disso, como salientou a advogada-geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).

55. Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56. Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º , n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57. Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58. Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.º TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado-Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado-Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59. Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado-Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C-565/18, EU:C:2020:318, n.o 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 48 e jurisprudência referida).

60. Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

61. No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62. Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln- Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 79).

64. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 53 e jurisprudência referida).

65. Todavia, como resulta do n.º 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

66. Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado-Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 55 e jurisprudência referida).

67. Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

68. Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 60).

69. Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 61).

70. É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 62).

71. No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72. Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

73. Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75. Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 56 e jurisprudência referida].

76. No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados-Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77. No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78. A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C- 338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79. Ora, no presente processo, como resulta do n.º 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).

80. Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.º 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81. A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82. No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C-484/19, EU:C:2021:34, n.º 59).

83. No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado- Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados- Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 71 e jurisprudência referida).

84. Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida.

85. Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

(...)”.

 

  1. Importa sublinhar que este Tribunal Arbitral para além do Acórdão do TJUE, proferido em 17 de Março de 2022, no processo C-545/2019, teve em consideração a Decisão Arbitral elaborada no processo de arbitragem tributária n.º 93/2019 que motivou o referido Acórdão do TJUE, e teve ainda em consideração outras decisões arbitrais, de que se destacam as proferidas nos processos de Arbitragem Tributária n.º 90/2019-T, n.º 96/2019-T, n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 640/2020-T, n.º 580/2022-T, n.º 798/2022-T, n.º 385/2021-T, n.º 621/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 115/2022-T e n.º 121/2022-T, n.º 766/2023-T, n.º 997/2023-T e n.º 928/2023-T.

 

  1. O Tribunal Arbitral teve, outrossim, em consideração a jurisprudência firmada em arestos dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa e fiscal de que se destacam os Acórdãos do STA, processo n.º 0402/06, de 12 de Julho de 2006, processo n.º 01435/12, de 20 de Fevereiro de 2013, processo n.º 087/22.5BEAVR, de 9 de Novembro de 2022, processo n.º 0801/21.6BELRS, de 15 de Fevereiro de 2022, processo n.º 0760/19.5BELRS, de 7 de Junho de 2023, processo n.º 0715/18.77BELRS, de 13 de Setembro de 2023, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo, processo n.º 8595/15, de 27 de Abril de 2018, processo n.º 2143/05.5BELSB, de 28 de Fevereiro de 2019, e por fim teve em especial consideração a jurisprudência uniformizada fixada no Acórdão do STA n.º 7/2024, publicado no Diário da República n.º 40, de 26 de Fevereiro de 2024, e proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, de 28 de Setembro de 2023, em que se estabelece que:

 

“I. Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação. II. O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. III. A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.

  1. É, portanto, facto assente que, por via da isenção fiscal prevista no artigo 22.º do EBF concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção, se verifica uma situação de tributação mais favorável para os OIC residentes comparativamente aos OIC residentes noutros Estados-Membros, o que consubstancia uma violação do artigo 63.º do TFUE, porquanto, tal situação normativa atenta contra o princípio da liberdade de circulação de capitais, sendo, assim, ilegais as normas dos n.º 1, n.º 3 e n.º 10 do artigo 22.º do EBF.

 

  1. No mesmo sentido, cfr., as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito do processo n.º 816/2021-T, processo n.º 438/2022-T, processo n.º 64/2024-T, processo n.º 206/2024-T, processo n.º 252/2024-T, processo n.º 307/2024-T, e processo n.º 471/2024-T.

 

  1. Em face de tudo quanto fica exposto, impõe-se concluir que os actos de retenção na fonte de IRC impugnados, e incidentes sobre a distribuição de dividendos referentes ao ano de 2021 de que é beneficiária a Requerente, se encontram feridos de ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, em concreto, os artigos 18.º e 63.º do TFUE, devendo ser anulados, o que se determina.

 

  1. Em relação ao pedido de revisão oficiosa (que correu termos nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira), dado tratar-se de uma mera ficção jurídica, destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não tem o Tribunal Arbitral de proceder à respectiva anulação.

 

 

VI. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. Conjuntamente com a anulação dos actos de retenção de IRC incidentes sobre dividendos distribuídos no ano de 2021, e o consequente reembolso do valor imposto pago indevidamente em Portugal, a Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios “[q]uando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

  1. A norma da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT estabelece que “[q]uando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

  1. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importará conhecer do pedido.

 

  1. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que o imposto seja indevido ou haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Acresce que o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode se ver pelo Acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere que:

“21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C- 410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.o 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)”.

 

  1. Em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a imputação para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da existência de um acto ilegal, cuja ilegalidade não é imputável ao sujeito passivo:

 

  1. “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação”; [5]

 

  1. “Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art.º 43.º da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado”; [6]

 

  1. “há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária”. [7]

 

  1. Em face desta jurisprudência, não sendo os erros que afetam os actos de retenções na fonte imputáveis à Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. O facto de se tratar de actos de retenção na fonte não praticados directamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não afasta essa imputabilidade, pois, a ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do sujeito passivo, não lhe é imputável, mas sim aos serviços [8] da AT, devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Autoridade Tributária e Aduaneira na liquidação e cobrança do imposto. [9]

 

 

  1. No caso dos autos, é manifesto que os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira se limitaram a aplicar a lei vigente, porém, o sistema jurídico é unitário, e nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o Direito Comunitário faz parte integrante da ordem jurídica interna, pelo que a não consideração do princípio da liberdade de circulação de capitais consubstanciou uma violação do artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Assim, importa concluir que esta violação directa do Direito Comunitário, em concreto, dos artigos 18.º e 63.º do TFUE, consubstanciou, pelas razões já aduzidas, um erro de direito imputável aos serviços ou organismos do Estado português, logo, também aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Por todas as razões enunciadas, a Requerente suportou um pagamento de IRC que se mostra indevido, pelo que, atenta a ilegalidade das normas em que se fundaram os actos de retenção na fonte de IRC impugnados, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, desde o dia imediatamente àquele em que perfaz um ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a liquidar até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre da norma da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

  1. Em relação aos juros indemnizatórios a liquidar, impõe-se a observância da jurisprudência firmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2023, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 222, de 16 de Novembro de 2023, e proferido no processo n.º 40/19.6BALSB, de 3 de Setembro de 2020, em que foi fixada jurisprudência, uniformizada, no sentido de que “[s]ó são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida”.

 

 

VII. DECISÃO

 

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular os actos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre dividendos relativos ao ano de 2021, nos termos peticionados, no valor total de € 207.474,53;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição de IRC, no valor de € 207.474,53 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal, desde o dia posterior àquele em que o pedido de revisão oficiosa perfaz um ano e até à emissão da nota de crédito;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

 

VII. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 207.474,53 (duzentos e sete mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

IX. CUSTAS

 

O valor das custas é fixado em € 4.284,00 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Novembro de 2024

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Victor Calvete, com voto de vencido.

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

Hélder Faustino, Relator

 

Votei vencido quanto ao conhecimento do pedido. Em conformidade com a bifurcação da utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial em função do conteúdo do acto impugnado – se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial; se não comporta uma apreciação desse tipo será aplicável a acção administrativa especial – entendi que a jurisdição arbitral não poderia ser accionada para o caso dos autos.

Creio que não era possível à AT adoptar, em processo de revisão oficiosa (quer fosse desencadeado por si, quer o fosse a pedido ... do contribuinte), alteração alguma aos actos de retenção na fonte, uma vez que eles eram plenamente conformes com a lei interna (o argumento da Requerente é o de que a lei interna é desconforme com o Direito da União – mas isso é algo que só os Tribunais podem aferir: a AT não pode fazer juízos de inconstitucionalidade nem de desconformidade com tal Direito para desaplicar normas legais). Logo, a intervenção (silente – mas se fosse expressa seria igual) da AT, não podia, por natureza,comportar uma apreciação da legalidadee, portanto, o pedido de revisão oficiosa não podia suprir a falta de recurso à reclamação graciosa para efeitos de preenchimento do pressuposto de recurso ao Tribunal Arbitral (cfr. a decisão do Proc. n.º 629/2021-T e a decisão intercalar do Proc. n.º 357/2023-T).

Acresce que o pedido de revisão oficiosa que foi dirigido à AT (mesmo que fosse admissível) era, pelas mesmas razões, absolutamente insusceptível de se fundar em erro dos serviços e, portanto, não estava em tempo – nem podia levar à condenação em juros (como o STA já estabeleceu no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência - Proc. 0564/18.2BALSB).

 

Victor Calvete



[1] Cfr., Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2017, processo n.º 8599/15; de 25 de Junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11 de Julho de 2019, processo n.º 147/17.4BCLSB; de 13 de Dezembro de 2019, processo n.º 111/18.6BCLSB; de 11 de Março de 2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB; de 26 de Maio de 2022, processo n.º 97/16.6BCLS; de 12 de Maio de 2022, processo n.º 96/17.6BCLSB.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Julho de 2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14 de Novembro de c2007, processo n.º 565/07.

[3] Entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril 2017, processo n.º 8599/15; de 25 de Junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11 de Julho de 2019, processo n.º 147/17.4BCLSB; e de 13 de Dezembro 2019, processo n.º 111/18.6BCLSB.

[5] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Outubro de 2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13 de Outubro de 2003, página 2466, e de 24 de Abril de 2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 8 de Março de 2004, página 1197.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Novembro de 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13 de Outubro de 2003, página 2593.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro de 2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13 de Outubro de 2003, página 2765.

[8] Os “serviços” são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT. De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[9] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: “muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum modo, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação”.