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Sumário: I – o regime do SIFIDE II não define uma regra de dedução tendo em consideração a "ficção" do apuramento de uma coleta "virtual" das entidades transparentes, como é o caso dos ACE, nem tipifica uma norma específica de dedução na esfera do grupo sujeito ao RETGS, para além da regra geral constante do art.º 90.º, nº 6, do CIRC. II - Por efeito do regime de transparência fiscal, não há lugar a tributação em IRC da entidade que o deveria ser no caso de não sujeição ao regime de transparência fiscal, sendo, pelo contrário, os sócios dessa entidade que estarão sujeitos a tributação em sede de IRS ou IRC, conforme sejam pesos singulares ou coletivas – Cfr nº 12, do artigo 6º, do CIRC: os transparentes fiscais, sujeitos ao regime do artigo 6º, do CIRC, “não são tributados em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”.III – É o CFI que, regulando o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento, que estabelece que o valor correspondente às despesas pode ser deduzido à coleta de IRC, apurado nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 90º, do CIRC e a dedução feita nos termos do nº 3 do mesmo normativo.IV – Tratando-se de sujeito passivo sujeito ao RETGS, as deduções referidas relativas ao citado benefício fiscal (SIFIDE) são efetuadas no montante apurado relativamente ao Grupo, nos termos dos nºs 1 e 2, do citado artigo 90º (Cfr 6., do mesmo artigo), sem que se encontre fundamento para limitar o valor do benefício fiscal em causa a ACE constituído por empresas sujeitas à coleta e ao RETGS.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I. Relatório
A..., S.A., Pessoa Colectiva n.º ... (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada do despacho do Senhor Diretor do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (integrante da Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida), através do qual indeferiu o procedimento de Revisão Oficiosa do Ato Tributário n.º ...2023... (Cfr. documento n.º 1) e incidente sobre a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao período de tributação de 2018, veio apresentar contra tal liquidação e decisão, PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL
nos termos do disposto nos artigos 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), por remissão do disposto no artigo 137.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
Alegou, no essencial, como fundamentos do pedido, o seguinte:
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A Requerente dedica-se à gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas.
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é sociedade dominante de um grupo de sociedades que se encontra enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades ().
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Do aludido grupo fiscal (“Grupo Fiscal B...”) faziam parte, por referência ao período de tributação de 2018, as seguintes sociedades subsidiárias:
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• C..., S.A. ("C...");
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• D..., S.A. ("D...");
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• E..., S.A. ("E...");
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• F..., S.A.;
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• G…, S.A. (“G…”);
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• H..., S.A.;
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• I..., S.A. ("I...");
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• J..., S.A. ("J...");
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• K..., S.A. ("K...");
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• L..., S.A. ("L...");
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• M..., S.A. ("M...");
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• N..., S.A. ("N...");
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• O..., S.A. ("O...");
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• P..., S.A. ("P...");
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• Q..., S.A. (“Q...”);
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• R..., S.A.;
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• S..., SGPS, S.A.;
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• T..., S.A. (“T...”);
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• U..., S.A.; e
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• V..., S.A.
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Em 28 de Junho de 2019, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC relativamente ao período de tributação de 2018 mediante apresentação da respetiva declaração de rendimentos “Modelo 22” de IRC (cuja cópia se junta como Documento n.º 1)...
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...tendo posteriormente, a 16 de Fevereiro de 2021, entregue também uma declaração “Modelo 22” de substituição () (vide Documento n.º 3), ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC.
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Conforme resulta daquela declaração de rendimentos de substituição (cfr. Documento n.º 3, páginas 4 e seguintes), no período de tributação em causa o Grupo Fiscal B... apurou um lucro tributável de €15.709.702,78, tendo apurado um montante total de imposto a recuperar de €4.945.482,00, conforme detalhe abaixo:
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Valores em Euro (€)
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Cálculo do imposto
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Montante
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Coleta total
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4.131.714,57
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Benefícios fiscais
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2.073.544,18
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Pagamento especial por conta
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205.861,68
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IRC liquidado
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1.852.308,71
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Retenções na fonte
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30.284,79
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Pagamentos por conta
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6.730.741,00
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Pagamentos adicionais por conta
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867.846,00
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IRC a recuperar
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5.776.563,08
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IRC de períodos de tributação anteriores
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484,95
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Derrama municipal
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481.821,39
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Tributações autónoma
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348.753,75
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Juros compensatórios
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20,99
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IRC a recuperar
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4.945.482,00
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No campo 355 do quadro 10 da declaração “Modelo 22” a Requerente inscreveu o montante de €2.073.544,18 correspondente à dedução do período de créditos fiscais obtidos no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE II”), conforme consta do Anexo D da declaração Modelo 22 (cfr. Documento n.º 3, página 11 e seguintes).
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No período de tributação de 2018, as entidades C..., D..., E..., I..., J..., K..., L..., M..., N..., O..., P..., Q... e W... S.A., eram membros do Agrupamento Complementar de Empresas (“ACE”) X..., ACE (“X...”), entidade sujeita ao regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC.
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O X... foi constituído em 2011 e tem como objeto a prestação de serviços técnicos, administrativos e operacionais, a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas dos seus membros, nomeadamente, serviços nas áreas comercial, de negociação, de formação, de recursos humanos, de marketing e de qualidade do Grupo B... .
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A constituição deste ACE teve por objetivo a criação de uma organização comum que permitisse a prestação de serviços partilhados pelas diversas entidades do Grupo B..., tornando mais eficiente a prestação dos referidos serviços.
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No âmbito do desenvolvimento da sua atividade, o ACE suportou despesas com investigação e desenvolvimento elegíveis para efeitos do SIFIDE II.
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Neste sentido, e por reunir as condições de elegibilidade, nos períodos de tributação de 2015, 2016, 2017 e 2018, o X... submeteu junto da Agência Nacional de Inovação, S.A. (“ANI”) pedidos de qualificação do investimento realizado para efeitos da obtenção de créditos fiscais ao abrigo do SIFIDE II.
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De acordo com o n.º 1 do artigo 38.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), as despesas suportadas pelo X... permitiram a obtenção de créditos fiscais de SIFIDE II para aqueles períodos de tributação (vide Documento n.º 4 referente ao exercício de 2015, Documento n.º 5 relativo ao exercício de 2016, Documento n.º 6 referente ao exercício de 2017 e Documento n.º 7 relativo ao exercício de 2018).
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Nos termos do preceito legal supra mencionado, o usufruto destes créditos fiscais verifica-se através da dedução ao valor da coleta de IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.
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A 31 de dezembro de 2018 encontravam-se pendentes de dedução créditos fiscais relativos ao SIFIDE II de exercícios anteriores no montante total de €547.397,54 (2015 a 2017) e no montante de €217.368,24 com referência ao exercício de 2018().
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O Grupo Fiscal B..., seguindo o entendimento propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), designadamente, na Ficha Doutrinária emitida no processo 2019 001072, PIV n.º 15282, sancionado por Despacho da Senhora Diretora-Geral da AT, de 6 de dezembro de 2019, deduziu à coleta de IRC do Grupo Fiscal o crédito referente ao SIFIDE II atribuído ao X..., limitado ao valor da coleta “potencial/virtual” estimada do ACE.
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Na sequência da adoção do entendimento veiculado pela AT, a A..., e por via da limitação supra referida, no que concerne aos créditos fiscais de SIFIDE II apurados pelo ACE, apenas foi deduzido à coleta do período de tributação de 2018 o montante de €3.483,44, referente a créditos de SIFIDE II obtidos em 2015 e 2016.
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Face à não dedução da totalidade dos créditos fiscais de SIFIDE II reportáveis, transitou para ulteriores períodos de tributação o montante de €761.282,34 referente a SIFIDE II obtido pelo X... .
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Neste sentido, com referência a 31 de dezembro de 2018 o Grupo Fiscal encabeçado pela A..., dispunha de créditos fiscais de SIFIDE II (passíveis de dedução), relativos às operações do ACE, no montante total de €761.282,34, dos quais:
(i) o montante de €543.914,10, referente aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, conforme Anexo D da declaração Modelo 22 de 2018 e,
(ii) o montante de €217.368,24, relativo à dotação atribuída para o período tributação de 2018 (Cfr. Documento n.º 7) conforme Anexo D da declaração Modelo 22 de 2018.
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Entende a Requerente que o regime do SIFIDE II não define uma regra de dedução tendo em consideração a “ficção” do apuramento de uma coleta “virtual” das entidades transparentes (como é o caso dos ACEs), nem tipifica uma norma específica de dedução na esfera do grupo sujeito ao RETGS, para além da regra geral que consta do n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC.
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Estatui este último preceito do CIRC [artº 90º-6] que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 [i.e. as deduções de, designadamente, benefícios fiscais] relativas a cada uma das sociedades são efetuadas ao montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1” (sublinhado nosso).
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Não subsiste qualquer óbice legal ou fundamento material que impeça que a dedução do benefício fiscal em apreço deva ser realizada tendo em conta a totalidade da coleta do Grupo Fiscal sujeito ao RETGS.
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Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 38.º do CFI, o prazo de reporte para o SIFIDE II apurado entre 2015 e 2018 é de oito períodos de tributação.
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Contudo, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 6.º da Lei n.º 21/2021, de 20 de abril, durante os períodos de tributação de 2020 e de 2021 a contagem dos prazos de dedução à coleta previstos, designadamente, no n.º 4 do 38.º do CFI, ficou suspensa.
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Neste sentido, os créditos fiscais de SIFIDE II ainda não deduzidos apurados entre 2015 e 2018 estão disponíveis para utilização nos 10 períodos de tributação subsequentes.
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Na sequência do exposto acima, o montante total de SIFIDE II disponível para dedução pelo Grupo B... a 31.12.2018 ascendia a €2.834.826,52 (correspondente aos anos 2015 a 2018), conforme tabela que anexa;
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Considerando que, no período de tributação de 2018, o Grupo Fiscal B... apurou uma coleta total no montante de €4.131.714,57, a Requerente entende que, a par do montante já considerado na declaração “Modelo 22” do período de tributação de 2018 (vide Documento n.º 3), poderá deduzir o montante disponível de SIFIDE II no valor de €761.282,34 apurado pelo X... - e não deduzido face à adoção do entendimento veiculado pela AT, que a Requerente entende não ter sustentação no regime jurídico-tributário aplicável.
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Por esse motivo, a Requerente solicitou à AT a revisão oficiosa do ato tributário em causa – determinado que foi pela sobredita doutrina administrativa – com o consequente reembolso do imposto liquidado no valor total de €761.282,34, acrescido dos competentes juros indemnizatórios (Cfr. Documento n.º 8).
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Todavia, tendo tal procedimento sido tramitado na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), veio a ser expressamente indeferido pela decisão ora impugnada (Cfr. Documento n.º 9) – com base nos fundamentos constantes do projeto de decisão anteriormente notificado à Requerente (Documento n.º 10).
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Segundo é entendimento da AT, reiterando a doutrina administrativa (indevidamente) seguida pela Requerente no preenchimento da sua declaração de rendimentos “Modelo 22”, a dedução à coleta de IRC do Grupo, no que respeita ao crédito fiscal referente ao SIFIDE II atribuído ao X..., está limitada ao valor da coleta “potencial/virtual” estimada do ACE. (sublinhado do Tribunal).
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Tal decisão administrativa não pode subsistir no ordenamento jurídico, pois que resulta de uma interpretação claramente contra legem do Direito aplicável.
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É firme convicção da Requerente que tanto a decisão administrativa que constitui o objeto imediato dos presentes autos como a liquidação que lhe subjaz, a qual constitui o seu objeto mediato, padecem de clara e evidente ilegalidade – pelo que, com a procedência do pedido arbitral devem ser anuladas com todos os legais efeitos.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).
O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6, n.º 2, al. a) e do artigo 11, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo devido.
Foram as partes notificadas dessa designação, em 05-12-2023, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, al. b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6 e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-5-2024.
Em 03-06-2024, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17 do RJAT).
A Resposta da Requerida foi apresentada em 8-7-20224, com remessa simultânea do processo administrativo instrutor (PA). , em 05-02-2023, remetendo o Processo Administrativo.
Alegou a Requerida, na Resposta, em síntese:
- Que, para além dos factos considerados no despacho da DSIRC que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, devem ser atendidos mais os seguintes:
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O Grupo B..., em 2018, era constituído pelas seguintes sociedades:
- N..., S.A. - NIPC ...;
- M..., S.A. - NIPC ...;
- L..., S.A. - NIPC ...;
-J..., S.A. – NIPC...;
- K..., S.A. – NIPC...;
- O..., S.A. – NIPC...;
- C..., S.A. – NIPC...;
-D..., S.A. – NIPC...;
-E..., S.A. – NIPC...;
-F..., S.A. – NIPC...;
-G…, S.A. – NIPC...;
-H…, S.A. - NIPC ...;
-I..., S.A. - NIPC ...;
-P..., S.A. – NIPC...;
-Q..., S.A. - NIPC ...;
-R..., S.A. – NIPC...;
-S..., SGPS, S.A. – NIPC...;
-T..., S.A. – NIPC...;
-U..., S.A. – NIPC...;
- V..., S.A. – NIPC....
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A X..., ACE (NIPC...) é um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), que incluía, em dezembro de 2018, doze das sociedades anteriormente identificadas, referidas de seguida, e a (à data designada) W..., S.A. (NIPC...):
- N... S.A.;
- M..., S.A.;
-L..., S.A.;
-J..., S.A.;
-K..., S.A.;
-O..., S.A.;
-C..., S.A.;
-D..., S.A.;
-E..., S.A.;
-I..., S.A.;
-P..., S.A.;
- Q..., S.A.
10º
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De acordo com o anexo G da declaração anual de informação empresarial simplificada (IES), referente a 2018, apresentada pela X..., esta obteve um lucro tributável de € 17.970,12, imputável a cada uma das sociedades atrás indicadas na proporção de 7,69%.
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No exercício de 2018, a sociedade de transparência fiscal X... ACE apurou uma matéria coletável de € 17.970,12.
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Na última declaração modelo 22 submetida para o período de tributação de 2018, a requerente,
enquanto sociedade dominante do Grupo, apurou (no quadro 10), entre outros, os seguintes valores:
• Coleta total de €4.131.714,57 (campo 378);
• Benefícios fiscais de € 2.073.544,18 (campo 355);
• Total do IRC liquidado de € 1.852.308,71 (campo 358);
• IRC a recuperar de €5.776.563,08 (campo 362);
• Total a recuperar de € 4.945.482,00 (campo 368).
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De acordo com o quadro 073 do anexo D da última declaração submetida para o exercício de 2018, o valor de € 2.073.544,18, referente a dedução de benefícios fiscais atinentes ao SIFIDE II, reparte-se do seguinte modo:
14º
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Em 29/06/23 vem a A..., S.A, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades (Grupo B...) requerer a revisão oficiosa do ato de autoliquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), referente ao exercício de 2018, daquele grupo.
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Através do referido meio administrativo de reação, a requerente vem solicitar a retificação do referido ato, de modo a que o mesmo, a titulo de dedução a coleta do beneficio referente ao sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), considere o valor de € 2.834.826,56 (ao invés do valor declarado, de € 2.073.544,18), gerando, por via disso, o aumento do IRC a recuperar em €761.282,38.
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Tal pedido de revisão oficiosa foi analisado pela UGC tendo o mesmo vindo a ser indeferido por, em síntese, “não se detetar a existência de erro imputável a AT” concluindo-se “pelo incumprimento dos requisitos de que depende a promoção daquele meio de reação”.
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Tal indeferimento foi notificado por carta registada, ofício nº ...-DJT/ 2014, datado de 04/01/24.
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Da consulta às aplicações informáticas da AT – SGIRC-Consulta de declarações, na sequência do deferimento da reclamação graciosa nº ...2010..., o valor da coleta passou de € 4.131.714,57 para € 4.077.211,08.
Considerando o PPA e a Resposta oferecida pela Requerida, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, em 23-7-2024, dispensando a reunião a que alude o artigo 18 do RJAT, por não haver exceções ou outras questões a debater nesse âmbito, e conferindo às partes o prazo de 15 dias para a apresentação de alegações finais escritas.
Nenhuma das partes apresentou alegações.
II – Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2, n.º 1, a) e 5 do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10, n.º 1, al. a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4 e 10, n.º 2 do RJAT e artigo 1 da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, na redação da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro).
Não há exceções ou questões prévias a apreciar e o processo está isento de nulidades.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
III – Fundamentação
Matéria de facto
Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente dedica-se à gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas e...
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... é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades que se encontra enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades ()...
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... de que faziam parte, por referência ao período de tributação de 2018, as seguintes sociedades subsidiárias:
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• C..., S.A. ("C...");
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• D..., S.A. ("D...");
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• E..., S.A. ("E...");
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• F..., S.A.;
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• G…, S.A. (“G…”);
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• H..., S.A.;
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• I..., S.A. ("I...");
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• J..., S.A. ("J...");
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• K..., S.A. ("K...");
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• L..., S.A. ("L...");
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• M..., S.A. ("M...");
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• N..., S.A. ("N...");
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• O..., S.A. ("O...");
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• P..., S.A. ("P...");
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• Q..., S.A. (“Q...”);
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• R..., S.A.;
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• S... , SGPS, S.A.;
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• T..., S.A. (T...”);
-
• U..., S.A.; e
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• V..., S.A.
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Em 28 de Junho de 2019, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC relativamente ao período de tributação de 2018 mediante apresentação da respetiva declaração de rendimentos “Modelo 22” de IRC (cuja cópia se junta como Documento n.º 1)...
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...tendo posteriormente, a 16 de Fevereiro de 2021, entregue também uma declaração “Modelo 22” de substituição (vide Documento n.º 3), ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC.
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Conforme resulta daquela declaração de rendimentos de substituição (cfr. Documento n.º 3, páginas 4 e seguintes), no período de tributação em causa o Grupo Fiscal B... apurou um lucro tributável de €15.709.702,78, tendo apurado um montante total de imposto a recuperar de €4.945.482,00, conforme detalhe abaixo:
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Valores em Euro (€)
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Cálculo do imposto
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Montante
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Coleta total
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4.131.714,57
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Benefícios fiscais
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2.073.544,18
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Pagamento especial por conta
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205.861,68
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IRC liquidado
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1.852.308,71
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Retenções na fonte
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30.284,79
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Pagamentos por conta
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6.730.741,00
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Pagamentos adicionais por conta
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867.846,00
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IRC a recuperar
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5.776.563,08
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IRC de períodos de tributação anteriores
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484,95
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Derrama municipal
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481.821,39
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Tributações autónoma
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348.753,75
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Juros compensatórios
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20,99
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IRC a recuperar
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4.945.482,00
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No campo 355 do quadro 10 da declaração “Modelo 22” a Requerente inscreveu o montante de €2.073.544,18 correspondente à dedução do período de créditos fiscais obtidos no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE II”), conforme consta do Anexo D da declaração Modelo 22 (cfr. Documento n.º 3, página 11 e seguintes).
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No período de tributação de 2018, as entidades C..., D..., E..., I..., J..., K..., L..., M..., N..., O..., P..., Q... e W... S.A., eram membros do Agrupamento Complementar de Empresas (“ACE”) X... , ACE (“X... ACE”), entidade sujeita ao regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC.
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O X... ACE foi constituído em 2011 e tem como objeto a prestação de serviços técnicos, administrativos e operacionais, a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas dos seus membros, nomeadamente, serviços nas áreas comercial, de negociação, de formação, de recursos humanos, de marketing e de qualidade do Grupo B... .
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A constituição deste ACE teve por objetivo a criação de uma organização comum que permitisse a prestação de serviços partilhados pelas diversas entidades do Grupo B..., tornando mais eficiente a prestação dos referidos serviços.
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No âmbito do desenvolvimento da sua atividade, o ACE suportou despesas com investigação e desenvolvimento elegíveis para efeitos do SIFIDE II.
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Neste sentido, e por reunir as condições de elegibilidade, nos períodos de tributação de 2015, 2016, 207 e 2018, o X... submeteu junto da Agência Nacional de Inovação, S.A. (“ANI”) pedidos de qualificação do investimento realizado para efeitos da obtenção de créditos fiscais ao abrigo do SIFIDE II.
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De acordo com o n.º 1 do artigo 38.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), as despesas suportadas pelo X... permitiram a obtenção de créditos fiscais de SIFIDE II para aqueles períodos de tributação (vide Documento n.º 4 referente ao exercício de 2015, Documento n.º 5 relativo ao exercício de 2016, Documento n.º 6 referente ao exercício de 2017 e Documento n.º 7 relativo ao exercício de 2018).
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A 31 de dezembro de 2018 encontravam-se pendentes de dedução créditos fiscais relativos ao SIFIDE II de exercícios anteriores no montante total de €547.397,54 (2015 a 2017) e no montante de €217.368,24 com referência ao exercício de 2018().
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O Grupo Fiscal B..., seguindo o entendimento propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), designadamente, na Ficha Doutrinária emitida no processo 2019 001072, PIV n.º 15282, sancionado por Despacho da Senhora Diretora-Geral da AT, de 6 de dezembro de 2019, deduziu à coleta de IRC do Grupo Fiscal o crédito referente ao SIFIDE II atribuído ao X..., limitado ao valor da coleta “potencial/virtual” estimada do ACE.
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Deste modo, na sequência da adoção do entendimento veiculado pela AT, a A..., e por via da limitação supra referida, no que concerne aos créditos fiscais de SIFIDE II apurados pelo ACE, apenas foi deduzido à coleta do período de tributação de 2018 o montante de €3.483,44, referente a créditos de SIFIDE II obtidos em 2015 e 2016.
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Face à não dedução da totalidade dos créditos fiscais de SIFIDE II reportáveis, transitou para ulteriores períodos de tributação o montante de €761.282,34 referente a SIFIDE II obtido pelo X... ACE.
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Com referência a 31 de dezembro de 2018 o Grupo Fiscal encabeçado pela A..., dispunha de créditos fiscais de SIFIDE II passíveis de dedução, relativos às operações do ACE, no montante total de €761.282,34, dos quais: (i) o montante de €543.914,10, referente aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, conforme Anexo D da declaração Modelo 22 de 2018 e, (ii) o montante de €217.368,24, relativo à dotação atribuída para o período tributação de 2018 (Cfr. Documento n.º 7) conforme Anexo D da declaração Modelo 22 de 2018.
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Em 29-6-2023 a ora requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... (Cfr. documento n.º 1) incidente sobre a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao período de tributação de 2018...
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... que foi indeferido por despacho do Diretor do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, notificado à Requerente em 4-1-2024, por carta registada enviada nesta data.
Factos não provados
Não há, com relevância para o objeto destes autos, quaisquer outros factos provados ou não provados.
Fundamentação da matéria de facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123, n.º 2, do CPPT e do artigo 607, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29, n.º 1, als. a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29, n.º 1, e), do RJAT.
Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, em especial os elementos constantes do processo administrativo consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, ressaltando dos autos e das posições das partes que o litígio emerge tão só e apenas do enquadramento jurídico e da interpretação da Lei e do direito aplicável, como melhor se verá infra
III – Fundamentação (cont.)
O Direito
Compulsados o PPA, a Resposta e o processo administrativo instrutor, resulta como objeto central do litígio, a dedução à coleta, no âmbito do SIFIDE, de que é beneficiário um ACE, entidade sujeita ao regime de transparência fiscal, constituído por empresas que fazem parte do grupo fiscal B..., tributado pelo RETGS.
Mais concreta e especificamente: a Requerente formulou pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação do IRC, referente ao exercício de 2018, pedindo a retificação desse ato de modo a que o mesmo, a título de dedução à coleta do benefício referente ao SIFIDE (SIFIDE II - sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial), considere o valor de €2.834.826,58 ao invés do declarado de €2.073.544,18, gerando por via desta retificação o aumento de IRC a recuperar de €761.282,38.
Alega a Requerente que, muito embora tenha seguido o entendimento plasmado na Informação Vinculativa (15282), discorda que a dedução à coleta de IRC do Grupo, relativamente ao SIFIDE II, esteja limitado ao valor da coleta “potencial/virtual” estimada do ACE, porque o regime do SIFIDE II não define uma regra de dedução tendo em consideração a "ficção" do apuramento de uma coleta "virtual" das entidades transparentes, como é o caso dos ACE, nem tipifica uma norma específica de dedução na esfera do grupo sujeito ao RETGS, para além da regra geral constante do art.º 90.ºnº 6, do CIRC.
In casu e mais concretamente: a Requerente alega que apenas deduziu € 3.483,44 referente a créditos SIFIDE II, e pretende acrescer a dedução de € 761.282,38 relativo a saldo transitado de créditos de SIFIDE II, dos anos de 2015 a 2018.
Opõe-se a Requerida a tal pretensão alegando que a imputação dos benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE II, respeitantes a entidades transparentes, é feita aos sócios ou membros nos termos que constem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais e daí que, não obstante a referida dedução não operar por dedução à coleta do ACE, desde logo porque, das especificidades do regime da neutralidade fiscal resulta a inexistência de coleta apurada na esfera da entidade transparente pelo que o valor a deduzir, em razão do benefício SIFIDE II, deverá ser apurado na esfera do ACE e imputado aos seus membros nos termos do n.º 3 do artigo 6º do Código do IRC..
Deste modo e segundo a Requerida, considerando o disposto no nº 1, do artigo 38.º, do CFI, onde se define que a dedução à coleta do IRC, relativa ao SIFIDE II, é efetuada até à concorrência da própria coleta, mostra-se necessário apurar a coleta que seria devida pela entidade transparente caso não lhe fosse aplicável o referido regime da transparência, ou seja, proceder ao apuramento da potencial/virtual coleta da entidade transparente, tal como também resulta do entendimento sancionado no âmbito de processo onde estava em causa a dedução da DLRR — Processo nº 2019001072, PIV nº 15282, sancionado por Despacho, de 6 de dezembro de 2019, da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (sublinhado do Tribunal).
Ainda segundo a Requerida está em causa um ACE em que alguns membros são sociedades integrantes do Grupo, abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo que na parte em que a dedução apurada no âmbito do ACE seja de imputar aos membros do ACE que sejam sociedades integrantes de um Grupo abrangido pelo RETGS, a dedução será concretizada numa dedução à coleta apurada pelo Grupo, nos termos do nº 6, do artigo 90.º, do Código do IRC.
E, atendendo a que o valor deduzido à coleta título de SIFIDE II, em sede de autoliquidação, do Grupo, do exercício de 2018, respeita a exercícios anteriores então (i) o benefício relativo ao SIFIDE II respeita ao ACE (visto ter sido a entidade que realizou as despesas elegíveis para o efeito), ainda que depois quem venha a dele usufruir sejam os seus sócios, (ii) o direito de cada um dos sócios ao benefício não cessa pelo facto de deixar um grupo fiscal e passar a integrar outro grupo fiscal; (iii) o direito de cada sócio do ACE ao aludido benefício respeita apenas e só ao próprio (ainda que integre um grupo), pelo que o acompanha, não obstante o grupo ao qual pertence passar a ser outro; (iv) naturalmente que a dedução à coleta do novo grupo, referente ao benefício SIFIDE II de períodos de tributação anteriores, tem, como limite máximo, a coleta individual que essa sociedade sócia apuraria se não tivesse sido integrada nesse novo grupo, pelo que não pode ser aproveitado o benefício para além da coleta calculada pela sociedade sócia do ACE.”
Conclui a Requerida que “(...)o SIFIDE II consiste numa (opera através de uma) dedução à coleta, que não à matéria coletável. Opera, pois, num momento já ulterior ao do apuramento da matéria coletável [(cfr. art.º 38.º, n.º 1, do CFI - “ “(...) podem deduzir ao montante da coleta de IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, (...)”], não existindo qualquer erro imputável à AT “ (...)no segmento da liquidação de IRC ora mediatamente controvertida emitida na sequência da entrega pela Requerente de uma declaração de rendimentos de substituição, deve manter-se a decisão de indeferimento do pedido de revisão efetuado ao abrigo da parte final do n.º 1 do art.º 78.º da LGT..(...)”
Apreciando a questão ou questões suscitadas e objeto do litígio:
A transparência fiscal
Este regime, regulado no artigo 6º, do CIRC, visa prosseguir objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios (Cfr ponto 3, do preâmbulo do CIRC).
O objetivo da neutralidade é conseguido através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, quer sejam estes pessoas singulares quer sejam pessoas coletivas ou sociedades, tributação esta exercida do mesmo modo que o seria se aqueles sócios exercessem diretamente a atividade – Cfr nesta matéria a decisão proferida no processo do CAAD nº 93/2022-T (publicada em www.caad.org.pt) , cuja fundamentação também acompanhamos.
Ou seja: por efeito do regime de transparência fiscal, não há lugar a tributação em IRC da entidade que o deveria ser no caso de não sujeição ao regime de transparência fiscal, sendo, pelo contrário, os sócios dessa entidade que estarão sujeitos a tributação em sede de IRS ou IRC, conforme sejam pesos singulares ou coletivas – Cfr nº 12, do artigo 6º, do CIRC: os transparentes fiscais, sujeitos ao regime do artigo 6º, do CIRC, “não são tributados em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”.
Da conjugação do regime previsto no artigo 6º, do CIRC com o estabelecido no nº 5, do artigo 90º, do CIRC, as deduções, onde se incluem os benefícios fiscais – como o caso do SIFIDE II - , são imputadas aos sócios/membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação.
Com o denominado “SIFIDE II”, regime aprovado pela Lei nº 55-A/2010 (Orçamento do Estado para 2011) e a operar para os períodos de tributação de 2014 a 2025 (cfr Lei nº 2/2020 - Orçamento do Estado para 2020), visou o legislador o apoio às atividades de investigação e de desenvolvimento relacionadas com a criação ou melhoria de um produto, de um processo, de um programa ou de um equipamento que apresentem uma melhoria substancial e que não resultem apenas de uma simples utilização do estado atual das técnicas existentes.
Dos artigos 35º e seguintes do CFI (Código Fiscal do Investimento) que regulamentam este benefício fiscal, resulta caber à ANI o reconhecimento da idoneidade da entidade em matéria de investigação e desenvolvimento, encontrando-se tipificadas as aplicações relevantes no artigo 37º, do CFI
No artigo 38º, deste diploma, estabelece-se o âmbito de dedução daquele benefício fiscal, determinando o nº 1 deste artigo que “os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável em Portugal, podem deduzir ao montante máximo da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 90º, do CIRC e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025 numa dupla percentagem:
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Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período;
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Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00”.A dedução deste benefício fiscal é feita nos termos gerais da liquidação previstos no artigo 90º, do CIRC, admitindo-se, à data dos factos, que “(...) as despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício imediato (...) – artigo 38º-4, do CFI.
A necessidade de apuramento de uma coleta potencial ou virtual da entidade transparente, conforme defendido pela AT, não encontra suporte legal, designadamente no CIRC e na previsão das regras de apuramento e imputação de rendimentos auferidos por sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal: a única coleta a considerar é a que corresponde à efetivamente apurada que, no caso de ACE, corresponde à coleta dos seus membros e que, no caso de entidades sujeitas a RETGS, corresponde à coleta do RETGS.
Com efeito, a matéria coletável é determinada nos termos do artigo 90º, do CIRC, normativo que regula não só os termos em que se processa a liquidação, com base na obrigação declarativa do sujeito passivo, como especifica as deduções que podem ser efetuadas ao montante apurado, aí se incluindo as relativas aos benefícios fiscais [alínea c), do nº 2].
Por sua vez estas deduções à coleta, quando respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º “são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no nº 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo“.
Ora dispondo o artigo 6º, do CIRC (já analisado supra) que é imputada aos sócios “(...)a matéria coletável determinada nos termos deste Código (CIRC) (...)” (sublinhado nosso), ainda que passe a integrar o rendimento tributável dos sócios, designadamente para efeitos de IRS, quando se trate de pessoas singulares.
Por outro lado, é o próprio CFI que, regulando o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento que estabelece que o valor correspondente às despesas pode ser deduzido à coleta de IRC, apurado nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 90º, do CIRC e a dedução feita nos termos do nº 3 do mesmo normativo.
Do exposto resulta, parece, que se está perante transferência para os sócios do benefício fiscal em IRC, tal como ele existe para as sociedades “opacas” no âmbito do IRC, ficando afastadas destas deduções à coleta de IRC, por exemplo, as limitações de benefícios fiscais que operam por dedução à coleta previstas no CIRS e a que se refere o artigo 78º-7, do CIRS.
Não sendo o SIFIDE um benefício fiscal em sede de IRS mas antes um benefício que opera no âmbito do IRC, o seu valor é determinado tendo em consideração a coleta de IRC, com transferência para os sócios das sociedades transparentes por força do artigo 90º-5, do CIRC.
Por sua vez, tratando-se, como no caso sub juditio, de sujeito passivo sujeito ao RETGS, as deduções referidas relativas ao citado benefício fiscal são efetuadas no montante apurado relativamente ao Grupo, nos termos dos nºs 1 e 2, do citado artigo 90º (Cfr 6., do mesmo artigo), sem que se encontre fundamento para limitar o valor do benefício fiscal em causa a ACE constituído por empresas sujeitas à coleta, sujeitas ao RETGS.
Assim é que, sufragando, no essencial, jurisprudência sobre matéria semelhante (cfr Acórdãos do CAAD nos processos nºs 93/2022-T, 260/2023-T e 221/2024-T, proferidos em 26-9-2022, 27-9-2023 e 20-9-2024, respetivamente, publicados em www.caad.org.pt e Acórdão do STA proferido em 7-6-2023, no processo nº 1301/21.0BEBRG), se considera que enferma de ilegalidade, pelas razões apontadas, o despacho sindicado e que indefere o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativo à autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2018.
IV – Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral coletivo decide, na procedência do pedido de pronúncia formulado:
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Anular o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa acima identificado e objeto do pedido;
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Anular parcialmente, conforme exposto supra, a sobredita liquidação de IRC do período de tributação de 2018;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do imposto pago no valor de €761.282,34 e
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Condenar a Requerida nas custas devidas pelo processo, no valor abaixo indicado.
Valor do processo
Em conformidade com o disposto no artigo 306, n.º 2 do CPC, no artigo 97-A, n.º 1, al. a) do CPPT [« 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)]», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [«O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário»], fixa-se o valor do processo em € 761.282,34
Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em € 11.016,00, a cargo da Requerida, conforme decisão supra.
Lisboa, 26 de novembro de 2024
José Poças Falcão
(Presidente do Tribunal Arbitral)
Victor Simões
(Árbitro Adjunto
Arlindo José Francisco
(Árbitro adjunto)
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