Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 361/2024-T
Data da decisão: 2024-10-25  IRC  
Valor do pedido: € 43.282,98
Tema: IRC — arts. 64.º e 139.º, CIRC, arts. 77.º e 79.º, LGT, art. 249.º, CCiv., 130.º CIMI — erro de escrita — custos de aquisição — notificação do procedimento de reclamação.
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Sumário

I. Apesar de se concluir por existir lapso manifesto, revelando-se no próprio contexto da declaração, se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo.

 

II. Salvo situações especiais, se o sujeito passivo adquire um imóvel por um valor abaixo do VPT, quando o vender tem de deduzir no campo 772 do quadro 7 da declaração Mod. 22 do IRC a diferença positiva entre o VPT definitivo à data de aquisição e o custo de aquisição.

 

III. Tendo conhecimento da transmissão da propriedade das frações já identificadas, tendo conhecimento do novo proprietário, sujeito passivo de IMI, e sabendo que a fixação dos VPT definitivos tem impacto no valor dos impostos que o SP tem o dever de pagar, competia à AT dirigir, oficiosamente, a notificação ao sujeito passivo da altura, da relação tributária para efeitos de IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.         RELATÓRIO

 

A.        Dinâmica processual

  1. A..., S.A., com sede social na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, NIPC..., apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da L n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023..., bem como a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023... e Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2023..., num montante total de imposto a pagar de € 43.282,98, referente ao período tributário de 2019 e, consequentemente, os mesmos anulados, e efetuado o reembolso correspondente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
  2. No dia 18 de março de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 8 de maio de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28 de maio de 2024.
  6. No dia 27 de junho de 2024, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, bem como juntou aos autos o processo administrativo (PA).
  7. No dia 10 de julho de 2024 foi proferido despacho no sentido de, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, ser dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 15 de novembro de 2024.

 

B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, ser uma sociedade que se dedica à compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios — CAE 68100 “Compra e venda de bens imobiliários” —, tendo vendido, em 2019, diversos imóveis de que era proprietária por valores inferiores aos respetivos valores patrimoniais tributários (VPT).

            Tendo sido objeto de um procedimento de inspeção tributária, a AT propôs a realização de correções meramente aritméticas, em sede de IRC, no montante global de € 498.183,39, sendo i) o valor de € 20.420,00, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato, nos termos do art. 64.º, 2, 3, a), CIRC, e ii) o valor de € 477.763,93, correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, de acordo com o previsto no artigo 64.º, 3, b), 5, CIRC.

            Quanto ao ponto i), a Requerente deu cumprimento ao disposto no art. 139.º, CIRC (prova do preço efetivo), embora, por lapso de escrita, tenha omitido a fração D, cuja retificação de imediato solicitou. No entanto, a AT indeferiu tal pedido, não tendo prosseguido com a revisão considerando este imóvel.

            No termo do procedimento, chegou-se a acordo no sentido de “(...) não aplicação da regra estabelecida no art. 64.º, 2, CIRC, para efeitos da determinação do lucro tributável de IRC no exercício de 2019, relativamente aos imóveis identificados neste procedimento de revisão.

            Alega a Requerente que a AT tinha na sua posse todos os elementos para poder apreciar igualmente a situação deste imóvel, nomeadamente a escritura pública de aquisição pelo que não havia motivo para não o englobar na decisão tomada, pois demonstrou de forma inequívoca que o preço recebido correspondeu ao que foi declarado.

            Quanto ao ponto ii) refere que se deve admitir a dedução fiscal do VPT considerando apenas o valor constante do contrato (sem os custos acessórios efetivamente incorridos com a aquisição, contabilizados de acordo com a NCRF 18) bem como tinha considerado os VPT’s efetivamente corretos, ou seja, que serviram de base à liquidação de IMT, à data da aquisição, pois ignorava, sem obrigação de saber, da pendência, aquando da aquisição, de pedidos de reavaliação dos respetivos VPT’s relativamente a todos os imóveis,.

            Para além disso, pede juros indemnizatórios por entender que ocorreu erro imputável aos serviços do qual resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, nos termos dos arts. 24.º, 5, RJAT, 43.º, 1, 4, LGT, 61.º, 5, CPPT, e 100.º, LGT.

            Conclui pedindo o reembolso do imposto pago bem como os correspondentes juros indemnizatórios.

            Por sua vez, a AT pugna pela legalidade do ato de liquidação pois, no seu entendimento, quanto ao ponto i), relativamente à fração D, o pedido de correção mostra-se inviável face ao disposto no art. 139.º, CIRC, não tendo sido apresentado atempadamente pedido de revisão para este efeito, pelo que, não constando do mapa enviado pela Requerente para os quais foi efetuado pedido de prova do preço efetivo nas transmissões de imóveis (art. 139.º, CIRC), bem como da ata n.º 22/2023 do Serviço de Apoio ao Procedimento de Revisão (referente ao acordo do debate entre os peritos), não se comprovou que o valor de mercado seja inferior ao seu valor patrimonial tributário definitivo; quanto ao ponto ii) a diferença positiva prescrita no art. 64.º, 2, CIRC, resulta do VPT e do custo de aquisição que decorre da NCRF 18, ao invés do valor constante no contrato.

            Para a AT o ato de liquidação deve manter-se na ordem jurídica.

 

 

II.        SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

III.      QUESTÕES A DECIDIR

 

            As questões a apreciar consideram essencialmente o disposto nos arts. 64.º e 139.º, CIRC, nomeadamente,  i) se e em que termos o lapso de escrita deve ser valorado, para efeitos do art. 139.º, CIRC; ii) como calcular a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o valor constante do contrato, para efeitos do disposto no art. 64.º, CIRC, nomeadamente, se se deve acrescentar ao valor do contrato, para este efeitos, os custos acessórios efetivamente incorridos com a aquisição (os custos de aquisição); e iii) finalmente, importa saber qual o VPT a considerar: o definitivo ou o fixado para efeitos de IMT.

 

 

IV.       FUNDAMENTAÇÃO

A.        MATÉRIA DE FACTO

A.1.     Factos dados como provados

A) A Requerente é uma sociedade anónima, sedeada em Portugal, titular do NIPC..., que tem por objeto social a compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios, CAE principal 68100.

B) Foram apresentados junto da AT, desde pelo menos 2015, pedidos de avaliação pela, na altura proprietária,  B..., em datas anteriores às datas das escrituras de aquisição pela Requerente, dos imóveis com os seguintes artigos matriciais: ...-Z; ...-A F; ...-AM; ...-AH; ...-F; ...-AB; ...-AG.

C) Foram emitidas as guias de liquidação de imposto de selo e de IMT para efeitos de aquisição do direito de propriedade pleno das frações autónomas com os artigos matriciais melhor identificados supra, com o "VPT considerado pela AT" como o VPT definitivo e o "VPT correto" como o valor considerado para efeitos de liquidação do IS e do IMT,  pagos pela Requerente.

 

 

 

D) Em relação ao imóvel identificado sob o artigo matricial U-...-NA, a Requerente esclareceu que: Valor da escritura: € 63.000,00; VPT considerado pela Requerente na dedução no C772: € 71.420,00; VPT considerado pela AT: € 67.160,00; VPT que serviu de base à liquidação de IMT: € 72.491,30, cuja aquisição foi efetuada pela Requerente a 8 de fevereiro de 2019.

E) A sociedade alienante B... pediu em 30 de dezembro de 2016 a avaliação do imóvel, com a indicação do motivo "VPT desatualizado", nos termos do art. 130.º, 3, a, CIMI.

F) Os VPT definitivos foram registados nas matrizes com datas posteriores às datas de realização das escrituras de aquisição por parte da Requerente.

G) A AT elaborou o ofício n.º ... de 24 de março de 2020, dirigido à Requerente, com o VPT da referida fração no valor de € 67.160,00, nos seguintes termos:

 

 

H) Com data de 9 de janeiro de 2020, por comunicação eletrónica dirigida ao Diretor de Finanças de Lisboa, a Requerente peticionou junto da AT procedimento de realização da prova do preço efetivamente praticado, nos termos do art. 139.º, CIRC, tendo em vista demonstrar que o preço de venda dos imóveis identificados em baixo foi inferior ao valor patrimonial tributário:

 

 

 

 

I) Consta do anexo 3 junto pelo SP, para instrução do peticionado:

 

J) Por despacho datado de 16 de março de 2021, proferido pela Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças de Lisboa — Informação n.º 24/2021, a que foi aposto carimbo de receção junto da Requente com a data de 8 de abril de 2021, após apreciação do pedido apresentado, foi determinado, entre outros, o seguinte ponto 4.2:

 

 

K) Conclui a referida informação que:

 

L) Por comunicação eletrónica de 12 de abril de 2021, dirigida à Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente veio expor o seguinte:

 

N) A requerente juntou aos autos do procedimento cópia da escritura pública de compra da fração identificada com a ref. SE..., com o artigo matricial n.º..., fração D, com o valor patrimonial tributário de € 320.780,00.

O) Por ofício datado de 14 de abril de 2021, a AT comunicou à Requerente o seguinte:

 

P) Por ofício datado de 3 de abril de 2023 a AT comunicou à Requerente cópia das atas ns. 20/2023 e 22/2023 relativas ao procedimento de pedido de prova do preço efetivo na transmissão dos 84 imóveis indicados do qual resulta não se encontrando relacionado o prédio identificado com o artigo matricial ..., fração D.

Q) Do procedimento, vertido na ata de 22/2023, resultou a seguinte conclusão:

 

R) Durante o exercício de 2019 a Requerente procedeu à transmissão onerosa de direitos reais sobre, pelo menos, 85 bens imóveis, incluindo o imóvel identificado sob o artigo matricial... D.

S) A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., com despacho de 20 de janeiro de 2023, tendo por finalidade o controle declarativo do SP nos termos do art. 64.º do CIRC, relativamente a transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, no exercício de 2019.

T) No âmbito do projeto “2021/DSPCIT/...– SP com transmissão de imóveis com VPT superior ao valor do contrato – 2018 e 2019”, apurou-se que a Requerente, no exercício de 2019, procedeu à transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

U) Do RIT, datado de 20 de outubro de 2023, resulta o seguinte:

 

(...)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(...)

 

(...)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

V) Do RIT resultou a liquidação IRC n.º 2023 ... bem como a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023 ... e Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2023 ..., num montante total de imposto a pagar de € 43.282,98, referente ao período tributário de 2019.

W) Em data não apurada, a Requerente procedeu ao pagamento do valor constante das notas de liquidação.

 

A.2.     Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

            B. DE DIREITO

           

            B.1 Thema decidendum

            O thema decidendum considera o disposto nos arts. 64.º, e 139.º, CIRC, e passa por aferir i) da relevância de um alegado lapso ou erro de escrita por parte da Requerente, para efeitos do art. 139.º, CIRC; ii) como calcular a diferença positiva prevista no art. 64.º, 3, b), CIRC, nomeadamente, se se deve considerar o valor do contrato, de per si, ou antes acrescentar os custos acessórios efetivamente incorridos com a aquisição (os custos de aquisição); e iii) além disso, importa ainda a questão do VPT que deve ser considerado para os efeitos previstos no art. 64.º, 2, CIRC: se o VPT para efeitos de liquidação de IMT ou se o VPT definitivo.

 

            B.2. Do mérito

            O diferendo colocado ao tribunal passa, como vimos, por analisar o disposto nos arts. 64.º e 139.º, ambos CIRC, e todo o quadro normativo que lhe está subjacente, com a particularidade de termos de efetuar uma incursão sobre o alegado "erro de escrita" bem como sobre os pedidos de atualização dos VPT's apresentados pela, na altura, proprietária.

            Determina o art. 64.º, CIRC, em vigor à data dos factos:

Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

            a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

            b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

 

            Genericamente, este preceito estabelece regras para as situações em que o valor de transmissão declarado na venda de imóveis é inferior ao VPT.

            Este preceito foi aditado, conjuntamente com o art. 139.º, pelo DL n.º 287/2003, de 12 novembro. Com a introdução deste normativo, os valores patrimoniais tributários que serviram de base à liquidação do IMT passaram a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável.

            Para o alienante, concorre para a formação do lucro tributável a diferença positiva entre o VPT definitivo e o valor constante do contrato de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (valor de venda).

            No entanto, o vendedor pode fazer prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT que serviu de base a liquidação do IMT, impedindo assim uma correção. O pedido deve ser dirigida ao diretor de finanças, tem efeito suspensivo da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva entre o VPT e o valor de venda, mas confere à AT a possibilidade de aceder à informação bancária do Requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referentes ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior (art. 139.º, 1, 3, 4, 6, CIRC).

            Do ponto de vista dos interesses que se procuraram salvaguardar, basicamente, estamos perante uma norma especial antiabuso que tem por base uma presunção de rendimentos. Isto verifica-se porque, para o legislador, a alienação de bens imóveis presta-se com facilidade a fenómenos de evasão fiscal, designadamente através da erosão da base tributável e da dissipação dissimulada dos proventos dessas alienações para terceiros na órbita dos SP's.

            Atento o crónico risco de abuso e de negócio simulado quanto ao valor da transação, aquela norma estabelece uma presunção de rendimentos, ou seja, presume que o valor a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC é o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, nas hipóteses em que este se quede acima do valor constante do ato ou contrato (artigo 64, 2, CIRC).

            Este recorte teleológico é confirmado pelo preâmbulo do supramencionado DL: “os valores patrimoniais tributários que serviram de base à liquidação de IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer de IRS, rendimentos empresariais, quer de IRC” (cf. acórdão do STA de 06-11-2019, processo n.º 0264/09.4BELRA 0806/15).

            A presunção de rendimentos é estabelecida pelo art. 64.º, 2, CIRC: “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”.

            Esta solução concretiza-se nos termos do art. 64, 3, a), CIRC: “[O] sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato”.

            Por sua vez, o art. 139.º, CIRC, sob a epígrafe "Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis" prevê um procedimento especial para a ilisão da presunção de rendimento instituída pelo citado art. 64.º, 2 CIRC.

            A lei prevê que o procedimento efetuado para esse efeito seja instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado (artigo 139.º, 3, CIRC).

            O procedimento rege-se pelas regras enunciadas nos arts. 91.º e 92.º, LGT, com as necessárias adaptações, ou seja, de acordo com as regras reguladoras do pedido de revisão pelo SP da matéria tributável fixada por métodos indiretos (art. 139.º, 5, CIRC).

            A AT tem a faculdade de aceder à informação bancária do contribuinte referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior (art. 139.º, 6, CIRC).

            O legislador determina, ainda, a dependência da impugnação judicial da liquidação do imposto resultante da correção efetuada por aplicação da presunção do art. 64.º, 2, CIRC, da “prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa” (art. 139.º, 7, CIRC).

            Esta disposição vem sendo interpretada pela jurisprudência do STA com o seguinte enquadramento: “o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui um condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis” (cf., entre outros, o acórdão do STA, de 21 de novembro de 2019, proc. n.º 0816/08.0BECBR 0558/17). 

            É este o quadro normativo genérico a considerar para apreciar a argumentação da Requerente e da AT quanto aos pontos em análise.

 

 

            B.2.i) Da correção no valor de € 20.420,00 e do alegado lapso de escrita ínsito no   pedido de prova do preço efetivo (art. 139.º, CIRC)

            Resumidamente, a Requerente alega ter apresentado uma lista de 85 imóveis alienados em 2019 para efeitos de prova do preço efetivo, nos termos do art. 139.º, CIRC, tendo-se apercebido, aquando da notificação do despacho proferido pela AT, que esta apenas considerou 84 imóveis, pois, a Requerente, "ao invés de ser feita a referência à sua fração autónoma identificada sob a letra “D”, o imóvel foi identificado com a letra “X”, estando assim em “duplicado” no requerimento por si apresentado".

            De imediato a Requerente solicitou a retificação do alegado lapso de escrita cometido, de modo a incluir a referida fração no procedimento solicitado, pedido esse que não foi aceite pela AT, tendo esta prosseguido o procedimento de revisão sem considerar o imóvel aqui em apreço.

            Na perspetiva da Requerente, sendo um mero lapso de escrita, e tendo a AT toda a documentação necessária para avaliar a referida fração D em sede de prova do preço efetivo, então a correção levada a cabo pela AT em sede de RIT não tem fundamentação legal.

            Por sua vez, a AT, taxativamente, conclui que o imóvel em causa não foi apreciado no procedimento de revisão pelos peritos indicados pela Requerida e da Requerente, por não fazer parte do seu objeto, por intempestivo, sendo impossível comprovar que o valor de mercado era inferior ao VPT definitivo do imóvel,

            Com efeito, por força do disposto no art. 139.º, 3, CIRC, o pedido de prova do preço deve ser apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

            Vejamos.

            A fim de se determinar o sentido do lapso de escrita, ou erros materiais ou de cálculo, uma vez o legislador não o ter delimitado, atentemos então, em observância do disposto do artigo 11.º, LGT, como outros ramos do direito enquadram a situação em causa.

            Determina o art. 249.º, CCiv., que "O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta."

            Por sua vez, determina o art. 95.º-A, 2, CPPT, que refere que “Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente (...) as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso.

            Por sua vez, dispõe o art. 79.º, LGT, sob a epígrafe “Revogação, ratificação, reforma, conversão e rectificação”: “1. O ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão. 2. A administração tributária pode retificar as declarações dos contribuintes em caso de erros de cálculo ou escrita.”.

            Face a estes conceitos, poder-se-á concluir como adequada a interpretação da administração fiscal veiculada logo em 1985 e posteriormente reafirmada no ponto 9.3 do Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 de novembro DSIVA, no sentido de que se consideram erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e que não têm qualquer interferência na esfera de terceiros, não colocando em causa a substância da questão.

            Podemos, assim, considerar que os erros materiais ou de cálculo, abrangem os erros de transposição de dados dos documentos de suporte para a contabilidade, ou, desta para as declarações, ou erros ariméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações.

            Ora, como resulta provado, quando o SP peticiona junto da AT o procedimento de realização da prova do preço efetivamente praticado, nos termos do art. 139.º, CIRC, tendo em vista demonstrar ter sido o preço de venda dos referidos imóveis inferior ao valor patrimonial tributário, identificou na listagem que remeteu os bens imóveis que deveriam ser objeto desse mesmo procedimento.

            Dessa listagem consta em duplicado o detalhe do prédio identificado com o artigo matricial ..., fração x, com o valor patrimonial tributário de € 320.780,00, e tendo como 1 de março de 2019 o dia de venda.

            A AT apercebeu-se de imediato desse lapso, pois, ao elaborar a Informação 24/2021, refere expressamente, no ponto 4.2, "Nas linhas 20 e 21 é indicada em duplicado a fração autónoma designada pela letra X do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de "..." e concelho de "Lagoa", tendo como referência SE... e SE..., alienada em 1 março 2019".

            Aliás, a AT apercebeu-se de outros lapsos de escrita. Atente-se ao que resulta do ponto 4.1. da referida Informação: "Lapsos relacionados com erros materiais descrita que se traduzem errada identificação do artigo matricial, da fração, da freguesia, do concelho dos imóveis que oficiosamente podem ser suprimidos".

            A diferença entre o ponto 4.1. e o ponto 4.2, conforme lemos o PA, resulta do facto de no 4.1. a AT se encontrar munida da informação adequada para corrigir, oficiosamente, esses lapsos, enquanto que no ponto 4.2. não alcançou a que prédio dos que constavam da escritura publica de compra e venda junta o lapso se referia, para efetuar oficiosamente, essa correção.

            Ora, não obstante o tratamento efetuado pela AT se ter efetuado no mesmo ponto 4. a solução jurídica é diferente, e resulta do facto de da documentação junta pelo SP não ser possível identificar a qual fração ele se queria referir.

            Com efeito, apesar do referido 4.2, a AT procura identificar em detalhe a questão, com o segmento da Informação em que aborda isso, no 4.3:

 

           

            Da listagem com a referência SE... não conta qualquer fração com a designação D nem que a data da escritura pública tenha ocorrido a 1 de março de 2019.

            É certo que, mal teve conhecimento da Informação 24/2021, onde se identificavam os lapsos que o peticionado padecia, a Requerente apresentou junto da AT um pedido de retificação, mencionando que, quanto à referência SE..., onde consta a fração X, deveria constar a fração D "uma vez que terá sido esta a fração vendido abaixo do seu valor patrimonial".

            A AT não admitiu essa retificação, alegando, como já referimos, ser o mesmo intempestivo.

             A interpretação do art. 249.º, CCiv. resultante do acórdão do STA, de 21 maio 2020, proc. n.º 015/19.5BALSB, vai no sentido de "Se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo."

            Ora, face aos dados colhidos estamos certos que o lapso praticado inicialmente pelo SP é manifesto e facilmente compreensível, considerando o detalhe exigido e o número de frações vendidas em 2019, e que tal lapso se revela no próprio contexto da declaração, de tal forma que a duplicação é ostensiva, não tendo sido escrito aquilo que se queria escrever, (recordamos que o lapso apenas incidiu sobre a letra da fração, mantendo-se tudo o resto como correto, isto é, a referência, o valor de venda, o valor patrimonial tributário e a data da venda).

            No entanto, seguindo a linha jurisprudencial recolhida junto do citado acórdão do STA, a AT não tinha como retirar da documentação obtida e da informação a que poderia aceder qual a fração a que a Requerente se queria referir, pois, da escritura pública junta como doc. 10 pela Requerente, a descrição da verba 78 era do tempo em que ainda não tinha sido constituída a propriedade horizontal do imóvel, pelo que não existe ainda o artigo matricial em causa.

            Sendo assim, não tendo sido apresentado tempestivamente o pedido de prova do preço para a fração D, nos termos do art. 139.º, CIRC, e não obstante constar da listagem um manifesto e ostensivo lapso, relacionado com a identificação da letra da fração de imóvel vendido, que foi introduzida em duplicado, e não tendo a AT a possibilidade de esclarecer essa dúvida face aos dados que lhe foram apresentados, em janeiro de 2021, então não tinha como retificar o erro que pela Requerente foi cometido, nos termos do art. 79.º, LGT.

            Face ao exposto, sendo improcedente, nesta parte, o peticionado pela Requerente no seu PPA, deve o ato de liquidação em crise manter-se na ordem jurídica.

           

 

            B.2.ii) Da correção no valor de € 477.763,93 e da diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o valor patrimonial definitivo dos imóveis

            Neste ponto, segundo a Requerente, com o RIT a AT veio propor correções no campo 772 do quadro 7 da declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2019 pois aquela deveria ter declarado o valor de € 2.103.016,23 em vez de € 2.580.780,16, correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, de acordo com o previsto art. 64.º, 3, b), 5, CIRC.

            Alega, para o efeito, ter demonstrado, através dos documentos disponibilizados, nomeadamente das autorizações de acesso à informação bancária, bem como dos elementos que se prontificou a disponibilizar, no âmbito do procedimento aberto nos termos do disposto no art. 139.º, CIRC, que o preço recebido correspondeu ao que foi declarado, isto é, que não existiu qualquer simulação do preço que justifique a consideração de uma valor de realização (na perspetiva do vendedor) superior ao preço de venda efetivamente praticado.

            Depois, alega a Requerente, o art. 64.º, 1, CIRC, começa por definir o âmbito subjetivo desta norma, ao indicar que os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos VPT definitivos que servem de base à liquidação do IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

            Tal é reforçado pelo disposto no n.º 2 do mencionado preceito legal, onde se determina que “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável” (sublinhado da Requerente).

            Ou seja, o n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, ao referir: “Sempre que (...)” não estabelece qualquer caso particular, parecendo sugerir ser de aplicação geral, independentemente das particularidades da transmissão onerosa de imóveis (i.e., permuta, compra e venda, entre outros) e das respetivas partes intervenientes.

            O n.º 3 do artigo em análise dá corpo à intenção do legislador de sujeitar o alienante a uma correção fiscal na determinação do rendimento e de permitir ao adquirente a adoção do VPT para “(...) determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”, atento o previsto nas alíneas a) e b) do número em questão, as quais estabelecem o seguinte:

            a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato” – ajustamento previsto no campo 745 da Declaração de Rendimentos Modelo 22;

            b) “O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel” – ajustamento previsto no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22.

            No que concerne ao ajustamento estabelecido em b), é importante notar que, historicamente, nem sempre foi assim, na medida em que a redação em vigor até 31 de dezembro de 2009 estabelecia uma obrigação contabilística de reconhecimento do VPT na contabilidade.

            Atendendo à divergência que tal redação comportava entre as normas tributárias e as contabilísticas, veio o legislador proceder a uma alteração à norma tributária em análise, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2010, através do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho (sendo esta a redação atual), com o intuito de:

            a) Suprimir a obrigação contabilística de registo que constava da alínea b) do n.º 3 do então artigo 58.º-A do Código do IRC (atual artigo 64.º); e

            b) Exigir ao sujeito passivo adquirente a comprovação, no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, da reconciliação entre o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel, para efeitos de controlo futuro, por via do n.º 5 do então artigo 58.º-A do Código do IRC (atual artigo 64.º).

            É neste contexto que, no entendimento da Requerente, deve ser interpretado o n.º 5 do artigo 64.º do Código do IRC, não cabendo à AT produzir lei, nem distinguir, onde o legislador não distinguiu, em linha com o velho brocado latino ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

            Em face do exposto, considera a Requerente que o racional que serviu de base para o preenchimento do campo 772 da declaração de rendimentos Modelo 22, em consonância com o entendimento que lhe tinha sido, de certa forma, imposto pela AT, não se mostra correto e conforme com a lei aplicável, nomeadamente em face do disposto no artigo 9.o do Código Civil.

            (...)

            Com efeito, através da conjugação do teor literal das duas normas em apreço (i.e. n.o 2 da alínea b) e n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), parece-nos forçoso concluir que os sujeitos passivos de IRC adquirentes de imóveis devem efetuar uma correção no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o VPT definitivo à data de aquisição e (ii) o “valor constante do contrato”.

            (...)

            Por outro lado, cumpre notar que o n.º 5 do artigo 64.º do Código do IRC, utilizado pela AT para fundamentar a aplicação do custo de aquisição do imóvel, tal como resulta da NCRF 18, como referência para o ajustamento previsto no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, consubstancia uma regra acessória que define o modo como o ajustamento em questão deve ser documentado pelos sujeitos passivos de IRC, nomeadamente nos respetivos processos de documentação fiscal. (...) A norma em apreço não define a “mecânica” do próprio ajustamento.

            (...)

            Por fim, por se entender  que o art. 64.º do CIRC deve ser interpretado, em grande medida, em conjugação com as regras do CIMT, nomeadamente as regras de determinação do valor tributável previstas no artigo 12.º do referido Código, as quais estabelecem como regra geral que o IMT incide “sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.

            Por sua vez, a AT considera que as correções efetuadas pelos SIT são as que resultam da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o custo de aquisição que decorre da NCRF 18, ao invés do valor constante no contrato, pois os imóveis alienados pela Requerente, faziam parte dos seus inventários, contabilizados, na conta 32 – Mercadorias (conforme mapa apresentado– cfr. anexo 6 do relatório), entre outros, pelo custo de aquisição [valor da escritura + custos de aquisição (por exemplo: IMT, Imposto do Selo, CRP, notário, etc.) => custo lançado à data da venda na conta 61 – Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas], de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do Art. 26.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e da NCRF 18, parágrafos 9 a 11.

            A Requerente declarou na IES, do exercício de 2019, o valor de € 17.123.642,00, respeitante a custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (cfr. anexo 7 do relatório), valor este que inclui, para além do preço do contrato de compra e venda, as despesas necessárias à aquisição dos imóveis, tais como, IMT, imposto do selo, registos, despesas notariais, etc.

            Não poderá a Requerente apenas considerar o preço constante do contrato e excluir as despesas necessárias à aquisição dos imóveis, para efeitos de apuramento do valor a inscrever no campo 772 do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC, porque se o fizesse estaria a beneficiar duplamente desse benefício, uma vez que, para efeitos de apuramento do resultado líquido do exercício, considerou essas despesas como custo das existências vendidas e das matérias consumidas.

            Além disso, considera que o art. 64.º, 3, b), CIRC, não faz qualquer alusão à forma como esta correção deve ser efetuada. Isso resulta antes do n.º 5 do citado artigo (custo de aquisição).

            Conclui pela improcedência da argumentação apresentada pelo SP.

            Com efeito, é pertinente colocar a questão: para efeitos da correção que o art. 64.º, 3, b), CIRC, determina, deve considerar-se o valor constante do contrato ou os custos de aquisição?

            O tema já foi debatido no proc. 73/2022-T, que, com a devida vénia, transcrevemos e acompanhamos:

            Na prática, o artigo 64.º é um regime anti-abusivo que visa prevenir a tributação de imóveis abaixo do valor patrimonial tributário (que, em teoria, deve ser o mais próximo do valor de mercado).

            Neste sentido, o critério do artigo 64.º é o de atender ao VPT sempre que este é superior ao valor do ato ou contrato, seja na alienação, seja na aquisição.

            Isto é, se se vende por valor abaixo do VPT, deve-se efetuar a correção e acrescentar ao resultado fiscal a diferença. Na mesma lógica, se se adquire por valor inferior ao VPT, também se deve deduzir a diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição, dando um tratamento simétrico, sendo que ambos os ajustamentos ocorrem no mesmo momento, aquando da venda, já que só neste momento há efetivamente um resultado tributável em IRC (princípio da realização).

            Assim, se o sujeito passivo adquire por um valor abaixo do VPT, quando vender o imóvel terá de deduzir no campo 772 a diferença positiva entre o VPT definitivo à data de aquisição e o custo de aquisição.

            A posição do sujeito passivo é que deve ser deduzida a diferença positiva entre o VPT e o valor do ato/contrato. Ou seja, enquanto a AT atende à fórmula [VPT - Custo de Aquisição], o sujeito passivo defende que a fórmula é [VPT - Valor do contrato].

            Isto é relevante porque o custo de aquisição para efeitos contabilísticos, no caso em que está em causa uma empresa que vende imóveis, é mensurado de acordo com a Norma

Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, que abaixo se transcreve na parte relevante:

            «Mensuração de inventários (§§ 9 a 33)

            9. Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo;

            Custo dos inventários (§§ 10 a 22)

            10. O custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais.

            Custos de compra (§ 11)

            11. Os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens acabados, de materiais e de serviços. Descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes deduzem-se na determinação dos custos de compra.»

            Assim sendo, o custo de aquisição para efeitos contabilísticos não é apenas o preço propriamente dito do imóvel, mas incorpora outras realidades, nomeadamente, impostos não recuperáveis ou emolumentos, que entram para o tal custo e que deve constar na contabilidade

— quando se contabiliza um imóvel como inventário — que serve de base ao cálculo do IRC.

            Ora, da leitura concertada do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5 (este inclusivamente refere expressamente “custo de aquisição”, dando sentido útil a esta interpretação), conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, alínea a) todos do Código do IRC, com a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, e atenta a filosofia do IRC que assenta num modelo de dependência parcial da contabilidade, o Tribunal entende que a dedução deve reportar-se à diferença positiva entre o VPT e o custo de aquisição e não ao valor do ato ou contrato (que

integra parcialmente o custo de aquisição).

            Esse é também o entendimento do Parecer Técnico 18970 da Ordem dos Contabilistas Certificados (disponível em https://www.occ.pt/pt/noticias/irc-valor-patrimonial-tributario-2/

), onde se escreveu, designadamente, o seguinte (destaque aditado): “Como regra, se o custo de aquisição do imóvel, contabilizado nos termos da NCRF 18 - "Inventários", for inferior ao VPT definitivo determinado no momento da aquisição desse imóvel agora vendido, a entidade, enquanto adquirente, deve deduzir no campo 772 do Quadro 07 da Modelo 22, a diferença positiva entre esse VPT definitivo e o custo de aquisição do imóvel (isto para a aquisição de imóveis após 1 de janeiro de 2014).”

            A Requerente objeta a este entendimento com um argumento literal, um argumento sistemático, um argumento teleológico e a invocação de uma decisão arbitral e outra do STA.

            Quanto ao argumento “literal”, diz que “Através da conjugação do teor literal das duas normas em apreço (i.e. n.º 2 da alínea b) e n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), parece-nos forçoso concluir que os sujeitos passivos de IRC adquirentes de imóveis devem efetuar uma

correção no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o VPT definitivo à data de aquisição e (ii) o “valor constante do contrato”.”, mas a referência a este valor só surge na alínea a) do n.º 2 desse artigo 64.º a propósito do “sujeito passivo alienante”. Não há, portanto, argumento “literal” a favor da sua pretensão enquanto adquirente.

            Em contrapartida, quando se podia invocar o argumento literal da referência ao “custo de aquisição” no n.º 5 do artigo 64.º, invoca a Requerente um “argumento sistemático” para defender que “a norma em apreço não define a “mecânica” do próprio ajustamento, (i.e., o modo como o mesmo deve ser apurado), a qual resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC”. Por essa ordem de ideias, o mesmo se podia dizer da invocada norma da alínea b) do n.º 2 do dito artigo, que não comporta “mecânica” alguma.

            Quanto ao argumento “teleológico”, traduzido na aproximação às regras do Código do IMT, designadamente às do seu artigo 12.º, “as quais estabelecem como regra geral que o IMT incide “sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.”, devia ter-se em conta que a “mecânica” aí prevista — a determinação do maior valor — quase se podia dizer oposta à que está em causa na determinação de uma diferença entre o VPT e um outro.

            Também o invocado acórdão arbitral (n.º 180/2015-T) não constitui – como até resulta da passagem que a Requerente transcreve para o abonar – precedente para a sua posição, como não constitui precedente o invocado acórdão do STA de 26 de novembro de 2019, proferido no processo n.º 0816/08.0BECBR, que dizia respeito a um caso a que era aplicável uma das exceções à, anteriormente invocada, regra geral do artigo 12.º do Código do IMT – a 16.ª regra do seu n.º 4: “O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato;” Tratava-se, portanto, de uma situação de exceção, não de uma aplicação de uma regra geral.

            No mesmo sentido caminha a decisão proferida no processo 655/2022-T, CAAD.

            Com efeito, face à argumentação expedida, que fazemos nossa, com a fundamentação aí referida, improcede, nesta parte, o PPA com relação à correção efetuada pela AT, nos termos do art. 64.º, 5, CIRC.

 

 

            B.2.iii) Da liquidação efetuada pela alegada consideração de VPT's superiores aos VPT's definitivos que serviram de base à liquidação de IMT, na data da aquisição

            Para a Requerente, os VPT's que devem ser considerados para efeitos do art. 64.º, 2, CIRC são os utilizados no âmbito das liquidações de IMT por si devidamente pagas, aquando da aquisição dos imóveis. Além disso, não teve conhecimento em momento algum de ter sido efetuada reactualização desses VPT's assim como não teve conhecimento dos VPT's definitivos, pois nunca foi notificada pela AT para esse efeito.

            Por sua vez, a AT refere ser o VPT definitivo o que deve ser considerado para efeitos do art. 64.º, 2, CIRC, sendo que quanto à fração AN do prédio inscrito na matriz sob o artigo 1447 a Requerente foi notificada desse mesmo VPT definitivo em data anterior à apresentação da declaração Modelo 22 de IRC, do exercício de 2019.

            Quanto às outras frações, alega que todos os pedidos de avaliação foram solicitados pela sociedade alienante, em data anterior à da escritura de aquisição realizada pela Requerente, pelo que constitui um facto intrínseco à realização da escritura; todos os pedidos de avaliação foram solicitados nos termos do art. 130.º, CIMI, em que é notificado apenas o Requerente e não nos termos do art. 30.º CIMT, em que são notificados tanto o alienante como o adquirente; bem como a Requerente foi notificada do valor patrimonial tributário fixado aos imóveis, através das liquidações do IMI, valores esses que passaram a constar da matriz.

            Isto é, enquanto a Requerente esgrima a ausência de notificação das decisões que fixaram os VPT's definitivos, a AT, genericamente, considera que a Requerente tinha conhecimento dos VPT's definitivos pois eram esses os valores que constavam das matrizes dos prédios assim como eram esses os valores que serviram de base para o cálculo dos IMI's respetivos.

            Ora, determina o art. 130.º, CIMI, na parte que interessa, o seguinte:

Reclamação das matrizes

1 - O sujeito passivo ou qualquer titular de um interesse direto, pessoal e legítimo, pode consultar ou obter documento comprovativo dos elementos constantes das inscrições matriciais no serviço de finanças da área da situação dos prédios.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os pedidos sobre a existência de imóveis efetuados por qualquer entidade devem ser dirigidos ao serviço de finanças do domicílio fiscal do sujeito passivo.
3 - O sujeito passivo, a câmara municipal e a junta de  podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos:
a) Valor patrimonial tributário considerado desatualizado;

            De acordo com o disposto no art. 8.º, CIMI, o sujeito passivo do imposto é o proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar.

            Naturalmente, que, à data em que era proprietária, era a B... (B...) a entidade com legitimidade para acionar o disposto no art. 130.º, CIMI, tendo-o feito.

            No entanto, com a transmissão de propriedade dos imóveis identificados a favor da ora Requerente, a B... além de ter deixado de ser o SP para efeitos de IMI com relação aos imóveis que transacionou, também, natural e aparentemente, deixou de ter interesse no procedimento de reclamação por ela própria espoletado para efeitos de atualização do VPT dos imóveis em questão.

            Ora, o art. 77.º, 6, LGT, determina que a eficácia da decisão depende da notificação.

            Para além disso, determina o art. 36.º, CPPT, que os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produz efeitos em relação a estes quando lhes sejam notificados.

            Resulta do acórdão do STA, de 14 de outubro de 2020, prolatado no âmbito do proc. n.º 050/11.1BEAVR que "A decisão de avaliação/fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.”,

            Além disso, como se extrai da decisão arbitral proc. n.º 371/2017-T, CAAD, “apenas se pode considerar o valor patrimonial fixado para o imóvel a título definitivo. E a definitividade depende da notificação da fixação ao contribuinte, uma vez que só́ após a referida notificação está o sujeito passivo em situação que lhe possibilita reagir contra a fixação do valor." — não ignorando nós ter sido esta decisão posteriormente anulada por acórdão do TCAS, mas com  fundamentação que de modo algum colide com o entendimento acabado de considerar.

            Por outro lado, como determina o disposto no art. 77.º, LGT, a decisão proferida pela AT, neste caso, a decisão sobre os pedidos de atualização dos VPT's, tem de ter um conteúdo mínimo — sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.

            Não basta à AT alegar, como alega, que a notificação dos VPT atualizados se processou via nota de liquidação dos IMI's subsequentes, na medida em que o teor desse tipo de notificações não se pronuncia minimamente sobre a fundamentação que sustenta a decisão sobre a fixação dos VPT's definitivos.

            Além disso, mesmo tendo juntado cópia do ofício n.º ... de 24 de março de 2020, dirigido à Requerente, cujo conteúdo é relativo à fixação do VPT definitivo da fração “F”, do artigo ..., realizada em 31 de dezembro de 2015, e cujo VPT definitivo foi inscrito em 3 de agosto de 2025, nada resulta que esse ofício tenha sido recebido pelo destinatário.

            Com efeito, não existem nos autos elementos que permitam concluir pelo recebimento por parte da Requerente ou sequer a B... da notificação que a AT menciona ter efetuado.

            Competia à AT, que incumpriu a formalidade legal prevista para o efeito, demonstrar que, apesar disso, o SP teve conhecimento das decisões relativas à fixação dos VPT's definitivos, em termos de poder contra elas reagir atempadamente, caso as considerasse ilegais.

            Como se pode ler no acórdão do TCAS de 13 de outubro de 2017, proferido no proc. n.º 1245/09.3BEALM: “I. À Administração Tributária cabe o ónus de demonstrar que efetuou a notificação de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos. II. Não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respetivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que coletivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal da contribuinte.”

            Portanto, tendo conhecimento da transmissão da propriedade das frações já identificadas, tendo conhecimento do novo proprietário, sujeito passivo de IMI, e sabendo que a fixação dos VPT definitivos tem impacto no valor dos impostos que o SP tem o dever de pagar, competia à AT dirigir, oficiosamente, a notificação ao sujeito passivo da altura, da relação tributária para efeitos de IMI.

            Deste modo, e não se demonstrando a ocorrência da notificação dos atos de fixação do valor patrimonial definitivo dos imóveis em questão, não se poderá concluir que, no caso, o “valor patrimonial tributário definitivo do imóvel” fosse o indicado pela AT, para efeitos do artigo 64.º, CIRC.

            Assim sendo, enfermará a correção ora em apreço, mas apenas nesta parte, de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo ser anulada, procedendo, portanto nesta parte, o pedido arbitral.

 

            B.3. O pedido de reembolso de quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios

       A Requerente formula um pedido de reembolso do IRC indevidamente pago bem como o pagamento dos juros indemnizatórios.

       É jurisprudência uniforme — maxime, cf. Ac. 630/2014-T, CAAD — que de acordo com disposto no art. 24.º, 1, b), RJAT "a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

       E continua o citado Ac.: "Com efeito, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

       Sendo processualmente viável apreciar o pedido de juros indemnizatórios será necessariamente também possível apreciar o pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, cujo montante é factor de determinação do montante dos juros indemnizatórios.

       Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

       Ficou dado como provado (art. 110.º, 7, CPPT, ex vi, art. 29.º, RJAT, e art 16.º, e), RJAT) ter a Requerente pagado a quantia acima identificada.

Determina o art. 24.º, 5, RJAT, que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos arts. 43.º, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

In casu, ficou demonstrado que ocorreu erro imputável aos serviços, pois estes não deveriam ignorar os vícios de que padecia o cálculo que efetuaram nos termos do art. 64.º, CIRC, para os imóveis já identificados.

       Consequentemente, tendo em conta o provimento parcial do presente PPA, determino que a AT reembolse parcialmente a Requerente do valor de liquidação de IRC indevidamente pago, e respetivos juros, porque são devidos, mas apenas considerando a importância que resulta desse mesmo vencimento, conforme fundamentação já expedida supra.

 

* * *

 

            V. DECISÃO

            Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular parcialmente o ato tributário de liquidação relativo ao IRC do exercício de 2019, melhor identificado;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso da quantia paga e respetivos juros indemnizatórios, na parte objeto de anulação, que melhor se apurará, calculados à taxa legal, nos termos do art. 61.º, CPPT, bem como condenar a Autoridade Tributária a efetuar o respetivo pagamento à Requerente da quantia indevidamente paga;
  3. Condenar as partes no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se em 75% a parte a cargo da Requerente e em 25% a parte a cargo da Requerida, nos termos dos arts. 12.º, 2, e 22.º, 4, ambos do RJAT, e art. 4.º, 4, do citado Regulamento.

 

            VI. VALOR DO PROCESSO

       Fixa-se o valor do processo em € 43.282,98, nos termos do artigo 97.º-A, 1, a), CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º, RJAT, e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

            VII. CUSTAS

       Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Bom Sucesso

25 de outubro de 2024

 

O Árbitro Singular

 

(Ricardo Marques Candeias)