Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2024-T
Data da decisão: 2024-11-18  IMT  
Valor do pedido: € 15.584,22
Tema: IMT – Prazo de caducidade – Valor tributável
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Sumário:

  1. A isenção de IMT a que se refere o art. 9º do CIMT configura um benefício fiscal de natureza automática, inexistindo ato administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo, sendo o prazo de caducidade de oito anos ( art. 35°, nº1 do ClMT).
  2. Para os efeitos do art. 12º, n.º5, al. h) do CIMT, o valor das hipotecas e das penhoras registadas no imóvel são encargos a que comprador fica legalmente obrigado.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 26 de abril de 2024 o contribuinte A..., NIF..., com residência na Rua..., ...-..., Prior Velho, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 30 de abril de 2024.
  3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
  4. O tribunal arbitral foi constituído em 05.07.2024.
  5. No dia 08.07.2024 o Tribunal proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
  6. A AT apresentou a sua resposta em 26 de setembro de 2024.
  7. Por despacho de 30.09.2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  8. As partes não apresentaram alegações escritas.
  9. Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de liquidação de IMT n.º..., DUC ..., no montante de 15.584,22 € (quinze mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos).
  10. Pretende também o Requerente a restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

I.2. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. O prazo de caducidade do direito à liquidação no caso sub judice é o prazo de 4 anos imposto pelo n.º 3 do artigo 31.º do CIMT
  2. É clara a existência de um prévio ato de liquidação, promovido por quem tem competência para a sua prática, ainda que na base de uma declaração do sujeito passivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT
  3. Deste modo se conclui, que o prazo de caducidade do direito à liquidação de IMT é de 4 (quatro) anos, contados da prática do ato de liquidação a corrigir, razão pela qual a liquidação adicional promovida pela ATA, na sequência das várias comunicações remetidas no ano de 2022 e 2023, não pode subsistir na ordem jurídica, por extemporânea, sendo considerando o ato de liquidação, consequentemente, ilegal.
  4. O artigo 12.º do CIMT estabelece que o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, conforme o que for de maior valor.
  5. Todavia, é fundamental notar que, nos termos da alínea h) do n.º 5 do mesmo artigo 12.º, o valor constante do ato ou do contrato abrange, em linhas gerais, todos os encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
  6. Certos encargos não estão abrangidos pela base tributável em IMT, mesmo que o adquirente esteja contratual ou legalmente obrigado a eles.
  7. A redação do artigo 12.º do CIMT não abarca indiscriminadamente todos os encargos legais ou contratuais aos quais o comprador possa estar sujeito.
  8. Para assegurar a aplicação coerente desse princípio a outras formas de encargos

atípicos, o n.º 5 do artigo 12.º do CIMT inclui uma cláusula genérica na alínea h), destinada a abranger "quaisquer [outros] encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado".

  1. No entanto, é fundamental compreender que essa cláusula geral não deve ser interpretada de forma excecional em relação às cláusulas específicas das quais deriva, as quais se limitam a incluir na base tributável em IMT os valores prestados como contraprestação do valor transmitido pelo contrato, ou seja, o valor patrimonial do imóvel.
  2. A imprudência manifestada pela ATA ao considerar os ónus e encargos no cálculo do valor do IMT, com base no montante indicado na certidão permanente do imóvel, desconsidera por completo a eventualidade de tais penhoras/hipotecas já terem sido total ou parcialmente liquidadas.
  3. O simples facto de a ATA, no ofício que ora se impugna, mencionar estas dívidas fiscais como um ónus ou encargo "desconhecido" na altura da liquidação originária, incorre no vício de violação de lei, configurando-se como um caso de abuso do direito – venire contra factum proprium.
  4. Até porque, parte dos “ónus e encargos” elencados pela ATA referem-se a penhoras por dívidas fiscais SF Loures-...; Penhora pelo valor SF ... e Penhora em que é exequente a Fazenda Nacional;
  5. A mera soma aritmética desses encargos, sem avaliar a quitação dos mesmos, reflete uma flagrante negligência nos procedimentos adotados.
  6. Os encargos legais e contratuais assumidos pelo devedor originário, permanecem na sua esfera jurídica e não são transferidos para o atual proprietário do imóvel, aqui impugnante.
  7. Nesta medida, os montantes adicionados pela ATA como “ónus ou encargos” não podem ser considerados válidos pois, além de grave do ponto de vista ético e moral e ainda que se admitisse, por mero exercício académico, que estávamos perante uma “omissão ou inexatidão” a mesma nunca poderia ser invocada pela ATA, relativamente às dívidas fiscais referentes à Penhora pelo valor de 1.882.66 € à ordem do PE ... e Apensos do SF Loures-...; Penhora pelo valor de 14.215,51 € a à ordem do PEF ... e Aps. do SF Loures-...,e Penhora pelo valor de € 2.081 ,18 em que é exequente a Fazenda Nacional - Ap ..., de ... * Processo executivo ... e apensos, por clara violação de lei na modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium.
  8. Sendo a presente pronúncia arbitral considerada procedente, deve o Requerente ser reembolsado do montante que não foi reembolsado por força da isenção, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. No momento da aquisição do imóvel em questão, não houve uma liquidação de IMT, dado que o Requerente invocou a isenção do artigo 9.º do CIMT, pelo que, a Liquidação contestada constitui uma liquidação originária, à qual é aplicável o prazo de caducidade de oito anos (contados da data da transmissão a que o imposto se refere, ou da data em que a isenção de imposto ficou sem efeito), previsto no artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT.
  2. Face ao contexto factual e jurídico exposto, in casu, o imposto foi liquidado quando ainda não havia decorrido o prazo de caducidade, pelo que o alegado nesta parte deverá improceder, mantendo-se a liquidação impugnada em vigor na ordem jurídica.
  3. Tanto a hipoteca, como a penhora, fazem com que os bens a elas associados, sejam do devedor ou de terceiro, fiquem afetos ao cumprimento da obrigação.
  4. O Requerente tem razão quando afirma que, no caso em apreço, não estamos perante uma verdadeira assunção de divida, o devedor originário continuou e continuará a ser responsável pelos créditos/penhoras, não havendo uma autêntica "desoneração da sua esfera jurídica".
  5. Ou seja, a relação que originou as hipotecas (ou seja, o mútuo), assim como as penhoras (dividas comuns e fiscais), permanecem na esfera do devedor original, não gerando obrigações para o proprietário de ½ imóvel, o Requerente.
  6. Neste âmbito, em momento algum os credores podem recorrer a qualquer outro património pessoal do impugnante para saldar as dividas geradas pelo devedor originário.
  7. Contudo, voltando ao caso concreto, a quota parte (½) do imóvel em causa, propriedade do Requerente, em razão das garantias que incidem sobre ele, responde, dentro dos limites do valor do bem e do valor da dívida que o bem garante. Ou seja, a obrigação garantida pela hipoteca do imóvel acompanha sempre o imóvel até que se verifique o seu cumprimento.
  8. Face ao exposto, a liquidação de IMT em causa que teve por base não só o valor do preço acordado pela aquisição do imóvel, mas também os valores dos ónus e encargos associados ao imóvel como garantia das dívidas do anterior proprietário, foi emitida de acordo com os citados normativos legais, pelo que se deverá manter na ordem jurídica.
  9. Pelo que se os valores das dívidas averbados na certidão predial estão desatualizados, cabe ao Requerente o ónus de provar qual o montante exato ainda em divida à data da escritura, não se verificando, in casu, uma violação de lei na modalidade de abuso do direito na atuação da AT – venire contra factum proprium –, como invoca o Requerente.
  10. Não tendo cumprido com o ónus que lhe cabia, o cálculo do valor tributário que esteve na base da liquidação de IMT em causa está de acordo com a lei em vigor, pelo que o alegado nesta parte pelo Requerente, também deverá improceder
  11. Vem ainda peticionado o pagamento de juros indemnizatórios nos artigos 102º a 104º do pedido de pronuncia arbitral, sem que, contudo, lhe assista razão, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente
  12. Donde necessariamente se conclui que não se verifica nenhum erro imputável aos serviços, não estando assim preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT.

 

 

 

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

Antes de mais é de referir que no pedido de pronúncia arbitral o Requerente solicita a intervenção de um coletivo de três árbitros. Contudo, no formulário preenchido pelo Requerente é indicado que opta por não designar árbitro. Esta desconformidade tem, agora, de ser sanada.

 Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários (art. 6º, n.º2 da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro aplicável ex vi art. 29º, al. c) do RJAT). Porquanto, tendo em conta que o Requerente opta por não designar arbitro e o valor da ação é de €15.584,22, este Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º, n.º2, als. a) e b) e 6.º, n.º1 todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se o direito à liquidação (IMT) já caducou e se no valor tributável para efeitos de IMT se deve, ou não, incluir o valor das hipotecas e das penhoras registadas no imóvel aquando da sua aquisição. 

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Em 15 de outubro de 2015, o Requerente adquiriu, através da celebração de escritura pública de compra e venda, pelo preço de € 38.500,00, ½ da fração autónoma “H” do prédio urbano, sito na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de ... e ..., concelho de Loures, sob o artigo ... .
  2. Previamente à aquisição da metade da referida fração, o Requerente declarou tratar-se de prédio destinado habitação própria e permanente (Modelo 1, identificada sob o n.º de registo de declaração 2015/..., apresentada em 13-10-2015, na qual ficou consignada a isenção - benefício 75 – Parte Indivisa de Bem exclusivamente para habitação própria e permanente)
  3. O Serviço de Finanças de Loures emitiu Documento de cobrança sob o n.º ...“a zeros”.
  4. Na escritura pública de compra e venda é referido “Que sobre a referida fração autónoma subsistem registados na dita Conservatória os seguintes ónus”:

 

 

 

 

  1. Consta também do título aquisitivo que: “PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO: Que aceita a presente venda, e que a indicada fração autónoma se destina a sua habitação própria e permanente.”
  2. No dia 15.10.2015, na ficha do registo predial do imóvel constavam as seguintes inscrições:
  1. Ap. 13 de 2007/05/09 - Hipoteca voluntária até ao valor máximo de 207.719,54 € a favor do B... SA;
  2. Ap. 14 de 2007/05/09 - Hipoteca voluntária até ao valor máximo de 52.003,09 € favor de B..., SA;
  3. Ap. 60 de 2007/10/01 - Hipoteca voluntária até ao valor máximo de 5.122,96 € favor de B..., SA;
  4. Ap. 4668 de 2009/02/09 - Hipoteca voluntária até ao valor máximo de 78.591,50 € favor de B..., SA;
  5. Ap. 2487 de 2012/01/18 - Penhora pelo valor de 12.979,69 € à ordem do Proc. .../11...TCLRS do 5.º Juízo  Cível de Loures – Tribunal Família, Menores e Comarca- C..., Limitada;
  6. Ap. 2423 de 2013/04/24 - Penhora pelo valor de 1.882,66 € à ordem do PEF ... e apensos do SF Loures ...;
  7. Ap. 3165 de 2014/12/12 - Penhora pelo valor de 14.215,51 € à ordem do PEF... e apensos do SF Loures ...;
  8. Ap. 2264 de 2015/02/16 - Penhora pelo valor de 2.081,18 € à ordem do PEF ... e apensos do SF Loures ...;
  9. Ap. 1751 de 2015/04/09 - Penhora pelo valor de 5.923,35 €, em que é exequente o Banco D..., SA.
  1. Pelo ofício nº..., de 13/03/2023, do Serviço de Finanças Loures ... -Sacavém, foi o Requerente notificado de um projeto de liquidação de IMT, no valor total de € 15.584,22, sendo € 12.019,78, a título de imposto, e € 3.564,44, a título de juros compensatórios, devido pela aquisição que efetuou, em 15-10-2015, de ½ da fração autónoma “H” do prédio urbano, sito na Rua ..., n.º ..., ..., ...-...  Sacavém, inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de ... e ..., concelho de Loures, sob o artigo ... referindo o seguinte:

 

 

 

 

  1. Em 27/03/2023, o Requerente exerceu o seu direito do direito de audição.
  2. Por despacho de 31/08/2023, da Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., foi proferida a decisão final e emitida a liquidação de IMT com o n.º ..., no valor total de € 15.584,22, sendo € 12.019,78, a título de imposto, e € 3.564,44, a título de juros compensatórios, com a data limite de pagamento de 01-09-2023. (Decl.Mod.1 de IMT n.º 2023/...).
  3. Pelo ofício n.º..., de 31/08/2023, do Serviço de Finanças de Loures ... - Sacavém, o Requerente foi notificado, em 07/09/2023 (data da assinatura do AR), do despacho de 31/08/2023 e do ato de liquidação de IMT.
  4. O Requerente, procedeu, em 29-09-2023, ao respetivo pagamento, incluindo juros, tudo num montante global de € 15.584,22.
  5. Em 26/09/2023, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IMT, a qual foi instaurada com o nº ...2023... .
  6. O Requerente foi notificado do projeto de decisão, bem como do despacho de 11/12/2023 que o sancionou, através do ofício n.º ..., de 11/12/2023, remetido por carta registada de 13/12/2023.
  7. O Requerente não exerceu o direito de participação.
  8. No âmbito do referido procedimento de Reclamação Graciosa foi elaborado, em 29/12/2023, o despacho de indeferimento.
  9. O Requerente foi notificado da referida decisão de indeferimento, através ofício de 10/01/2024 e por ofício de 26/01/2024.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 16 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, dos documentos 1 a 7 juntos pelo Requerente, com o ppa e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito

 

I) Caducidade

 

Impõe-se começar por analisar a alegada caducidade do direito à liquidação de IMT pelo decurso do prazo de quatro anos. A Requerente alega a caducidade por entender que a liquidação sindicada é uma liquidação adicional sujeita ao prazo de quatro anos previsto no art. 31º, n.º3 do CIMT.

No caso em apreço, o Requerente apresentou a declaração prevista no art. 19º, n.º1 do CIMT, indicando a isenção prevista no art. 9º do CIMT. De seguida, a AT emitiu um documento único de cobrança a zeros.

A questão da contagem do prazo de caducidade de factos tributários relacionados com benefícios fiscais automáticos não é nova, tendo já sido diversas vezes apreciada pelos tribunais superiores, sempre no mesmo sentido. Primeiro, à luz da revogada SISA (Ac. do STA de 17.01.2007, proc. n.º 909/06, Ac. do STA de 18.05.2011, proc. n.º 153/11, Ac. do STA de 14.09.2011, proc. n.º0294/11) e mais recentemente já ao abrigo do CIMT, incluindo com as alterações efetuadas pela Lei n.º64-A/2008 de 31.12 ao art. 19º e 10º, n.º8 do CIMT (Ac. do STA de 13.09.2017, proc. n.º 01126/16, Ac. do TCA Sul de 23.03.2017, proc. n.º 35/16.1 BELLE, Ac. d TCA do Sul de 19.06.2024, proc. n.º 2469/14.7 BELRS, Ac. do TCA Sul de 27.06.2024, proc. n.º 72/15.3 BELRS).

Assim, em cumprimento do art. 8º, n.º3 do CC, resta-nos aderir aos fundamentos destes Arestos para os quais remetemos e aqui passamos a reproduzir.

Os benefícios fiscais podem ser automáticos, ou, dependentes de reconhecimento.

O aludido benefício invocado pelo Requerente (art. 9º do CIMT) é classificado como automático (art. 10º, n.º8, al. b) do CIMT), não operando a pedido do interessado, isto é, através de requerimento autónomo dirigido especificamente à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo, por conseguinte, ato administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo.

Inexistindo, no caso em análise, um ato administrativo a conceder um benefício fiscal, a liquidação agora sindicada não é uma liquidação adicional mas sim a primeira liquidação.

O que, no caso, se verificou foi que o sujeito passivo, ao dar cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º, n.º3 do CIMT, fez operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação ao declarar que a aquisição se fazia por um valor inferior a €92.407,00, isto é, ao declarar a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT. In casu, o que houve foi a mera prática de atos materiais, na sequência da declaração apresentada pelo Requerente (que é o que resulta, aliás, do n.º 8 do art.º 10.º do CIMT), que não se confundem com um ato de liquidação.

O que se tratou foi, em termos substantivos, de uma Declaração invocando o benefício de IMT por parte do Requerente, atendendo ao benefício 75 – Parte Indivisa de Bem exclusivamente para habitação própria e permanente - (art. 9º do CIMT). Ou, dito de outro modo, o que se declarou foi a inexistência da obrigação de imposto, atento o invocado benefício.

Reconhece-se, é certo, que ocorreu o facto tributário à data da transmissão mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o Requerente isento, pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de IMT.

A liquidação que veio posteriormente a ser efetuada em consequência da inspeção levada a cabo pela AT não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.

Mas vindo a administração tributária a verificar, posteriormente, através de ação inspetiva, que o valor tributável, afinal, é superior a €92.407,00, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que aquele havia beneficiado de forma automática mas indevida, a administração tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito”– cfr. art.º 35º do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar o disposto no art. 31º, n.º3.

Destarte, in casu, trata-se da primeira liquidação de IMT efetuada após a transmissão do bem, pelo que o prazo de caducidade é o de oito anos, contados da data da transmissão, nos termos do artigo 35°, nº1, do ClMT.

Ora, tendo a data da transmissão ocorrido em 15.10.2015 - cfr. nº 1 do probatório - e a notificação da liquidação tenha sido efetuada em 07.09.2023 - cfr. nº 9 do probatório -, forçoso será concluir que não caducara o poder da Administração à liquidação do imposto.

Deste modo, improcede o vício da caducidade

 

II)Valor Tributável

 

Nesta parte o Requerente alega que o valor das hipotecas e das penhoras registadas no imóvel adquirido não representam uma contrapartida do valor patrimonial do imóvel e por isso não devem ser incluídos no valor tributável. Estes encargos na opinião do Requerente não se incluem na al. h), n.º5, do art. 12º do CIMT.

Prossegue alegando que:

a) eventualmente as penhoras e as hipotecas já tinham sido parcialmente liquidadas e por isso o seu valor está errado;

b) não ocorreu qualquer assunção de dívida do Requerente relativamente ao crédito assegurado pelas hipotecas e penhoras registadas sobre o imóvel.

 

Quid Juris?

 

Nos termos do art. 12º, n.º1 do CIMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

O art. 12º, n.º5, al. g) prevê o seguinte:

“5 - Para efeitos dos números anteriores, considera-se, designadamente, valor constante do acto ou do contrato, isolada ou cumulativamente:

 (…)

h) Em geral, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.”

O Requerente para sustentar a sus interpretação invoca o Ac. do STA de 22.04.2009, proc. n.º 01124/08. O Acórdão conclui que o IVA não é um encargo que deve integrar o valor tributável, para efeitos do art. 12º, n.º5, al. h) do CIMT. 

Sucede que, o Ac. não analisa se o valor das hipotecas e das penhoras que estejam registadas sobre o imóvel devem, ou não, integrar o valor tributável para efeitos de IMT. Não obstante, o Acórdão é deveras relevante para o apuramento da melhor interpretação, passando a citá-lo:

“[Como “encargos a que o comprador fica legalmente obrigado” podemos pensar, v. g., nos direitos transmitidos ao comprador ob rem ou propter rem e que acompanham, ope legis, a transmissão do direito principal sobre os imóveis sujeitos a IMT].”

Assim, temos de apurar se as hipotecas e as penhoras são, ou não, direitos propter rem.

A obrigação propter rem é aquela cujo sujeito passivo – o devedor – é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa[1]. Consubstancia uma verdadeira relação creditória incrustada no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo[2].

Consequentemente, em caso de transmissão da coisa, e porque o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória, o novo titular do direito real (porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respetivo estatuto) fica colocado, relativamente a esse estatuto, na mesma situação em que se encontrava o anterior, ou seja, as obrigações de garantia transmitem-se com o direito real de que elas decorrem, cabendo-lhe, como tal, a obrigação de realizar a prestação.

Sendo assim, essa obrigação transmite-se ao adquirente da coisa com o direito real de que ela decorre: o novo titular do direito real fica colocado, relativamente ao cumprimento dessa obrigação (no caso sub judice, a obrigação decorrente das hipotecas e das penhoras) na mesma situação em que se encontrava o anterior (quem transmitiu o imóvel).

Ora, como “o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória[3] e, por isso, ou seja, “porque a obrigação está ligada ao domínio e com o detentor desta posição jurídica coincide a legitimidade para nela interferir, é também este sujeito que deve realizar a prestação. Portanto, impõe-se também a conclusão de que o credor da obrigação propter rem pode exigir o cumprimento ao subadquirente, porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto.”[4]

Citando o Henrique Mesquita: “Sendo inaceitável, no entanto, que a simples alienação do direito real prive o credor da obrigação propter rem do direito à prestação – prestação esta, de resto, que, na maior parte dos casos, se destina a efectivar o regime imperativo dos direitos reais – forçoso é entender que ele poderá exigir o cumprimento ao subadquirente, precisamente com fundamento em que a dívida acompanha  o direito real de cujo estatuto emerge, vinculando todo aquele a quem a respectiva titularidade sucessivamente for pertencendo.”[5]

Deste modo, “(…) é mais consentâneo com os princípios que disciplinam as relações creditórias o entendimento de que estamos perante um caso verdadeiro e próprio de transmissão de uma dívida propter rem.”[6]  

No que diz respeito às hipotecas o art. 686º, n.º1 do CC, prevê o seguinte: “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.”

Assim os credores a favor dos quais foram constituídas as hipotecas têm o direito de ser pagos pelo valor do imóvel que agora é propriedade do Requerente (terceiro). “Se a transmissão do ius in re implicasse a extinção da obrigação, o credor perderia o benefício  da garantia hipotecária, dada a relação de acessoriedade ou instrumentalidade que sempre existe entre uma garantia e a obrigação garantida.”[7]

A hipoteca é direito real de garantia.[8]

Quanto à penhora, trata-se igualmente de um direito real de garantia[9].  Tendo as penhoras sido efetuadas e registadas na Conservatória do Registo Predial, a alienação a favor do Requerente é inoponível ao exequente (art. 819º do CC). Com a penhora o exequente adquire o direito de ser pago com o produto da venda do bem, que agora, é propriedade do Requerente (art. 822. n.º1 do CC e arts. 5º, n.º1 e 6º, n.º1 do Código do Registo Predial).

A hipoteca e a penhoras são obrigações propter rem porque seguem a coisa que nela encontra o seu fundamento de existência, independentemente do titular da mesma. Assim, o Requerente enquanto proprietário do imóvel está legalmente obrigado a esses encargos. Precise-se que o Requerente (terceiro proprietário do bem hipotecado e penhorado) não é o devedor dos mútuos nem das dívidas, nem é necessária qualquer assunção ou transmissão contratual da dívida, mas enquanto proprietário do imóvel, tais valores são encargos a que está legalmente obrigado. Aliás o legislador prevê o art. 721º do CC a forma de um terceiro proprietário de um bem hipotecado, que não é pessoalmente responsável pelas obrigações garantidas, poder expurgar a hipoteca (art. 721º do CC), o que significa que se trata de um encargo que o Requerente assumiu com a anterior aquisição.

Sendo assim, é evidente que o valor das hipotecas e das penhoras registadas sobre o imóvel são encargos a que o Requerente fica legalmente obrigado, por ser proprietário do imóvel, e por isso devem se incluídos no valor tributável nos termos do art. 12º, n.º5, al. h) do CIMT.

Neste mesmo sentido veja-se Silvério Mateus e Corvelo Freitas na anotação ao art. 12, n.º5, al. h) do CIMT: “ Da mesma forma, integram o referido conceito eventuais encargos hipotecários que incidem sobre os prédios transmitidos e que, conjuntamente com estes se transmitam ao adquirente.” In Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto de Selo, Engifisco, 2005, pág. 428

No mesmo sentido veja-se igualmente a decisão do CAAD, de 04.12.2020, no processo n.º175/2020.

          Prossegue o Requerente alegando que, ainda assim, a matéria tributável deve ser apurada de acordo com os valores em dívida garantidos pelas hipotecas e penhoras registas à data da escritura (15.1.2015), valor esse que o Requerente desconhece qual é.

À data da aquisição do imóvel objeto do ato tributário controvertido, este estava onerado com hipotecas e penhoras devidamente registadas, para pagamento de quantias em dívida.

                A constituição [nascimento] da obrigação tributária referente ao Imposto do Selo devido no âmbito das transações vertentes reporta-se ao momento da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código do Imposto do Selo. E na correspondente data impendiam sobre o Requerente, por via das obrigações propter rem, as obrigações prestativas inerentes, não tendo resultado do adquirido processual quaisquer factos que infirmem a existência e validade dessas obrigações ou traduzam o cancelamento das hipotecas e das penhoras e a subsequente extinção das dívidas por estas garantidas.

                Nestes termos, improcede a pretensão da Requerente, por não provada, não se julgando verificado o invocado vício material, em relação ao ato de liquidação de IMT.

Por fim, resta analisar o alegado abuso de direito da AT por ter incluído no valor tributável, para efeitos de IMT, os encargos relacionados com as penhoras  por si efetuadas e registadas sobre o imóvel.

Tal como foi referido atrás, tendo ocorrido uma isenção automática, não tinha a AT como incluir os valores que lhe eram devidos no valor tributável para efeitos de IMT.

Tendo a situação ab initio sido criada por força da declaração apresentada pelo Requerente, que assentava em pressupostos legais errados por este declarados, a emissão da liquidação impugnada não se afigura atentatória do princípio da boa-fé nem um abuso de direito.

Mais, o art. 12, n.º5, al. h) do CIMT refere que na determinação do valor tributável deve-se incluir quaisquer encargos a que o comprador seja legalmente obrigado.

Realça-se que o legislador refere que se incluem quaisquer encargos – um entre muitos, sem qualquer distinção. O legislador não distingue os encargos que devem, ou não, ser incluídos. Assim, aplicando o brocardo latino ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (“onde a lei não distingue, não deve o intérprete fazê-lo”). 

Destarte, no valor tributável devem incluir-se os encargos relacionados com as hipotecas e as penhoras registadas, mesmo que estas últimas estejam relacionadas com a Requerida.

Estando a AT sujeita a princípios como o da legalidade e da prossecução do interesse público (art. 266º, nº 2, da CRP), não pode deixar, dentro dos prazos legais, de repor a legalidade sempre que verifique que a algum contribuinte foi liquidado imposto inferior ao devido.

Face ao exposto improcede igualmente o vício de abuso de direito.

 

III) Juros indemnizatórios

 

A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

Mantendo-se o ato tributário sindicado, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar integralmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT n.º ..., DUC..., no montante de 15.584,22€, e em consequência absolver a Requerida do pedido;

b) Condenar o Requerente nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €15.584,22 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de novembro de 2024  

O Árbitro

 

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(André Festas da Silva)

 



[1] Cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, 1979, pag. 367, Oliveira Ascensão, Direto Civil-Reais, Coimbra Editora, 5º Ed., pág. 52 e Luis Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 10º Ed., pág. 81

[2] Cf. Henrique Mesquita, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXII, 1976, pág. 151, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3º Ed., Almeida, pág. 75

[3] In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 333

[4] In Ac. do STJ de 08/07/2003, proc. n.º 03A531

[5] In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 334

[6] In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 335

[7] In Obrigações Reais e Ónus Reais, Henrique Mesquita, pág. 336

[8] Cf. Luis Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, 10ª Ed., pág.496

[9] Cf. Luis Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, 10ª Ed., pág.522