Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2024-T
Data da decisão: 2024-10-31   Outros 
Valor do pedido: € 9.756,74
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Tempestividade do pedido
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Sumário:

 

  1. O prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, podendo a Requerente presumir a formação do indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, após o decurso do mesmo.
  2. Sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contados a partir da formação do indeferimento tácito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
  3. O nº 1 do artigo 20 do CPPT dispõe que «os prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279º do CC, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte», pelo que o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral considera-se contínuo, não sofrendo qualquer suspensão ou interrupção.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1. A..., LDA., com o NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ... (adiante designada por Requerente), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao períodos de Agosto a Dezembro de 2019 Janeiro a Dezembro de 2020-2022, no montante global de € 9.756,74, e, bem assim, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado em 04.09.2023, junto do serviço de Finanças Sintra ..., requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

- A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social corresponde, entre outros, à “Exploração da indústria de transportes de carga e carros de aluguer de passageiros” (documento n.º 1 parte A junto com o pedido arbitral).

- Nos meses de Agosto a Dezembro de 2019, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 13.900,45 litros de gasóleo (documento n.º 1 parte C).

- Por seu turno, no ano de 2020, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 15.803,47 litros de gasóleo (documento n.º 1 parte D).

- Já no ano de 2021, a Requerente logrou abastecer, nas suas viaturas, 24.860,28 litros de gasóleo (documento n.º 1 parte E).

- Por fim, no ano de 2022, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 33.334,74 litros de gasóleo (documento n.º 1 parte F).

- A Requerente, no ano de 2019, suportou 1.542,95€ (mil, quinhentos e quarenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos) a título de CSR; no ano de 2020, a Requerente suportou, com a mencionada contribuição, a quantia global de 1.754,15€ (mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e quinze cêntimos); no ano de 2021, 2.759,49€ (dois mil, setecentos e cinquenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos); e no ano de 2022, a Requerente teve um custo de 3.700,15€ (três mil setecentos euros e quinze cêntimos) com o referido imposto.

- O que significa que, no decurso desses anos, a Requerente suportou, na qualidade de consumidora final, o valor global de € 9.756,74 (nove mil, setecentos e cinquenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), a título de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), contribuição que, tendo sido paga em primeira linha pelas fornecedoras de combustível, acabou por ser repercutida no preço do combustível e, em consequência, efetivamente suportada pela Requerente.

- Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) constitui um imposto incidente sobre os grandes combustíveis rodoviários, como a gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto, sujeitos também ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).

- Efectivamente, não se identifica qualquer contraprestação destinada — ainda que de forma indireta e presumida — aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR.

- Pelo contrário, verifica-se a ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR — os repercutidos — que justifique a sua oneração com este tributo.

- A Lei n.° 55/2007, de 31 de Agosto, limita-se a consignar genericamente a receita decorrente da CSR à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., não estabelecendo qualquer contrapartida indireta ou presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR nem tão-pouco evidenciando qualquer objetivo extrafiscal de modelação de comportamentos desses mesmos sujeitos passivos.

- Neste contexto, não pode senão concluir-se que a CSR é um verdadeiro imposto e não uma contribuição financeira.

- Razão pela qual, no entender da Requerente, tais actos tributários são ilegais e, consequentemente, anuláveis, com as demais consequências legais.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 04.04.2024 foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida) nos termos regulamentares.

 

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18.06.2024.

 

  1. A Requerida apresentou resposta em 06.09.2024, defendendo-se por excepção e impugnação:

- Suscitou as excepções da caducidade do direito de ação, da incompetência do tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da ineptidão da petição inicial (falta de objecto).

- Quanto à matéria de fundo, considera que a Requerente não logrou fazer prova de ter adquirido e pago o combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, sendo que as facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis não contêm qualquer referência aos montantes pagos a título de CSR, e não servem como prova da efetiva repercussão legal da contribuição.

- Sendo que a Requerente também não efectua a prova de ter suportado o montante de € 9.756,74, a título de CSR, limitando-se a aplicar à quantidade de litros fornecidos a taxa de CSR que se encontrava em vigor à data das transações.

- Além de que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando, no caso, estamos perante uma repercussão meramente económica.

- Concluindo no sentido da declaração de extinção da instância com base nas excepções dilatórias e perentórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

  1. Por despacho arbitral de 22.09.2024, considerando que a matéria de facto relevante para a decisão da causa depende de prova documental e se torna desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, e as partes foram convidadas a alegar.

 

II – SANEAMENTO

 

  1. O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido e foi regularmente constituído.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. A Autoridade Tributária suscitou as excepções da caducidade do direito de ação, da incompetência do tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da ineptidão da petição inicial (falta de objecto). Vejamos então.

 

Da caducidade do direito de ação

Como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) - a revisão oficiosa do acto tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

A revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 78º da LGT, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do acto tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela Administração na decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa.

Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 04.09.2023 (documento 1 e comprovativo de email junto com o pedido arbitral), o indeferimento tácito, considerando o disposto no artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, ocorreu em 04.01.2024.

Efectivamente, o pedido de revisão, dirigido ao Chefe de Finanças de Sintra ..., foi remetido à AT por correio eletrónico pela ora Requerente, em 04.09.2023, conforme resulta do Documento “comprovativo_email.pdf”, junto com o pedido de pronúncia arbitral, confirmado no artigo 1.º do mesmo PPA. E é aquela a data relevante para efeitos de registo de entrada do pedido junto da AT, independentemente da tramitação interna que aquela tenha dado posteriormente ao pedido de revisão.

Ora, o prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, podendo a Requerente presumir, em 04.01.2024, a formação do indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT.

Sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contados a partir da formação do indeferimento tácito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, o decurso do mesmo terminou a 03.04.2024, encontrando-se já esgotado em 04.04.2024, data da apresentação do presente pedido arbitral. Razão pela qual o pedido tem de ser considerado extemporâneo.

Efectivamente, o nº 1 do artigo 20 do CPPT dispõe que «os prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279º do CC, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte». Deste modo, o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral considera-se contínuo, não sofrendo qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais, o que é corroborado pela doutrina e pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012- T, 9/2014-T e 845/2014-T, 165/2020-T, 316/2020-T, 419/2020-T, e 768/2020-T.

Pelo exposto, considera-se o presente pedido arbitral extemporâneo, procedendo a excepção de caducidade do direito de acção, excepção peremptória invocada pela Requerida que determina a absolvição do pedido (cf. 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil, artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Procedendo a excepção de caducidade do direito de acção, fica prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pelas partes.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente a excepção da caducidade do direito de ação;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  3. Julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

IV – VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 9.756,74, que não foi questionado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

V – CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de Outubro de 2024

 

O Árbitro,

 

Cristina Aragão Seia