Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2024-T
Data da decisão: 2024-11-08  IRC  
Valor do pedido: € 82.254,54
Tema: IRC – RFAI – CFI – Benefícios fiscais - Ónus da prova
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Sumário:

A norma constante do n.º 1 do art. 100.º do CPPT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Luísa Anacoreta e Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 9 de maio de 2024, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A... LDA, doravante designada apenas como “Requerente”, titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC) ..., com sede social em ..., tendo sido notificada, do despacho proferido pelo Chefe de Divisão (de Justiça Tributária) da Direção Finanças de ..., nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa n.º ...2023... em que se contestou a legalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2022 ... que ora se juntam como Documentos n.º 1 e n.º 2 vem, quer contra o despacho do Senhor Chefe de Divisão (de Justiça Tributária) da Direção Finanças de ...  que decide a reclamação graciosa, quer  contra o ato de liquidação acima identificado, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2 alínea a), no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conjugado com o disposto no artigo 99.º, alínea a) e artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do aludido RJAT -, apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 28 de fevereiro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 9 de maio de 2024.

Em 17 de junho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).

Foi proferido despacho em 13 de setembro de 2024, com o seguinte conteúdo:

  1. “Designa-se o dia 10 de outubro de 2024, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
  2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A audiência foi realizada, e ambas as partes apresentaram alegações.

 

Posição da Requerente

A Requerente é uma sociedade de direito português a qual prossegue, no âmbito do seu objeto as seguintes atividades:

  • PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA
  • FABRICAÇÃO DE PRODUTOS À BASE DE CARNE
  • FABRICAÇÃO DE REFEIÇÕES E PRATOS PRÉ-COZINHADOS
  • ARMAZENAGEM FRIGORÍFICA

Para efeitos fiscais, a ora Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.

Importa, ainda e antes de mais, destacar que a Requerente sempre cumpriu de forma diligente as suas obrigações tributárias, declarativas e de pagamento de imposto, sendo a sua atuação exemplar nas interações com a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

Nos termos do atual artigo 89.º do Código do IRC, recai sobre a Requerente a obrigação de (auto)liquidação do IRC (e, naturalmente, a entrega prévia da Modelo 22), enquanto sujeito passivo deste imposto.

Em cumprimento da aludida obrigação fiscal, a Requerente tempestivamente entregou a Declaração de Rendimentos Modelo 22, referente ao período de tributação de 2019 conforme cópia que ora se junta sob o Documento n.º 3.

Posteriormente, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributaria, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2022... .

Realizados os atos materiais de inspeção, a AT considerou existirem motivos suficientes para a realização de correções à matéria coletável e em sede de benefícios fiscais no período em análise.

As referidas correções foram externalizadas através do Relatório Final de Conclusões.

As correções promovidas respeitam a, entre outras:

V.1. – Em sede de IRC – correções aritméticas à matéria tributável

V.1.1 -Consideração indevida de encargos com ativos depreciáveis como gastos do período - 25.341,63 €

V.1.2 -Dedução à matéria coletável de benefício fiscal de donativos e gastos associados - 3.900,00 €

Imposto em falta em sede de IRC

V.1.4 Dotação de beneficio RFAI indevido de 2019 - 179.896,71 €;

Assim, em resultado das conclusões alcançadas no referido procedimento de inspeção tributária a AT praticou o ato de liquidação de IRC 2022 ... (cfr. cit. Documento n.º 1)

Por não se poder conformar com a legalidade do ato de liquidação praticado, a Requerente apresentou a competente reclamação graciosa (cuja cópia ora se junta sob o Documento n.º 2).

Corridos os trâmites legais, o Senhor Diretor de Finanças de ... decidiu que o ato de liquidação não padece de nenhum dos vícios imputados pelo que, em consequência, indeferiu a reclamação graciosa (cfr. cit. Documento n.º 2)

A Requerente vê-se, pois, obrigada a trilhar a via arbitral de forma a defender os seus legítimos direitos e interesses, e a remoção da ordem jurídica das ilegalidades externalizadas no referido ato de liquidação visando-se, a final, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, da liquidação adicional e, consequentemente, a sua anulação.

Iniciemos, pois, a nossa análise pelo enquadramento do ponto V.1.4 Dotação de benefício RFAI indevido de 2019 (€ 179.896,71), por ser este o objeto do presente pedido de pronuncia arbitral

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), criado pela Lei n.º 10/2009 , de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013, bem como o mesmo regime incluído no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de  outubro, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão de 6 de Agosto (2007-2013), e do Regulamento (UE) n.º 651/2014  da Comissão , de 16 de junho (2014-2020), respetivamente.

Segundo o § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho (doravante designado por RGIC), os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto.

Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável.

O mesmo parágrafo acrescenta, ainda, que nas regiões que satisfazem as condições previstas na alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), onde se insere a região Centro (região onde a Empresa tem a sua sede), os auxílios com finalidade regional podem ser concedidos para promover:

a) criação de novos estabelecimentos;

b) extensão da capacidade de um estabelecimento existente;

c) diversificação da produção de um estabelecimento ou

d)mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

Por sua vez, o n.º 49 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho, considera, no âmbito dos auxílios com finalidade regional, um investimento inicial:

a) "Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com:

  • criação de um novo estabelecimento,
  • aumento da capacidade de um estabelecimento existente,
  • diversificação da produção de um estabelecimento, para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou
  • mudança   fundamental   do processo de produção   global   de um estabelecimento existente;

b) Uma aquisição de ativos pertencentes a um estabelecimento que tenha fechado ou teria fechado se não tivesse sido adquirido, desde que seja adquirido por um investidor não vinculado ao vendedor e exclua a mera aquisição das ações de uma empresa ".

Dando cumprimento ao espírito e ao estipulado nos regulamentos comunitários acima referidos, para além do enquadramento do investimento numa das tipologias acima referidas, é exigido às entidades o cumprimento cumulativo de várias condições.

 

DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE CARNE

No que se refere aos produtos à base de carne refere a AT no ponto 57. do Relatório de inspeção (“RIT”):

“(…) 57. Assim, no caso dos produtos fabricados pela empresa, à base de carne, enquadram-se no Capítulo 16 – “Preparados de carne, peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos” (no caso do SP de base 1602 - Outras preparações e conservas de carne, de miudezas ou de sangue), da Nomenclatura de Bruxelas, a que se refere o Anexo I do TFUE sendo, portanto, considerados produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do Regulamento UE n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC), pelo que as atividades em concreto desenvolvidas nesse âmbito, ainda que compreendidas nos códigos CAE 10130 ou 10850, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado, encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar. (…)”

O fundamento das correções em causa assenta na alegada falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito de aplicação do RFAI;

Neste contexto, importa desde logo sublinhar que a produção de preparados / refeições à base de carne e peixe implica, na maioria dos casos a aplicação à matéria-prima em causa (carne ou peixe) de diversas técnicas de transformação mais ou menos complexas e muitas vezes incluindo a adição de várias substâncias que alteram significativamente o seu estado original (veja-se por exemplo, os rissóis de carne, de camarão, de pescada, os croquetes de carne, os pasteis de bacalhau, etc).

Ou seja, o facto de terem produtos agrícolas como ingrediente principal não implica que os produtos/refeições produzidos e comercializados pela Requerente devam ser considerados também eles como produtos agrícolas, muito menos que a atividade de produção e comercialização dos mesmos pela Requerente deva ser considerada uma atividade agrícola e/ou piscícola.

Com efeito, os processos produtivos levados a cabo pela Requerente alteram de forma muito significativa as matérias-primas utilizadas, sendo os produtos finais produzidos comercializados enquanto preparados/refeições e não como produtos agrícolas e/ou piscícolas.

Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal entenda estar em causa o desenvolvimento de uma atividade de transformação de produtos agrícolas em produtos que mantêm a natureza agrícola – no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se concebe –, a dedutibilidade à coleta das quantias em causa não estará em todo o caso prejudicada, uma vez que ainda assim a atividade da Requerente se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI. 

Como resulta do teor do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas atividades.

Aliás, nem seria constitucionalmente admissível a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais por tal via, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

Enquanto tal, e sendo que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar.

Assim, e como se referiu já nas Decisões Arbitrais proferidas nos Proc. n.º 220/2020-T e 169/2021-T do CAAD, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às atividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as atividades abrangidas.

Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das atividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».

Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas atividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas atividades, extravasando a competência objetiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das atividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a «necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anot., 4ª edição, volume II, pág. 78), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)» (obra e local citados), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (vide a ante citada Decisão Arbitral Proc. n.º 220/2020-T).

Assim, é ilegal e não conforme à Constituição  basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, na justa medida em que tal disposição (infra) legal não pode ser usada para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.

O acto de liquidação em causa, e também a decisão da reclamação graciosa que o manteve, são, pois, ilegais, por violação das sobreditas disposições legais, devendo o Tribunal declarar a sua ilegalidade e anulá-los.

No entanto, o próprio número 1 do artigo 22º do CFI, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM FUNDAMENTO EM SE TRATAR DE ACTIVIDADES EXCLUÍDAS DO ÂMBITO SECTORIAL DE APLICAÇÃO DAS OAR E DO RGIC

 

Importa também, analisar a possibilidade de afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC

Resulta da  alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), que se visou com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».

O artigo 2.º do CFI elenca as atividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora» [alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC.

O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».

Contudo, a AT defende que a atividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as atividades de «transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» estão excluídas do âmbito do RFAI.

Coloca-se, portanto, a questão de saber se a atividade de transformação de produtos à base de carne exercida pela Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013), e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.

Como infra melhor se demonstrará, não está.

 

DA EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELA APLICAÇÃO DAS OAR

 No que concerne às OAR, a Autoridade Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:

 10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

Deve ser salientado que na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

Ora, a AT entende que os produtos transformados e comercializados pela Requerente não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem.

Assim, no entender – errado -, da AT os mesmos mantêm, assim, não obstante a transformação operada pela Requerente, a natureza de produtos agrícolas.

Daí, e considerando as normas que antecedem, uma vez que as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, conclui pela inegibilidade dos investimentos feitos pela Requerente (e aqui postos em crise), para efeitos desse benefício fiscal.

No entanto, salienta a Requerente que à luz do §10 (e respetiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola – e ao contrário do entendimento perfilhado pela Autoridade Tributária –, a atividade de transformação de carne em refeições e outros produtos alimentares não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respetiva produção.

De novo seguindo o prolatado nas mencionadas Decisões Arbitrais, designadamente na Decisão referente ao Proc. n.º 220/2020-T, em tribunal coletivo presidido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, tal significa, desde logo, que a liquidação em causa enferma de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal.

Donde se conclui que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de produtos à base de carne, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

 

DA EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELA APLICAÇÃO DO RGIC

No que se refere à exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC, importa referir o seguinte: A Autoridade Tributária entendeu que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º.

No caso em apreço, é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC como «transformação de produtos agrícolas», «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda».

E por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição (11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

Na verdade, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço (i.e.., efetivamente o RFAI não é um auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa (…) nem é um auxilio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários), tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

Pelo que, mesmo considerando que os produtos transformados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 16 do Anexo I do TFUE e na posição 1602, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017, como se sustentou no RIT, ainda assim, os investimentos e a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.

Pelo exposto, conclui-se que a atividade da Requerente em causa se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade.”

Destarte, não existem dúvidas que o acto de liquidação praticado pela AT (tal como a decisão da reclamação graciosa), é ilegal por violação das sobreditas disposições legais, devendo ser anulado(s) em conformidade por praticados com violação das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária (“LGT”)).

 

 

DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE PEIXE

Importa, ainda, aludir ao enquadramento geral efetuado pela AT no que respeita à elegibilidade da atividade da recorrente para o RFAI, no que respeita aos produtos à base de peixe.

Refere a AT no RIT:

“9. O n.º 2 do art.º 1.º do CFI estabelece que «O regime de benefícios contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílio com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)».

10. Conforme referido no nº 1 do artº 22º do CFI, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artº 2.º do CFI, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

11. Assim, as questões relativas ao RFAI têm sempre de ser lidas e entendidas não só à luz da legislação interna (CFI e regulamentação constante das respetivas portarias), como também do Regulamento ao abrigo do qual foi criado (RGIC) e das OAR.(…)”

Mais é referido  que:

“13. Analisada a atividade desenvolvida pela empresa suscitam-se dúvidas quanto ao âmbito e real destino do referido investimento (…).

20. Relativamente aos restantes CAE, 10201, 10130 e o 10850, importa também aqui fazer algumas considerações. Esses CAE, como se enquadram na divisão 10 e nesta medida inseridas no previsto na alínea b) do artigo 2.º da Portaria 282/2014, ou seja, atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código da CAE compreendido nas divisões 10 a 33, parecem poder beneficiar do RFAI. Contudo, há de que atender ao previsto no corpo do artigo, a inicio, em que também é bem explícito quando refere “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”.

21. As restrições em causa são as indicadas no art º1 da Portaria 282/2014 em conformidade com as OAR e com o RGIC, ou seja, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimentos que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da pesca e da aquicultura, e da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), pelo que importa compreender se as atividades do SP enquadradas na divisão 10 dos CAE se podem considerar nessa exceção de não elegibilidade para efeitos de RFAI. Recorde-se, que nos termos do próprio n.º 1 do artigo 22.º do CFI se exceciona expressamente os investimentos em atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação do RGIC e das OAR.

22. Ora, nem a referida portaria, nem a restante legislação mencionada aplicável ao RFAI, definem o que se deve entender, em concreto, por setor da «pesca e da aquicultura», ou «transformação de produtos agrícolas» e «produto agrícola».

23. Importa assim, a nosso ver, compreender o âmbito dos CAE em causa e a real atividade prosseguida pelo SP, com a articulação legal para o efeito de aplicação do RFAI.

24. Sobre o CAE principal do SP, o 10201 (PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA), importa desde logo compreender porque não é admissível para efeitos de aplicação do RFAI.

25. Esse CAE 10201 Compreende as atividades que alteram a integridade anatómica dos produtos da pesca e da aquicultura, tais como, a evisceração, o descabeçamento, o corte, a filetagem, a esfola, o descasque e o picado, seguidas de acondicionamento ou de embalagem e, se necessário, de refrigeração ou congelação.

26. Conforme consta das OAR, para as quais remete o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, concretamente no ponto 10, encontram-se excluídos do seu âmbito de aplicação alguns setores de atividade, entre os quais, o “setor da pesca e da aquicultura”, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, remetendo, quanto a este setor de atividade para o Regulamento (CE) n.º 104/2000 do Conselho, de 17 de dezembro de 1999, (entretanto revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013) que estabelecia a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura.

27. Por sua vez, o RGIC estabelece, na sua alinea a) do n.o 3 do artigo 1.o, que: “O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios: a) Auxílios concedidos no setor da pesca e da aquicultura, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura (…)”.

28. Ou seja, de entre as atividades excluídas do âmbito sectorial das OAR e do RGIC encontram-se a pesca e a aquicultura.

29. Nem a referida portaria, nem a restante legislação mencionada aplicável ao RFAI, definem diretamente o que se deve entender, em concreto, por setor da pesca e da aquicultura.

30. Porém, das alíneas a), b) e d) do artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, para o qual remete a alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC, constam as seguintes definições:

§ Alínea a) - "Produtos da pesca", os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de pesca ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I;

§ Alínea b) - "Produtos da aquicultura", os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de aquicultura, em qualquer estádio do seu ciclo de vida, ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I;

§ Alínea d) - "Setor da pesca ou da aquicultura", o setor da economia que inclui todas as atividades de produção, transformação e comercialização dos produtos da pesca ou da aquicultura.

 

Conforme consta nas alíneas a) e b) do artigo 5º do Regulamento (UE) nº 1379/2013, o seu Anexo I identifica que produtos se classificam como os produtos de pesca e da aquicultura.

Nesses produtos estão incluídos os seguintes:

Código nomenclatura combinada – Designação das mercadorias

1604 – Preparações e conservas de peixes; caviar e seus sucedâneos preparados a partir de ovas de peixe.

31. Ou seja, o setor da pesca e da aquicultura, é definido como o sector da economia que inclui todas as atividades de produção, transformação e comercialização dos produtos da pesca ou da aquicultura, sendo, que os produtos que devam ser classificados como tal, se encontram previstos no Anexo I do Regulamento(EU) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, pelo que se conclui que as atividades desenvolvidas no âmbito do CAE 10201 (“Preparação de produtos da pesca e da aquicultura”), se enquadram no setor da pesca ou da aquicultura estando assim excluídas do âmbito de aplicação setorial das OAR e do RGIC e, consequentemente, do RFAI, pelo que não podem beneficiar do referido regime.”

No entanto, errou a AT ao referir, nos seguintes pontos do RIT:

59. O mesmo se aplica aos produtos com peixe, que se não enquadrados no capitulo 16 e eventualmente enquadrados no capitulo 19 - preparações á base de cereais, de farinhas, amidos, féculas ou leite; produtos de pastelaria – na posição 1902, nomeadamente na nomenclatura 1902 20 103, a qual se encontra também prevista no Anexo I do Regulamento(EU) n.º 1379/2013,

 

se têm como enquadradas assim no setor da pesca ou da aquicultura estando por isso excluídas do âmbito de aplicação setorial das OAR e do RGIC e, consequentemente, do RFAI, pelo que não podem beneficiar do referido regime.”

Por outro lado, refere ainda, na nota 3 de rodapé nas páginas 37 e 38 do RIT:

“(…) 3 Embora em geral, para diferentes clientes e países distintos, tenhamos identificado a utilização homogénea dos códigos de nomenclatura identificados no quadro acima, verificamos uma exceção a essa regra no caso de vendas para um cliente no Canadá, em que para produtos idênticos aos para outros referidos clientes, foi contudo utilizada uma identificação de nomenclatura diferente, agrupando quase a totalidade dos produtos, como por ex: rissóis de camarão e pasteis de bacalhau, na nomenclatura 19022099 - Outras massas alimentícias recheadas.

Parece-nos que tais nomenclaturas usadas neste caso específico, divergem sem razão do usado de forma coerente para outros clientes e destinos (países) diferentes e resulta no acima identificado. Aliás, será de referir que nos anos seguintes (por ex., logo em 2020), para esse mesmo cliente do Canadá já foram utilizadas as nomenclaturas das posições 1604 (ex: 16041997 rissóis de camarão e 16041992 - preparações bacalhau), e 1605 (ex: 16052190 - outras preparações de camarão).

De referir, a título exemplificativo, a razão de ser de um rissol de camarão ser enquadrado no capitulo 16, na nomenclatura 1605.29.00, tem em conta o previsto na nota 2 desse capitulo, ou seja, que se incluem neste capitulo “as preparações alimentícias …, desde que contenham mais de 20% em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos. Quando essas preparações contiverem dois ou mais dos produtos acima mencionados, incluem-se na posição do Capítulo 16 correspondente ao componente predominante em peso.

Estas disposições não se aplicam aos produtos recheados da posição 1902”. Por outro lado, a al. a) da nota 1 do capítulo 19 refere que este capitulo não compreende “com exclusão dos produtos recheados da posição 1902, as preparações alimentícias que contenham mais de 20%, em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixe ou crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos (Capítulo 16)”. Assim a nomenclatura que a nosso ver seria eventualmente mais próxima de ser seguida nesse caso não deveria ser “outros” (1902.20.99) mas eventualmente a 1902.20.10, ou seja, “Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo) que contenham, em peso, mais de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos”.

A AT tem o dever de descobrir a verdade material.

Parece-nos obvio que ao desenvolver a sua linha de raciocínio neste sentido a AT tenta aproveitar um erro de enquadramento estatístico da Recorrente (erro sem consequências económicas para as partes envolvidas) para argumentar que tais produtos deveriam ser enquadrados nas nomenclaturas 1604 e 1605 ou 1902 20 10.

Fê-lo, não porque corresponda à verdade, mas apenas por ser o entendimento que permite, ilegitimamente, potenciar as receitas tributárias.

Importa referir que as alíneas a) e b) do artigo 5º do Regulamento (UE) nº 1379/2013, remetem para o seu Anexo I para efeitos de identificação dos produtos que se classificam como produtos de pesca e da aquicultura.

Nesses produtos estão incluídos os seguintes:

1604 – Preparações e conservas de peixes; caviar e seus sucedâneos preparados a partir de ovas de peixe.

1605 - Crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou em conservas

1902 20 – Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo):

1902 20 10 – Que contenham, em peso, mais de 20 % de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos

Torna-se assim importante determinar se os produtos em questão se enquadram, ou não, nas nomenclaturas 1604, 1605 ou 1902 20 10.

O capítulo 16 esclarece o seguinte:

CAPÍTULO 16 PREPARAÇÕES DE CARNE, DE PEIXES OU DE CRUSTÁCEOS, DE MOLUSCOS OU DE OUTROS INVERTEBRADOS AQUÁTICOS

Notas 1. O presente Capítulo não compreende as carnes, miudezas, peixes, crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou conservados pelos processos enumerados nos Capítulos 2, 3 ou na posição 0504. 2. As preparações alimentícias incluem-se no presente Capítulo, desde que contenham mais de 20% em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos. Quando essas preparações contiverem dois ou mais dos produtos acima mencionados, incluem-se na posição do Capítulo 16 correspondente ao componente predominante em peso. Estas disposições não se aplicam aos produtos recheados da posição 1902, nem às preparações das posições 2103 ou 2104.

Por sua vez o código 1902.20.10 estabelece o seguinte:

1902.20 - Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo): 1902.20.10 - Que contenham, em peso, mais de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos

Para os produtos que contenham peixe, as principais referencias vendidas pela Recorrente são:

  • Pastel e patanisca de bacalhau;
  • Rissol de Camarão e Rissol de pescada.

Se procurarmos pela definição de rissol e pastel, temos:

 Rissol: pastel com recheio de carne, peixe, legumes ou outros ingredientes, feito de massa de farinha de trigo cozida, panado e, geralmente, frito (ex.: rissóis de camarão).

Pastel: Massa de farinha de trigo frita ou cozida no forno e recheada de carne, camarão, galinha, queijo etc.

Portanto, para os produtos mais representativos das vendas que contém peixe (Rissol de camarão ou pescada e pastel e patanisca de bacalhau), poderemos dizer, sem qualquer dúvida, que todos são feitos à base de massa.

Portanto, o seu enquadramento, para este efeito, deveria ter sido feito no capítulo 19 e não no capítulo 16 (como a AT invocou).

Sendo os pasteis e rissóis massas alimentícias, resta-nos determinar se os mesmos têm, em peso, mais ou menos de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos.

Quanto aos rissóis de pescada, os mesmos têm menos de 20% de peixe no seu peso total. De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 21% de pescada). Significa que 9,03% do peso total (43% * 21%) é composto por pescada.

Tal pode ser constatado pelo documento anexo como Documento 5, bem como ficha técnica apresentada pela empresa como Documento 6 - Este documento refere: “1 unidade de 42g contém aproximadamente 9% de pescada”

Quanto aos rissóis de Camarão, os mesmos também têm menos de 20% de peixe no seu peso total.

De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 23% de camarão). Significa que 9,89% do peso total (43% * 23%) é composto por camarão. Tal pode ser constatado pelo documento anexo como Documento 7, bem como ficha técnica apresentada pela empresa como Documento 8. Este documento refere: “1 unidade de 42g contém aproximadamente 9,9% de camarão”

 

            Concluindo-se então que os rissóis de camarão e de pescada têm menos de 20% de peixe na sua composição, não estando abrangidos pelo Regulamento (EU) n.º 1379/2013, e como tal, não estão excluídos da aplicação do RGIC, sendo assim elegíveis para efeitos de RFAI.

E tal verificação seria de relativa facilidade, bastando que a AT procedesse à verificação da composição dos produtos disponível em qualquer embalagem dos mesmos, conforme verificámos nos Documentos 5 a 8.

 

DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA CONCRETA NATUREZA DOS INVESTIMENTOS

Importa ainda, analisar a concreta natureza dos investimentos realizados, sendo que, a AT alega o seguinte no Relatório de Inspeção Tributária:

“(…) 67. Face aos investimentos indicados no âmbito do MAR2020, destaca-se como o mais relevante a ampliação da unidade fabril da A..., conforme se torna evidente em 2019 pela indicação dos investimentos concluídos nesse ano, em particular do imóvel no montante indicado para apoios de 1.885.120,20€. Alem desse investimento, indicou ainda a aquisição de uma linha de fritura no montante de 160.000,00€, um “drive-in” para as camaras frigorificas de 55.000,00€ e um porta paletes de 5.721,00€.

68. Ora, é precisamente neste ponto que importa sublinhar que os restantes investimentos, em análise, e que o SP entendeu colocar no âmbito do RFAI, teriam de se destacar completamente do MAR2020, não podendo ser minimamente complementares deste, pois nesse caso integrariam o mesmo CAE, o qual já vimos não ser admissível para efeitos do RFAI.

69. Porém, considerando apenas os investimentos indicados de forma isolada para efeitos do RFAI, não se identifica capacidade autónoma desses investimentos que evidencie potencial de por si só obter o aumento da capacidade noutra atividade do SP, designadamente na indicada por si que seria na do CAE 10850.

(...)

74. Releva também destacar ao nível do equipamento a complementaridade dos investimentos para o Mar2020 de outros não incluídos nesse, e afetos em grande parte ao RFAI. Por exemplo, repare-se que no Mar2020, em 2019, foi efetuado um investimento numa linha de fritura, sendo que no RFAI encontramos investimentos em sistemas de extração de ar com referência à fritadeira, como também sistemas de congelamento, também estes notoriamente necessários e complementares ao produto saído da linha de fritura. Mais será de destacar no encadeamento de armazenagem no RFAI, tudo pelo mesmo fornecedor (Storainox).

76. Face ao descrito, entende-se que os investimentos indicados para efeitos do RFAI, não reúnem condições para serem considerados de modo próprio e independente capazes de se traduzir num único investimento que conduza ao aumento da capacidade de produção. O investimento identificado que o permitiria de facto, está intimamente associado ao efetuado no principal no âmbito do programa Mar2020, quer o aumento de instalações (no âmbito do Mar2020) e todos os trabalhos conexos e associáveis a esse (ainda que não incluídos no Mar2020 e deixados no RFAI), quer também e em especial a nova linha de fritura que se encontra no Mar2020 e que de facto potencia o aumento da produção. Os investimentos indicados no RFAI são em grande medida complementares e indissociáveis dessa realidade global de investimento, não tendo “vida própria” para se individualizar como um investimento inicial único capaz de por si só aumentar a produção.

77. Acresce, considerando essa realidade global, e o facto do programa do Mar2020 se destinar especificamente ao âmbito do CAE 10201 - PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA, não colhe a indicação que o SP fez de os investimentos no âmbito do RFAI se destinarem exclusivamente à atividade do CAE 010850 FABRICAÇÃO DE REFEIÇÕES E PRATOS PRÉ-COZINHADOS, pois notoriamente não se pode dissociar os investimentos em causa do CAE principal 10201, e assim, face ao referido e justificado antes quanto a essa temática do enquadramento das atividades para efeitos do RFAI, não podem os investimentos em causa ser aceites no âmbito deste beneficio fiscal (…)”.

Em face do que deixa descrito, parece que a AT entende que para se justificar o aumento de capacidade nos termos do RFAI, o contribuinte teria de criar uma fábrica “nova” de raiz (com aquisição de todos os equipamentos que compõem uma linha de produção de preparados de carne e/ou peixe).

Não é, manifestamente, o caso.

O aumento da capacidade produtiva pode ser justificado pela aquisição de um conjunto de equipamentos específicos que, sem os mesmos, a aquisição de outros equipamentos não originaria um aumento da capacidade produtiva.

A empresa poderia, por exemplo, já deter um conjunto de fritadeiras que lhe permitiria, em teoria, duplicar a produção, mas sem o sistema de frio e congelamento adequado à dimensão das mesmas, o aumento da capacidade produtiva não existia.

Portanto, a aquisição dos equipamentos efetuados em 2019 e incluídos no RFAI proporcionaram o aumento da capacidade produtiva, pois sem eles não era permitido, efetivamente, produzir a quantidade de preparados de carne e/ou peixe que os seus clientes solicitavam.

E, saliente-se, a Requerente justificou o aumento da capacidade, nomeadamente através do dossier RFAI, cuja referência é feita, inclusive, no RIT: “7.O SP indicou ainda que os investimentos efetuados em 2019 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +3,66%”.

De facto, no dossier RFAI apresentado à AT é feita a justificação do aumento da capacidade.

Salientamos o seguinte:

Atendendo aos investimentos efetuados verificou-se o aumento de capacidade produtiva, tendo o Valor Bruto da Produção já registado, em 2019, um incremento, conforme se descreve infra:

 

 

Justificação esta tendo sido aceite em inúmeros casos similares, pela AT em sede de inspeção tributária. No entanto, sobre esta justificação apresentada pela Requerente, a AT não se pronuncia no seu RIT.

 

DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA ALEGADA FALTA DE CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO

Aqui chegados impõe-se a análise da questão relacionada com a criação de postos de trabalho.

Vem a AT, em sede de relatório final de inspeção, e no que diz respeito a criação de postos de trabalho, considerar que a Requerente não cumpria com a condição de criação de postos de trabalho, com base na argumentação elencada nos pontos 78. a 90.

Com efeito vem afirmar “De acordo com as definições atrás indicadas, tem de se considerar a média dos doze meses precedentes com o final do ano, situação através da qual se constata que o SP teria uma média de apenas 68,5 trabalhadores (dez/18 a nov/19), contra 69 no final do ano (dez/19), pelo que não se verifica assim a criação de pelo menos 1 posto de trabalho liquido (a diferença é de apenas +0,5).”

Ora, a AT conclui tal pretensão pela sua análise aos elementos obtidos na acção inspectiva e aos constantes na documentação de suporte ao RFAI 2019.

Todavia, com o devido respeito, a análise efetuada pela Autoridade Tributária não corresponde à realidade dos factos, no contexto do preenchimento das condições de criação de postos de trabalho para efeitos de RFAI, apurando conclusões erróneas.

Assim, no ano de 2019 a empresa procedeu à criação de, pelo menos, 1 posto de trabalho, por via dos investimentos incluídos no âmbito do RFAI.

            Igualmente invoca ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, por falta de fundamentação.

 

Posição da Requerida

Das correções em sede IRC, promovidas pela IT, a requerente apenas contesta uma parte das mesmas, em divergência parcial com o pedido de reclamação graciosa, a saber:

 

Consideramos que a liquidação adicional ora contestada relativa ao IRC do exercício de 2019 e mesmo a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2023..., não deverão ser consideradas na sua totalidade, mas expurgadas daquelas correções que a requerente tacitamente aceita; com os necessários reflexos ao nível do valor da causa.

Dado que a Requerente não contesta a totalidade das correções promovidas pelos SIT, e os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e pela causa de pedir, o Tribunal Arbitral não pode apreciar nem declarar a ilegalidade total das liquidações, já que estas se encontram influenciadas por outras correções para além da especificamente contestada.

       A Requerente A... LDA, NIPC..., com sede na ... ..., está inscrita para o exercício da atividade principal “Preparação de produtos da pesca e da aquicultura”, com o CAE 10201.

       O pedido é apresentado com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que se reconduzem, em parte, aos já apresentados aquando do procedimento de Reclamação Graciosa. Especificando:

       DA ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO (PONTO VI4 DO RELATÓRIO)

       Antes de mais, importa realçar os seguintes pontos:

  • O SP 1. Indicou na documentação de suporte ao RFAI que o investimento em causa se enquadra no CAE 10850 Fabricação de refeições e pratos pré-cozinhados.
  • Indicou ainda que os investimentos efetuados em 2019 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +3,66%, contudo de forma completamente genérica sem demonstrar em que medida o investimento concreto era capaz de gerar mais produção.
  • Que os investimentos em causa no RFAI salientados como principais foram os seguintes: Sistema de arrefecimento - Starfrost Helix HS-600C - descrito como sistema altamente eficiente de frio, que permite congelamento ou arrefecimento de produtos alimentícios;
  • Construção civil – B..., Lda - , descrito como referente ao aumento da unidade fabril; Electricista – C..., Lda – descrito como decorrente da ampliação das instalações incluindo sistema de deteção de incêndios;
  • Considerando o tipo de investimentos, por si só não constituem evidência de investimento capaz de justificar aumento de produção, só se associado como complementar ao restante incluído no âmbito do projeto Mar2020.
  • Essa questão é abordada nos pontos 63 e seguintes do RIT sobre o RFAI. O âmbito do programa de apoio denominado MAR2020 encontra-se, integrado na medida “Promover a comercialização e a transformação dos produtos da pesca e aquicultura”, visou a “transformação dos produtos da pesca e aquicultura”, sendo objetivo da candidatura por parte do SP “aumento da capacidade produtiva da empresa e a melhoria da sua competitividade”, e como é possível observar nos dados de candidatura o CAE para o efeito é o principal do SP 10201, o qual, fica fora do âmbito de aplicação do RFAI conforme descrito no RIT.
  • Indicou ainda que cumpria todas as demais condições, inclusive a criação de postos de trabalho, no caso no total de 1, sem que tenha efetuado a associação da forma como os investimentos elencados contribuíram ou se associam ao posto de trabalho concretamente criado/indicado.

      

       DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE CARNE

       No ponto 46.º da petição refere a requerente que “Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».

       Ora, a portaria definiu o CAE com essa restrição, até porque seria ilegal não o ressalvar, sob pena de contrariar a legislação europeia.

       Apesar de o artigo 2º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, identificar os CAE`s da

indústria transformadora (“b) Indústrias transformadoras — divisões 10 a 33”) para efeitos da

aplicação do previsto no artigo 2º nº 2 do CFI, é importante salientar que no início desse mesmo artigo, ficou desde logo estabelecido que “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”.

       Aliás o artigo 22º nº 1 do CFI, que remete para o art.º 2.º n.º 3 do CFI, refere logo que o RFAI  não é aplicável às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, e nos termos do artigo 1º da Portaria nº 282/2014, que se aplica ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22º do CFI, o RFAI não é aplicável às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

       O fundamento das correções em causa assenta na falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito de aplicação do RFAI, mas esta defende que “o facto de terem produtos agrícolas como ingrediente principal não implica que os produtos/refeições produzidos e comercializados pela Requerente devam ser considerados também eles como produtos agrícolas, muito menos que a atividade de produção e comercialização dos mesmos pela Requerente deva ser considerada uma atividade agrícola e/ou piscícola. (…) Com efeito, os processos produtivos levados a cabo pela Requerente alteram de forma muito significativa as matérias-primas utilizadas, sendo os produtos finais produzidos comercializados enquanto preparados/refeições e não como produtos agrícolas e/ou piscícolas. (…) Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal entenda estar em causa o desenvolvimento de uma atividade de transformação de produtos agrícolas em produtos que mantêm a natureza agrícola – no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se concebe –, a dedutibilidade à coleta das quantias em causa não estará em todo o caso prejudicada, uma vez que ainda assim a atividade da Requerente se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI.

 

       DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM FUNDAMENTO EM SE TRATAR DE ACTIVIDADES EXCLUÍDAS DO ÂMBITO SECTORIAL DE APLICAÇÃO DAS OAR E DO RGIC

      

       DA EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELA APLICAÇÃO DAS OAR

       Aqui defende “que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de produtos à base de carne, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais. (…) E, como tal, conclui-se que, no presente caso em análise, satisfazem-se as condições não de um (como é exigido), mas de dois dos instrumentos de auxílio referidos:

       a. b. das OAR (como se demonstrou nesta secção), bem como do RGIC (como se demonstrará na secção seguinte).”

       Alega a requerente no seu ponto 61 que “a AT entende que os produtos transformados e comercializados pela Requerente não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem.

       Ora, não é a AT que refere, mas o anexo I ao TFUE para qual é remetida o enquadramento destas atividades:

       a) O artigo 22º nº 1 do CFI prevê que, para efeitos de RFAI, não são elegíveis as atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC. A Portaria nº 282/2014 de 30/12, para a qual nos remete o artigo 22º nº 1 do CFI, refere que em conformidade com as OAR e RGIC, não são elegíveis para o benefício fiscal do RFAI, os investimentos relacionados com a atividade económica de "transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)".

       b) A Portaria nº 297/2015, de 21/09 refere nº 1 do artigo 2º que, para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria nº 282/2014, de 30/12, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22º do CFI, aplicam-se as definições relativas a atividades

económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC.

       c) Assim, será nas definições previstas no artigo 2º do RGIC que se encontrará resposta a

duas questões fundamentais:

       c.1.) Qual o conceito de transformação de produtos agrícolas?

       De acordo com a alínea 10) do art. 2º do RGIC, "Transformação de produtos agrícolas", é “qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda.”

       c.2.) O que se entende por produto agrícola?

       De acordo com a alínea 11) do art. 2º do RGIC, "Produto agrícola", é “um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013”

      

       A EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELA APLICAÇÃO DO RGIC

       Alega “que a atividade da Requerente em causa se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade.”

       Relembre-se que, a Portaria n.º 282/2014 e o n.º 2 do artigo 2.º do CFI constituem normas de execução e concretização dos princípios e regras da OAR e do RGIC, sempre em conformidade com os artigos 107.º a 109.º do TFUE. Ou seja, para além do RGIC, devem também ser observadas as OAR, uma vez que podem trazer restrições a estes auxílios.

       Ora, é neste contexto que importa ter presente as OAR, onde estão bem claras as diretrizes que devem ser seguidas nesta matéria. A fundamentação não se baseou na mera exclusão do RGIC.

       Através do disposto no ponto 10) das OAR, verificamos logo que se encontra excluído do seu   âmbito de aplicação o setor de atividade económica da agricultura: “10) A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica(9), com exceção da pesca e da aquicultura(10), da agricultura(11) e dos transportes(12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações”

       Na nota de rodapé (11) esclarece-se o seguinte: “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.

       Da leitura do ponto 10 constatamos ainda que a Comissão refere expressamente que aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional “à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”, o que implica que, ad contrarium, as OAR não serão aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.

       Acresce que a nota de rodapé refere explicitamente que os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e não às OAR.

       Importa novamente relembrar o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no nº 2 do artigo 2º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no nº 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

       Deste modo, resta-nos então confirmar qual o âmbito setorial de aplicação definido nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola (Jornal Oficial da União Europeia n.º C 204/1, de 1 de julho de 2014). O considerando (20) do ponto 2.2. Âmbito de aplicação das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola refere o seguinte: “As presentes orientações aplicam-se aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas”

       Logo, estas atividades não integram o âmbito sectorial de aplicação das OAR.

      

       DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE PEIXE

 

       Neste segmento vem a requerente tentar demonstrar que “os rissóis de camarão e de pescada têm menos de 20% de peixe na sua composição, não estando abrangidos pelo Regulamento(EU) n.º 1379/2013, e como tal, não estão excluídos da aplicação do RGIC, sendo assim elegíveis para efeitos de RFAI”.

       Mais invoca a violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo por consequência a errada conclusão sobre a elegibilidade para o RFAI dos produtos transformados pela Recorrente. “Este “estado de coisa” eiva o procedimento de violação do Princípio da Boa-fé, previsto nos artigo 6.°-A do CPA e de deficit instrutório e de fundamentação. (…) Decorre da factualidade supra deduzida, ter existido uma absoluta falta de actividade instrutória condigna, com violação dos princípios nucleares do procedimento administrativo, sobretudo do princípio da boa-fé, nas suas sub-vertentes de princípio da materialidade subjacente e da tutela da confiança. (…) Consequentemente, e atendendo ao errado enquadramento pela AT de produtos elegíveis para RFAI em produtos não elegíveis (nomeadamente, as massas alimentícias que contém menos de 20% de peixe na sua composição), há que reconhecer e declarar a ilegalidade da liquidação que também constitui o objecto do presente pedido de pronuncia arbitral, por vício de violação de lei, determinando- se a sua anulação, porque praticadas com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”

       No fundo, a requerente sustenta a questão da dúvida no facto de se ter efetuado a referência a alguns produtos que foram inseridos capitulo 19 do Anexo I do Regulamento(EU) n.º 1379/2013, diferentemente da maioria das vezes em que o fez no capitulo 16, vindo agora alegar que era tudo no capitulo 19, designadamente na nomenclatura combinada 19022099 –  Outras massas alimentícias recheadas.

       A inspeção desenvolveu as diligências que entendeu relevantes, e baseou-se na documentação que teve acesso e é referida no relatório. O SP teve conhecimento das diligências da IT e da posição e fundamentação da mesma conforme o projeto de relatório que lhe foi notificado, e quisesse “esclarecer” ou acrescentar algo mais relativamente à leitura que esta estava a fazer, teria nesse momento a janela de oportunidade de o fazer, contudo, optou por não o fazer.

       Importa assim, sobretudo, clarificar a posição agora assumida pelo SP e se o que alega faz

sentido e tem o enquadramento que faz.

       A IT diligenciou no sentido de procurar perceber o enquadramento, e nada omitiu quanto às dúvidas que lhe suscitaram os elementos recolhidos, caso contrário nem poderia o SP fazer a alusão a essa mesma dúvida e explorá-la para seu proveito argumentativo.

       Baseou a sua análise em elementos documentais probatórios relevantes, associados à sua faturação e classificação de acordo com as nomenclaturas combinadas, identificadas em documentação alfandegária de exportação dos seus produtos, e fez uso das mesmas para melhor enquadrar os produtos comercializados pelo próprio SP.

       Esse enquadramento encontra-se sintetizado no quadro resumo exposto no ponto 53 do ponto V.I.4 do RIT:

       A tabela seguinte resume de forma relativamente abrangente vários tipos dos produtos comercializados e a base na classificação pautal seguida nas exportações do SP:

 

 

       Assim, por uma questão de economia processual, reafirma-se assim tudo o que vem exposto nos pontos do RIT sobre a referida temática.

       Face ao descrito, às classificações usadas regra geral pelo SP na identificação dos bens exportados de acordo com os códigos na nomenclatura combinada, cai por terra o sugerido pelo SP, que os produtos têm menos de 20% de peixe, caso contrário não faria sentido as classificações que o próprio usou, regra geral, nos documentos de exportação.

       Há, pois, que atender que os 20% em peso se refere ao total dos “enchidos” composto no todo ou em parte por peixe, moluscos, carne ou outra mistura (“as preparações alimentícias…, desde que contenham mais de 20% em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos”), ou seja, é relevante que a parte de enchido seja superior em 20% do peso, e por essa razão a distinção da massa e do recheio (o enchido) não ocorre por acaso, concluindo-se que no caso da pescada ou camarão, sendo o recheio em ambos de 43% se constituam assim como um enchido composto por esse superior a 20%, e nessa medida classificados em conformidade.

       Os elementos usados têm origem em dados sobre o próprio SP, em operações comerciais de exportação e respetivos documentos de suporte, sendo as classificações usadas em geral coerentes que dão uma margem de segurança e confiança substancial, e foram por isso a base de avaliação seguida pela IT, concluindo que os produtos comercializados, como os rissóis de camarão ou de pescada (como outros, mesmo que de carne), invariavelmente se devem ter por classificadas no capitulo 16 - Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos do Anexo I do Tratado.

       DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA CONCRETA NATUREZA DOS INVESTIMENTOS

       Valem aqui todas as conclusões que resultam da análise vertida no RIT, para cujo conteúdo integral se remete (pontos 63 a 75 do RIT), não são os argumentos da requerente aptos a contrariar tal entendimento, pois que ignoram por completo a real motivação para a sua desconsideração por parte da AT e, consequentemente, não contrariam em nada as conclusões a que a mesma chegou no âmbito do procedimento de inspeção:

       “76. Face ao descrito, entende-se que os investimentos indicados para efeitos do RFAI, não reúnem condições para serem considerados de modo próprio e independente capazes de se traduzir num único investimento que conduza ao aumento da capacidade de produção. O investimento identificado que o permitiria de facto, está intimamente associado ao efetuado no principal no âmbito do programa Mar2020, quer o aumento de instalações (no âmbito do Mar2020) e todos os trabalhos conexos e associáveis a esse (ainda que não incluídos no Mar2020 e deixados no RFAI), quer também e em especial a nova linha de fritura que se encontra no Mar2020 e que de facto potencia o aumento da produção. Os investimentos indicados no RFAI são em grande medida complementares e indissociáveis dessa realidade global de investimento, não tendo “vida própria” para se individualizar como um investimento inicial único capaz de por si só aumentar a produção.

       77. Acresce, considerando essa realidade global, e o facto do programa do Mar2020 se destinar especificamente ao âmbito do CAE 10201 - PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA, não colhe a indicação que o SP fez de os investimentos no âmbito do RFAI se destinarem exclusivamente à atividade do CAE 010850 FABRICAÇÃO DE REFEIÇÕES E PRATOS PRÉ-COZINHADOS, pois notoriamente não se pode dissociar os investimentos em causa do CAE principal 10201, e assim, face ao referido e justificado antes quanto a essa temática do enquadramento das atividades para efeitos do RFAI, não podem os investimentos em causa ser aceites no âmbito deste beneficio fiscal.”

 

       DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA ALEGADA FALTA DE CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO

       O que está efetivamente em causa na verificação não criação do posto de trabalho, é o facto de que: “ainda que a criação de postos de trabalho possa não ficar prejudicada se o(s) trabalhador(es) elegível(is) desempenhar(em) funções auxiliares, é relevante, porém, que os postos de trabalho tenham sido proporcionados pelo próprio investimento, o que no caso não se verifica de uma forma clara, (…), em particular ao procurar-se justificar a criação de postos de trabalho meses antes do investimento estar terminado e sem que seja clara uma associação evidente do posto de trabalho com os investimentos em si.

       O SP não demonstrou de forma distinta os postos de trabalho afetos às eventuais diferentes atividades (CAE), pelo que é assim indeterminável os que se encontram afetos ao CAE 10850, atividade que alega ser a relacionada com o investimento.”

       O que está em causa é a evidente falta de ligação causal direta do posto de trabalho criado ao investimento realizado.

       E é justamente esta a situação do caso que nos ocupa: o SP não demonstrou que a criação do posto de trabalho tenha sido proporcionada diretamente e de forma causal, pelo investimento efetuado, como pode ler-se nos pontos 78 a 90 do RIT (para cuja leitura integral se remete).

       Assim, o SP não demonstrou reunir as condições exigíveis para poder beneficiar do incentivo fiscal do RFAI, designadamente por não demonstrar cumprir com a condição de criação de postos de trabalho prevista pela al. f) do nº 4 do artigo 22º do CFI diretamente ligados e proporcionados pelo investimento em causa.

            II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.

Quanto ao incidente do valor do processo, vem a Requerida contestar o valor, pelo facto de o mesmo não corresponder à liquidação de IRC. Ora, arbitragem tributária, o valor do pedido é relevante para efeitos de determinação da composição do tribunal arbitral, que pode ser singular ou coletivo, nos termos do artigo 5.º do RJAT, e de fixação de custas, ou seja, da taxa de arbitragem. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do RJAT, “[p]ela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”.

O artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária (RCAT) dispõe que a taxa de arbitragem é fixada em função do valor da causa, estabelecendo o n.º 2, que o valor da causa é fixado de acordo com artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que este artigo dispõe, no seu n.º 1, alínea a), que o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, é, quando seja impugnada a liquidação, o da “importância cuja anulação se pretende”. Esta remissão do artigo 3.º do RCAT para o artigo 97.º-A do CPPT deve ser vista como uma concretização do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que elenca o direito subsidiariamente aplicável.

A expressão “importância cuja anulação se pretende”, não tem que corresponder literal e necessariamente ao valor constante da liquidação, podendo antes abranger, além deste, como sucede no caso concreto, o valor respeitante ao imposto em causa que já tenha sido pago e se considere passível de reembolso no caso de procedência da ação. Assim é, desde logo, porque esse reembolso só terá lugar se a anulação se reportar, nos seus efeitos, também ao montante que já tenha sido pago por conta do imposto, por via da reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos previstos no artigo 100.º da LGT.

Esta interpretação é a que melhor se adequa à referência feita na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT, à “indicação do valor da utilidade económica do pedido”, como um dos requisitos do pedido de constituição do tribunal arbitral a apresentar pelo Requerente, referência essa que pode ser legitimamente interpretada como “uma definição (ainda que apenas ligeiramente) mais detalhada, do conceito do valor do pedido constante do artigo 5.º do RJAT .

Por conseguinte, e por forma a não esvaziar de sentido o disposto nos artigos 5.º e 10.º do RJAT, que associam o valor do pedido à respetiva utilidade económica, entende este Tribunal que o valor do pedido é de € 82.254,54 tal como propugnado pela Requerente na medida em que aquele valor reflete com rigor a utilidade económica relevante para efeitos do artigo 10.º, n.º2, alínea e), do RJAT.

Um contencioso de plena jurisdição a nível tributário, a divisibilidade dos actos tributários e a possibilidade de anulação parcial dos mesmos confirma a utilidade económica como critério de determinação do valor do processo.   

 

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português a qual prossegue, no âmbito do seu objeto as seguintes atividades:
  • PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA
  • FABRICAÇÃO DE PRODUTOS À BASE DE CARNE
  • FABRICAÇÃO DE REFEIÇÕES E PRATOS PRÉ-COZINHADOS
  • ARMAZENAGEM FRIGORÍFICA
  1. Para efeitos fiscais, a ora Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.
  2. Nos termos do atual artigo 89.º do Código do IRC, recai sobre a Requerente a obrigação de (auto)liquidação do IRC (e, naturalmente, a entrega prévia da Modelo 22), enquanto sujeito passivo deste imposto.
  3. Em cumprimento da aludida obrigação fiscal, a Requerente tempestivamente entregou a Declaração de Rendimentos Modelo 22, referente ao período de tributação de 2019 conforme cópia que ora se junta sob o Documento n.º 3.
  4. Posteriormente, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributaria, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2022... .
  5. Realizados os atos materiais de inspeção, a AT considerou existirem motivos suficientes para a realização de correções à matéria coletável e em sede de benefícios fiscais no período em análise.
  6.  As referidas correções foram externalizadas através do Relatório Final de Conclusões.
  7. As correções promovidas respeitam a, entre outras:
  • V.1. – Em sede de IRC – correções aritméticas à matéria tributável
  • V.1.1 -Consideração indevida de encargos com ativos depreciáveis como gastos do período - 25.341,63 €
  • V.1.2 -Dedução à matéria coletável de benefício fiscal de donativos e gastos associados - 3.900,00 €
  • Imposto em falta em sede de IRC
  • V.1.4 Dotação de benefício RFAI indevido de 2019 - 179.896,71 €;
  1. Assim, em resultado das conclusões alcançadas no referido procedimento de inspeção tributária a AT praticou o ato de liquidação de IRC 2022... (cfr. cit. Documento n.º 1)
  2. A Requerente apresentou a competente reclamação graciosa (cuja cópia ora se junta sob o Documento n.º 2).
  3. Corridos os trâmites legais, o Senhor Diretor de Finanças de ... decidiu que o ato de liquidação não padece de nenhum dos vícios imputados pelo que, em consequência, indeferiu a reclamação graciosa (cfr. cit. Documento n.º 2).

 

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, na prova produzida na audiência de inquirição e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Mérito

IV.A. Da questão decidenda

            Estão em causa na presente decisão as seguintes matérias:

  • DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE CARNE
  • DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM FUNDAMENTO EM SE TRATAR DE ACTIVIDADES EXCLUÍDAS DO ÂMBITO SECTORIAL DE APLICAÇÃO DAS OAR E DO RGIC
  • DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE PEIXE
  • DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA CONCRETA NATUREZA DOS INVESTIMENTOS
  • DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA ALEGADA FALTA DE CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO
  • ILEGALIDADE DA DECISÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

 

A questão essencial que aqui se coloca é a de saber se, para efeitos de aferição da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IRC ora em causa, foi ou não feita a prova, por parte da Requerente (ou a demonstração da falta dessa prova por parte da AT), da verificação dos requisitos para aplicação dos benefícios fiscais em sede de RFAI – visto que a decisão e as liquidações ora em causa basearam-se no entendimento de que os seguintes benefícios fiscais não podem ser aplicados em várias matérias:

  • Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de carne;
  • Do afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC;
  • Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de peixe;
  • Do afastamento do benefício fiscal com base na concreta natureza dos investimentos;
  • Do afastamento do benefício fiscal com base na alegada falta de criação de postos de trabalho.

 

A este respeito, é necessário notar, antes do mais, que, como decorre da factualidade dada como provada, como aliás foi reconhecida pela Requerida na Resposta e na audiência de inquirição, pela ausência de perguntas na contra inquirição: 

  • O SP 1. Indicou na documentação de suporte ao RFAI que o investimento em causa se enquadra no CAE 10850 Fabricação de refeições e pratos pré-cozinhados.
  • Indicou ainda que os investimentos efetuados em 2019 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +3,66%, contudo de forma completamente genérica sem demonstrar em que medida o investimento concreto era capaz de gerar mais produção.
  • Que os investimentos em causa no RFAI salientados como principais foram os seguintes: Sistema de arrefecimento - Starfrost Helix HS-600C - descrito como sistema altamente eficiente de frio, que permite congelamento ou arrefecimento de produtos alimentícios;
  • Construção civil – B..., Lda - , descrito como referente ao aumento da unidade fabril; Electricista – C..., Lda – descrito como decorrente da ampliação das instalações incluindo sistema de deteção de incêndios;
  • Considerando o tipo de investimentos, por si só não constituem evidência de investimento capaz de justificar aumento de produção, só se associado como complementar ao restante incluído no âmbito do projeto Mar2020.
  • Essa questão é abordada nos pontos 63 e seguintes do RIT sobre o RFAI. O âmbito do programa de apoio denominado MAR2020 encontra-se, integrado na medida “Promover a comercialização e a transformação dos produtos da pesca e aquicultura”, visou a “transformação dos produtos da pesca e aquicultura”, sendo objetivo da candidatura por parte do SP “aumento da capacidade produtiva da empresa e a melhoria da sua competitividade”, e como é possível observar nos dados de candidatura o CAE para o efeito é o principal do SP 10201, o qual, fica fora do âmbito de aplicação do RFAI conforme descrito no RIT.
  • Indicou ainda que cumpria todas as demais condições, inclusive a criação de postos de trabalho, no caso no total de 1, sem que tenha efetuado a associação da forma como os investimentos elencados contribuíram ou se associam ao posto de trabalho concretamente criado/indicado.

 

Tendo presente o acima exposto, cabe agora determinar se, como alega a Requerente, os seguintes atos de correção da liquidação de IRC são ilegais, a saber:

“V.1. – Em sede de IRC – correções aritméticas à matéria tributável

V.1.1 -Consideração indevida de encargos com ativos depreciáveis como gastos do período - 25.341,63 €

V.1.2 -Dedução à matéria coletável de benefício fiscal de donativos e gastos associados - 3.900,00 €

Imposto em falta em sede de IRC

V.1.4 Dotação de benefício RFAI indevido de 2019 - 179.896,71 €;”

 

 

 

Com base nos elementos que foram trazidos aos presentes autos, verifica-se que não tendo sido trazidos aos autos provas ou indícios fundados que contrariem a pretensão da Requerente para além do que já resultou do ato inspetivo:

  • Quanto ao afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de carne:

            Conforme resultou do afirmado pela Requerente e não contrariado pela Requerida, a produção de preparados / refeições à base de carne e peixe implica, na maioria dos casos a aplicação à matéria-prima em causa (carne ou peixe) de diversas técnicas de transformação mais ou menos complexas e muitas vezes incluindo a adição de várias substâncias que alteram significativamente o seu estado original (veja-se por exemplo, os rissóis de carne, de camarão, de pescada, os croquetes de carne, os pasteis de bacalhau, etc).

            Ou seja, o facto de terem produtos agrícolas como ingrediente principal não implica que os produtos/refeições produzidos e comercializados pela Requerente devam ser considerados também eles como produtos agrícolas, muito menos que a atividade de produção e comercialização dos mesmos pela Requerente deva ser considerada uma atividade agrícola e/ou piscícola.

            Com efeito, os processos produtivos levados a cabo pela Requerente alteram de forma muito significativa as matérias-primas utilizadas, sendo os produtos finais produzidos comercializados enquanto preparados/refeições e não como produtos agrícolas e/ou piscícolas.

            Ademais, enquanto tal, e sendo que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar.

 

  • Quanto ao afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC;

            A AT defende que a atividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as atividades de «transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» estão excluídas do âmbito do RFAI.

            Coloca-se, portanto, a questão de saber se a atividade de transformação de produtos à base de carne exercida pela Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013), e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.

            Salienta a Requerente, algo que não é contestado pela Requerida, que que à luz do §10 (e respetiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola – e ao contrário do entendimento perfilhado pela Autoridade Tributária –, a atividade de transformação de carne em refeições e outros produtos alimentares não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respetiva produção.

            De novo seguindo o prolatado nas mencionadas Decisões Arbitrais, designadamente na Decisão prolatada no Proc. n.º 220/2020-T, em tribunal coletivo presidido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, tal significa, desde logo, que a liquidação em causa enferma de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal.

            No que se refere à exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC, importa referir o seguinte: A Autoridade Tributária entendeu que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

            No que se refere à exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC, a Autoridade Tributária entendeu que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

            No caso em apreço, é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC como «transformação de produtos agrícolas», «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda».

            E por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição (11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

            Na verdade, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

            Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço (i.e.., efetivamente o RFAI não é um auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa (…) nem é um auxílio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários), tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

            Pelo que, mesmo considerando que os produtos transformados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 16 do Anexo I do TFUE e na posição 1602, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017, como se sustentou no RIT, ainda assim, os investimentos e a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.

 

  • Quanto ao afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de peixe:

            De acordo com a Requerente, e não contestado devidamente pela Requerida, para os produtos mais representativos das vendas que contém peixe (Rissol de camarão ou pescada e pastel e patanisca de bacalhau), poderemos dizer, sem qualquer dúvida, que todos são feitos à base de massa.

            Acompanhamos inteiramente o que a Requerente invoca, a saber:

            “Portanto, o seu enquadramento, para este efeito, deveria ter sido feito no capítulo 19 e não no capítulo 16 (como a AT invocou).

            Sendo os pasteis e rissóis massas alimentícias, resta-nos determinar se os mesmos têm, em peso, mais ou menos de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos.

            Quanto aos rissóis de pescada, os mesmos têm menos de 20% de peixe no seu peso total. De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 21% de pescada). Significa que 9,03% do peso total (43% * 21%) é composto por pescada.

Tal pode ser constatado pelo documento anexo como Documento 5, bem como ficha técnica apresentada pela empresa como Documento 6 - Este documento refere: “1 unidade de 42g contém aproximadamente 9% de pescada”

            Quanto aos rissóis de Camarão, os mesmos também têm menos de 20% de peixe no seu peso total.

            De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 23% de camarão). Significa que 9,89% do peso total (43% * 23%) é composto por camarão. Tal pode ser constatado pelo documento anexo como Documento 7, bem como ficha técnica apresentada pela empresa como Documento 8. Este documento refere: “1 unidade de 42g contém aproximadamente 9,9% de camarão”

            Concluindo-se então que os rissóis de camarão e de pescada têm menos de 20% de peixe na sua composição, não estando abrangidos pelo Regulamento (EU) n.º 1379/2013, e como tal, não estão excluídos da aplicação do RGIC, sendo assim elegíveis para efeitos de RFAI.

            E tal verificação seria de relativa facilidade, bastando que a AT procedesse à verificação da composição dos produtos disponível em qualquer embalagem dos mesmos, conforme verificámos nos Documentos 5 a 8.”

 

  • Quanto ao afastamento do benefício fiscal com base na concreta natureza dos investimentos:

            Aqui, parece que a AT entende que para se justificar o aumento de capacidade nos termos do RFAI, o contribuinte teria de criar uma fábrica “nova” de raiz (com aquisição de todos os equipamentos que compõem uma linha de produção de preparados de carne e/ou peixe).

            Não é, manifestamente, o caso.

            O aumento da capacidade produtiva pode ser justificado pela aquisição de um conjunto de equipamentos específicos que, sem os mesmos, a aquisição de outros equipamentos não originaria um aumento da capacidade produtiva.

            A empresa poderia, por exemplo, já deter um conjunto de fritadeiras que lhe permitiria, em teoria, duplicar a produção, mas sem o sistema de frio e congelamento adequado à dimensão das mesmas, o aumento da capacidade produtiva não existia.

            Portanto, a aquisição dos equipamentos efetuados em 2019 e incluídos no RFAI proporcionaram o aumento da capacidade produtiva, pois sem eles não era permitido, efetivamente, produzir a quantidade de preparados de carne e/ou peixe que os seus clientes solicitavam.

            E, saliente-se, a Requerente justificou o aumento da capacidade, nomeadamente através do dossier RFAI, cuja referência é feita, inclusive, no RIT: “7.O SP indicou ainda que os investimentos efetuados em 2019 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +3,66%”.

            De facto, no dossier RFAI apresentado à AT é feita a justificação do aumento da capacidade.

  •       Quanto ao afastamento do benefício fiscal com base na alegada falta de criação de postos de trabalho.

            Neste ponto, a AT conclui tal pretensão pela sua análise aos elementos obtidos na ação inspetiva e aos constantes na documentação de suporte ao RFAI 2019.

            Todavia, com o devido respeito, a análise efetuada pela Autoridade Tributária não corresponde à realidade dos factos, no contexto do preenchimento das condições de criação de postos de trabalho para efeitos de RFAI, apurando conclusões erróneas.

            Assim, no ano de 2019 a empresa procedeu à criação de, pelo menos, 1 posto de trabalho, por via dos investimentos incluídos no âmbito do RFAI.

           

            Igualmente invoca ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, por falta de fundamentação, mas resulta evidente, pela leitura dos presentes autos, que, não tendo havido a necessária demonstração (ou demonstração que pudesse dissipar as fundadas dúvidas que a Requerente levantou a esse respeito, também nestes autos) de que se está perante adiantamentos por conta de lucros, a AT limita-se a concluir que os gastos ora em causa não são enquadráveis nos diferentes regimes já identificados:

  • Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de carne;
  • Do afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC;
  • Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de peixe;
  • Do afastamento do benefício fiscal com base na concreta natureza dos investimentos;
  • Do afastamento do benefício fiscal com base na alegada falta de criação de postos de trabalho.

Assim, e em face da prova produzida nestes autos – a qual não permite sustentar ou confirmar o afastamento do benefício fiscal nas cinco situações identificadas supra –, não se poderá ignorar que, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

No mesmo sentido expresso nesta decisão arbitral, vd., por ex.: “[tendo a recorrente sido] diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, [pode], sem margem para qualquer dúvida, reclamar a aplicação da regra prevista no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.” (Ac. do TCAN de 3/2/2022, proc. 00058/10.4BEBRG); “[...] acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflita uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos, ou seja, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre ‘(...) a bondade da gestão empreendida (...)’, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinada despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos. Assim sendo, neste domínio, porque o preceito existe e tem de ter aplicabilidade prática, apenas não será de aceitar como custos fiscais relevantes e, por isso, dedutíveis, aqueles que, independentemente de corresponderem a uma correta ou incorreta atuação de gestão, não forem, objetivamente, adequados ao desenvolvimento da atividade da empresa. [...]. Se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objeto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável. [...]. [...] ainda que se considere que a correção efetuada tem amparo no art. 23.º do CIRC, não resulta que de tal desconsideração se possa inexoravelmente concluir que os valores em causa se tratavam de adiantamentos por conta de lucros, sendo que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT” (Ac. do TCAS de 16/10/2012, proc. 05014/11); “[se relacionadas com o objeto social da sociedade recorrida] não pode a Fazenda Pública desconsiderar como custos [...] [as] viagens e estadias do sócio [...] sem que tal correção se deva considerar como entrando pelo campo, verdadeiramente subjetivo, da boa (ou má) gestão empresarial e da consequente e efetiva relevância dos ditos custos no conjunto dos proveitos obtidos pelo sujeito passivo [...]. Por outras palavras, é entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. art. 23.º, n.º 1, do CIRC), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. ac. STA-2.ª Secção, 21/04/2010, rec. 774/09; ac. STA-2.ª Secção, 13/02/2008, rec. 798/07; ac. TCASul-2.ª Secção, 17/11/2009, proc. 3253/09).” (Ac. do TCAS de 16/10/2014, proc. 06754/13); “Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. [...]. Não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas devidamente suportadas em documentos idóneos, contabilizadas em conformidade e estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.” (Ac. do TCAS de 30/6/2022, proc. 750/09.6 BELRS).     

Assim, e em face do supra exposto, conclui-se que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como as liquidações de IRC, ora em causa, são ilegais por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação das mesmas, com as demais legais consequências.

 

IV.B. Dos Juros indemnizatórios

A Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT. Nos termos do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Decorre, ainda, do n.º 5 do art. 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso dos autos, é manifesto que, atendendo à ilegalidade dos actos impugnados, pelas razões apontadas, a Requerente efetuou o pagamento de importância indevida.

Assim sendo, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (vd. artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e artigo 61.º do CPPT).

 

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar o pedido totalmente procedente, com as legais consequências;
  2. Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.

 

  1. Valor do Processo

            Fixa-se ao processo o valor de € 82.254,54, indicado pela Requerente (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

            Custas no montante de € 2 754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

 

Lisboa, 8 de novembro de 2024

 

Os árbitros,

 

Guilherme W. d'Oliveira Martins

(Presidente)

 

Luísa Anacoreta

 

 

Nuno Pombo