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SUMÁRIO:
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As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar Tribunal Arbitral Singular, constituído em 7 de maio de 2024, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
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A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ... – ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designada “Requerente”, na sequência da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 21.09.2023, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”), contra o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), não se conformando com o mesmo, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 2, al. a) e b), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista a obter, por um lado, a anulação do ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), referente ao ano de 2020, no montante de € 49.388,42 (quarenta e nove mil trezentos e oitenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) e, por outro, a anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, consubstanciado numa rejeição liminar, bem como a restituição do montante de imposto indevidamente suportado, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, computados a partir do dia 22 de setembro de 2024 até à emissão da respetiva nota de crédito
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular apresentado pela Requerente em 23 de fevereiro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida que foi do mesmo notificada em 26 de fevereiro de 2024.
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Nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15 de abril de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 7 de maio de 2024.
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No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese:
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Que tendo a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão sido notificada em 27 de novembro de 2023, o prazo destinado à apresentação do pedido de pronúncia arbitral terminava apenas no dia 26 de fevereiro de 2024, pelo que o respetivo pedido de pronuncia arbitral é tempestivo.
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Que a Requerente é uma instituição de crédito, na categoria de instituição financeira de crédito, residente para efeitos fiscais em território português, pelo que em 15 de dezembro de 2020, procedeu à autoliquidação do ASSB, referente ao ano de 2020, mediante apresentação da respetiva declaração Modelo 57, da qual resultou o montante total a pagar de € 49.388,42
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Que a Requerente procedeu ao pagamento integral do tributo por si liquidado.
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Que, em 21 de setembro de 2023, apresentou um pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionou a anulação daquele ato tributário e a consequente restituição do montante indevidamente pago.
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Que, em 23 de outubro de 2023, foi notificada do projeto de decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, sobre o qual exerceu o direito de audição prévia, em 6 de novembro de 2023.
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Que, em 27 de novembro de 2023, foi notificada da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa.
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Que peticiona, por um lado, a anulação da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa e, por outro, a anulação da autoliquidação do ASSB, pelo que o meio de reação adequado seria a impugnação judicial (ou a ação arbitral), em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, constante do acórdão de 18.11.2010, proferido no âmbito do processo n.º 0608/13.4BEALM.
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Que visando o pedido de revisão oficiosa a apreciação da legalidade do ato de autoliquidação de ASSB e pretendendo a Requerente uma pronúncia sobre o mérito dessa pretensão, e não apenas a anulação da decisão de rejeição liminar com fundamento em (pretensa) intempestividade, necessariamente ter-se-á de concluir pela idoneidade do presente meio processual.
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Que, em todo o caso, sempre seria o meio idóneo, atendendo que a Autoridade Tributária, em sede de decisão de rejeição liminar do pedido de revisão, também se pronunciou, ainda que sinteticamente, sobre o mérito da pretensão da Requerente, designadamente sobre a conformidade da autoliquidação com o regime ínsito no artigo 18.º da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho, através do qual nega a respetiva anulação, bem como o direito à perceção de juros indemnizatórios.
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Que para efeitos de determinação do meio de reação judicial adequado deverá atender-se ao conteúdo do ato administrativo em matéria tributária a contestar, isto é, à decisão final do procedimento tributário proferida pela Autoridade Tributária, sendo certo que a mesma aprecia a legalidade (material) dos atos tributários, pelo que o meio de reação judicial seria a impugnação judicial.
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Que, verificando-se a apreciação da legalidade de atos tributários, independentemente da designação formal do ato administrativo em matéria tributária, a ação arbitral, em alternativa à impugnação judicial, será o meio de reação judicial adequado, sendo, por conseguinte, os tribunais arbitrais materialmente competentes para o respetivo julgamento.
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Que tendo a Autoridade Tributária apreciado a legalidade do ato, extravasando, por isso, a apreciação meramente formal dos requisitos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, ainda que sob as vestes de decisão de “rejeição liminar”, necessariamente se terá de concluir pela idoneidade do presente meio processual.
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Que o regime do ASSB, previsto nos artigos 18.º e 21.º, e no Anexo VI, da Lei n.º 27-A/2020, de 27 de julho, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade; por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal; por preterição do princípio da especificação orçamental ínsito no artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”) e, bem assim, por violação da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP.
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Que o ASSB teve como objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de Segurança Social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores, pelo que daí resulta a sua natureza de imposto.
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Que o legislador criou intencionalmente um tributo que reclama uma solidariedade acrescida de um específico leque de contribuintes, atenta a necessidade de financiamento dos encargos públicos com pensões, atribuindo esta responsabilidade acrescida às entidades financeiras, uma vez que o legislador considerou que o tributo em referência era legítimo, face à circunstância de a generalidade dos serviços e operações bancárias estar isenta de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”).
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Que tais objetivos e fundamentos são insuficientes para legitimar um tributo com as características do ASSB.
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Que o ASSB incide sobre os passivos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com algumas exclusões, nomeadamente, no que respeita aos elementos que constituam capitais próprios.
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Que dos elementos essenciais do tributo, verifica-se a sua incongruência congénita revelada, pelo circunstancialismo em que o tributo foi instituído, pela finalidade que presidiu à sua criação e pelos seus elementos essenciais.
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Que o ASSB foi instituído conjuntamente com medidas que visaram dar resposta à emergência sanitária e orçamental decorrente da pandemia COVID-19, sendo que a sua finalidade e elementos essenciais denotam um claro intuito de financiamento estrutural do sistema previdencial.
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Que o ASSB, visto à luz dos seus objetivos e fundamentos legitimadores, revela claramente não se estar perante um tributo que vise mitigar quaisquer efeitos adversos do risco sistémico no setor bancário, mas perante um tributo puramente unilateral, que pretende onerar os respetivos sujeitos passivos com uma acrescida carga fiscal.
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Que é distinta a natureza do ASSB e da CSB, uma vez que este último repousa sobre um princípio de equivalência de grupo, em face do risco sistémico que lhe subjaz, já este risco não existe nem tão pouco se reflete no caso específico do ASSB, pelo no ASSB não se está perante uma relação de pertença dos respetivos sujeitos passivos a grupos homogéneos de interesses, sobre os quais se projeta uma dada prestação pública, nem tão pouco uma bilateralidade que varia de acordo com o perfil dos grupos, relativamente aos quais se projetam as próprias prestações públicas.
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Que para se tratar de contribuições financeiras é necessário a verificação dos seguintes requisitos: a existência de um grupo homogéneo; a responsabilidade de grupo; e a utilidade de grupo.
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Que apenas existirá uma responsabilidade de grupo na medida em que seja possível identificar uma efetiva relação, senão específica, pelo menos especial, entre o grupo homogéneo dos sujeitos passivos do ASSB e a obrigação adicional de financiamento/contributiva imposta, mas no presente caso tal relação não existe, uma vez que é patente que da atividade do setor bancário não advém qualquer relação que especificamente justifique uma sua maior participação no financiamento do sistema de Segurança Social.
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Que o requisito da utilidade de grupo também não se verifica, visto que é clara a inexistência de qualquer benefício particular ao setor onerado com o tributo que, eventualmente, pudesse justificar a imposição de uma tributação acrescida.
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Que, assim, o ASSB não se pode configurar como uma contribuição financeira, dado que não reúne, inequivocamente, os caracteres tipológicos desta categoria de tributo bilateral ou comutativo.
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Que o ASSB não se enquadra na figura das taxas, uma vez que inexiste qualquer prestação de um serviço público aos sujeitos passivos do ASSB e, consequentemente, qualquer aproveitamento de uma prestação que justifique a imposição de tal tributo, bem como não está em causa a remoção de qualquer obstáculo jurídico à atividade dos sujeitos passivos, e ainda, não está o seu pagamento relacionado com a utilização de qualquer bem do domínio público.
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Que, assim, haverá de concluir pela sua subsunção a um verdadeiro imposto, atenta a sua natureza unilateral.
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Que o ASSB provoca uma lesão ao princípio da igualdade, a qual não encontra qualquer fundamento ou justificação razoável, onerando inadmissivelmente um setor específico – in casu, o setor bancário – com vista à prossecução de uma finalidade de caráter e utilidade gerais.
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Que da isenção de IVA não resulta para as entidades bancárias qualquer benefício, em sede tributária, sendo que, inclusivamente, em muitos casos será um verdadeiro encargo para os operadores do setor, que não deixam de estar sujeitos a um outro imposto – Imposto do Selo.
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Que pretendendo o legislador nacional compensar legitimamente a perda de receita tributária em sede de IVA, teria necessariamente de fazê-lo mediante a criação de um tributo não seletivo, ou seja, que abrangesse todos os setores de atividade nos quais tais isenções se mostrassem aplicáveis, bem como teria de fundar-se numa real e efetiva necessidade de cobrir uma despesa ainda não compensada por outro tributo.
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Que o ASSB estabelece um tratamento desigual entre os vários sujeitos passivos, onerando um único setor económico com as necessidades (e obrigações) de financiamento de um sistema público de interesse geral, sem que lhe subjaza qualquer fundamento racional (ou razoável), pelo que se constata ser o ASSB materialmente inconstitucional, bulindo com o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º da CRP e 5.º, n.º 2, da LGT, na medida em que cria uma imposição injustificada sobre um grupo seletivo de contribuintes, refletindo, perante uma necessidade de financiamento geral, um tratamento discriminatório entre sujeitos passivos colocados na mesma situação.
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Que sendo patente a desigualdade subjacente à aplicação do ASSB, no que respeita ao leque de sujeitos passivos, sempre teria de se verificar, de algum modo, uma especial capacidade contributiva destes que justificasse o completo afastamento do imposto do princípio da generalidade, mas não é possível, no caso do ASSB, extrair da sua base tributável qualquer indício de capacidade contributiva que permita tal avaliação.
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Que se mostra impossível estabelecer no ASSB qualquer relação entre a base tributável e um concreto índice de capacidade contributiva, pelo que se constata ser o Regime ASSB materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 104.º da CRP.
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Que, no âmbito do princípio de proporcionalidade, se verifica o requisito da adequação, mas quanto ao requisito da necessidade, constata-se existir uma clara violação.
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Que é ainda violado o último requisito do princípio da proporcionalidade, respeitante à proporcionalidade em sentido estrito, em virtude do decalque que é feito do regime da CSB, gerar uma autêntica dupla tributação (setorial), o que promove no caso em apreço uma grave desproporção na tributação deste setor face aos demais contribuintes, agravada ainda pela sua sujeição a Imposto do Selo.
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Que o Regime ASSB é assim igualmente desconforme ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, na medida em que consagra um tratamento tributário arbitrário, particularmente oneroso, excessivo e desadequado, de apenas um setor económico.
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Que a natureza complexa da formação do facto tributário aqui em causa (a média anual dos saldos finais de cada mês) reporta-se a eventos verificados, por completo, no final de cada mês, pelo que necessariamente, que os factos sujeitos ao ASSB em 2020 já se haviam formado aquando da entrada em vigor, daí resultando a inconstitucionalidade do artigo 21.º, n.º 1, do Regime do ASSB, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado nos artigos 103.º da CRP e 12.º da LGT.
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Que o Regime ASSB viola o princípio da especificação orçamental consagrado no artigo 17.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, que aprovou a LEO, visto que o referido princípio impõe que o orçamento do Estado deve individualizar, de forma adequada e suficiente, todas as receitas e despesas públicas, de forma que as mesmas surjam devidamente discriminadas e especificadas nos mapas orçamentais, em prol da transparência, controlo e boa execução orçamentais.
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Que no estrito cumprimento do princípio da especificação orçamental impunha-se que a receita oriunda do ASSB estivesse devida e suficientemente elencada e discriminada na Lei do Orçamento de Estado para 2020, pelo que tal não tendo ocorrido, colide frontalmente com o princípio da não especificação orçamental.
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Que não só por imposição constitucional, mas também por imposição legal, a LEO corresponde a uma lei de valor reforçado, pelo que o Regime do ASSB colide com o princípio da especificação orçamental, pelo que padecerá igualmente de inconstitucionalidade por violação do artigo 112.º, n.º 3, da CRP, o que necessariamente culminará na ilegalidade dos atos tributário e decisório em discussão.
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Que, para além do direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, a Requerente terá ainda direito à perceção de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
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Que padecendo os atos tributário e decisório do vício de violação de lei, e tendo a Requerente pago indevidamente imposto, verificar-se-á o direito à perceção de juros indemnizatórios a partir do dia 22 de setembro de 2024, caso a revisão do ato em causa não tenha tido lugar até esta última data, decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
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Em 12 de junho de 2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou na mesma data o respetivo processo administrativo, invocando em síntese:
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Que a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa não foi uma decisão de indeferimento do seu pedido, mas antes uma decisão de rejeição liminar, com fundamento na intempestividade, não tendo havido qualquer pronúncia da AT quanto ao mérito do mesmo, que nem o podia fazer por se basear o pedido em inexistentes violações da Constituição da República Portuguesa.
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Que está vinculada ao princípio da legalidade, pelo que lhe está vedada a possibilidade de anular atos com fundamento em inconstitucionalidade.
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Que a não apresentação em tempo de pedido de reclamação graciosa contra aquela autoliquidação de imposto determina a inimpugnabilidade da mesma em virtude da sua consolidação na ordem jurídica.
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Que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar atos em matéria tributária que, sem apreciar a legalidade da autoliquidação, se limitem a rejeitar o pedido da Requerente com fundamento em intempestividade, como vem a ser o caso dos presentes autos.
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Que o meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice não é a arbitragem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, disposição legal que legitima a impugnação de atos de liquidação e subsequentes indeferimentos sobre os meios de reação administrativa. eventualmente acionados sobre eles, mas antes, a ação administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA.
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Que a revisão oficiosa sob discussão nunca foi objeto de qualquer decisão de indeferimento ou análise de mérito, tendo antes e apenas sido objeto de expressa rejeição liminar por intempestividade uma vez que as autoliquidações estão sujeitas a reclamação graciosa prévia no prazo de 2 anos, nos termos do art.º 131.º do CPPT, e no caso, não existia erro imputável à AT, para efeitos de admissão do pedido de revisão oficiosa no prazo alargado de 4 anos, previsto no art.º 78.º da LGT.
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Que qualquer análise de mérito que se lhe aponte é meramente perfunctória e teve unicamente como objetivo determinar que não havia qualquer erro suscetível de ser imputável aos serviços, que obrigasse a AT a aceitar o pedido efetuado no prazo de quatro anos, ainda que instado pela Requerente, conforme resulta do teor da respetiva fundamentação.
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Que o despacho que é proferido, tendo por fundamento aquela informação, apenas determina a rejeição liminar do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, inexistindo qualquer referência nesse despacho à questão de mérito, visto que tal imporia uma análise aos documentos apresentados e uma pronúncia quanto ao seu enquadramento jurídico, o que não aconteceu.
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Que a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do art.º 78.º da LGT, nunca poderia ocorrer no caso dos presentes autos, por se tratar de autoliquidações de imposto, que não tiveram na sua base qualquer informação ou orientação da AT, o que no seu entendimento acentua a negligência da Requerente, que tendo efetuado o pagamento de um imposto, ainda assim, não reagiu, em tempo, contra a sua legalidade.
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Que, quando o pedido de revisão a oficiosa é apresentado ou despoletado fora do prazo de Reclamação Graciosa, o sujeito passivo já não poderá invocar qualquer ilegalidade, mas apenas e só os seguintes fundamentos: o erro imputável aos serviços (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT); a injustiça grave ou notória (n.º 4 do art.º 78.º da LGT); ou a duplicação de coleta (n.º 6 do art.º 78.º da LGT).
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Que nos presentes autos estamos perante uma autoliquidação, pelo que foram emitidas pela própria Requerente, em que a Requerida não teve qualquer intervenção, direta ou indireta, no apuramento ou cálculo do imposto, pelo que objetivamente os serviços da Requerida não praticaram qualquer erro, o qual só poderá ser imputado à própria Requerente.
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Que a situação em apreço não é, minimamente, subsumível no conceito de “erro imputável aos serviços” da Requerida, uma vez que, pura e simplesmente, os serviços da Requerida não integram a estrutura orgânica da Requerente, pelo que tendo o pedido de revisão oficiosa sub judice sido despoletado fora do prazo da Reclamação Graciosa, e tratando-se de autoliquidações sobre as quais inexistem orientações da Requerida, obviamente que a revisão nunca poderia ser subsumida no n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT, como aqui pretende a Requerente.
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Que não pode aceitar-se a incompreensível invocação de um erro imputável aos serviços, quando o erro foi praticado na esfera e pela própria Requerente, visto que o erro e a responsabilidade pelo mesmo devem-se inteiramente à Requerente, dado que a Requerida foi totalmente alheia ao procedimento de autoliquidação de ASSB.
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Que a Requerente tem de provar, de forma cabal e inequívoca, que houve um erro imputável aos serviços, para que o pedido de revisão seja admitido no prazo dos quatro anos, pelo que para lá do prazo da reclamação a AT está desobrigada de promover a revisão oficiosa da autoliquidação a favor do contribuinte.
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Que, quanto à grave e notória injustiça, decorrente da autoliquidação, a Requerente não tem razão, porque não preenche o requisito final exigido pelo n.º 4 do art.º 78.º da LGT, uma vez que o pedido de revisão oficiosa só poderia ser aceite à luz daquela norma legal, se o erro não for imputável a comportamento negligente da Requerente.
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Que é negligente aquele que, tendo dúvidas, não diligencia em obter uma interpretação mais segura e oficial, através da submissão de um pedido de informação vinculativa junto da Requerida, bem como o é, aquele que só deteta (em finais de 2023) eventuais erros nas autoliquidações passados dois anos sobre a sua submissão (em 2020).
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Que a Requerente não provou a injustiça grave e notória, entendendo, ademais, que nenhum Tribunal Superior das instâncias Administrativas e Fiscais ou mesmo o Tribunal Constitucional determinaram a desconformidade legal do ASSB, pelo que a decisão da revisão oficiosa não podia ser outra que não aquela que comportou a rejeição liminar do pedido formulado naqueles autos, por se encontrar esgotado o prazo vertido no artigo 78.º da LGT para o efeito.
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Que o Tribunal Arbitral deve declarar-se materialmente incompetente para a apreciação do pedido referente à revisão oficiosa, o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Requerida na instância, sendo a mesma de conhecimento oficioso.
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Que, subsidiariamente, o Tribunal Arbitral deve julgar extinta a instância com fundamento em inidoneidade do meio processual, em virtude de a instância arbitral não ser a instância própria para a ação administrativa a deduzir contra atos em matéria tributária, que não apreciem a legalidade do ato tributário.
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Que, ainda que não se entenda o acima referido, o Tribunal Arbitral deverá julgar extinta a instância com fundamento em inimpugnabilidade das autoliquidações em crise, em virtude de as mesmas, findo o prazo da reclamação graciosa, se terem já consolidado na ordem jurídica, o que também determina a caducidade do direito de ação.
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Que o ASSB se apresenta como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras, pelo que considera que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado.
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Que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito, entendendo que, no âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
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Que a criação do ASSB se destinou a contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), pelo que se apresenta como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.
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Que o entendimento de que o setor financeiro é, afinal, prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa, visto que não se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA, que contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social”.
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Que a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária, a que acresce que a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB.
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Que atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.
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Que a criação da ASSB tem por objetivo propósitos de justiça fiscal, e não, evidentemente, de penalização do setor, por se ter constatado que o setor financeiro se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indireta.
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Que a justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam, e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
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Que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
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Que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável, pelo que o legislador não extravasou os limites da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, pelo que deve ser julgado totalmente improcedente, por se entender que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, nem qualquer outro princípio constitucional.
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Que, no que respeita ao princípio da capacidade contributiva, exige-se que o imposto incida sobre manifestações de riqueza, por um lado, e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas, por outro, pelo que a carga económica inerente ao imposto deverá ser regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo, que se encontra adstrito ao pagamento do mesmo, sem nunca olvidar a finalidade do tributo.
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Que o ASSB se assume como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indireto) tendo como alvo um determinado setor que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço.
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Que o legislador optou, entre vários indicadores possíveis, pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço, por serem fatores que recaem, efetivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, o que permite mensurar, de forma rigorosa, a sua capacidade contributiva.
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Que o legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.
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Que o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária.
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Que deve ser julgado totalmente improcedente o pedido de prenuncia arbitral, por se entender, também nesta senda, que o art.º 2 do anexo VI a que se refere o art.º 18.º da Lei 27- A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem de qualquer outro princípio constitucional.
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Que não são devidos juros indemnizatórios, atento não existir qualquer erro de facto e ou de direito na autoliquidação aqui impugnada, que leve à procedência do pedido de pronúncia arbitral.
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Por despacho de 18 de julho de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório, o que veio a fazê-lo, em 12 de setembro de 2024, sustentando em síntese o seguinte:
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Que, sendo certo que o ato decisório é apelidado pela Autoridade Tributária de “decisão de rejeição liminar”, verifica-se que a Autoridade Tributária se pronunciou, ainda que sinteticamente, sobre o mérito da pretensão da Requerente, nomeadamente, sobre a conformidade do ato tributário (autoliquidação de imposto) com o regime ínsito no artigo 18.º da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho, tendo negado a respetiva anulação, bem como o direito à perceção de juros indemnizatórios.
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Que, portanto, a Requerida foi além da apreciação meramente formal dos pressupostos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, tendo igualmente apreciado a legalidade do ato tributário na sua origem, bem como é entendimento da jurisprudência que sempre que a Autoridade Tributária, em sede de procedimento tributário, se pronuncie (ainda que parcamente) sobre a legalidade dos atos tributários, independentemente da designação formal que atribua à sua decisão – i.e., ao ato administrativo em matéria tributária por si emitido –, o meio de reação adequado será a impugnação judicial (ou o pedido de pronúncia arbitral) e não a ação administrativa.
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Que, ainda que assim não se entendesse, resulta da jurisprudência que a impugnação judicial, e por maioria de razão o pedido prenuncia arbitral, é o meio adequado de reação perante a rejeição liminar de um meio gracioso no qual se peticione a anulação de um ato tributário, pelo que deve improceder a exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária, atinente à pretensa inadequação do meio processual.
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Que não obstante o ato tenha sido materialmente praticado pela Requerente, o erro de direito atinente à liquidação de um tributo desconforme à Constituição da República Portuguesa, de que o mesmo padece, foi ocasionado pela posição ativa que a Autoridade Tributária tem adotado desde 2020 nesta matéria, a qual se encontra materializada na informação genérica publicada a 12 de dezembro 2021 no âmbito do pedido de informação vinculativa n.º 21843, bem como no Ofício-Circulado n.º 55003/2022, de 5 de dezembro de 2022.
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Que a eliminação da ficção legal de imputabilidade do erro na autoliquidação aos serviços (anteriormente estipulada no artigo 78.º, n.º 2, da LGT) não teve por virtualidade excluir essa imputabilidade em todos os casos de autoliquidação, mas tão-somente exigir que a mesma seja casuisticamente demonstrada pelo sujeito passivo.
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Que, haverá de concluir-se, pela verificação dos dois pressupostos ínsitos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, bem como pela impugnabilidade do ato tributário no prazo de quatro anos e, consequentemente, quanto à não verificação da caducidade do direito de ação da Requerente.
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Que a injustiça grave ou notória decorre da situação material, sendo independente de qualquer reconhecimento prévio por parte de um tribunal, bem como enalteceu a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente, a proferida no âmbito dos acórdãos n. os 529/2024, de 2 de julho de 2024 (processo n.º 1058/2023), e 149/2024, de 27 de fevereiro de 2024 (processo n.º 638/2022), de acordo com a qual o regime em que se estriba o ASSB padece de inconstitucionalidade, sendo, concomitantemente, ilegais os respetivos atos tributários de liquidação.
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Que haverá uma injustiça notória sempre que seja evidente a ilegalidade da tributação, e uma injustiça grave sempre que a tributação feita impender sobre o sujeito passivo esteja seriamente desfasada da legalmente devida, pelo que independentemente da existência de decisões de tribunais superiores sobre a matéria, demonstrados que estão a inequívoca inconstitucionalidade do ASSB e o desfasamento entre a tributação sofrida pela Requerente e a legalmente devida, é evidente a verificação de uma situação de injustiça grave e notória.
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Que, quanto ao pedido de informação vinculativa, em momento algum a lei configura o recurso a tal mecanismo como um ónus ou dever cujo incumprimento possa justificar a exclusão de direitos ou prerrogativas à disposição dos sujeitos passivos, bem como é incoerente que a Requerida sustente ser obrigação da Requerente apresentar um qualquer pedido de informação vinculativa quando entende não ter competência para se pronunciar sobre a conformidade do ASSB à Constituição da República Portuguesa.
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Que é totalmente contrário à lei pretender sustentar qualquer pretensa inadmissibilidade da revisão oficiosa na não utilização de uma prerrogativa ao dispor da Requerente, a qual seria, ademais, totalmente insuscetível de conduzir ao resultado por si almejado de obter a anulação do ato tributário.
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Que a Requerente não agiu de forma negligente, pelo contrário, atuou com o mais elevado grau de zelo e diligência, verificando-se todos os pressupostos de que depende o recurso à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 5, da LGT.
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Que, em suma, nem o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para conhecer do mérito da presente ação, porquanto o pedido de pronúncia arbitral é meio de reação idóneo, nem a autoliquidação se firmou definitivamente na ordem jurídica, conduzindo à caducidade do direito de ação da Requerente, pelo que deverão improceder todas as exceções invocadas pela Requerida na sua resposta, e devendo os presentes autos prosseguir até à prolação de pronúncia de mérito.
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Por despacho de 28 de setembro de 2024, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).
Nesse mesmo despacho foi concedido o prazo de 10 dias, em simultâneo, para as Partes apresentarem, querendo, as suas alegações.
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Em 15 de outubro de 2024, a Requerente juntou aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça subsequente (pago em 3 de outubro de 2024).
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A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações, em 15 de outubro de 2024, mantendo as respetivas posições já expressas, respetivamente, no pedido de pronúncia arbitral e no requerimento de resposta à matéria de exceção, e na resposta apresentada.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
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Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções, de:
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Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
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Inimpugnabilidade da autoliquidação do ato tributário de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário;
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Caducidade do direito de ação;
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A apreciação das exceções será efetuada pela ordem supra identificada, a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
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DA MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
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Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma instituição financeira de crédito de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
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Em 15 de dezembro de 2020, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), referente ao ano de 2020, tendo apurado um valor a pagar de € 49.388,42.
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Em 15 de dezembro de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 49.388,42, referente ao Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), do ano de 2020
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Em 21 de setembro de 2023, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra o referido ato tributário de autoliquidação, tendo sido notificado por ofício de 23 de outubro de 2023 do projeto de decisão de revisão oficiosa, de rejeição liminar do pedido.
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Em 6 de novembro de 2023, a Requerente exerceu o direito de audição prévia.
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Por despacho de rejeição do Chefe de Divisão do Serviço Central, de 23 de novembro de 2023, praticado com subdelegação de competência, o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente rejeitado, com o seguinte teor:
“Concordando com o parecer e informação, determino a rejeição limiar do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disse se notificando a Requerente para nos termos do disposto nos artigos 35.º a 41.º do CPPE”
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A decisão de rejeição liminar baseou-se na informação dos serviços 282-AIR3/2023, que, entre o demais, é do seguinte teor:
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A decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa foi notificada à Requerente em 27 de novembro de 2024, através do ofício ...-DIT/2023, de 23-11-2023, remetido por carta registada sob o registo “RF...PT”.
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O pedido de pronuncia arbitral deu entrada em 23 de fevereiro de 2024.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
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Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
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Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
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Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
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Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, os pedidos formulados pelo Requerente são arbitráveis, isto é, se a apreciação do ato tributário de autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), decorrente de pedido de revisão oficiosa, objeto de decisão de rejeição liminar, se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.
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A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)
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Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.” (negrito nosso)
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Neste ponto a Requerida sustenta que em síntese a inidoneidade do meio processual utilizado, pela Requerente, ou seja, que o meio processual utilizado - pedido de pronúncia arbitral -, não era meio adequado para reagir à decisão de indeferimento, concretizada numa rejeição liminar, com fundamento na intempestividade do referido pedido de revisão oficiosa, mas antes, deveria ter apresentado uma Ação Administrativa, ao abrigo do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
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A posição sustentada pela Requerida não está de acordo com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de que:
“a Impugnação Judicial é o meio próprio de reacção processual desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação quer da legalidade da decisão administrativa quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o acto administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade da Reclamação Graciosa) quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação” – acórdão do STA, de 06.03.2024, proferido no processo n.º 0946/18.0BELRA
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Segundo o referido acórdão, que se acompanha, o ordenamento jurídico português garante a todos os interessados o direito de impugnar ou recorrer dos atos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, direito que, todavia, como é pacifico, deve ser exercido sob a forma processual e no tempo que legalmente estejam reconhecidos para esse efeito, devendo o Tribunal Arbitral proceder à convolação dos autos para a forma processual correta, inexistindo a tanto qualquer obstáculo, designadamente no que se refere à tempestividade da sua apresentação, conforme resulta dos artigos 20.º e 268.º da CRP e 95.º, n.º 1 e 97.º, n.º 2 e 3 da LGT.
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No que respeita à forma como deve ser aferida a idoneidade do meio processual, há muito o Supremo Tribunal Administrativo explicita que:
“(...) deve ser aferida pelo pedido concretamente formulado. E que só existe erro na forma do processo se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, e que, se perante o pedido formulado, subsistirem dúvidas ao intérprete e aplicador do direito, deve socorrer-se da real pretensão do autor (...)” - Neste sentido, veja-se, entre outros, o referido acórdão do STA e os acórdãos do mesmo tribunal de 28.05.2014, proferido no processo n.º 1086/13 e de 13.01.2021, proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR
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Ou seja, recorrer à causa de pedir invocada para total compreensão da real vontade, do fim que a Parte pretende alcançar com a instauração da concreta ação em presença, assim se alcançando uma justiça efetiva e não meramente formal.
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O referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.03.2024, proferido no processo n.º 0946/18.0BELRA, confrontado com a questão semelhante ao dos presentes autos, de saber qual o meio processual adequado para sindicar as liquidações nas situações em que a impugnação judicial foi precedida de recurso a meios graciosos, no âmbito dos quais o mérito dos atos de liquidação não chegou a ser apreciado, esclareceu ser entendimento reiterado e uniforme que a impugnação judicial é o meio próprio de reação processual, desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação, quer da legalidade da decisão administrativa, quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objeto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o ato administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade do meio gracioso), quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação. Também neste sentido, vide, entre outros, também os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2021 (proferido no processo n.º 698/13.4BEALM), de 13.10.2021 (proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR) e de 02.02.2022 (proferido no processo n.º 848/14.9BEAVR).
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Assim, haverá que concluir que a impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito, desde que na impugnação judicial essa ampla pretensão seja requerida, ou seja, desde que tal pedido seja formulado ao Tribunal.
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Desde que seja pedida a anulação de uma liquidação, ou atos equiparados como a autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, o meio adequado é sempre o processo de impugnação judicial, independentemente de a decisão administrativa de indeferimento, que é o objeto imediato se baseie apenas em razões formais. Sendo que desta conclusão necessariamente terá de decorrer a competência da instância arbitral.
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Ora, é exatamente isso que a Requerente faz nos presentes autos de arbitragem, em que peticiona, simultânea e expressamente, que fossem anuladas as decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que teve por objeto a autoliquidação e a anulação desta liquidação, sendo, pois, neste circunstancialismo, indiscutível a propriedade do meio processual – Pedido de Pronúncia Arbitral – de que a Requerente lançou mão.
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Se bem virmos o pedido feito nos presentes autos, verifica-se isso mesmo, uma vez que se pede expressamente que se “i) Determine a anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA;(...)”.
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Posto isto, constituindo o processo arbitral tributário um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a aprovar o RJAT), os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm todas as competências que têm os tribunais tributários em processo de impugnação judicial relativamente a atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
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Por isso, em face da referida jurisprudência, e por ter sido pedida a anulação da autoliquidação, são os Tribunais Arbitrais competentes, independentemente dos fundamentos de indeferimento do pedido de revisão, pelo que improcede a referida exceção.
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Questão prévia: inimpugnabilidade da autoliquidação do ato tributário de adicional de solidariedade sobre o setor bancário
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Acrescente-se ainda que, a competência do tribunal arbitral não é afetada por estar em causa um ato tributário de autoliquidação, que não foi objeto de recurso prévio à reclamação graciosa, cujo pedido deveria ter sido apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para pagamento do imposto.
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Na realidade, o recurso à via administrativa é exigido como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de retenção na fonte e de autoliquidação nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e da remissão por esta operada para o artigo 131.º do CPPT, que dispõe que a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.”. Porém, a referida alegação é, todavia, improcedente, pois o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesa.
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É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à reclamação graciosa, mas não ao pedido de revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
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Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas [Acórdão do STA, de 12.07.2006, proferido no processo 0402/06] veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
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Como referido por Carla Castelo Trindade [in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado”, Coimbra, 2016, Almedina, pp. 96-97]:
“(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP”.
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E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.
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Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
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Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que colocaria em causa a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011. Neste sentido, veja-se as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 245/2013-T e 678/2021-T.
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De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, proferido no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:
“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”.
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De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer.
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Em qualquer caso, independentemente da qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação e/ou de retenção na fonte que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, bem como não se verifica a exceção de inimpugnabilidade suscitada nos presentes autos.
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Questão prévia: caducidade
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A Requerida vem sustentar a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, a caducidade do direito a esta ação, uma vez que sustenta a inexistência de erro imputável aos serviços, que permitisse o recurso ao meio processual utilizado no prazo de 4 (quatro) anos. Neste sentido, sustenta que se tratando de um ato tributário de autoliquidação, não teve qualquer intervenção na emissão da autoliquidação em discussão nos presentes autos, no apuramento ou cálculo de imposto, pelo que, não existiu, no seu entender e objetivamente, qualquer prática de erro pela AT. Isto é, no seu entendimento a AT foi totalmente alheia ao procedimento de autoliquidação e, desse modo, nenhum erro lhe pode ser imputável. Com esta linha de raciocínio conclui que nenhum erro lhe é imputável, pelo que o pressuposto para a apresentação do pedido de revisão oficiosa não se encontra verificado e, assim, verifica-se uma situação de intempestividade.
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Com efeito, como se assinala na doutrina e na jurisprudência, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (neste sentido vide o artigo 266.º, nº 2, da CRP e artigo 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (vide, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Administrativo, de 07.04.2022, proferido no processo 02555/13, e doutrina aí citada).
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O referido dever de revogar os atos tributários ilegais tem assento nos diversos Códigos tributários e, em termos gerais, no artigo 78.º da LGT, que passa a transcrever-se na parte relevante:
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A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
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A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior [cfr. n.º 3 do normativo citado].
A revisão oficiosa é sempre efetuada pela entidade que praticou o ato [cfr. artigo 78º, n.º 1 da LGT] e pode ter lugar por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da Administração Tributária.
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De todo o modo, impende sobre a Administração Tributária o dever de concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação de erro na liquidação, que tenha conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei. Com efeito, o instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar atos ilegais e, como tal, a AT deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto, inclusivamente nos casos de autoliquidação e retenções na fonte.
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Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a atividade da AT impõem essa correção oficiosa. Assim, se por um lado é admissível a revisão do ato por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode promover a denominada «revisão oficiosa».
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Neste sentido, afirma a jurisprudência que:
“Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”» - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, de 19.11.2014, proferido no âmbito do processo n.º 0886/14.
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Embora o artigo 78º da LGT, no que tange a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do prazo da reclamação administrativa, no n.º 7 da mesma disposição legal, faz-se referência a “pedido do contribuinte”, para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.
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Idêntica referência é feita no n.º 1 do artigo 49º da LGT que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do artigo 86º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços». É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa».
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Todavia, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não o ato de liquidação dentro do prazo de reclamação administrativa, a que alude o artigo 78º, n.º 1 da LGT, pois, enquanto o pedido de revisão formulado naquele prazo pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, o pedido formulado para além daquele prazo apenas pode ter como fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação de coleta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios (cfr., neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.10.2005, proferido no processo n.º 0653/05, de 20.03.2002, proferido no processo n.º 26580, de 19.11.2003, proferido no processo n.º 01818/03, de 17.02.2002, proferido no processo n.º 01182/03, de 29.10.2003, proferido no processo n.º 0462/03, de 02.04.2003, proferido no processo n.º 01771/02, de 20.07.2003, proferido no processo n.º 0945/03, de 30.01.2002, proferido no processo n.º 26231, de 28.11.2007, proferido no processo n.º 0532/07 e de 21.01.2009, proferido no processo n.º 0771/08).
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Assim, a revisão do ato tributário por iniciativa da Administração Tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78º, n.º 7, da LGT e do artigo 86º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso de o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.03.2012, proferido no recurso n.º 01007/11].
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Com efeito, “é hoje jurisprudência assente a possibilidade de a revisão do acto tributário por iniciativa da AT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo, se o tributo ainda não estiver pago), prevista no n.º 1, 2.ª parte do art. 78.º da LGT, ser efectuada a pedido do sujeito passivo, como resulta do n.º 7 do mesmo artigo e do art. 86.º, n.º 4, alínea a) do CPPT” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/11/2016, proferido no recurso n.º 01524/15.
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Nessa medida, tendo o ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), no montante de 49.388,42, relativo ao ano de 2020, sido liquidado em 15 de dezembro de 2020, e respeitando o pedido de revisão oficiosa da liquidação o prazo de «quatro anos após a liquidação» consignado no artigo 78.º da LGT, [apresentado em 21.12.2023], importa concluir que inexiste qualquer extemporaneidade que obste à sua apreciação.
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Isto equivale a dizer que, o pedido de revisão oficiosa da liquidação mostra-se apresentado dentro do prazo que a lei confere à Requerente para proceder à sua instauração, ficando dependente, porém, da existência da verificação de «erro imputável aos serviços».
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Ora, no que tange ao requisito da verificação de «erro imputável aos serviços», igualmente tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo – em posição que se acolhe e sufraga, que:
“[e]mbora o conceito de erro imputável aos serviços” aludido na 2.ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, este abrangem erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetado pelo erro” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.02.2013, proferido no processo n.º 0839/11, apud Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.05.2016, no recurso n.º 0407/17.
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In casu, entende a Requerente que a autoliquidação Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) em causa nos autos não é devida em virtude da sua inconstitucionalidade, sustentando a sua posição, entre o demais, no facto das decisões arbitrais proferidas nos processos 504/2021-T 599/2022-T, 21/2023-T, 328/2023-T, terem declarado ilegais e anulado os atos tributários de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, bem como as respetivas decisões de indeferimentos dos meios graciosos apresentados. Ademais, em sede de resposta à matéria de exceção reforçou a sua posição com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente, as proferidas no âmbito dos acórdãos n.ºs 529/2024, de 2 de julho de 2024 (processo n.º 1058/2023) e 149/2024, de 27 de fevereiro de 2024 (processo n.º 638/2022), segundo os quais o regime jurídico do ASSB padece de inconstitucionalidade.
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Ora, como é consabido, ocorre o vício de erro sobre os pressupostos de facto quando houver uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto para a prática do ato, como acontece, por exemplo, quando está erradamente quantificada a matéria tributável ou se dá como existente um facto tributário que não existiu. Por outro lado, ocorrerá erro sobre os pressupostos de direito sempre que na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva, as que fixam taxas ou as que conferem isenções ou outros benefícios fiscais ou as que determinam a matéria tributável [cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª Edição 2011, Áreas Editora, anotação ao artigo 99º, pág. 115-116].
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A este propósito, conforme o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.09.2017, proferido no âmbito do processo 263/16.0BELLE, “Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, no prazo de tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito”.
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Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.2014, proferido no âmbito do processo 0886/14, entendeu que:
“existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”
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Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 07.04.2022, proferido no âmbito do processo 02931/16BEBRG, sustenta que:
“não pode bastar para atribuir o erro à atuação do sujeito passivo, entre o mais, a existência de uma declaração apresentada ou a prestação de uma informação, por este, aos serviços da AT, porquanto se tratam de comportamentos a que está, legalmente, vinculado, sendo imprescindível avaliar, ainda, o grau de determinabilidade e/ou essencialidade do conteúdo de tal conduta/elementos, no sentido da posição final, errónea, traduzida no ato tributário praticado (e a rever).”
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No caso específico dos atos tributários de autoliquidação, em que a Requerente (e genericamente todos os contribuintes) atua no lugar dos serviços, tributários através de uma certa privatização da administração fiscal, com base numa delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes, é forçosa a consideração do seu exercício como um verdadeiro ato tributário.
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No entanto, apesar da referida transferência de competências, a Requerida continua a estar vinculada ao princípio da legalidade - cfr. n.º 2 do artigo 266.º da CRP, artigo 55.º da LGT e n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Portanto, quando se esteja perante um ato tributário ilegal, ainda que de autoliquidação, independentemente, da respetiva autoria e de ser ou não favorável ao Estado, não deve subsistir na ordem jurídica, pelo que a Requerida tinha o dever de impulsionar o procedimento tributário, de modo a possibilitar a descoberta da verdade material.
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Assim, sem prejuízo das demais condições, uma vez que o erro decorreu de uma ilegalidade ou inconstitucionalidade do próprio imposto, considera-se esse erro “imputável aos serviços”, uma vez que em nada teve que ver com a conduta da Requerente, a qual se limitou a cumprir com o seu dever legal, no âmbito da referida transferência/delegação de poderes. Assim sendo, haverá de concluir pela existência de erro de direito imputável aos serviços.
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Tendo sido apresentado o pedido de revisão oficiosa da liquidação dentro do prazo de 4 anos, é o mesmo tempestivo, pelo que não se verifica, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de ação.
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A referida conclusão, com a aplicação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, torna desnecessária a apreciação da existência de injustiça grave e notória, que permitiria o pedido de revisão oficiosa da liquidação ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 4 e 5, da LGT, que estabelece que:
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
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Porém, mesmo que se entendesse de modo diferente, quanto à questão da existência ou não de erro imputável aos serviços da Requerida, sempre haveria de concluir estar-se perante uma situação de injustiça grave e notória, nomeadamente, atendendo ao facto de já existir julgamento de inconstitucionalidade formulado no Processo n.º 598/2022-T, confirmado, em recurso obrigatório, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024, onde este Tribunal veio ainda a decidir no mesmo sentido no acórdão n.º 529/2024, também em recurso interposto de decisão arbitral proferida no CAAD.
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Ademais, é igualmente evidente que tal erro nunca poderia ser apontado à Requerente.
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Neste contexto, é entendimento deste tribunal a existência de um prejuízo efetivo e suficientemente grave, que sempre justificaria o afastamento do ato tributário em causa, nomeadamente, porque estamos perante uma situação que lesaria fortemente os interesses da contribuinte, bem como, tal injustiça é patente e inequívoca.
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Com efeito, não se poderá olvidar estar-se perante um imposto que o próprio Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de declarar inconstitucional, razão pela qual, não podem subsistir dúvidas sobre a injustiça grave e notória.
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Neste sentido, de acordo com a Doutrina já referida supra (José Maria Fernandes Pires), a referida norma do n.º 4 do artigo 78.º da LGT:
“estabelece, também, como condição da revisão a impossibilidade de imputar o erro da liquidação a comportamento negligente do contribuinte. Porém, a negligência do contribuinte impede a revisão quando concorre para a formação do erro na liquidação, sendo irrelevante a negligência que contribua para a manutenção da liquidação na ordem jurídica. Dizendo de outra forma, o facto de o contribuinte não ter reagido, com reclamação graciosa ou impugnação judicial, atempadamente, à liquidação viciada, não é suficiente para impedir a revisão dessa liquidação. A entender-se que nestes casos de não actuação do contribuinte pelos meios de defesa procedimentais ou processuais, haveria negligência do contribuinte para efeitos do n.º4 do artigo 78.º [da LGT], reduziria este preceito a uma situação de quase inutilidade, pois é exatamente nos casos em que o sujeito passivo não utilizou a reclamação graciosa ou a impugnação judicial que a revisão se revela de maior relevância, servindo como mecanismo de segurança perante as situações de maior gravidade.”
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Neste sentido, encontrando-se o pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de três anos, também com este motivo seria o pedido formulado pela Requerente tempestivo, pelo que se indefere a matéria de exceção alegada a título de caducidade, seja por aplicação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, seja por aplicação do artigo 78.º, n.º 4 e 5, da LGT.
Assim, há que conhecer o pedido da Requerente.
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regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário
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O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.
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O ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).
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O ASSB tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º.
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O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3). O n.º 4 desse artigo 4.º esclarece ainda que [a] base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.
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Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º referem-se, respetivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o artigo 9.º, sob a epígrafe “Consignação da Receita”, declara que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
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Resta referir que a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, em consonância com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, limita-se a assinalar que “[é] igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
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qualificação jurídica do adicional de solidariedade sobre o setor bancário
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Analisado, em traços gerais, o regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, cabe ainda uma referência preliminar quanto à qualificação jurídica que lhe poderá ser atribuída.
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A LGT, aprovada em 1998, no seu artigo 3.º, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
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Aí se explicita que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (n.º 1), e as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (n.º 2). No que se refere às contribuições especiais, o n.º 3 desse artigo apenas especifica que “[a]s contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos”.
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Em tese geral, o imposto constitui uma “prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito de angariação de receita”, ao passo que a taxa se caracteriza como “prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”, distinguindo-se essas duas espécies de tributos pelo seu carácter de unilateralidade ou bilateralidade (cfr., na linha de outros Autores, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 214 e 240).
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Por seu lado, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
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A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095).
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Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 287).
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Trata-se, neste caso, de tributos de natureza bilateral ancorados numa lógica grupal ou de equivalência de grupo, por oposição ao que sucede com a figura das taxas, que se alicerça num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem (cfr. Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 86-87 e nota 132). E que dependem, do mesmo modo, do preenchimento de três diferentes requisitos: a homogeneidade do grupo, que pressupõe uma distinção face à carga impositiva geral que incide sobre a generalidade dos contribuintes, a responsabilidade de grupo, que implica uma relação específica entre o cada grupo homogéneo e certas necessidades de ordem financeira, e a utilidade de grupo, que tem por base o facto de estes tributos assentaram num princípio de equivalência de grupo, de forma a que a receita é utilizada no interesse de todo o grupo, e não especificamente de um contribuinte individual (idem, págs. 87-90).
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Como se deixou dito, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
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E, assim, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).
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E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo.
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Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).
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violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva
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Começando-se a apreciação dos vícios apontados pela pretensa violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade tributária, o Requerente imputa ao regime do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário a violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, na medida em que cria uma imposição injustificada sobre um grupo seletivo de contribuintes e um tratamento discriminatório entre sujeitos passivos colocados na mesma situação, em face de uma necessidade de financiamento geral.
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Para dar resposta a estas questões deve começar por efetuar-se, ainda que em termos sucintos, a caracterização dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.
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Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).
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Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).
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Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).
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Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».
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O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».
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O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.
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Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).
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Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).
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Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constituir receita geral do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).
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Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira.
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A Contribuição sobre o Sector Bancário foi criada pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, entretanto alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, como uma contribuição extraordinária, que constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).
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O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da Contribuição sobre o Sector Bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objetivos que se pretendiam atingir, aí se afirmando (pág. 73):
«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.
A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em Estados terceiros».
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Face ao seu regime jurídico, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados à respetiva entidade ou agência de regulação. Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.
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E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objetivo é assinalado na nota preambular da Portaria nº 121/2011, de 30 de março, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos «em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados Membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados».
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Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.
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Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira (cfr., neste preciso sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 706/2018-T).
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Contrariamente, o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.
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A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.
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O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já transcrito, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.
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No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.
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E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.
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A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e o artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno. E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).
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Acresce que, como esclarece Clotilde Celorico Palma, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.ª edição, págs. 172-174).
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Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda Sérgio Vasques, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, Angelina Tibúrcio, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160).
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Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)
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Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala Saldanha Sanches, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).
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Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.
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Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).
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Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
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As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.
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Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, Sérgio Vasques considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).
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Como explicita Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento-acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviços. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).
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No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.
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A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.
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Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.
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No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.
Em conclusão:
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As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
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Resta acrescentar que, no mesmo sentido, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 598/2022-T, 674/2022-T e 324/2023-T, e, entretanto, o julgamento de inconstitucionalidade formulado no Processo n.º 598/2022-T foi confirmado, em recurso obrigatório, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024. O Tribunal Constitucional veio ainda a decidir no mesmo sentido no acórdão n.º 529/2024, também em recurso interposto de decisão arbitral proferida no CAAD.
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Em consequência, os atos de autoliquidação de ASSB relativos ao período de tributação de 2020, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzida, é ilegal, pelo que, em consequência, não se apreciam os demais vícios imputados ao ato tributário de autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário.
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juros indemnizatórios
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A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
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De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
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Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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No entanto, em caso de autoliquidação, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a pedido de revisão oficiosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 22 de novembro de 2024.
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Nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. c), da LGT:
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
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Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de autoliquidação do ASSB ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 3, al. c), da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 22 de setembro de 2023, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais, até à data do processamento da respetiva nota de crédito (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
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DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Singular:
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Declarar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
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Declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao período de tributação de 2020, no valor total de € 49.388,42, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzida;
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Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 22 de setembro de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo arbitral.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 49.388,42 (quarenta e nove mil trezentos e oitenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.
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CUSTAS
Custas no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarente e dois euros), a cargo da Requerida, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Notifique-se.
Porto, 4 de novembro de 2024
O Árbitro
(Rui Miguel Zeferino Ferreira)
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