Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 513/2024-T
Data da decisão: 2024-11-04  IRS  
Valor do pedido: € 5.420,72
Tema: Inutilidade superveniente da lide - Custas
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SUMÁRIO:

  1. Em face da revogação pela AT do ato tributário objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral, dentro do prazo de 30 dias consagrado no nº 1 do artigo 13º do RJAT, a respetiva consequência é a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se a pretensão tiver sido, como foi, integralmente satisfeita, com a revogação em causa.
  2. O Requerente, não obstante notificado do ato de revogação, assim como das consequências em não se pronunciar no sentido de desistir do processo, deu azo ao prosseguimento deste, pelo que a este lhe caberá suportar integralmente as custas devidas.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 19 de junho de 2024, decide:

 

I. Relatório

A..., NIF ..., com domicílio em... , ..., em Bruxelas, Bélgica (adiante designado por “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare ilegal a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada a que coube o n.º ...2023... e da subjacente liquidação de IRS do ano de 2022, com o n.º 2023... e, consequentemente, anule ambas, condenando a AT à restituição do imposto indevidamente pago.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 08 de abril de 2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 09 de abril de 2024 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, notificadas dessa designação em 22 de fevereiro de 2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O ato tributário de liquidação supra identificado foi objeto de revogação, por despacho datado de 26.05.2024, cuja cópia foi submetida a estes autos em 29.05.2024.

 

O Requerente foi notificado para efeitos de se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos, nada tendo vindo a aduzir no prazo estipulado no n.º 2 do artigo 13º do RJAT.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 19 de junho de 2024.

 

Nessa mesma data, foi emitido despacho para efeitos de notificação da Requerida para, querendo, apresentar Resposta.

 

O Requerente veio, em 21 de junho de 2024 a dar conhecimento de que teria sido revogado o ato tributário impugnado, aguardando, no entanto, pela confirmação quanto ao estorno do valor indevidamente pago, para que se pudesse pronunciar quanto a eventual não prosseguimento da lide.

 

Em 09 de setembro de 2024, na pendência deste prazo, veio a Requerida, em sede de Resposta, a informar os autos que o ato impugnado e sub judice havia sido revogado por despacho de 26 de maio de 2024.

 

Em 13 de setembro de 2024, veio o requerente informar estar o seu pedido integralmente satisfeito, não se justificando, por inutilidade, o prosseguimento dos autos, mais pugnando pela imputação das custas à Requerida por a elas ter dado causa.

 

II. Saneamento:

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

III.I. Matéria de facto:

 

  1. Factos Provados:

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS correspondente ao ano de 2022, com o n.º 2023...;
  2. Inconformado, deduziu Reclamação Graciosa (RG), em 06.09.2023, à qual coube o n.º ...2023..., tendo por objeto o supra identificado ato tributário;
  3. A Reclamação Graciosa supra identificada não veio a ser expressamente decidida no prazo de 4 meses.
  4. No dia 08 de abril de 2024 o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que está na origem dos presentes autos;
  5. Em 29.05.2024, informou a Requerida ter revogado o ato de liquidação identificado em 1., com fundamento na aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, em conformidade com a decisão proferida em 26.05.2024 pela Subdiretora Geral da DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
  6. Por notificação datada de 29.05.2024 emitida pelo CAAD, foi o Requerente notificado quanto a tal decisão revogatória e para, querendo, informar se pretendia ou não o prosseguimento do procedimento arbitral, esclarecendo-se ainda que em caso de ausência de pronúncia o procedimento arbitral prosseguiria os seus termos. 
  7. O Requerente não apresentou, no prazo do n.º 2 do artigo 13º do RJAT, resposta à notificação a que se refere o ponto antecedente.
  8. O tribunal arbitral foi constituído em 19 de junho de 2024.
  9. Em 21.06.2024, o Requerente apresentou requerimento, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, entre o mais, solicitou a confirmação dos termos da decisão de revogação do ato tributário e bem assim a condenação em custas da AT.
  10. Em 09.09.2024, a Requerida apresentou Resposta, requerendo a extinção da instância por impossibilidade da lide.
  11. O Requerente veio manifestar, em 13.09.2024, a sua concordância com a revogação do ato e declarar que a sua pretensão estava satisfeita, não se justificando, por isso, o prosseguimento dos autos, mais requerendo que as custas deveriam ser imputadas à Requerida, em conformidade com o teor de tal processado, o qual  se dá por reproduzido.
  12. O Requerente remeteu comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 28.10.2024.

 

 

            B. Factos Não Provados:

Não há outros factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

 

C. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base na peça processual, requerimentos das partes e informação constante no sistema do CAAD.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.II Matéria de Direito

 

Como se evidenciou em sede de “Factos Provados”, na sequência da notificação efetuada nos termos do artigo 13º do RJAT, veio a Requerida a proceder à revogação do ato tributário de IRS mediatamente aqui arbitralmente impugnado (ponto 1 de “Factos Provados”), por força do despacho de 26.05.2024, exarado pela Senhora Subdiretora Geral para a área do Imposto sobre Pessoas Singulares, com todas as consequências legais daí advenientes, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.

 

O que o mesmo significa afirmar que a liquidação de IRS de 2022 que estava na base e constituía o objeto da Reclamação Graciosa arbitralmente impugnada e identificada em 2.dos “Factos Provados”, desapareceram da ordem jurídico-tributária, por via da revogação operada após a apresentação do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, mas ainda em momento temporalmente anterior à constituição do presente tribunal arbitral singular, a qual teve lugar em 19.06.2024.

 

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

 

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

 

Em qualquer caso, o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide deve ser superveniente, ou seja, a sua verificação deve ter lugar após a constituição da instância. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil.

 

No caso dos presentes autos, dúvidas não subsistem quanto à superveniência da causa extintiva da lide – revogação pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, ocorrida por despacho proferido em data posterior à propositura do PPA – dado o primeiro impulso arbitral ter sido desencadeado com a submissão eletrónica do PPA, cuja aceitação pelo CAAD ocorreu em 08.04.2024.

 

Ante o exposto, fica evidenciado que com o desaparecimento da ordem jurídico-tributária do ato tributário de liquidação de IRS torna inútil e impossível o prosseguimento da presente lide, por falta de objeto e determina a extinção da instância, visto o facto da pretensão processual do Requerente quanto à anulação do ato tributário em causa se mostrar já alcançada, por via da revogação desse mesmo ato tributário de IRS, nos termos do artigo 13º do RJAT.

 

O mesmo valendo e se aplicando relativamente à matéria de juros indemnizatórios a favor do Requerente, os quais foram igualmente objeto de deferimento, no âmbito do despacho de revogação levado a efeito pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que também neste particular segmento, se encontra já o pedido esvaziado de objeto.

 

 

IV. Decisão

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este Tribunal Arbitral Singular:

  1. determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por revogação do ato tributário nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC;
  2. condenar o Requerente no pagamento das custas do processo, no valor de € 612,00;

 

V. Valor do processo:

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 5.420,72.

 

VI. Custas:

Não obstante ter sido a AT quem deu causa ao desaparecimento superveniente (face à data de entrada do PPA) da ordem jurídica do ato tributário objeto mediato do pedido arbitral e consequentemente da decisão silente que sobre o mesmo recaiu, não menos seguro é concluir que esta procedeu à revogação de tal ato tributário de liquidação ainda na pendência do procedimento arbitral, nos termos do artigo 13º do RJAT, isto é, antes da constituição do tribunal arbitral.

 

Notificado o Requerente para se pronunciar sobre o interesse ou não quanto ao prosseguimento dos autos e com a expressa cominação de prosseguimento em caso de não pronúncia – artigo 13º, n.º 2 do RJAT - acabou por ser este a dar azo à constituição de tribunal arbitral singular (artigos 15º e n.º 8 do artigo 11º do RJAT), em razão do interesse silentemente manifestado de prosseguimento dos autos, relativamente a um pleito já sem objeto, razão pela qual não poderão as custas pela constituição deste, deixar de ser imputáveis ao Requerente[1]

 

Notifique-se esta decisão arbitral ao Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 04 de Novembro de 2024.

  

O Árbitro

 

                                                Luís R. F. Sequeira

 



[1] Vide neste sentido, entre vários outros, o decidido nos processos arbitrais 454/2018-T, 70/2020-T, 73/2019-T, 322/2021-T e 335/2022-T e 321/2024-T, consultáveis em www.caad.org.pt