Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 65/2024-T
Data da decisão: 2024-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 78.119,86
Tema: IRC | Livre Circulação de Capitais | Fundos de Investimento Não Residentes | Dividendos | Retenção na Fonte.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Professor Victor Calvete (árbitro presidente), Dr. Jorge Carita e Dra. Alexandra Gonçalves Marques (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 22 de Março de 2024, acordam o seguinte:

I – Relatório

  1. A..., Organismo de Investimento Colectivo (“OIC”), constituído de acordo com o direito espanhol, NIF ..., com sede em..., ... Madrid, Espanha, apresentou, no dia 12 de Janeiro de 2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  2. A Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  3. O Requerente peticiona a anulação do acto de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, bem como a anulação dos actos tributários de retenção na fonte, por violação de lei, com a consequente restituição da quantia de EUR 78.119,86, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal por dividendos distribuídos nos anos de 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
  4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.
  5. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Colectivo, que aceitaram o encargo no prazo legalmente estipulado e de cuja designação as partes não apresentaram recusa.
  6. O tribunal arbitral ficou constituído em 22 de Março de 2024, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
  7. A Requerida apresentou a sua resposta no dia 2 de Maio de 2024, na qual pugna pela absolvição da instância, por incompetência do tribunal arbitral e, no mais, pela improcedência do pedido.
  8. Em 28 de Maio de 2024, o Requerente respondeu às excepções suscitadas pela Requerida.
  9. Não tendo havido oposição das partes, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT.
  10. Em 19 de Setembro de 2024, por a concertação de alguns pontos da versão final da decisão ainda estar a ser debatida pelo Colectivo, foi proferido despacho de prorrogação do prazo ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
  11. O Tribunal arbitral foi regularmente constituído.
  12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legitimas e estão devidamente representadas.
  13. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de facto

  1. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente, A..., é um organismo de investimento colectivo (OIC), constituído ao abrigo da legislação espanhola, com sede em Espanha.
  2. O Requerente é, para efeitos fiscais, um sujeito passivo de IRC não residente em Portugal e sem estabelecimento estável em território nacional.
  3. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era detentor de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal.
  4.  

Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos, foram, em conformidade com o artigo 87.º, n.º 4, do CIRC, sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória à taxa de 25%.

  1. Relativamente ao ano de 2020 e 2021, o Requerente obteve o reembolso de uma parte do imposto retido ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e a Espanha, na qual se prevê a taxa máxima de 10% para a tributação de dividendos.
  2. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC, por retenção na fonte, nos seguintes montantes:

 

  1. Em 19/06/2023, o Requerente apresentou, na Autoridade Tributária e Aduaneira, um pedido de revisão oficiosa (artigo 78.º da LGT) dos actos através dos quais, esta última, procedeu à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas relativo aos anos de 2020 e 2021, que correu os seus termos sob o n.º ...2023... .
  2. No pedido de revisão oficiosa, foi pedida a anulação dos actos de retenção na fonte de IRC dos exercícios de 2020 e 2021, por vício de violação de lei, com o consequente pedido de restituição à Requerente da quantia total de 78.119,86 euros, acrescida de juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT.
  3. O Requerente não obteve qualquer decisão da AT relativamente a este pedido de revisão oficiosa.
  4. Em 12 de Janeiro de 2024, o Requerente recorreu ao Tribunal Arbitral Tributário – Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD – pedindo (i) a anulação do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado; (ii) a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC por vício de violação de lei; (iii) restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Factos não provados

  1. Não existem factos não provados relevantes para a decisão.

 

Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

16. Os factos pertinentes para a decisão da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em fase das várias soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Os factos provados resultam da convicção formada pela análise da documentação junta aos autos com os articulados, do processo administrativo junto pela AT, e da posição assumida pelas partes.

 

Não existe controvérsia quanto à matéria de facto.

 

III. Posição das partes

 

  1. Posição do Requerente:

 

A posição do Requerente fundamenta-se, no essencial, no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022, processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) que decidiu que a legislação portuguesa, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (artigo 22.º do EBF) e, por isso, residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário que não tenham sido constituídos, nem operem de acordo com a legislação nacional e, por isso, não residentes, configura uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

Entende o Requerente que a decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência do pedido de revisão oficiosa anteriormente apresentado, bem como do pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a estão a decidir é materialmente igual.

 

  1. Posição da Requerida:

 

A Requerida, na resposta, defende-se por excepção e impugnação, requerendo a absolvição da instância por incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral e, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido de pronuncia arbitral.

 

Em resumo, sustenta a Requerida que o tribunal arbitral carece de competência para dirimir o presente litígio, porquanto: (i) o pedido de pronúncia arbitral não foi precedido da reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT e, por outro lado (ii) não está na esfera de competência do tribunal arbitral pronunciar-se sobre a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa formulado nos termos do artigo 78.º da LGT, nem sobre se os pressupostos da sua aplicação foram, ou não, bem aplicados pela AT.

 

Na sua resposta, a Requerida acentua ainda que não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – não esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE. Conclui que os actos de retenção na fonte efectuada sobre os dividendos pagos ao Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, pelo que devem os mesmos ser mantidos.

 

IV. Questão prévia: da excepção de incompetência material do tribunal arbitral

 

  1. Alega a Requerida que o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar o pedido de anulação das retenções na fonte que não hajam sido precedidas, em prazo, de reclamação graciosa necessária, ainda que a Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos.

 

  1. Na óptica da Requerida, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a legalidade decorrente da presunção de indeferimento tácito formado na sequência de um pedido de revisão oficiosa apresentada.

 

  1. Reportando-se ao caso concreto, a Requerida argumenta ainda que, sendo o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa um acto silente, na medida em que apenas por efeito da passagem do tempo se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação judicial tal indeferimento ter-se-ia, obrigatoriamente, de se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.

 

  1. Conclui, assim, que o tribunal arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.

 

  1. Na perspetiva da Requerida, estar-se-ia perante uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido com a consequente a absolvição da instância.

 

  1. Com efeito, a Requerida começa por argumentar que, nos termos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Não tendo o pedido de anulação das retenções sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a legalidade das mesmas, ainda que a Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos. Em abono da sua tese, invoca as decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral no âmbito dos Processos 382/2019-T e 51/2012.

Cumpre decidir.

 

  1. O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de “liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Por seu turno, a Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, vinculou a AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto impostos cuja administração lhes seja cometida, com excepção das “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;”.

 

  1. Por seu turno, o artigo 132.º do CPPT dispõe o seguinte:

Artigo 132.º

Impugnação em caso de retenção na fonte

1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - (Revogado.)

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

 

  1. Em primeiro lugar, sublinha-se que, no caso em apreço estamos perante a impugnação de um acto de liquidação de IRC que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que manifestamente se insere dentro das competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD. Por outro lado, a impugnação em causa foi precedida de um pedido de revisão oficiosa formulado ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

 

  1. A questão que se coloca é, pois, saber se o tribunal arbitral é competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das retenções na fonte, em sede de IRC, sindicadas nos presentes autos.

 

  1. Importa, assim, esclarecer, se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui no âmbito da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

 

  1. A competência atribuída aos tribunais arbitrais tributários encontra-se prevista no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que dispõe que:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

(...)

 

  1. Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aprovada ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT, veio estabelecer os termos de vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, tendo determinado a vinculação da AT à apreciação de pretensões relativas a impostos, com as excepções previstas no artigo 2.º, alíneas a) a d), daquela portaria.

 

  1. A fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação e de pagamento por conta” utilizada no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um dos tipos elencados.

 

  1. Com efeito, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade (nesse sentido, Processo n.º 943/2023-T, de 23/04/2024, do CAAD).

 

  1. Sobre a questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação (a que são equiparáveis os actos de retenção na fonte) na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo já se pronunciou em sentido afirmativo (nesse sentido Acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 27/04/2017, Processo n.º 8599/15; de 25/06/2019, Processo n.º 44/18.6BCLSB).

 

  1. Por outro lado, o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a norma que considera que os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu “recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º e 133.º do Código do Procedimento Tributário”, para efeitos da interpretação da alínea a), do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11/05/2018, processo n.º 636/17).

 

  1. No caso dos autos, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC (retenção na fonte), referente aos anos de 2020 e 2021.

 

  1. Os actos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão de acto tributário constituem actos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de actos de primeiro grau, ou seja, actos de liquidação e, como tal, entende-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles actos.

 

  1. Apenas nos casos em que o acto de segundo ou terceiro grau apreciou uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do acto primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – se estaria fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

 

  1. Entendemos que o tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT pode sindicar a legalidade do acto de liquidação de imposto, também nos casos em que a declaração de ilegalidade pode ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de actos de segundo ou terceiro grau.

 

  1. O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da declaração de ilegalidade do acto de segundo grau, nem os casos em que essa declaração de ilegalidade é pedida na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

 

  1. Apenas não seria assim, caso a Administração Tributária houvesse recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obstasse ao conhecimento da legalidade do acto tributário pois, neste caso, o acto tributário teria de ser impugnado por via da acção administrativa especial e, consequentemente, estaria fora da esfera de competência do tribunal arbitral.

 

  1. Ora, o acto de indeferimento tácito (de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa) constitui uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação contenciosa (cf. artigo 57.º, n.º 5 da LGT).

 

  1. Afigura-se, assim, que o segmento do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que faz alusão a pretensões referentes a pedidos de “declaração de ilegalidade de actos” abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de actos de retenção na fonte de IRC de 2020 e 2021.

 

  1. Sublinha-se que não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quando os actos de liquidação são precedidos de um pedido de revisão oficiosa.

 

  1. A AT argumenta, ainda, que o tribunal arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão referente ao indeferimento tácito sobre o qual a AT não tomou posição expressa e, por outro lado, sendo um acto silente, tal indeferimento pode ou não reportar-se a um acto de indeferimento, por extemporaneidade. Considera a AT, por último, que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se “o indeferimento do pedido de revisão violou, ou não, o artigo 78.º da LGT”.

 

  1. Quanto a este argumento, há que recordar que os tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, têm admitido que se insere dentro da sua competência a apreciação de pedidos de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, independentemente de tal pedido ter sido expressa ou tacitamente indeferido (cf. decisão proferida nos Processos n.º 156/2024, de 4/07/2024, Processo n.º 816/2023, de 12/07/2024, Processo n.º 998/2023, de 5/07/2024).

 

  1. À luz das citadas disposições legais, bem como da jurisprudência invocada, resulta claro que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa é sindicável por via da impugnação judicial nos termos do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT.

 

  1. Considera-se, assim, improcedente a invocada excepção de incompetência material suscitada pela AT.

 

  1. Do Direito

 

O artigo 22.º do EBF – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TJUE.

 

  1. A questão que é objecto deste processo é a de saber se a legislação portuguesa, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (artigo 22.º do EBF) e, por isso, residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário que não tenham sido constituídos, nem operem de acordo com a legislação nacional e, por isso, não residentes, configura uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Esta questão foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da Arbitragem Tributária (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 206/2024-T, 156/2024-T, 816/2023-T, 983/2023-T), como em sucessivos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciaram, reiteradamente e de forma uniforme, sobre a questão decidenda (cf. Acórdão de 13-09-2023, Processo n.º 715/18.7BELRS (subscrita por vários Acórdãos subsequentes, designadamente, nos Processos nºs 0802/21.4BELRS, de 08-05-2024, n.º 0806/21.7BELRS e n.º 0755/19.9BELRS, ambos de 29/05/2024 e n.º 0757/19.5BELRS de 05/05/2024[1]), não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência firmada, que decidiu que: o artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13 de janeiro, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Sublinha-se, igualmente, que o STA, em Acórdão de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do Processo n.º 93/19.7BALSB uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

“1-Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2-O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3-A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”.

 

  1. Como já vimos, a posição da Requerente louva-se, essencialmente, no acórdão do TJUE no caso AllianzGI-Founds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo C-545/19) que analisou o essencial da argumentação que sustenta a posição da AT também neste processo.

 

  1. Salientamos os passos seguintes de tal acórdão:

a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A.-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A...-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE. (§ 17);

b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33);

c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57);

d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69);

e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74);

f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83);

g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85).

 

  1. Assim, o TJUE considera que:

“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº. 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adotada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus.”.

  1. Tendo concluído que:

“1- Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2- O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3- A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº. 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

  1. Em síntese, pode concluir-se que o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que implique que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC residente num Estado terceiro sejam objecto de retenção na fonte.

 

  1. Deste modo, conclui-se também no caso sub iudice que o regime que determina a não aplicação da isenção de retenção na fonte e a exclusão de tributação estabelecidas no artigo 22.º, números 1, 3 e 10 do EBF aos dividendos distribuídos ao Requerente, em função do seu estatuto de entidade não residente em território nacional, é incompatível com o artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Assim sendo, as liquidações de IRC sindicadas nos autos são ilegais, assim devendo ser anuladas, bem como declarado ilegal e anulado o acto silente de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações.

 

Da Restituição da quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios

  1. Por fim, o Requerente peticiona a restituição da quantia de € 78.119,86, relativa a retenções na fonte de IRC, suportadas em Portugal sobre os dividendos distribuídos nos anos de 2020 e 2021, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, o Requerente tem direito a haver a sua restituição, conforme decorre do disposto do artigo 100.º, n.º 1 da LGT. Acrescenta-se que esse dever de restituição do imposto indevidamente pago acha-se, inevitavelmente, ligado à decisão arbitral que anula o acto de liquidação, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT. Aqui se dispõe que a administração tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, fica vinculada a “(r)estabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;”.

 

  1. Quanto ao pagamento de juros, dispõe o artigo 43.º da LGT que:

Artigo 43.º - Pagamento indevido da prestação tributária

       1 — São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

       2 — Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

       3 — São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

              a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

              b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

              c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária;

              d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (...)”

 

  1. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2023, de 16 de Novembro, foi fixada jurisprudência no sentido de que:

“os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto”[2].

 

  1. Atendendo ao disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, bem como ao citado acórdão uniformizador de jurisprudência, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data em que se completa um ano sobre o pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

IV. Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a excepção de incompetência do tribunal arbitral.
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade dos actos tributários de retenção na fonte ora sindicados, por erro nos pressupostos de direito (violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, e declarar a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra aqueles actos.
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir ao Requerente a quantia de € 78.119,86, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal pelo Requerente, sobre os dividendos distribuídos nos anos de 2020 e 2021.
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data em que se completa um ano sobre o pedido de revisão oficiosa, até à data de processamento da respectiva nota de crédito.
  5. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

V. Valor do Processo

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 306.º do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 78.119,86, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

VI. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Lisboa, 22 de Novembro de 2024

Os Árbitros

 

Victor Calvete (árbitro presidente, com voto de vencido)

 

Jorge Carita (com Declaração de Voto)

 

Alexandra Gonçalves Marques (relatora)

 

Votei vencido quanto ao conhecimento do pedido. Em conformidade com a bifurcação da utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial em função do conteúdo do acto impugnado – se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial; se não comporta uma apreciação desse tipo será aplicável a acção administrativa especial – entendi que a jurisdição arbitral não poderia ser accionada para o caso dos autos.

Creio indubitável que não era possível à AT adoptar, em processo de revisão oficiosa (quer fosse desencadeado por si, quer o fosse a pedido ... do contribuinte), alteração alguma aos actos de retenção na fonte, uma vez que eles eram plenamente conformes com a lei interna (o argumento da Requerente é o de que a lei interna é desconforme com o Direito da União - mas isso é algo que só os Tribunais podem aferir: a AT não pode fazer juízos de inconstitucionalidade nem de desconformidade com tal Direito para desaplicar normas legais). Logo, a intervenção (silente - mas se fosse expressa seria igual) da AT, não podia, por natureza, "comportar uma apreciação da legalidade" e, portanto, o pedido de revisão oficiosa não podia suprir a falta de recurso à reclamação graciosa para efeitos de preenchimento do pressuposto de recurso ao Tribunal Arbitral (cfr. a decisão do Proc. n.º 629/2021-T e a decisão intercalar do Proc. n.º 357/2023-T).

Acresce que o pedido de revisão oficiosa que foi dirigido à AT (mesmo que fosse admissível) era, pelas mesmas razões, absolutamente insusceptível de se fundar em erro dos serviços e, portanto, não estava em tempo – nem podia levar à condenação em juros (como o STA já estabeleceu no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência - Proc. 0564/18.2BALSB).

Por outro lado, tendo em conta que no pedido de revisão oficiosa apresentado pelo A..., se declarava expressamente que este era representado pela B..., na qualidade de sociedade gestora (como teria de ser, face ao Considerando 6 da Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 e ao seu artigo 1.º, n.º 3), teria preferido que se tivesse aclarado a posição desta no processo arbitral.

 

 

Victor Calvete

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Há quem entenda que os fundos de investimento, enquanto organismos de investimento coletivo (OIC) são patrimónios autónomos desprovidos de personalidade jurídica, e que essa ausência juntamente com a ausência de capacidade judiciária é suprida através da sua representação por uma sociedade gestora - que constitui uma entidade terceira dotada de personalidade jurídica e que atua em nome e por conta dos OIC’s por si geridos. O que lhe atribui plena legitimidade, quer procedimental quer processual.

Nestes casos qualquer intervenção das entidades custodiantes, bem como dos respetivos substitutos tributários, não impede o fundo de receber os rendimentos em causa e suportar o ónus do pagamento do imposto devido (IRC, retenção na fonte).

Dúvidas não restam que o fundo é assim o sujeito passivo de imposto.

Podemos até admitir que o facto de estarmos perante um sujeito passivo de imposto poderia acarretar que ao mesmo fosse reconhecida personalidade judiciária.

Mas tal facto não lhe permite atingir uma capacidade judiciária tributária que lhe permitisse ser autora de um procedimento de anulação das liquidações de IRC, como a que está aqui em causa.

Nesses moldes, a sua intervenção em processo fica condicionada pela necessidade de intervenção de terceiros, no caso concreto a sua respetiva sociedade gestora, o que no caso concreto não ocorreu, tornando o Fundo parte ilegítima no presente processo, contrariamente ao aqui implicitamente decidido.


Jorge Carita

 

 

 



[1] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[2] Cf. Acórdão do STA n.º 4/2023, de 16 de Novembro, publicado no Diário da República n.º 222/2023, Série I de 2023-11-16.