Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2024-T
Data da decisão: 2024-11-15   Outros 
Valor do pedido: € 150.865,22
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Competência dos Tribunais Arbitrais – Ilegitimidade processual ativa
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Sumário:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto e, por isso,  o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
  2. A Requerente não tem legitimidade porque  não é o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal deste imposto. É mero repercutido de facto – e esse interveniente não tem legitimidade, por si e também porque não demonstrou um interesse legalmente protegido (artigos 9.º, n.º 1 do CPPT, 18.º, n.º 4, alínea a) e 65.º da LGT).
  3. Esse interesse corresponderia à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR]: ter-lhe sido repercutido (de facto) pelo sujeito passivo fornecedor dos combustíveis e ter feito prova (que não fez) de não o ter repassado, em termos económicos, a jusante (aos seus clientes).
  4. A solução preconizada enquadra-se numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4): o direito à impugnação dos atos lesivos reporta-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 28 de maio de 2024, José Poças Falcão (presidente), António Alberto Franco e Gustavo Gramaxo Rozeira (adjuntos), acordam no seguinte:

 

I -  Relatório

 

  1. A..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada como ‘Requerente’), veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (‘RJAT’) e, bem assim, do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, solicitar a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado (cf. o Documento 1 que se junta e se dá como reproduzido) contra os atos tributários consubstanciados nas liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (‘CSR’) emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (‘Autoridade Tributária’) e refletidas nas faturas que abaixo melhor se identificam e que totalizam um montante de contribuição paga de  150.865,22 (cento e cinquenta mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos).
  2. Alega, no essencial e em síntese:
  • É uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no âmbito da consultoria informática, dedicando-se à coordenação, implementação e execução de projetos nas áreas tecnológicas e de sociedade de informação.
  • Em 2022, e com relevância para a presente factualidade, cabe desde já referir que a ora Requerente, anteriormente denominada como B..., S.A., incorporou, através de fusão, a entidade C..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., tendo a sua denominação social sido alterada, por razões comerciais e de marketing, para A..., S.A. (Cf. o Documento 4 que se junta e se dá como reproduzido).
  • Tal fusão resultou na assunção e transferência global de ativos e passivos daquela sociedade para a ora Requerente, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais;
  • A Requerente tem legitimidade para, no presente pedido de revisão, peticionar a anulação dos atos tributários de CSR imputados à referida sociedade incorporada;
  • Nos anos de 2019 a 2022, e no exercício da sua atividade comercial, a Requerente (enquanto B... e A...) adquiriu aos fornecedores D..., S.A. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede no ..., ...-... Porto Salvo) e E..., Lda. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa) um valor significativo de produtos energéticos e petrolíferos (cf. a tabela resumo junta como Documento 2 e correspondentes faturas juntas como Documento 3 - ambos anteriormente citados);
  • Tais produtos energéticos e petrolíferos estiveram sujeitos a impostos e demais encargos dos quais se destaca a CSR, a qual, como adiante melhor se densificará, foi repercutida à Requerente, no montante total de 150.865,22 no período em apreço (cf. os citados Documento 2 e 3);
  • A Requerente procedeu ao pagamento tempestivo das referidas faturas, tendo suportado integralmente o encargo de CSR.
  • O valor de CSR acima referido resulta de todos os atos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (‘ISP’) e CSR praticados pela Autoridade Tributária na sequência da apresentação das correspondentes Declarações de Introdução no Consumo submetidas no período correspondente àquela faturação e cuja identificação nesta sede é feita por referência ao disposto no n.º 2 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (‘LGT’), porquanto tais elementos se encontram “em poder da administração tributária” e ora são corretamente identificados;
  • Podendo (e devendo), desta forma, a Autoridade Tributária proceder à individualização dos referidos atos tributários, para todos os efeitos legalmente previstos, conforme adiante melhor se explicitará e o que desde já aqui se requer, nos termos do n.º 1 do artigo 429.º do Código de Processo Civil (‘CPC’), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
  • Note-se que a repercussão (económica e jurídica) do encargo económico de CSR sobre a Requerente resulta não só da natureza e mecânica do tributo em apreço, as quais melhor se densificarão mais adiante, mas também do reconhecimento expresso dos fornecedores anteriormente referidos de que o preço dos combustíveis vendidos à Requerente no período de 2019 a 2022 inclui a totalidade do valor correspondente à CSR (cf. as declarações que se juntam e se dão como reproduzidas como Documentos 5 e 6);
  • Acresce referir que, conforme consta de relatório de Análise ao Setor dos Combustíveis Líquidos Rodoviários em Portugal Continental, emitido pela Autoridade da Concorrência e disponível em www.concorrencia.pt – o qual versa sobre o comercializador de combustíveis ora em causa –, o preço do combustível engloba, entre outros, “[o]s custos de política fiscal e ambiental, que englobam os impostos diretos (ISP, CSR e ATC) e os impostos indiretos (IVA), bem como os custos de política ambiental, que compreendem os custos associados à incorporação de biocombustíveis” (cf. a página 39 do Documento 7 que se junta e se dá por reproduzido).
  • Ora, sem prejuízo do que adiante se esclarecerá quanto aos atos tributários impugnados, a Requerente não pode conformar-se com o indeferimento tácito do presente pedido de revisão e, consequentemente, com o valor que lhe foi imputado a título de CSR nas situações descritas, uma vez que este tributo foi liquidado em clara violação do Direito da União Europeia e das normas e princípios que lhe estão subjacentes, designadamente no que concerne à existência de “motivo específico” para os efeitos de tributação indireta não harmonizada que onere produtos sujeitos a Impostos Especiais de Consumo (‘IEC’), nos termos da Diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro – ilegalidade que naturalmente se estende às liquidações ora em crise.
  • Assim, face ao exposto, e considerando que os atos tributários de CSR, consubstanciados nas correspondentes liquidações – cujos elementos concretos estão na posse da Autoridade Tributária, correspondendo às liquidações de CSR decorrentes das Declarações de Introdução no Consumo entregues nos períodos referidos na tabela junta como Documento 2 - e refletidos nas faturas (cf. o citado Documento 3), se revelam em manifesta contradição com o Direito da União Europeia (o qual deve, entre nós, prevalecer sobre as disposições internas, conforme revemos).
  • Prosseguindo, a Requerente apresentou, em 28 de setembro de 2023, pedido de revisão dos atos tributários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º e da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT e, bem assim, na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT, expondo as razões de facto e de Direito na quais alicerça a sua pretensão e pelas quais entende que os mesmos devem ser totalmente anulados, com fundamento na respetiva ilegalidade e com as legais consequências (cf. o citado Documento 1).
  • Não tendo, até ao momento, a Autoridade Tributária se pronunciado sobre tal pedido, em manifesta violação do dever de decisão a que se encontra adstrita, nos termos do artigo 56.º da LGT, consubstanciou-se na ordem jurídica uma presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do n.º 4 do artigo 57.º da LGT, considerando o prazo de quatro meses que a mesma dispunha para emitir a sua decisão.
  • Desta forma, tendo o referido pedido de revisão oficiosa dado entrada nos competentes serviços da Autoridade Tributária em 29 de setembro de 2023, constata-se que a presunção do seu indeferimento tácito se deu em 29 de janeiro de 2024, estando agora em curso o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o qual termina em 1 de fevereiro de 2024 (cf. o citado Documento 1);
  • Assim, por não se conformar com o referido indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado e, consequentemente, com a manutenção, na ordem jurídica, dos atos tributários ora contestados, vem a Requerente apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, expondo adiante as razões de Direito nas quais alicerça a sua pretensão e pela quais entende que os mesmos devem ser totalmente anulados, com fundamento na respetiva ilegalidade, tudo com as legais consequências.
  • Apresentou Requerente as suas razões e fundamentos de direito para concluir pela ilegalidade da tributação por desconformidade da CSR com o direito da UE (União Europeia) com o consequente pedido de “(...)anulação das  liquidações de CSR refletidas nas Faturas acima identificadas, por ilegais, reembolsando-se a Requerente do montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data de pagamento até efetivo e integral reembolso, tudo com as legais consequências (...)”

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), e, em seguida, notificado à AT.
  3. Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, no prazo regulamentar, a aceitação do encargo.
  4. O Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica dessa designação, não tendo sido manifestada oposição por qualquer das partes.
  5. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20 de maio de 2024.
  6. Notificada pelo Tribunal nos termos regulamentares, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
  7. Em 18 de julho de 2024, as Requerentes pronunciaram-se por escrito sobre a matéria das exceções.
  8.  Por despacho do Tribunal, de 23 de julho de 2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, e pagarem a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixada data  para a notificação da decisão do litígio.
  9. Ambas as partes apresentaram as suas alegações finais em que, no essencial, mantiveram as posições defendidas anteriormente.

 

Posição da Requerida

  1. A Requerida alega, muito sumariamente, que as faturas em que a Requerente funda o pedido de anulação e reembolso da CSR, não são  atos de liquidação desse tributo, cuja liquidação é apurada através do Documento de Introdução ao Consumo (DIC); das faturas não resulta qualquer ato imputável à AT, tributário ou administrativo; não são identificados os atos de liquidação que a Requerente pretende ver sindicados; os combustíveis em causa foram adquiridos pela Requerente às suas fornecedoras D... SA e E..., Lda que, como titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP podem ter sido, mas não necessariamente, os sujeitos passivos das liquidações em causa; não são identificadas as DIC ou atos de liquidação concretos; a falta de prova de quem terá suportado originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR, não permite atestar a sua repercussão a jusante; invoca várias exceções, em especial e designadamente que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, qualificando a CSR como uma contribuição financeira, enquadrável como uma das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 3.º, n.º 2 da LGT, e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.
  2. Suscita também a Requerida  a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente pretende a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídico-constitucional, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação e conclui que se verifica a exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos vertidos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT; invoca ainda a AT diversas outras exceções, designadamente a  ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e por fim, a caducidade do direito de ação.

 

Posição da Requerente quanto às exceções

  1. Relativamente às exceções, a Requerente pronunciou-se nos termos do seu requerimento de 5-7-2024 em que conclui pela sua total improcedência

Questões a Apreciar

  1. A questão de mérito a decidir respeita à apreciação da compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários (de liquidação de CSR) impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.
  2. No entanto, a Requerida invocou múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.

 

Saneamento do processo

  1. Pelas razões que adinate serão aduzidas, o Tribunal é absolutamente competente para apreciar e decidir o litígio.
  2.  As partes estão devidamente representadas e, quanto à sua legitimidade, remete-se para as considerações e decisão adiante apresentadas.
  3. Sobre a possível e alegada ineptidão da petição inicial, ver-se-á infra que tal exceção não procede.

 

II Fundamentação

Factos Provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no âmbito da consultoria informática, dedicando-se à coordenação, implementação e execução de projetos nas áreas tecnológicas e de sociedade de informação;
  2. Em 2022, a Requerente, anteriormente denominada como B..., S.A., incorporou, através de fusão, a entidade C..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., tendo a sua denominação social sido alterada, por razões comerciais e de marketing, para A..., S.A. (Cf. o Documento 4 que se junta e se dá como reproduzido);
  3. Nos anos de 2019 a 2022, e no exercício da sua atividade comercial, a Requerente (enquanto B... e A...) adquiriu aos seus fornecedores D..., S.A. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede no ..., ..., ...-... Porto Salvo) e E..., Lda. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa) um valor de produtos energéticos e petrolíferos (cf. a tabela resumo junta como Documento 2 e correspondentes faturas juntas como Documento 3;
  4. Tais produtos energéticos e petrolíferos estiveram sujeitos a impostos e demais encargos dos quais se destaca a CSR...
  5. ...sendo que a Requerente não é sujeito passivo de tal tributo;
  6. A Requerente procedeu ao pagamento das referidas faturas;
  7. Alegando que nas citadas faturas pagas pela  Requerente se incluía, por repercussão, a CSR, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 28-9-2023,  pedido de revisão dos atos tributários (liquidação da CSR) e o reembolso da CSR com fundamento em ilegalidade desse tributo;
  8. Esse pedido de revisão ainda não tinha sido objeto de decisão à data de 8-3-2024 (data da apresentação do presente pedido arbitral no CAAD).

 

Factos NÃO Provados

18. Não se considera provado:

-  que a Requerente tenha suportado economicamente a CSR;

- que o valor da CSR devida tivesse sido incluída nas faturas identificadas supra,  em c., do elenco de factos provados

- qual ou quais os sujeitos passivos da CSR objeto destes autos.

Fundamentos da fixação da matéria de facto

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
  2. A convicção do Tribunal resulta do exame crítico de toda a prova documental e, designadamente,  das faturas emitidas à Requerente pela D..., SA e E..., Lda., sendo que não consta de tais documentos (faturas) qualquer referência à repercussão da CSR e tão pouco se demonstra quais foram os sujeitos passivos de ISP/CSR que terão sido responsáveis pela introdução no consumo do combustível rodoviário que a Requerente veio a adquirir às suas fornecedoras D..., SA e E..., Lda..
  3. Por outro lado, não deixa de relevar negativamente a análise das declarações genéricas daquelas fornecedoras de que atuaram enquanto sujeitos passivos do ISP/CSR e que repercutiram a jusante a CSR liquidada (a E... declara que atuou nuns casos enquanto mera intermediária na comercialização dos combustíveis), sem que qualquer dessas fornecedoras identifiquem as DIC ou os atos de liquidação subjacentes.  Portanto, declarações muita vagas e genéricas e que nada de concreto provam para além do fornecimento dos produtos faturados.
  4. Ou seja: não há prova inequívoca de quem terá suportado originária e efetivamente o encargo de liquidação da CSR, “conditio sine qua non” para se poder atestar ou demonstrar a sua repercussão a jusante, independentemente da relevância que essa matéria, ainda que provada, possa ter para a decisão. Como adiante melhor se verá.

 

Do Direito

Questões Prévias

  1. Sobre todas estas questões de direito, depois da devida ponderação e análise, segue-se, por vezes mesmo de muito  perto a Jurisprudência arbitral que tem considerado procedente, como se considerará,  a exceção de ilegitimidade (cfr., v. g., decisões proferidas nos processos n.ºs 296/2023-T[1], 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T.

Sobre a Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral

  1. A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque as Requerentes não identificaram os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. As Requerentes declinam esta argumentação e propugnam que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.
  2. O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT indica como nulidade insanável do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial, sem contudo esclarecer as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário [v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT], o disposto no código de processo civil (CPC) que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).
  3. No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

25.   O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

26. Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo as Requerentes a qualidade de sujeitos passivos da CSR, nem sendo substitutas tributárias, não lhes é exigível que disponham das liquidações correspondentes, uma vez que não são as destinatárias das mesmas nem participaram na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).

27. A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão das Requerentes e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, independente e naturalmente dos respetivos fundamentos.

  1. Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo o meio processual (ação arbitral tributária).
  2. Ou seja, o pedido, analisado pela forma que foi configurado pela Requerente,  reconduz-se à anulação, por ilegalidade, de atos de liquidação de CSR, não merecendo qualquer reparo.
  3. Tanto basta para que, no caso,  improceda a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.

 

Da Competência Material do Tribunal Arbitral

  1. A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[2]). Isto porque a Portaria de Vinculação[3], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)
  2. A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.
  3. Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.
  4. A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento[4], mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente, entre outras,  a proferida  no processo arbitral nº 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[5], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.
  5. Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).
  6. O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[6], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).
  7. No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.
  8. Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T: “Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.[…] Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
  9. No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.
  10. A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”. 
  11. Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à sua apreciação.

 

  1. A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos.  Contudo, não é assim.
  2. O pedido formulado pelas Requerentes é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.
  3. Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, a Requerente não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos autos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.
  4. A Requerida invoca ainda a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR. 
  5. Como descreve Sérgio Vasques “Os atos de repercussão materializam um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem[7].
  6. Independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa, ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (v. neste sentido Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
  7. Efetivamente, os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Muito embora as Requerentes solicitem a apreciação da ilegalidade dos atos de repercussão, o que visam são os atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais,  como acima dito, o Tribunal pode conhecer.
  8. Por fim, no tocante à incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição de valores, que segundo a Requerida, só pode ser apreciado em execução do julgado, tal só se verifica se a determinação do valor da liquidação a anular estiver dependente de operações que envolvam o exercício da atividade administrativa, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução da decisão se a quantificação do valor anulado não oferecer dúvidas e resultar de um cálculo aritmético simples, sem margem de apreciação administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 
  9. Assim, por oposição ao que a Requerida preconiza, não estão em juízo matérias às quais a AT não se tenha vinculado, nem pedidos que o Tribunal Arbitral não possa conhecer, pelo que soçobram as premissas de uma eventual inconstitucionalidade, que a Requerida invocou, mas não substanciou.
  10. Em face do exposto, improcede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR [v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT].

 

Da Ilegitimidade Ativa

  1. O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
  2. Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
  3. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
  4. Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídico-tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
  5. O CPPT consagra uma norma específica relativa à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
  6. No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
  7. Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT).
  8. E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
  9. Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
  10. Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[8], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
  11.  A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
  12. Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[9].
  13. De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo.
  14. Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidora de combustíveis, no sentido de consumidora final sobre a qual  recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”).
  15. Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
  16. Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse que é  titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
  17. Assim é que teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhes tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por elas suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes). 
  18. Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportara. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutida legal.
  19. Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, também se não diga que a Requerente ficou  desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
  20. De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr.  Acórdão do STA, de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03, com sublinhado nosso)
  21. ´Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (cfr. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
  22. A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007).
  23. Assim e conforme se declara no acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T e que já se aludiu supra mas que ora se repete “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações (sublinhado nosso) que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
  24. A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece, como também já anteriormente se deixou explicitado,  “podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
  25. Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
  26. Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.
  27. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T[10].
  28. Importa, ainda assinalar que, ao contrário de alguns diferentes entendimentos, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
  29. Os princípios (europeus) da equivalência e da efetividade não justificam a sua aplicação e pertinência à situação em análise. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.
  30. Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não o tendo demonstrado a Requerente). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
  31. Em face do exposto e em tempo de concluir: julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas e não apreciadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

III - Decisão

        Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:

 

  1. Julgar improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
  2. Julgar procedente a exceção de ilegitimidade ativa da Requerente para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR e, em consequência,
  3.  Absolver a Requerida da instância com esse fundamento;
  4. Julgar prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos e a apreciação do mérito do pedido e
  5. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo   atento o seu decaimento.

 

Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de 150.865,22, que corresponde à importância de CSR cuja anulação a Requerente pretende - valor   não contestado ou impugnado pela Requerida -, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

CUSTAS

Fixam-se as custas no montante de 3.672,00, a suportar pela Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

  • Notifique-se.

 

                Lisboa, 15 de novembro de 2024

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Revendo anterior posição expressa em decisões de Tribunais arbitrais a que presidiu, apesar de nem sempre com pressupostos de facto idênticos,

José Poças Falcão

(Presidente e relator)

 

 

António Alberto Franco

(Árbitro Adjunto) com declaração de voto

 

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

(Árbitro Adjunto)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não acompanhamos o sentido decisão, ao julgar verificada a excepção de ilegitimidade.

Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.

A CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Com efeito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Isto, aliás, na linha do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

Em suma, entendemos que a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é pretendida por lei, pois é a única forma de assegurar que “o financiamento da rede rodoviária nacional” seja “assegurado pelos respectivos utilizadores” e que a CSR seja a “contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

Há, desse modo, que concluir que se está perante repercussão legal, prevista na lei e por ela pretendida, e não perante repercussão económica

Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

Entendemos, por isso, estar justificada a legitimidade da Requerente no pedido arbitral formulado (enumeram-se, a título exemplificativo, neste sentido, as decisões arbitrais 676/2023-T, de 12-03-2024, 523/2023-T, de 24-01-2014, 491/2023-T, de 05-03-2024 ou 222/2024, de 02-09-2024).

 

O Árbitro Adjunto

 

 

           

(António A. Franco)

 

 



[1] Na decisão arbitral proferida em 01.02.2024, no Processo n.º 296/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Professor Doutor Vitor Calvete, assinala-se “Qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originaram a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC:  a do nº 2 do art.º 15 ()”. Esta norma dispõe que  (...) 2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto. 


 

 

[2] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.

[3] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

[4] V.decisões dos processos arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.

[5] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T,  702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.

[6] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.

[7] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399.

[8] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.

[9] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).

 

[10] Muito recentemente se seguiu esta mesma Doutrina, em decisão ainda não publicada proferida por Tribunal Coletivo presidido pelo mesmo árbitro que desempenha essas funções neste processo e que se segue particularmente de muito perto (Proc nº 357/2024-T).