Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 666/2024-T
Data da decisão: 2024-11-13  IRS  
Valor do pedido: € 5.238,43
Tema: IRS – Residente Não Habitual; Registo; Incumprimento do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS.
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SUMÁRIO:

I -  Independentemente da data em que o Requerente solicitou a sua inscrição como RNH, não restam dúvidas de que, conforme observado, os pressupostos legais para ser considerada como RNH (n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS) e beneficiar, consequentemente, do respectivo regime (n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS) se encontram integralmente preenchidos, pelo que não pode ao Requerente ser negado o direito de beneficiar do referido regime pelo facto de não ter apresentado o pedido de inscrição no prazo indicado no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.
II - O incumprimento do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, não constitui impedimento para que o Requerente seja considerado RNH de pleno direito e pelo período de 10 anos com início em 2022, dado se encontrarem preenchidos os pressupostos materiais para o efeito.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

É Requerente A..., natural de Virgínia, EUA, de nacionalidade Norte-
-Americana, casado com B..., titular do passaporte n.º ..., com n.º de identificação fiscal português..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... Caminha, doravante designado de Requerente.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

 

O Requerente apresentou, em 21 de Maio de 2024, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e a Autoridade Tributária foi notificada em 27 de Maio de 2024.

 

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitro, o presente signatário, aceite por este, nos termos legalmente previstos.

 

Em 11 de Julho de 2024, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral, foi regularmente constituído em 30 de Julho de 2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objecto do presente litígio, e notificada à Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta.

 

Em 27 de Setembro de 2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação. Juntou, ainda, o Processo Administrativo.

 

Em 1 de Outubro de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. As Partes foram também notificadas para apresentarem alegações escritas finais, podendo o Requerente pronunciar-se sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida na Resposta.

 

O Requerente apresentou as suas alegações em 9 de Outubro de 2024, em respeito do princípio do contraditório. A Requerida optou por não apresentar alegações.

 

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

 

 

1.1. Argumentos das Partes

 

O Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do acto de liquidação do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), que deu origem à liquidação n.º 2023..., referente ao período de rendimentos compreendido entre 22 de Novembro de 2022 e 31 de Dezembro de 2022, com o valor de rendimento global de € 5.238,43, bem como do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objecto, ambos com fundamento em ilegalidade.

 

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou o seguinte:

 

  1. O regime jurídico do Residentes Não Habituais (RNH) reveste as características de excepcionalidade – pelo seu carácter diferenciador face ao regime comum de tributação de residentes –, e de tutela de interesses públicos extrafiscais superiores ao da tributação – pela sua finalidade de fortalecimento da competitividade da economia portuguesa nas relações económicas internacionais, integrando-se, nesta medida, na definição de benefício fiscal do EBF.

 

  1. É actual e igualmente pacífico o entendimento de que o reconhecimento do benefício por parte da AT não constitui, de facto, a concessão do respectivo direito ao sujeito passivo, sendo este, aliás, já titular do mesmo e, por isso, considerado, à luz da lei fiscal portuguesa, RNH.

 

  1. Como bem deveria ser o entendimento da AT, existe uma nítida distinção entre a constituição do direito subjectivo e o seu reconhecimento administrativo, revestindo este último a qualidade de condição da qual pode depender a eficácia plena de determinados benefícios fiscais, pese embora eles já se tenham constituído na esfera jurídica do sujeito passivo aquando do preenchimento da norma legal.

 

  1. É este o entendimento amplamente reconhecido pela doutrina, pela jurisprudência e pelo próprio legislador fiscal no âmbito do Artigo 12.º do EBF, o qual refere expressamente que “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.

 

  1. O cumprimento do âmbito subjectivo das normais legais que instituem os benefícios fiscais, mais concretamente, o regime do RNH, consubstancia, assim, um verdadeiro direito subjectivo dos sujeitos passivos beneficiados, sendo com referência a esse direito subjetivo que o benefício fiscal em apreço deverá ser tratado quanto ao seu nascimento.

 

  1. É este o entendimento sufragado pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em numerosas decisões recentes.

 

  1. O Requerente é residente fiscal em Portugal desde 2022, não o tendo sido nos cinco anos anteriores àquele.

 

  1. Por isso, tendo o Requerente solicitado à AT a sua inscrição no cadastro como Residente Não Habitual, ainda que intempestivamente face ao disposto no n.º 10.º do Artigo 16.º do Código do IRS, encontrava-se a AT vinculada a proferir despacho de deferimento do aludido pedido, procedendo, de imediato à correcção da Nota de Liquidação, em conformidade com as regras de tributação aplicáveis aos Residentes Não Habituais.

 

  1. Pelo contrário, atuou a AT à margem daquele que é o entendimento jurisprudencial e doutrinal assente nesta matéria, e, aliás, à revelia da ratio do regime jurídico, violando o disposto no n.º 8 do Artigo 16.º e no n.º 12 do Artigo 72.º, ambos do Código do IRS.

 

  1. Termina o Requerente peticionando que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser anulado o acto de liquidação n.º 2023..., relativo ao IRS do ano de 2022, bem como do acto de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objecto, ambos com fundamento em ilegalidade devido a uma incorrecta interpretação e aplicação do regime do RNH.

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente Resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

 

  1. O que o Requerente efectivamente pretende com a presente lide é que lhe seja reconhecido o estatuto de Residente Não Habitual com efeitos a 2022, e, consequentemente que seja anulado o despacho que indeferiu a reclamação graciosa e a liquidação de IRS referente a esse ano.

 

  1. Naturalmente, só após o reconhecimento do estatuto de RNH (e, in casu, com efeitos retroactivos, uma vez que o pedido de pedido de inscrição como RNH foi apresentado junto dos serviços da AT já após a liquidação) é que a liquidação impugnada poderia ser anulada.

 

  1. Porém, nos termos da lei, o reconhecimento pretendido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo, assim, este conhecer, e/ou pronunciar-se sobre o mesmo.

 

  1. Mutatis mutandis tendo em consideração a incompetência absoluta do CAAD, e só podendo o indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de RNH ser objecto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, igualmente se verifica existir uma impropriedade do meio processual (pedido que foi, frise-se, efectuado junto dos serviços da AT em data posterior à liquidação aqui impugnada, foi indeferido, e não foi objecto de reacção/ impugnação contenciosa pelo Requerente, que se conformou, pois, com tal decisão).

 

  1. Porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo, sendo que é inquestionável que o Requerente foi devidamente notificado do meio processual adequado – acção administrativa.

 

  1. Face a tudo o que se concluiu no que concerne à incompetência do CAAD e à impropriedade do meio processual, a única pretensão do Requerente que podia eventualmente ser conhecida nos presentes autos, e apenas se a causa de pedir

fosse distinta da invocada, seria a alegada ilegalidade da liquidação de IRS.

 

  1. Porém, como o próprio Requerente refere, a liquidação impugnada e aqui em discussão não apurou qualquer imposto a pagar.

 

  1. E não tendo gerado qualquer imposto afigura-se inexistir interesse em agir, pois ainda que a mesma seja anulada, a situação do Requerente em nada se alteraria.

 

  1. Ou melhor, a anulação da liquidação com o fundamento aduzido pelo Requerente antes implicaria a eventual tributação dos rendimentos de pensões à taxa de 10% (os rendimentos de pensões auferidos por um RNH deixaram de beneficiar do método de isenção então previsto no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, a partir da alteração introduzida pela Lei n. 119/2019, de 18 de Setembro, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2019) e a obrigatoriedade de englobamento dos rendimentos da categoria E para efeitos de determinação da taxa aplicável para efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 81.º do Código do IRS (o que o tribunal sempre terá de ter em conta, caso admita a anulação do acto, o que não se concede).

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, consideram-se Residentes Não Habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS.

 

  1. A inscrição como Residente Não Habitual tem de ser solicitada por via electrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal, conforme estabelece o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

  • Ou seja, o artigo 16.º do Código do IRS consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

  1. Igualmente se afigura necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o Residente Não Habitual opte expressamente na Modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance.

 

  • Concluindo, o benefício fiscal só pode concretizar-se, anualmente, desde que exista facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e que o Residente Não Habitual declare os mesmos e proceda à opção pelo regime de tributação excepcional, sendo a liquidação efectuada de acordo com as opções que em cada ano faz, caso o sujeito passivo tenha também efectuado o pedido de inscrição como RNH, e se verifiquem os outros dois pressupostos (realce-se que o regime de RNH não é, ou pode não ser, o único regime excepcional disponível e só com a devida inscrição / opção do sujeito passivo a AT tem como conhecer a pretensão daquele).

 

  • Na situação dos autos, o pedido de inscrição como RNH apenas foi apresentado em Setembro de 2023, muito para além do prazo consignado na lei, facto que naturalmente não pode ser imputado à Requerida.

 

  1. E pretende, além do mais, que lhe seja aplicado o regime de RNH com efeitos retroactivos, ou seja, com efeitos na liquidação anterior à própria apresentação do pedido, o que não tem o mínimo respaldo na lei e não se pode aceitar, sob pena de esvaziar de qualquer efeito útil a letra da norma do artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS.

 

  1. A liquidação contestada data de 18 de Julho de 2023, o pedido de inscrição como RNH apenas foi submetido em 25 de Setembro de 2023, e apenas em 9 de Outubro de 2023 informou que pretendia que a inscrição se reportasse ao ano de 2022.

 

  1. Conclui que a atuação da Requerida não merece qualquer juízo de censura e, consequentemente, devem os actos impugnados ser mantidos na ordem jurídica.

 

  2. Do Mérito

 

2.1. Questões Decidendas

 

Atenta a posição das Partes, adoptadas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a dirimir – as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

 

  1. Da incompetência do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de RNH;
  2. Da impropriedade do meio processual;
  3. Da falta de interesse em agir;
  4. Da ilegalidade do acto de liquidação n.º 2023..., relativo ao IRS do ano de 2022, bem como do acto de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objecto, pela incorrecta interpretação e aplicação do regime do Residente Não Habitual.

 

 

2.2. Fundamentação de Facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos, assente nos factos e na prova documental e constante do processo que não mereceu impugnação:

 

  1. O Requerente é um cidadão de nacionalidade norte-americana (cfr. Documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral) e encontra-se inscrito junto da AT como residente em Portugal desde 2022 (cfr. PA).

 

  1. O Requerente procedeu, no dia 7 de Junho de 2023, à entrega da Declaração de Rendimentos (Modelo 3 de IRS), referente ao ano fiscal de 2022 (cfr. Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. No Campo 5 do Anexo J da Declaração Modelo 3 de IRS (Rendimentos Obtidos no Estrangeiro), o Requerente declarou um rendimento de pensões no montante de € 4.597,79 (quatro mil, quinhentos e noventa e sete euros e cinquenta e setenta e nove cêntimos), proveniente dos Estados Unidos da América.

 

  1. A AT procedeu à liquidação do IRS com o valor de rendimento global de € 5.238,43, por força das regras de tributação genericamente destinadas aos residentes em território português.

 

  1. Em Setembro de 2023, o Requerente apresentou, através da sua área reservada do Portal das Finanças, o Pedido de Inscrição de Residente Não Habitual, ao qual foi atribuído o n.º IRN... (cfr. Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A AT proferiu projecto de decisão de indeferimento do aludido pedido, fundamentando, o seu projecto de decisão no facto de o Requerente estar “Registado/a no cadastro da AT como residente em território português (n.º 8 do Artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1 da Circular n.º 9/2012) no ano de 2022” (Documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Não concordando com o projecto de decisão da AT, o Requerente exerceu o seu direito de audição (cfr. Documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral), esclarecendo, em suma, o seguinte:

 

“1. O Pedido de inscrição de Residente Não Habitual em análise reporta-se ao ano de 2022 e não ano de 2023, o que não foi possível clarificar na submissão eletrónica do referido pedido na minha área reservada do Portal das Finanças, uma vez que tal opção não se encontra disponível. O campo referente à “Data de Início” do referido benefício apenas permite a seleção do ano corrente, ou seja, 2023;

2. Assim, sendo, o facto de estar registado no cadastro de V. Exas. como residente fiscal em território português no ano de 2022 não deve ser atendido como motivo impeditivo para reconhecimento do estatuto de Residente Não Habitual, nos termos e para os efeitos do disposto no número 8 do Artigo 16.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;

3. Sem prejuízo do exposto supra, note-se que não foi apresentado o pedido de inscrição de Residente Não Habitual até 31 de março de 2022 ou 2023 porque acreditava que minha situação não se qualificava para efeitos de obtenção do dito benefício;

4. Não obstante, Regime Jurídico do Residente Não Habitual traduz-se num benefício fiscal de natureza automática, sendo a sua inscrição ou registo efetivo tão somente uma obrigação declarativa que não prejudica a sua produção de efeitos.”.

 

  1. Do pedido de inscrição do Requerente como RNH veio a AT proferir decisão final de indeferimento por não reunir “as condições previstas no artigo 16.º do Código do IRS (CIRS) e constantes das Circulares nos 2/2010, de 6/5 e 9/2012, de 3/8.” (cfr. Documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 10 de Novembro de 2023, o Requerente apresentou a Reclamação Graciosa (cfr. Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral), da qual resultou uma decisão final de indeferimento, notificada em 19 de Março de 2024 (cfr. Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 21 de Maio de 2024, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

2.3. Factos não Provados

 

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita.

 

 

2.4. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas Partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas Partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o processo administrativo junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

3. Matéria De Direito

 

3.1. Delimitação das questões a decidir

 

Em face das excepções invocadas, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas. Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.

 

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de Residente Não Habitual

 

A AT veio arguir por excepção a incompetência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre o pedido apresentado pelo Requerente uma vez que entende, em suma, que “a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria coletável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo e de atos de fixação de valores patrimoniais.”.

 

Conclui, citando diversa doutrina e jurisprudência, que o Tribunal Arbitral não tem competência para reconhecer o estatuto de RNH.

 

Com efeito, parece pacífico que o Tribunal Arbitral não tem competência para reconhecer o estatuto de RNH, no entanto e ao contrário do que a AT também alega, o Requerente não pretende que o regime fiscal do RNH lhe seja reconhecido no presente processo.

 

Não existe, pois, discordância relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o reconhecimento do RNH.

 

Ora, o Requerente é claro no seu pedido para constituição do Tribunal Arbitral: “Tendo em vista a anulação do ato de liquidação do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (abreviadamente, “IRS”), que deu origem à liquidação número 2023..., referente ao período de rendimentos compreendido entre 22-11-2022 e 31-12-2022, com o valor de rendimento global de 5.238,43 EUR, bem como do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objeto, ambos com fundamento em ilegalidade” [sublinhado nosso].

 

Assim, o Tribunal Arbitral é o tribunal competente para apreciação da (i)legalidade da Nota de Liquidação em apreço, ao abrigo do regime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e em conformidade com a previsão dos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, bem como do artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.

 

Não pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral ordene a revogação do acto de indeferimento do pedido de RNH, substituindo aquele por outro acto de diferimento, o que se pretende é que o Tribunal Arbitral declare que a ausência do pedido que desencadeia o acto de inscrição em nada impede a apreciação da legalidade da liquidação impugnada.

 

Com efeito, o Requerente formula um pedido muito concreto no qual solicita a anulação dos actos de indeferimento da Reclamação Graciosa e, consequentemente, a anulação da liquidação referente ao ano de 2022 e não o indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de RNH.

 

Isto é, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2022 e não o pedido de reconhecimento do estatuto de RNH.

 

Termos em que se julga improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela AT.

 

 

Da impropriedade do meio processual

 

A AT alega ainda, em decorrência da sua afirmação de que o Requerente pretende que o CAAD lhe reconheça o regime do RNH, que o pedido de reconhecimento do estatuto do RNH só pode ser objecto de impugnação junto do tribunal tributário por via de acção administrativa prevista e regulada no CPTA.

 

Ora, também quanto a esta alegação parece pacífico que o meio processual adequado para o reconhecimento do estatuto do RNH não é o pedido de pronúncia arbitral.

 

No entanto, como se já se explanou acima, o que o Requerente pretende a anulação do acto de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2022, bem como do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa (Ofício n.º 2024...) que teve a referida liquidação como objecto, ambos com fundamento em ilegalidade.

 

Neste sentido, não está em causa conhecer qualquer decisão da AT, designadamente, de carácter administrativo, relacionada com o acto de indeferimento da sua inscrição como Residente Não Habitual.

 

Mas,

 

A questão a analisar e decidir no presente processo é a de saber se o Requerente, a despeito de não ter, no prazo previsto na lei, requerido o seu registo como Residente Não Habitual, tem, ou não, direito a ser tributado ao abrigo desse regime no ano de 2022.

 

Termos em que se julga improcedente a excepção de impropriedade do meio processual invocada pela AT.

 

 

Da falta de interesse em agir

 

Segundo a AT, “[f]ace a tudo o que se disse anteriormente no que concerne à incompetência do CAAD e à impropriedade do meio processual importa referir que a única pretensão do Requerente que podia eventualmente ser conhecida nos presentes autos, e apenas se a causa de pedir fosse distinta da invocada, seria a alegada ilegalidade da liquidação de IRS.”.

 

Ora, no presente processo, o Requerente tem interesse em que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado como RNH, ou seja, que o Tribunal Arbitral decida que a não inscrição, no prazo previsto no artigo 16.º do Código do IRS, seja uma condição meramente formal e não constitutiva do direito a ser tributado de acordo com este regime em cada ano fiscal.

É, pois, manifesto que o Requerente tem interesse legítimo em que esse direito lhe seja reconhecido por este Tribunal Arbitral, pois, uma vez que este último declare que a falta de registo atempado como Residente Não Habitual não obsta à aplicação deste regime em cada ano fiscal, reforça definitivamente a pretensão do Requerente quer para o ano fiscal em questão, quer para outros anos fiscais que eventualmente venham a estar em causa.

 

Termos em que se julga improcedente a excepção de falta de interesse em agir invocada pela AT.

 

 

3.2. Dos requisitos de aplicação do RNH

 

O regime fiscal dos RNH, em sede de IRS, foi introduzido no ordenamento jurídico português pelos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009 de 23 de Setembro, o qual aprovou o Código Fiscal do Investimento, tendo, por sua vez, a Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, revogado estes preceitos, e instituído o mencionado regime nos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.

 

O principal objectivo desta medida foi o de tornar o regime fiscal português mais atractivo e competitivo do ponto de vista das relações económicas internacionais.

 

Com este regime, o legislador fiscal visou atrair para o território português uma específica categoria de indivíduos, designadamente, profissionais qualificados em atividades de elevado valor acrescentado, sujeitos passivos com um património elevado e pensionistas, de modo a aumentar o investimento e consumo em Portugal, conferindo-lhes um benefício fiscal no que diz respeito à tributação dos rendimentos por estes auferidos.

 

A natureza jurídica do benefício em apreço é, aliás, comprovada pela subsunção da sua ratio à definição constante do n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

É pacífico, pois, que o regime jurídico do RNH reveste as características de excepcionalidade – pelo seu carácter diferenciador face ao regime comum de tributação de residentes –, e de tutela de interesses públicos extrafiscais superiores ao da tributação, pela sua finalidade de fortalecimento da competitividade da economia portuguesa nas relações económicas internacionais, integrando-se, nesta medida, na definição de benefício fiscal do EBF.

 

Pese embora disponha o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS que o “sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”.

 

Ora, é actual e igualmente pacífico o entendimento de que o reconhecimento do benefício por parte da AT não constitui, de facto, a concessão do respectivo direito ao sujeito passivo, sendo este, aliás, já titular do mesmo e, por isso, considerado, à luz da lei fiscal portuguesa, RNH.

 

Existe uma nítida distinção entre a constituição do direito subjectivo e o seu reconhecimento administrativo, revestindo este último a qualidade de condição da qual pode depender a eficácia plena de determinados benefícios fiscais, pese embora eles já se tenham constituído na esfera jurídica do sujeito passivo aquando do preenchimento da norma legal.

 

Este é, aliás, o entendimento amplamente reconhecido pela doutrina, pela jurisprudência e pelo próprio legislador fiscal no âmbito do artigo 12.º do EBF, o qual refere expressamente que “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.

 

O cumprimento do âmbito subjectivo das normais legais que instituem os benefícios fiscais, mais concretamente, o regime do RNH, consubstancia, assim, um verdadeiro direito subjectivo dos sujeitos passivos beneficiados, sendo com referência a esse direito subjectivo que o benefício fiscal em apreço deverá ser tratado quanto ao seu nascimento.

 

Com efeito, este é o entendimento sufragado por diversa jurisprudência do CAAD.

 

Na decisão arbitral de 15 de Dezembro de 2021 (Processo n.º 777/2020-T), é referido expressamente que a aplicação do regime jurídico dos RNH depende unicamente da circunstância de se verificarem os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, não sendo claramente exigido pela lei o respectivo registo para a produção de efeitos.

 

Explicita esta decisão que “(...) a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente não habitual é requisito para a aplicação do regime. (...) a inscrição como «residente não habitual» prevista no n.º 10 do Artigo 16.º do CIRS é «uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito».”.

 

Tal como dispõe o n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS “consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”.

Mais,

 

Importa salientar a importância de a interpretação da lei fiscal não dever guiar-se unicamente pelo teor literal dos preceitos normativos imediatamente aplicáveis, devendo antes ter também em consideração a finalidade material do regime a aplicar por imposição do princípio da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, consagrados no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 2 do artigo 5.º da Lei Geral Tributária.

 

Também na decisão arbitral de 24 de Setembro de 2021 (Processo n.º 188/2020-T), o Tribunal Arbitral pronunciou-se no mesmo sentido, explicando que a norma prevista no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS deverá ser entendida como “uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efetividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal”.

 

Conclui o Tribunal Arbitral, na decisão em causa que a aplicação do regime dos Residentes Não Habituais não depende da inscrição dos sujeitos passivos nesta qualidade e que, portanto, o não cumprimento do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para apresentação do pedido de inscrição não deverá ter como consequência o não enquadramento dos sujeitos passivos no regime jurídico em questão.

 

Também na decisão de 17 de Março de 2023 (Processo n.º 664/2022-T), é afirmado que “o pedido de inscrição como Residente Não Habitual não tem efeitos constitutivos do direito a ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade para operar o benefício fiscal. Com efeito, é nosso entendimento que a inscrição como residente não habitual não é constitutiva do direito à tributação como residente não habitual, revestindo mera natureza declarativa”.

 

Neste sentido, veja-se, ainda, o Acórdão do STA, Processo n.º 0842/23.9BESNT, de 29 de Maio de 2024:

 

“I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.

II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.”.

 

Neste sentido, em 2022, encontram-se reunidos os pressupostos legais, constantes do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS, para que o Requerente seja considerado como RNH e tributado como tal, em conformidade com o n.º 9 daquele mesmo preceito legal (atento o regime transitório previsto no artigo 236.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de Dezembro)

 

Com efeito, independentemente da data em que o Requerente solicitou a sua inscrição como RNH, não restam dúvidas de que, conforme observado, os pressupostos legais para ser considerada como RNH (n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS) e beneficiar, consequentemente, do respectivo regime (n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS) se encontram integralmente preenchidos, pelo que não pode ao Requerente ser negado o direito de beneficiar do referido regime pelo facto de não ter apresentado o pedido de inscrição no prazo indicado no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

Termos em que se conclui que o incumprimento do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, não constitui impedimento para que o Requerente seja considerado RNH de pleno direito e pelo período de 10 anos com início em 2022, dado se encontrarem preenchidos os pressupostos materiais para o efeito.

 

Com efeito, resulta demonstrado que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente em Portugal.

 

Face a todo o exposto, decide-se pela procedência do pedido do Requerente.

 

 

4. Decisão

 

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2023..., relativo ao IRS de 2022, bem como do acto de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada (Ofício n.º 2024...), com as legais consequências, anulando-o;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

 

 

5. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 5.238,43 (cinco mil, duzentos e trinta e oito euros e quarenta e três cêntimos).

 

 

 

 

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se

 

Lisboa, 13 de Novembro de 2024

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Hélder Faustino