Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 690/2024-T
Data da decisão: 2024-11-08  IRS  
Valor do pedido: € 9.900,68
Tema: IRS – Caducidade do direito à ação.
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SUMÁRIO:

1-O prazo de tempestividade para a propositura de Pedido de Pronúncia Arbitral para impugnação de decisão de indeferimento de Recurso Hierárquico é de 90 dias contados da notificação da decisão.

2- A contagem do prazo para deduzir o Pedido de Pronúncia Arbitral observa as regras do artigo 279.º do Código Civil, como está previsto expressamente no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT (aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT).

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

 

1. No dia 28 Maio de 2024, “A... LDA”, pessoa coletiva nº ... com sede na Rua ... n.º ..., ...-... ..., doravante “Requerente” apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) respeitante  à liquidação de IRC nº 2022... do ano de 2020 no montante de € 9.757,40, acrescidos de  juros compensatórios  de € 143,28, no valor global de €9.900,68 na sequencia de ato de indeferimento de recurso hierárquico, por entender que a referida liquidação é  ilegal por vício de violação de lei requerendo que esta seja anulada.

2. No dia 31 de Maio de 2024 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3.No dia 06 de Agosto  de 2024 foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 12 de Agosto de 2024 foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos do n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, solicitar a produção de prova adicional, e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

5. Em 30 de Setembro de 2024  a Requerida juntou a sua resposta, defendendo-se por exceção e  impugnação. Concluído a Requerida que o PPA deve improceder por falta de apoio legal, tendo procedido à remessa do processo administrativo.

6.  O Tribunal Arbitral por despacho de 01 de Outubro de 2024, dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, facultado à Requerente para, querendo, no prazo de 10 dias, exercer o direito ao contraditório, podendo responder à exceção invocada pela Requerida.

7. Em 18 de Outubro de 2024 a Requerente juntou aos autos requerimento em que exerceu o contraditório às exceções invocadas.

8. Em 18 de Outubro de 2024 o Tribunal Arbitral proferiu despacho em que facultou às partes a  possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias.

9. Em 04 de Novembro de 2024 a Requerente juntou aos autos alegações escritas.

 

II. Descrição Sumária dos Factos

II.1 Posição da Requerente

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Por constrangimento informático da  qual a Requerente não percecionou de imediato, não procedeu a entrega da declaração modelo 22 de IRC em 2020. Porém tendo conhecimento da não validação da mesma em 10-07-2022 procedeu a submissão da declaração.
  2. Alegando a Requerente que foi entregue relativamente ao mesmo ano  declaração IES dentro do prazo.
  3. Na sequência da  não validação da declaração modelo 22 a  AT emitiu a liquidação Oficiosa no montante de €9.757,40, acrescida de juros compensatórios de €143,28, no valor global de €9.900,68, tendo a Requerida apresentado reclamação graciosa e recurso hierárquico, ambos indeferidos.
  4. Alega a Requerente que a falta de entrega de declaração no dentro do prazo não significa que AT possa arbitrariamente emitir uma liquidação oficiosa, com valor desfasado da realidade. Antes, pelo contrário, defende a Requerente que a AT  encontra-se obrigada a recorrer ao método subsidiário de avaliação da matéria indireta da matéria tributável nos termos do artigo 57º do Código do IRC e dos artigos 85º nº 1  alínea b) e 88º alínea a) da LGT.
  5. A Requerente alega que a AT não teve por base a matéria coletável de IRC do exercício mais próximo.
  6. A requerente alega que tendo a administração o dever geral de atuar com observância do princípio da legalidade (art. 266º nº2 da CRP e 55º da LGR) não se pode considerar admissível que pratique atos em dissonância com a realidade (ilegais por de erro sob os pressupostos de facto mesmo que a declaração seja apresentada fora do prazo).
  7. Concluído pelo pedido  de anulação da liquidação oficiosa de IRC.

 

II.2 Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Alega a Requerida que tendo a Requerente sido notificada por carta regista com A/R ref. RL ... PT, em 15 de Dezembro de 2023, o termo do prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral ocorreu em 15 de Março de 2024, atento o disposto no artigo 10º do RJAT. Todavia apenas em 28 de Maio de 2024, o pedido foi apresentado, concluído a Requerida pela intempestividade do pedido.
  2. Considerando a Requerida que se verifica uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Mais alega a Requerida:

  1. A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação. No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa reportou-se a um indeferimento por extemporaneidade.
  2. Alega a Requerida que tendo em conta que o PPA não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa ser evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a Requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços. Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do artigo 78º da LGT.
  3. Entendendo a Requerida que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
  4. Verificando-se, na posição da Requerida a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Mais alega a Requerida:

  1. Resulta de forma mais do manifesta, a forma gritante como ora Recorrente não cumpriu as obrigações fiscais ou procedimentais, nomeadamente, as obrigações declarativas a que se encontrava obrigada, nos termos do art.º 117.º e do art.º 120.º do CIRC.
  2. Alegando que não existe norma legal que suporte a convolação de uma declaração de rendimentos Modelo 22 apresentada pelo contribuinte em reclamação graciosa, dado que, nem o art.º 52.º, nem o nº 5 do art.º 59.º, ambos do CPPT, têm aplicação no caso em apreço.
  3. Considerando que não se encontram preenchidos os requisitos para a pedido de revisão do ato tributário nos termos do disposto no artigo 78º da LGT.
  4. Concluindo que a Requerida deve ser absolvida da instância, ou  caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.

 

 

 

 

III. Saneamento

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

 

IV-Matéria de Facto

IV.A- Factos Dados com Provados

1-A Requerente não submeteu  de forma válida até  terminus do prazo legal  de entrega fixado em 31.05.2021  declaração  modelo 22 de IRC relativa ao ano fiscal de 2020.

2-Em 08.12.2021 a Requerente foi notificada para no prazo de 15 dias efetuar a submissão da declaração modelo 22 em falta relativa ao ano de 2020 (cfr. fls. 17 e 18 do PA).

3-A AT procedeu à emissão de declaração oficiosa de modelo 22 de IRC relativa ao ano fiscal de 2020 por esta não ter sido submetida no prazo legal.

4-Foi emitida pela AT Liquidação oficiosa de IRC nº 2022... do ano de 2020 no montante de €9.757,40, acrescidos de juros compensatórios  de € 143,28, no valor global de €9.900,68, notificada à Requerente em 02.02.2022 com data-limite de pagamento 23.03.2022.

5-A Requerente submeteu de forma válida declaração  modelo 22 de IRC relativa ao ano fiscal de 2020 em 10.07.2022 (Cfr. fls 6 do PA).

6- A Requerente apresentou, via internet, a 17-09-2022, reclamação graciosa instaurada com o nº ...2022..., a qual foi rejeitada liminarmente por intempestividade, por despacho de 09-12-2022.

7-A Requerente apresentou pedido de revisão de ato tributário ao abrigo de artigo 78º da LGT em 02.02.2023.

8-O Pedido de revisão de ato tributário  indeferido em 31.03.2023 por intempestividade.

9-A Requerente apresentou Recurso Hierárquico em 03.05.2023 para impugnação do indeferimento por intempestividade do Pedido de Revisão de Ato Tributário.

10- A Requerente foi notificada  em 15.12.2024 do indeferimento do Recurso Hierárquico.

11- A Requerente em 28.05.2024  apresentou PPA junto do CAAD.

 

B- Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV.C– Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

1.Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).

 

2.Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

 

3.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 5, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

4.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

5.Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

V.  Do Direito

Tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar:

  1. Se a exceção da caducidade do direito à ação se verifica;
  2. Se a exceção de incompetência material do tribunal se verifica;
  3. Se  a liquidação enferma de erro por vício de violação de lei.

Sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

 

V.1- Da exceção da caducidade do direito à ação

 

Vem a Requerida invocar a exceção da caducidade do direito à ação.

Em sentido oposto a Requerente entende que a caducidade do direito à ação não se verifica, por estarmos perante um prazo administrativo.

 

No que diz respeito à tempestividade do PPA nos termos do artigo 10º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) este deve ser apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.

 

No caso em apreço, o presente PPA é apresentado na sequência de indeferimento de Recurso Hierárquico deduzido no seguimento de indeferimento de Pedido de Revisão de Ato Tributário por intempestividade.

Pelo que nos termos da alínea  a) do nº1 do artigo 10º do RJAT, o PPA teria de ser apresentado para efeitos de tempestividade, no prazo de 90 dias contados da notificação de decisão do recurso hierárquico.

 

A contagem do prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral observa as regras do artigo 279.º do Código Civil, como está previsto expressamente no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT (aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT).

Vide nesse sentido nomeadamente a decisão arbitral  processo n.º: 824/2021-T

“I-A contagem do prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral observa as regras do artigo 279.º do Código Civil, como está previsto expressamente no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT (aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT), no que se refere à impugnação judicial.

II. A natureza arbitral deste Tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.”

 

 

O indeferimento de Recurso Hierárquico  foi notificado à Requerente via CTT por carta regista com A/R ref. RL...PT em 15 de Dezembro de 2023 (Cf. doc. 1 junto à resposta da Requerida).

 

Tendo o PPA sido deduzido junto do CAAD em  28 de Maio de 2024 estava esgotado o prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, precludindo assim,  o direito da Requerente.

 

Pelo que está verificada a exceção de caducidade do direito de ação, o que constitui uma exceção dilatória nos termos previstos na alínea K) do nº 4 do art. 89º do CPTA, aplicável ex vi art. 2º, alínea c) do CPPT e alínea c) do nº 1 do art. 29º do RJAT, determinando a absolvição da Requerida da instância.

 

Procedendo a exceção dilatória da caducidade do direito à ação fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restante vícios que lhe são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente

 

VII- Da Decisão

Termos em que se decide:

  1.  julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €  9.900,68 (nove mil novecentos e sessenta e oito cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário, uma vez que o PPA foi julgado improcedente nos termos dos artigos, 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Novembro de 2024

 

O Árbitro

 

António Cipriano da Silva