Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 261/2024-T
Data da decisão: 2024-11-07  Selo  
Valor do pedido: € 578.647,96
Tema: Revisão Oficiosa. Autoliquidações de Imposto de Selo. Exceções: meio processual adequado e caducidade do direito de ação.
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

Sumário

 

I - O recurso à impugnação judicial, de que o processo arbitral tributário constitui um meio alternativo, ou à acção administrativa especial depende de o conteúdo do acto impugnado, respectivamente, comportar ou não a apreciação da legalidade do acto de liquidação.  

II - A rejeição liminar de um pedido de revisão oficiosa, por não se verificar erro imputável aos serviços, não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, não sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, ou o pedido de pronúncia arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

          Os árbitros Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (árbitro-presidente), Dr. Nuno Miguel Morujão e Dra. Maria da Graça Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-05-2024, acordam no seguinte:

         

          1. Relatório e saneamento

 

A..., S.A., sociedade com o número de pessoa colectiva..., com sede na ... n.º..., ...-... Lisboa (doravante “o Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista a declaração quer a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, Informação n.º ...-ISCPS1/2023 – PRO ...2023..., quer a ilegalidade das autoliquidações de Imposto do Selo da requerente relativas aos meses de janeiro de 2019 a dezembro do ano de 2020, na identificada parte referente à incidência sobre comissões ou descontos em aquisição de créditos em operações com TPA (comissões ou descontos estes mais conhecidos por TSC), e que sejam consequentemente anuladas nessa parte, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, cujo montante de imposto ascende a € 578.647,96. O Requerente pede ainda reembolso desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “AT”, ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-02-2024.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 15-04-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 07-05-2024.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral em 12-06-2024, com defesa por exceção e impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho deste Tribunal, de 11-09-2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (cf. artigos 16.º, alínea c), e 29.º, n.º 2, do RJAT). O Requerente foi notificado para apresentar a sua defesa quanto às exceções invocadas pela AT, e as Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas.

 

Em 20-09-2024, o Requerente apresentou alegações e manteve o entendimento preconizado no PPA. A Requerida apresentou alegações, em 23-09-2024, remetendo para a posição expressa na resposta.

 

***

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma pessoa coletiva com sede em território nacional, que de acordo com os seus estatutos, tem por objeto o exercício da atividade própria das instituições de crédito, dedicando-se à obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, juntamente com os seus recursos próprios, em todos os setores da economia, na sua maior parte sob a forma de aplicações em instituições de crédito no País e no estrangeiro, bem como na concessão de empréstimos a clientes empresas e particulares, tendo inclusive outro tipo de atividades, designadamente compra e venda de bens imobiliários, a que correspondem os códigos CAE 64190 (outra intermediação bancária).

 

  1. O Requerente procedeu, com respeito aos meses de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, a autoliquidações de Imposto do Selo sobre comissões/descontos em aquisição de créditos em operações em terminais de pagamento automático (TPA), comissões ou descontos estes mais conhecidos por Taxa de Serviço ou de Desconto do Comerciante (TSC), conforme descrito no seguinte quadro:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. INFORMAÇÃO N.º ...-ISCPS1, a págs 2 a 4 do Documento 4 junto ao PPA, e cf. Documentos 1 a 3 juntos ao PPA).

 

  1. Em 20-02-2023, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, no qual contestou as liquidações em matéria de Imposto de Selo da Verba 17 da TGIS (Tabela Geral de Imposto de Selo), respeitante aos períodos de tributação de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, no montante total de € 578.647,96. de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, conjugado com o n.º 1 do artigo 23.º e artigos 41.º e 44.º, todos do CIS, referentes às várias autoliquidações de Imposto do Selo (e respetivo pagamento) pelo Requerente.

 

  1. A 11-09-2023 foi proferido pelo Sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, ao abrigo da sua subdelegação de competências, despacho de rejeição liminar e consequentemente arquivamento do pedido de revisão oficiosa interposto, com a seguinte fundamentação:

 

“E considerando o início da contagem dos prazos legais, as datas das Guias de autoliquidação do imposto do selo, forçosamente se terá de trazer à colação a intempestividade do presente pedido, visto que, não se verifica o pressuposto de erro imputável aos serviços:

• O pedido sob exame comporta igualmente uma questão de direito e não um mero erro material, a qual, nos termos por nós dirimidos, não cabe, para efeitos da norma, no conceito de "erro imputável ao serviço", ademais quando estamos diante de uma “autoliquidação”;

• O n.º 1 do art.º 78.º da LGT prevê que o pedido de revisão oficiosa seja efetuado por iniciativa do contribuinte respeitando, claro está, o prazo de interposição de reclamação administrativa de um ato de liquidação - i.e. a reclamação graciosa;

• O prazo de reclamação administrativa, no caso de "autoliquidação", fixa-se, in casu, consabido, no limite temporal em 2 (dois) anos, por remissão para o n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, ex vi do art.º 49º nº 1 do CIS;

• O prazo de revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária tem de ser igualmente condicionado ao decurso ou não do prazo de caducidade, visto que, antes de mais, o dies ad quo do pedido de revisão corresponde ao momento da prática do ato de liquidação e não ao da verificação do facto tributário; e

• Por último, isto não se esquecendo que as razões que, por sua vez, sublinhando esta nossa posição, subjazem ao disposto no n.º 3 do já mencionado art.º 131.º do CPPT, ao admitir a impugnabilidade direta nos casos de “autoliquidação” por referência a fundamentos exclusivamente de direito.

7. Face a todo o exposto, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar do pedido de revisão ora formulado nos autos pelo Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o mesmo se encontra insindicável, por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78.º da LGT para o efeito.

8. Não se verifica que as liquidações ora contestadas enfermam de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, que possibilite o prazo de quatro anos para ser efetuada a sua revisão oficiosa, pelo que a falta do pressuposto processual da tempestividade do pedido, propõe-se a sua rejeição liminar por intempestividade, e consequente arquivamento do mesmo”.

 

O Chefe de Equipa emitiu parecer nestes termos:

 

“Concordando com o informado, determino a REJEIÇÃO LIMINAR e consequente ARQUIVAMENTO do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando o Requerente para os termos e efeitos do disposto nos art.ºs. 35.º a 41.º do CPPT”.

(cf. Documento 4 junto ao PPA).

 

  1. Inconformado com esta decisão, o Requerente apresentou, em 23-02-2024, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cf. artigo 596.º do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base na posição das partes e nos documentos juntos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

3.1.1. O Requerente

 

  • O Requerente submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreço, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade das identificadas autoliquidações de Imposto do Selo relativas aos meses de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, e, bem assim (ii) a legalidade de tais autoliquidações de Imposto do Selo da requerente relativas aos meses de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, na identificada parte referente à incidência sobre comissões ou descontos em aquisição de créditos em operações em TPA (comissões ou descontos, estes conhecidos por TSC), cujo montante de imposto ascende a € 578.647,96.

 

3.1.1.1. A ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa por intempestividade

  • Relativamente ao pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa por intempestividade, o Requerente insurge-se contra a recusa de a AT aplicar o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT a autoliquidações, já após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
  • Segundo o Requerente, a AT fez tábua rasa da jurisprudência. Entre outros acórdãos citados no PPA, destaca uma decisão proferida pelo STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, e que no seu entender firmou a seguinte jurisprudência:

I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.

II- O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.

III- A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.

IV- O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].

V- A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

VI- O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

VII– Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.

  • O Requerente considera que o supra citado acórdão é elucidativo ao determinar que “numa autoliquidação de imposto do selo por entidade bancária por imposição/adjudicação legal de tal tarefa, pode ser pedida a revisão oficiosa dessa liquidação, no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, por ser de considerar imputável aos serviços os erros sobre os pressupostos de facto e de direito dessa liquidação.”
  • Em suma, na perspectiva do Requerente, o indeferimento da revisão oficiosa nos termos em que foi levado a efeito, com fundamento na intempestividade, não tem suporte na lei, nem na grande maioria da jurisprudência e, como tal, não pode subscrever a interpretação dada pela AT à norma estabelecida no Artigo 78.º da LGT.
  • Mais: o Requerente sublinha que situações como as dos presentes autos correspondem a erros imputáveis aos serviços e, como tais, susceptíveis de correcção no prazo de 4 anos, e não no prazo de 2 anos como pretende a AT.
  • Remete, entre outros, para o caso da decisão arbitral proferida no processo n.º 133/2021-T:

“[C]omo vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada.

A ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços», devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto”.

Rematando, no contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrente integrada no conceito de "serviços" consagrado no artº.43, nº.1, da L.G.T.

 

3.1.1.3. A ilegalidade das autoliquidações de Imposto do Selo

  • O Requerente argumenta que não é devido o Imposto do Selo sobre taxas e comissões cobradas em operações de utilização de Terminais de Pagamentos Automáticos e Caixas Automáticos (TPA), por considerar que na sua actividade apenas disponibiliza os TPA aos seus clientes comerciais, os quais permitem que os consumidores paguem aos comerciantes mediante uso dos cartões de débito ou de crédito contratados com os seus bancos, nacionais ou estrangeiros.
  • Considera que, nos contratos de TPA com os comerciantes, seus clientes, o Requerente não processa nem dá essas ordens de pagamento.
  • O Requerente apenas tem uma relação contratual com o comerciante, sujeito passivo na operação de pagamento, sujeito que se limita a aguardar o recebimento do pagamento que lhe é devido.
  • A relação contratual que envolve esse fornecimento, não serve para prestar serviços de pagamento por conta do devedor/consumidor que dos mesmos carece para concluir a sua compra, e o consumidor nenhuma relação contratual tem neste âmbito com o Requerente.
  • No presente caso, está justamente ausente esta relação creditícia, porquanto se está perante uma cessão irrevogável de créditos, não existindo por parte do cedente – o comerciante– a obrigatoriedade de, num momento futuro, restituir ao cessionário/adquirente – banco titular do TPA – o valor recebido pela cessão de créditos em caso insolvabilidade do devedor ou do responsável pela satisfação desse crédito por conta do devedor (o banco emitente do cartão).
  • Conclui o Requerente referindo que o pagamento do preço da aquisição do crédito do comerciante se reconduz ao pagamento ou satisfação desse crédito, evento que só ocorrerá mais tarde e com outros intervenientes (consumidor/devedor e seu banco emitente do cartão), donde a donde também a inaplicabilidade a esta cessão de crédito da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.  Pelo que, não há qualquer concessão ou utilização de crédito do cessionário (banco adquirente) ao cedente (comerciante), donde a inaplicabilidade da verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
  • Para sustentar tal posição, o Requerente apoia-se em citações extraídas do caderno 10 do Banco de Portugal, dos Relatórios de entidades internacionais (cf. Documentos 5 a 20 do PPA), uma Circular e de três Fichas doutrinárias (cf. Documentos 21 a 23 do PPA), bem como a referência a uma sentença proferida pelo TAF do Porto no Processo n.º 180/21.1BELR.

 

3.1.2. A Requerida

 

  • Tanto no despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, como na Resposta ao PPA e nas alegações escritas, a AT Requerida suscita uma excepção de inidoneidade do meio processual com a consequente absolvição da AT da instância, destacando a inaplicabilidade do prazo de 4 anos aos pedidos de revisão oficiosa referentes a autoliquidações, no caso vertente, de Imposto do Selo cobrado em operações levadas a efeitos por instituições bancárias e consequentemente, suscita a intempestividade do PPA aqui sindicado.

 

Senão vejamos:

 

  • Na resposta apresentada, a Requerida refere que o PPA tem por objecto imediato uma decisão de REJEIÇÃO LIMINAR/ARQUIVAMENTO, não tendo como objecto mediato qualquer ato tributário de liquidação (cfr. Acórdão do STA de 2011-11-16, proferido no processo n.º 0156/11):
  1.  

(…) Assim, estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade de um ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial ou arbitral, como pretende o Requerente.

  1.  

Neste sentido, atente-se ao doutrinado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, p. 54:

«[…] no que concerne aos atos proferidos em processo de revisão oficiosa […] a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o ato a impugnar contiver efetivamente a apreciação da legalidade do ato de liquidação» (negrito nosso).

  1.  

A decisão de REJEIÇÃO aqui impugnada constitui um acto administrativo, à luz da definição dada pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) [subsidiariamente aplicável em matéria tributária por força do disposto no artigo 2.º, alínea c) da LGT, artigo 2.º, alínea d) do CPPT, e artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

  1.  

Não podendo o Requerente, em sede da presente acção arbitral, ver discutida a legalidade da decisão de REJEIÇÃO, porquanto o meio adequado para discutir a sua legalidade é a acção administrativa.

  1.  

Com efeito, a acção administrativa constitui o meio processual adequado quando o acto impugnado é relativo a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

  1.  

Meio que aliás foi expressamente indicado ao Requerente como meio (judicial) adequado de reação à decisão de Rejeição liminar aqui em dissídio, na notificação da decisão final do procedimento de revisão oficiosa.

  1.  

Neste sentido, veja-se o entendimento sufragado por Jorge Lopes de Sousa[1]:

«Há actos em matéria tributária que são impugnados através da acção administrativa especial, como resulta da alínea p) e do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT. Destas normas resulta que a acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Deste artigo [artigo 97.º, do CPPT] resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação o meio adequado é o processo de impugnação.»

  1.  

Ainda a este respeito, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 210/2013-TCAAD, onde se dispôs que houve “A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário “os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”, pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem da legalidade de actos de liquidação”.

  1.  

Posição, que aliás, importa referir tem tido acolhimento pacífico nesta sede arbitral, vide por exemplo, entre outros o processo n.º 148/2014-T CAAD. (…).

 

  • Conclui a Requerida sublinhando que o meio utlizado não consubstancia o meio processual adequado com vista à apreciação da legalidade do acto de arquivamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, verificando-se impropriedade do meio processual utilizado.

 

  • Segundo a Requerida, o procedimento de revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, constitui um meio alternativo de garantia dos contribuintes, visando a anulação total ou parcial de atos tributários de liquidação ou de autoliquidação com fundamento em qualquer ilegalidade, erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória ou duplicação de coleta, devendo ser deduzido dentro dos respetivos prazos.

 

  • Tratando-se de um tributo autoliquidado pelo sujeito passivo, como é o caso do Imposto do Selo previsto na verba 17 da TGIS, a impugnação (judicial ou arbitral) será sempre precedida de reclamação graciosa apresentada no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT.

 

  • Considera a Requerida que decorrido aquele prazo, resta apenas o recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT:

57.

(…) Por conseguinte, tendo os atos de autoliquidação do Imposto do Selo ocorrido após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a decisão da revisão oficiosa n.º ...2023... não podia ser outra que não aquela que comportou a rejeição liminar do pedido formulado naqueles autos, por se encontrar esgotado o prazo vertido no artigo 78.º da LGT para o efeito.

58.

Significa isto que, no que concerne às autoliquidações de Imposto do Selo aqui sindicadas, atacadas pela revisão oficiosa supramencionada, não podia ser tomada decisão que não fosse a de rejeitar liminarmente o pedido por intempestividade do mesmo, uma vez que não aproveitam do prazo de quatro anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nem o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, relativamente ao qual era condição a interposição de reclamação graciosa, e para a qual se encontravam excedidos os respetivos prazos para o efeito.

 

  • Consequentemente, no entender da Requerida, o PPA é, também ele, intempestivo, uma vez que a tempestividade deste depende da tempestividade do pedido de revisão.

 

3.2. Apreciação das questões decidendas

 

Conforme anteriormente referido, o Requerente submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral:

  1. a legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa impugnado, porquanto desatende o reconhecimento da ilegalidade das identificadas autoliquidações de Imposto do Selo relativas aos meses de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, e
  2. a legalidade de tais autoliquidações de Imposto do Selo do Requerente relativas aos meses de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, na identificada parte referente à incidência sobre comissões ou descontos em aquisição de créditos em operações em TPA (comissões ou descontos, estes mais conhecidos por TSC), cujo montante de imposto ascende a € 578.647,96.

 

Tendo sido suscitadas excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa, comecemos por nos pronunciarmos sobre as mesmas. Mas não sem antes, salientar o seguinte: não obstante as alegações do Requerente, os factos revelam que, em rigor, está em causa uma “rejeição” e não um “indeferimento” do pedido de revisão oficiosa.

 

Matéria de exceção: incompetência do tribunal arbitral e inumpugnabilidade dos atos de autoliquidação (caducidade do direito de ação)

 

Na resposta, a Requerida invoca desde logo a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral. O fundamento assenta no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objecto imediato a decisão de indeferimento, em rigor “rejeição”, da revisão oficiosa, na qual não terá sido apreciada a legalidade do acto de (auto)liquidação que lhe subjaz.

 

A jurisdição dos tribunais arbitrais tributários abarca todos os actos susceptíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de actos elencados no referido artigo 2.º do RJAT: «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», bem como à «declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

 

Para a aferição da competência do tribunal arbitral, é necessário determinar se este é passível de ser decidido num tribunal judicial em sede processo de impugnação judicial.

 

Em sede de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação, impõe a lei que o seu escrutínio possa ser suscitado no prazo de 2 anos previsto no artigo 131.º da LGT, e não o prazo de 4 anos conforme estabelece o artigo 78.º da LGT.

 

In casu, constata-se que o acto imediato do PPA tem como objecto, em parte, a alegada ilegalidade do acto de “indeferimento do pedido de revisão oficiosa” apresentado nos termos do artigo 78.º da LGT (cf. Secção B. do PPA).

 

A AT tem um entendimento diferente. Considera que o objecto do PPA, a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, corresponde a um acto de rejeição liminar do aludido pedido e, que como tal, não poderia sequer contemplar a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação nos presentes autos.

 

No caso sub judice, está documentalmente provado que a decisão da AT relativa ao pedido de revisão oficiosa não encerra qualquer análise sobre a legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo contestados.

 

Com efeito, a fundamentação vertida no despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa assenta, exclusivamente, na intempestividade do mesmo (cf. págs. 6 e 7 do despacho de rejeição liminar da Revisão Oficiosa junto como Documento 4 do PPA).

 

Toda a prova documental, incluindo o PA remetido pela AT, permite concluir que o acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa não comportou a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo.

 

Acresce que se constata que o Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação para além do prazo de 2 anos estabelecido no artigo 131.º do CPPT, com fundamento “em desconformidade com a legislação fiscal em vigor.

 

Ao ter observado um prazo diferente, o pedido de revisão oficiosa tem-se por intempestivo, visto que foi apresentado fora do prazo estipulado dos 2 anos.

 

Como tal, cumpre referir que assiste razão à Requerida, e que andou bem a AT ao rejeitar liminarmente o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente.

 

            Deste acto administrativo cabe uma acção administrativa, visto que não comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação.

 

Neste sentido, a Requerida destaca e bem, o entendimento expresso por Jorge Lopes de Sousa[2]:

«Há actos em matéria tributária que são impugnados através da acção administrativa especial, como resulta da alínea p) e do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT. Destas normas resulta que a acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Deste artigo [artigo 97.º, do CPPT] resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação o meio adequado é o processo de impugnação.»

 

A Requerida remete ainda para várias decisões arbitrais para sustentar esta posição, designadamente as proferidas no processo n.º 210/2013-T, e no processo n.º 148/2014-T.

 

A jurisprudência é clara, pois, ao considerar que a jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os actos susceptíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de actos elencados no referido artigo 2.º do RJAT.

 

Seguindo de perto a decisão tomada no processo arbitral n.º 403/2019-T:

das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação».

 

Pelo que, «à face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação.

 

Daqui se retira que, se o acto de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade, o meio de reacção não será a impugnação judicial ou pedido de pronuncia arbitral.

 

Não significa que a Requerida não pudesse recorrer a outros meios de reacção, meios esses de resto indicado na notificação do despacho proferido pela AT:

“(…) 18. Atendendo a que se refere a atos tributários de liquidação de IS, praticado a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, a situação não preenche os pressupostos contidos na 2.ª parte e 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

19. Pelo que, no caso em apreço, o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa do ato tributário é, com efeito, intempestivo, dado ter sido apresentado em 20.02.2023, em consonância com o estabelecido no mencionado art.º 78.º da LGT vigente à data.

20. A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado.

21. Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no art.º 78º da LGT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.

 

Pelo exposto, este Tribunal acompanha a posição da Requerida.

 

Por um lado, não existe a limitação ou até o impedimento do exercício de garantias dos contribuintes, o que, consabido, seria mais que manifestamente inconstitucional, mormente face ao consagrado nos artigos 20.º, 266.º e 268.º, todos da nossa Lei Fundamental.

 

Os meios para reagir continuam disponíveis para os próprios interessados, sem prejuízo da menção de que aqueles devem é, no entanto, ser exercidos dentro dos prazos legais o que, na verdade, não sucede no caso em apreço uma vez que se esgotou o prazo de uso do meio idóneo para reagir contra um ato de "autoliquidação" nos termos e com os fundamentos alegados pelo Requerente, já haviam decorrido mais de dois anos para apresentar a reclamação administrativa.

 

Neste ponto, acompanha-se a posição da AT:

A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado. 21. Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no art.º 78º da LGT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.”

 

            A rejeição liminar de um pedido de revisão oficiosa, por não se verificar erro imputável aos serviços, não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, não sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial.

 

            A caducidade do direito de ação constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância, conforme os artigos 89.º, n.º 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.

 

 

4. Consequência da procedência das excepções

 

Nos termos expostos, procedem as excepções invocadas pela Requerida, de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação, que põem termo ao processo e impede que este Tribunal Arbitral conheça das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão da Requerente, importando a absolvição da Requerida da instância.

 

 

 

 

 

 

 

5. Decisão     

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente a matéria de excepção de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação;
  2. Absolver da instância a Requerida.

 

 

6. Valor a causa

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixa-se o valor da causa em 578.647,96, por corresponder ao montante total dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo cuja anulação constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

7. Custas

 

Em conformidade com o estatuído no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral.

 

Assim, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas ao Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 7 de novembro de 2024.

 

Os Árbitros

 

 

 

(Rita Correia da Cunha, com voto de vencido em anexo)

 

 

 

(Nuno Miguel Morujão)

 

 

 

(Maria da Graça Martins)

Relatora

 

 

 

           

 

 

Voto de vencido

 

 

Não obstante acompanhar o sentido da decisão da maioria do tribunal arbitral, e concordar com a procedência da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa e caducidade do direito de ação, não posso concordar com a análise da exceção de inidoneidade do meio processual contida, pelas razões que passo a expor.

 

Da alegada inidoneidade do meio processual

 

Em primeiro lugar, tenho dúvidas se a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta, ainda que de forma enviesada, uma apreciação da legalidade dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo impugnados. De facto, para efeitos de averiguar se houve “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, veio a AT dizer o seguinte:

“60. A TSC é uma comissão que é cobrada pela entidade prestadora do serviço de pagamento automático (o A...) ao beneficiário da transferência (o comerciante), sobre as vendas liquidadas com cartão bancário, de forma a retribuir o A... nas operações de pagamento baseadas em cartões (tendo subjacente quer o processamento da operação quer a transferência de fundos da conta do cliente/consumidor final para a conta do comerciante). O próprio Banco de Portugal (entidade de supervisão) considera a TSC uma comissão.

61. A TSC estando sujeita a IVA, encontra-se dele isenta, por se enquadrar na alínea c) do n.º 27) do art.º 9.º do CIVA e estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS e do n.º 1 e n.º 2 do art.º 1.º do CIS. O imposto calculado e liquidado/entregue pelo A... em 2019 e 2020 é devido, nos termos referida verba 17.3.4 da TGIS e da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º , no n.º 1 e na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º e da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º  todos do CIS, competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado.; 

62. Resulta assim, que as comissões em análise preenchem cumulativamente, os elementos de natureza objetiva e subjetiva, previstos na verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a Imposto do Selo por força do disposto no n.º 1 artigo 1.º do Código do Imposto do Selo.

63. Assim sendo, o pedido em análise é intempestivo, atendendo o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, uma vez que o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa dos atos tributários foi remetido ao Serviço de Finanças de Lisboa-2, em 20 de fevereiro de 2023, pelo que já havia sido ultrapassado o prazo legal para apresentar a reclamação administrativa, nos termos do disposto no artº 131º nº 1 do CPPT e quer pelos pressupostos previstos no artº 78º nº 1ª parte da LGT”.

 

Em segundo lugar, parece-me ser de referir a divergência jurisprudencial quanto ao meio processual adequado in casu.

Da leitura conjugada dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, resulta que a impugnação judicial (e o pedido de pronúncia arbitral) constituem meios processuais adequados e idóneos para sindicar a legalidade de “atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de tributação”. Em consequência, os Tribunais Arbitrais Tributários são competentes para conhecer e decidir da legalidade destes atos. Já nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT, a ação administrativa é o meio idóneo para impugnar a legalidade de “atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de tributação”.

Sendo certo que a competência dos Tribunais Arbitrais Tributários depende do meio processual adequado a satisfazer a pretensão do contribuinte, a verdade é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não é uniforme relativamente à interpretação das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT (cf. observado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de janeiro de 2018, processo n.º 00207/15.6BEMDL), e esta falta de uniformidade jurisprudencial encontra-se refletida na posição das partes do presente processo arbitral.

Analisada a jurisprudência que versa sobre a questão em apreço, conclui-se que existem duas grandes linhas jurisprudenciais: uma que assenta na análise do teor do ato contestado e determina o meio idóneo (impugnação judicial vs ação administrativa) para impugnar o mesmo consoante o ato contestado aprecie a legalidade de um ato tributário; outra que defende que a impugnação judicial constitui o meio processual adequado para discutir a legalidade de atos tributários (tal como reconhecido na recente Decisão Arbitral proferida no processo n.º 678/2021-T em 6 de outubro de 2022).

Porém, no caso sub judice, parece-me que ambas as linhas jurisprudenciais determinam que o PPA constitui meio idóneo para sindicar a legalidade da decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente.

Senão vejamos.

O teor do ato tributário sindicado

A posição da Requerida parece encontrar suporte na linha jurisprudencial segundo a qual, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, a impugnação judicial (e o pedido de pronúncia arbitral) não é o meio próprio para reagir contra os atos de indeferimento que não comportem uma apreciação da legalidade de atos tributários, devendo, em relação a tais atos, o contribuinte socorrer-se da ação administrativa. De acordo com esta interpretação das disposições referidas, o meio processual adequado para reagir contra um ato de indeferimento depende do conteúdo do mesmo ato de indeferimento, conforme resulta claro dos Acórdão mencionados em seguida.

No processo n.º 0148/12.9BESNT 0674/18, no âmbito do qual o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão em 14 de outubro de 2020, estava em causa uma impugnação judicial de uma decisão de indeferimento de recurso hierárquico com exclusivo fundamento na intempestividade da apresentação do recurso hierárquico, não tendo a decisão de indeferimento apreciado a legalidade do ato de liquidação contestado. Citando Lopes de Sousa, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que a impugnação judicial só constitui o meio processual adequado quando o ato a impugnar contiver efetivamente uma apreciação da legalidade de um ato de liquidação. Se, pelo contrário, a AT não chegar a apreciar a legalidade do ato de liquidação, por intempestividade, o meio processual adequado é a ação administrativa. A este respeito, concluiu o Douto Tribunal:

“A utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial.”

No mesmo sentido: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de abril de 2010, processo n.º 01020/09; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de maio de 2014, processo n.º 01263/13; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de janeiro de 2018, processo n.º 00207/15.6BEMDL; Decisão Arbitral de 4 de setembro de 2015, processo n.º 112/2015-T; Decisão Arbitral de 15 de fevereiro de 2017, processo n.º 254/2016-T; Decisão Arbitral de 3 de julho de 2019, processo n.º 48/2019-T; Decisão Arbitral de 30 de agosto de 2022, processo n.º 81/2022-T.

No âmbito desta orientação jurisprudencial, o Supremo Tribunal Administrativo apreciou também as circunstâncias em que se deve considerar que um ato de indeferimento apreciou a legalidade de um ato tributário.

No Acórdão de 14 de maio de 2015, processo n.º 01958/13, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu que um despacho de indeferimento por intempestividade, exarado em concordância com a fundamentação contida numa proposta de indeferimento que analisa a legalidade do ato tributário, comporta ele mesmo a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, podendo o sujeito passivo socorre-se da impugnação judicial nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

No Acórdão de 7 de janeiro de 2016, processo n.º 01412/15, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em análise apreciou a legalidade do ato tributário visto que “a simples leitura da decisão permite verificar que a Administração Tributária foi muito mais além da análise da tempestividade da apresentação daquele pedido de revisão, passando, detalhadamente a analisar não só os prazos em que, segundo as circunstâncias tal pedido poderia ter sido tempestivamente apresentado mas, ainda, indicando a razão pela qual entendia não poder a revisão ser levada a cabo oficiosamente pela Administração Tributária e porque não podia ser aplicada a convenção invocada pela aqui recorrente para evitar a dupla tributação.”

No Acórdão de 4 de dezembro de 2019, processo n.º 0959/12.5BEAVR, o Supremo Tribunal Administrativo também considerou a impugnação judicial como o meio processual adequado in casu por a informação que serviu de suporte à decisão do pedido de revisão oficiosa se ter pronunciado expressamente sobre a conformidade do ato tributário com a lei, incluindo uma conclusão quanto à sua legalidade. No mesmo sentido: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de novembro de 2015, processo n.º 06246/12; Decisão Arbitral de 6 de outubro de 2022, processo n.º 678/2021-T.

Desta jurisprudência resulta que, mesmos nos casos em que a AT tenha decidido pelo indeferimento liminar por intempestividade, é necessário atentar ao conteúdo da informação que suporta a decisão de indeferimento e averiguar se nela é contida uma apreciação da legalidade do ato tributário.

No caso sub judice, a AT indeferiu liminarmente o pedido de revisão oficiosa da Requerente por intempestividade, tendo, contudo, a informação do técnico responsável subjacente a esta decisão analisado, ainda que com brevidade, a legalidade dos atos de autoliquidação de Imposto de Selo efetuados pelo Requerente (conforme referido supra).

Concluo, assim, que, atentando ao teor da decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, o pedido de pronúncia arbitral (enquanto alternativa à impugnação judicial) constitui um meio idóneo para reagir contra a mesma, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, e que o presente Tribunal é materialmente competente para decidir o mesmo.

 

O meio processual adequado para discutir a legalidade de atos tributários

A linha jurisprudencial oposta, subscrita pelo Requerente, encontra respaldo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2020, processo n.º 0608/13.4BEALM 0245/18, em cujo sumário se pode ler:

“II - O meio processual tributário de impugnação judicial é de acionar em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, ainda que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um procedimento de cariz administrativo, quando este tenha tido, previamente, lugar.

III - Por contraposição, o meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação.”

A mesma posição foi adotada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR, no qual se pode ler:

“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).”

Regressando ao caso sub judice: na medida em que, com a apresentação do PPA, o Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação de atos de autoliquidação de Imposto de Selo, concluo que, também à luz desta linha jurisprudencial, o pedido de pronúncia arbitral (enquanto alternativa à impugnação judicial) constituiu um meio adequado e idóneo para reagir contra o ato de indeferimento expresso ora impugnado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, e que o presente Tribunal é materialmente competente para decidir o mesmo.

Da alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa e da caducidade do direito de ação

Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, relativamente aos atos de autoliquidação em causa (efetuados em 2019 e 2020), a revisão do ato tributário poderia ser efetuada (a) por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação graciosa (120 dias), com base em qualquer ilegalidade, ou (b) por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em “erro imputável aos serviços”, no prazo de 4 anos após as referidas autoliquidações de Imposto de Selo.

Relativamente a erros nas autoliquidações efetuadas até 30 de março de 2016 (inclusive), os mesmos eram considerados imputáveis aos serviços, sendo aplicável o prazo de quatro anos referido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Esta imputação aos serviços de erros nas autoliquidações constava no n.º 2 do artigo 78.º da LGT (revogado pelo artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), no qual se podia ler: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.” Este regime foi objeto do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de fevereiro de 2021, processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18, e do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 24 de fevereiro de 2022, processo n.º 663/13.7BELRS, entre outros.

Após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT (com efeitos a partir de 31 de março de 2016), os erros nas autoliquidações deixaram de ser considerados imputáveis aos serviços para efeitos de determinação do prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. O prazo de quatro anos referido nesta disposição passou a ser aplicável apenas quando o sujeito passivo alegue e prove que efetivamente ocorreu um erro nas autoliquidações de imposto que seja imputável aos serviços. Tal como referido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 678/2021-T, a 6 de outubro de 2022, a “revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT simplesmente removeu a regra de inversão do ónus probatório de que beneficiavam os atos de autoliquidação, que passam, assim, a estar sujeitos às regras gerais (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil)”. Também neste sentido, as Decisões Arbitral proferidas nos processos n.ºs 468/2019-T (27 de fevereiro de 2020); 88/2021-T (2 de fevereiro de 2021); 9/2021-T (13 de setembro de 2021).

No caso sub judice, o erro nas autoliquidações de Imposto de Selo efetuadas pelo Requerente em 2019 e 2020 não se presume imputável aos serviços nos termos do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, já que esta disposição não se encontrava em vigor em abril de 2017. Assim sendo, interessa apurar se o erro nas referidas autoliquidações deverá ser imputado aos serviços para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

A este propósito, observou Lopes de Sousa, “sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correção ou em que o contribuinte incorreu em erros, segundo instruções, gerais ou especiais, que aquela lhe forneceu.”[3]

Daqui se retira que os erros nas autoliquidações de Imposto de Selo impugnadas não são imputáveis aos serviços para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Assim sendo, concluo que andou bem a maioria do Tribunal Arbitral ao considerar esta exceção procedente e absolver a Requerida do pedido.

Por último, não vislumbro fundamento para a inconstitucionalidade do artigo 78.º da LGT alegada pelo Requerente.

 

Rita Correia da Cunha

 



[1] in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, p. 53.

[2] in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, p. 53.

[3] V. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa 2011, p. 412.