SUMÁRIO:
1. Para efeitos de determinação do coeficiente a aplicar aos rendimentos da categoria B do IRS, há que atender à situação concreta e real e não apenas à situação formal que resultam do cadastro da AT ou de outros registos de actividade, desde que essas declarações ou a sua omissão não determinem a invalidade substancial dos negócios jurídicos.
2. Deve aplicar-se em matéria fiscal o princípio da prevalência da substância sobre a forma, sendo que nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade.
3. A garantia prestada para suspender uma execução fiscal, por meio de hipoteca voluntária, não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53º nº 1 da LGT e 171º do CPPT.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18/03/2024, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:
1. Relatório:
A..., titular do NIF ..., e B..., titular do NIF ..., casados e ambos residentes na Rua ..., nº..., ...-... Carnaxide vêm, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e na alínea a) do nº 1 do artigo 10º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99º e da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, ambos do Código do Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL (PPA) tendo em vista a anulação das decisões das reclamações graciosas deduzidas contra o IRS (adicional) do ano de 2018 (liquidação nº 2022...) no valor de 30.879,63€ (trinta mil, oitocentos e setenta e nove euros e sessenta e três cêntimos) o IRS (adicional) do ano de 2019, (liquidação n.º 2022...,), no valor de 20.625,75€, (vinte mil, seiscentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e o IRS (adicional) do ano de 2020 (liquidação nº 2022...), no valor de 821,60€ (oitocentos e vinte e um euros e sessenta cêntimos), bem como a anulação destas liquidações, nos termos e com os fundamentos a seguir indicados. Este pedido de pronúncia arbitral abarca a anulação das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2018, 2019 e 2020, em cumulação de pedidos permitida pelo artº 104 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), uma vez que estão preenchidos os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 daquele artigo (pedidos que têm por base as mesmas circunstâncias de facto, a serem decididos com base na aplicação das mesmas normas e a que corresponde a mesma forma processual).
1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 9/1/2024 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo os requerentes optado pela não designação de árbitro.
Por despacho de 27/2/2024 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado para árbitro o ora subscritor, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 18/3/2024, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;
A 26/4/2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, juntando processo administrativo (PA), tendo, em 29/4/2024, o CAAD notificado o requerente da Resposta da AT e do processo administrativo.
Por despacho de 2/7/2024, foi designada data para a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT, com a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente.
Nessa reunião e após a inquirição das testemunhas foram notificadas as partes para alegações no prazo de 10 dias sucessivos, o que ambas apresentaram, sendo os requerentes notificados para juntar documentos e dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ou seja, pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral, o que também realizou em 16/9/2024.
Nessa reunião, foi ainda decidido a prorrogação do prazo da arbitragem por mais 2 meses.
1.2 – Posição dos Requerentes
Os requerentes são proprietários de várias frações do imóvel sito na R..., nº ..., em Lisboa, tendo-se o 1º Requerente inscrito nas Finanças, para efeitos fiscais, pela atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas”, com o CAE 55201, que pretendia exercer nesse imóvel, ficando enquadrado no sistema de “regime simplificado” do IRS e no regime trimestral do IVA.
Porém, em 31/08/2017, o Requerente celebrou um contrato de cedência de exploração do imóvel acima identificado com a sociedade C... Lda., pelo que relativamente a cada um dos anos de 2018, 2019 e 2020, apresentaram os requerentes, por via eletrónica, a declaração modelo 3 de IRS com o anexo B referente aos rendimentos da categoria B auferidos pelo 1º Requerente indicando no quadro 1, o campo 01 (“Regime Simplificado de Tributação”) e, no quadro 4A, o campo 414 (“Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores”), com os valores neles referido, que correspondiam aos montantes das faturas/recibos (os chamados “recibos verdes”) que o 1º Requerente emitiu, e que correspondem à contrapartida que anualmente (em cada um dos anos de 2018, 2019 e 2020) recebeu por aquele contrato de cedência de exploração. Com base nos elementos assim declarados, a AT procedeu às liquidações do IRS daqueles anos (2018, 2019 e 2020), que foram oportunamente pagas.
Mais tarde, em 18/10/2022, o Requerente foi notificado pela AT de uma divergência naquelas declarações apresentadas (uma notificação para cada um dos anos em causa), informando que, segundo a AT, “se constatou a existência de incorreções no preenchimento do Quadro 4 do anexo B, nomeadamente no preenchimento do Campo 414, quando deveria ser o Campo 417, uma vez que este é o campo específico para declarar rendimentos da atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas” por si exercida.”
O Requerente justificou a divergência, alegando que, se “em determinada altura, o requerente teve intenção de exercer a atividade de “alojamento local”, naquele imóvel, tendo-se até inscrito nas Finanças para o exercício dessa atividade, optou posteriormente por celebrar um contrato de cessão da gestão, administração e exploração daquelas frações a uma empresa para promover a sua exploração através da prestação de serviços de alojamento temporário, pelo que não exerce a atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas”, sendo esta actividade exercida pela empresa à qual o requerente cedeu a exploração das frações autónomas”.
Apesar disso, foi em 24/11/2022, notificado do indeferimento das suas audições prévias e da intenção de a AT proceder à correção do Anexo B, pela transferência para o campo 417 do quadro 4A do valor dos rendimentos inscritos no campo 414 do mesmo quadro, com a fundamentação de que “atendendo que todos os recibos verdes eletrónicos emitidos por V. Exª no Portal das Finanças no ano de (2018/2019/2020), mencionam como atividade exercida “prestação de serviços de Alojamento Local” e a atividade com que se encontra inscrito no cadastro da AT é “Alojamento Local para Turistas com o CAE 55201, informamos que se irá manter o respetivo projeto de decisão (…) alterando o valor inscrito no campo 414 do quadro 4 do Anexo B para o campo 417”.
Posteriormente, em 22/11/2022, e com base naquela correção em cada uma das declarações, foram emitidas, em nome dos Requerentes as seguintes liquidações adicionais: IRS (adicional) do ano de 2018 (liquidação nº 2022...) no valor de 30.879,63€ (trinta mil, oitocentos e setenta e nove euros e sessenta e três cêntimos), IRS (adicional) do ano de 2019, (liquidação de IRS n.º 2022...,), na qual foi apurado o imposto a pagar no montante de 20.625,75€, (vinte mil, seiscentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e IRS (adicional) do ano de 2020 (liquidação nº 2022...), no valor de 821,60€ (oitocentos e vinte e um euros e sessenta cêntimos).
Apesar de terem deduzido contra essas liquidações 3 reclamações graciosas, uma para cada ano, todas elas foram indeferidas, com a fundamentação de que “consultados os elementos ao dispor dos serviços, verifica-se que o sujeito passivo encontra-se coletado pela atividade de “alojamento mobilado para turistas” e no ano de (2018/ 2019/ 2020) emitiu faturas-recibo pela atividade de “Alojamento mobilado para turistas” e descreveu o serviço prestado como “prestação de serviços de alojamento local”, conforme referido, não sendo relevante o contrato apresentado que configura ser um contrato de promessa de cedência, uma vez que no seu objeto refere “… o primeiro outorgante promete ceder…” e”… à C..., que por sua vez promete aceitar…, acrescentando ainda que, em 29/12/2022 foi entregue declaração de alterações, na qual o reclamante acrescentou com efeitos retroativos a 15/05/2017 a atividade de “outros prestadores de serviços”, pelo que face aos elementos referidos entende a AT que não existe qualquer evidência ou prova de que os rendimentos auferidos não o tenham sido no âmbito do exercício da atividade de alojamento local”.
Entendem os requerentes que as liquidações controvertidas são ilegais, por violação do disposto no artº 31º. do CIRS, pelo que apresentaram o presente pedido de pronuncia arbitral.
Entende a AT, segundo os requerentes, que esses rendimentos devem ser tributados como rendimentos auferidos pelo exercício da atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas”, justificando esse entendimento pelo facto de o requerente se ter inscrito nas Finanças para o exercício dessa atividade e de ter indicado nas faturas-recibo (vulgarmente chamados “os recibos verdes”) o CAE dessa atividade, pelo que segundo os requerentes, a AT pretende tributar determinados rendimentos não pela sua natureza substantiva, mas pelo formalismo de uma indicação de determinada atividade/CAE, nas faturas/recibo, ainda que tenha sido incorretamente referida.
É que o 1º Requerente não exerce (nem nunca exerceu), nem especificamente quanto aos anos de 2018, 2019 e 2020 exerceu a atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas”, sendo certo que, segundo alegam, se a atividade fosse efectivamente essa, então o IVA a liquidar pelo Requerente nas faturas emitidas seria à taxa de 6% (taxa aplicável aos rendimentos provenientes de Alojamento Local). Porém, a taxa aplicada nas facturas-recibos (correctamente, segundo os requerentes) foi de 23%, precisamente por não se tratar de rendimentos daquela natureza. Reconhece o requerente que, aquando da celebração daquele contrato de cedência de exploração, deveria ter entregado uma declaração de alterações, acrescendo uma outra atividade que comportasse a natureza dos rendimentos que passou a usufruir – provenientes de uma cessão de exploração, e que a descrição aposta nos “recibos verdes” seja incorreta, situação que já foi regularizada com a entrega em 2022 de uma declaração de alterações, reportada a 2017, em que se indica um Código/CAE que comporte fiscalmente a realidade – cedência de exploração de imóvel para fins turísticos ou de arrendamento de longa duração -, mas não sanável na parte da descrição dos “recibos verdes”, por impossibilidade funcional do sistema informático e a que o impugnante é alheio.
Não questiona, que os rendimentos por si obtidos, que lhe advêm da cessão da exploração, sejam considerados para efeitos de tributação em IRS, como rendimentos da categoria B,
enquadramento que está expressamente previsto nessa categoria B (cfr. artº 3, nº 2-e) do CIRS), pelo que é pacífico que aqueles rendimentos, para efeitos de tributação em sede de IRS, sejam enquadrados na Categoria B.
Por isso e conforme dispõe o artº 31 do CIRS e uma vez que o impugnante está enquadrado no regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação de um dos coeficientes aí previstos.
Mas a AT, nas liquidações controvertidas, aplicou o coeficiente de 0,35 por considerar que esses rendimentos são rendimentos do exercício da atividade de AL “Alojamento Mobilado para Turistas” e que, por isso mesmo, colocou no campo 417 do Anexo B da declaração oficiosa, mas segundo os requerentes isso não é correcto, porque esses rendimentos não resultam do exercício dessa atividade, mas são sim rendimentos provenientes da cedência de um contrato de exploração de um imóvel licenciado para o exercício de atividade de natureza turística ou de arrendamento de longa duração.
Por isso, embora rendimentos da Categoria B, não são rendimentos subsumíveis no conceito de prestação de serviços do Código do IRS, atento o facto de, no CIRS, o legislador ter acolhido a noção de prestação de serviços plasmada no artº 1154 do Código Civil, pois as prestações de serviços no Código do IRS seguem a linha civilista desse conceito e não a linha residual do Código do IVA.
O contrato de cessão de exploração não cabe, manifestamente, nesse conceito de “prestação de serviços”, pelo que não estamos, pois, perante rendimentos provenientes de uma “prestação de serviços”[1], mas sim provenientes de outra natureza, ainda que estes, como aqueles, sejam considerados rendimentos da Categoria B do IRS, conforme o prescrito no artº 3º do CIRS, nomeadamente no nº 2 desse artigo, em que estão incluídas as importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento (como é o caso em análise), não sendo, por isso, rendimentos incluídos no nº. 1, ou seja, rendimentos tipificados como rendimentos comerciais, profissionais ou decorrentes de prestações de serviço, mas que o legislador entendeu serem de incluir nesta Categoria B.
O CIRS diz que o rendimento tributável sujeito a imposto é apurado pela aplicação do coeficiente previsto no artº 31 do CIRS, consoante a natureza dos rendimentos e nessa norma impõe-se que “a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
• 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
• 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
• 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores;
Ora, sendo os rendimentos recebidos pelos requerentes rendimentos de qualquer atividade profissional prevista na tabela do artº 151 do CIRS, não é aplicável o coeficiente 0,75, bem como não sendo rendimentos de prestações de serviços, não é aplicável o coeficiente 0,35.
Portanto, segundo os requerentes, estamos perante “rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”, pelo que aos rendimentos provenientes de uma cessão de exploração, e que são inquestionavelmente rendimentos da Categoria B, aplica-se o coeficiente 0,10 previsto na alínea f) do nº 1 do artº 31 do CIRS, para apuramento do rendimento tributável que vai servir para a liquidação do imposto, porque estamos perante “rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”, na terminologia do legislador, sendo ilegal a aplicação do coeficiente 0,35 aos rendimentos auferidos pelo 1º Requerente, por se fazer um enquadramento incorreto da atividade concretamente por si exercida, tendo a AT efetuado as liquidações controvertidas com violação das normas e regras previstas no artº 31 do CIRS, resultando daí liquidações ilegais, sendo essas liquidações, da iniciativa da AT, viciadas por erro nos pressupostos de facto com a consequente aplicação incorreta das normas legais aplicáveis à situação.
Conclui pedindo a anulação dessas liquidações e a restituição, com juros indemnizatórios, do valor das prestações da quantia liquidada, com a condenação da AT à indemnização por despesas com a prestação de garantia indevida que consistiu na hipoteca do imóvel, sito na Rua ...nº ..., ..., da freguesia de ... em Lisboa, que é propriedade dos Requerentes.
1.3 – Posição da Requerida
Por sua vez, a requerida entende que a exploração de estabelecimentos de alojamento local corresponde ao exercício da atividade de prestação de serviços de alojamento, sendo geradora de rendimentos empresariais da Categoria B, conforme o disposto na alínea h) do nº 1 do art.º 4.º do CIRS.
Neste âmbito, é possível identificar três situações-tipo, com as inerentes implicações ao nível da qualificação e enquadramento tributário dos rendimentos:
• Sendo o proprietário do estabelecimento de alojamento local o próprio titular da exploração, o rendimento obtido enquadra-se na categoria B;
• Sendo o proprietário do estabelecimento de alojamento local pessoa distinta do titular da exploração, o rendimento obtido enquadra-se, para o mesmo, na Categoria F, salvo opção de tributação segundo as regras da Categoria B;
• Sendo o proprietário do estabelecimento de alojamento local, inicialmente, o titular da exploração e, nesse âmbito, cede a exploração a outro titular, o rendimento obtido enquadra-se na Categoria B, quer para o cedente, quer para o cessionário;
Ora, em conformidade com a al. e) do n.º 2 do art.º 3.º do CIRS, consideram-se ainda rendimentos empresariais e profissionais, as importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento.
O regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, com a alteração dada pela Lei n.º 62/2018, de 22/08, considera “estabelecimentos de alojamento local” aqueles que prestam serviços de alojamento temporário, nomeadamente a turistas, mediante remuneração, que reúnam os requisitos previstos no referido Decreto-Lei, e que estejam integrados numa das seguintes modalidades: (i) moradia; (ii) apartamento; (iii) estabelecimentos de hospedagem; (iv) quartos.
Acrescenta que, de acordo com este Regime, quanto ao registo dos estabelecimentos (art.º 5.º), o registo é efetuado mediante uma comunicação prévia com prazo obrigatória e condição necessária para a exploração de estabelecimentos de alojamento local. A comunicação prévia com prazo é dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente e realizada exclusivamente através do Balcão Único Eletrónico previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que confere a cada pedido um número de registo de estabelecimento de alojamento local se, findo o prazo de 10 ou 20 dias, não se verificar oposição por parte do mesmo Presidente da Câmara.
Quanto à mera comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal, refere o art.º 6.º do Regime os elementos informativos e os documentos que devem constar dessa comunicação, sendo que o titular da exploração do estabelecimento é obrigado a manter atualizados todos os dados comunicados, devendo proceder a essa atualização no Balcão Único Eletrónico no prazo máximo de 10 dias após a ocorrência de qualquer alteração, bem como deve comunicar a cessação da exploração do estabelecimento de alojamento local através do Balcão Único Eletrónico no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência.
No caso dos autos, o Requerente apresentou declaração de início de atividade em 2017.05.15, na qual indicou que iria começar a exercer desde essa data a atividade com o CAE Principal 55201 ALOJAMENTO MOBILADO PARA TURISTAS.
A atividade de alojamento local em sede de IRS, enquadra-se na exploração de estabelecimentos de alojamento local, nos termos da al. h) do n.º 1 do art.º 4º do CIRS, aplicável ex vi al. a) do nº 1 do art.º 3.º do mesmo código, corresponde ao exercício da atividade de prestação de serviços de alojamento, sendo geradora de rendimentos empresariais da Categoria B, pelo que as importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento constituem rendimentos subsumíveis à categoria B do IRS, nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 3º, dado que a cessão de exploração (ou locação do estabelecimento) tem caráter temporário e o cedente, titular do estabelecimento, aufere rendimentos ainda imputáveis ao mesmo.
Quanto à determinação do rendimento tributável, segundo a requerida, devem os rendimentos provenientes da cessão de exploração ser tributados pelo coeficiente 0.35, nos termos previstos na al. c) do nº 1 do art.º 31.º do CIRS (na redação vigente à data dos factos), porquanto, nestas situações, o proprietário cede a exploração do imóvel a terceiros (sejam eles pessoas singulares ou coletivas) e são estes quem exploram o imóvel e são titulares do registo como alojamento local, não se aplicando o coeficiente 0.10 previsto na al. f) do n.º 1 do citado artigo, porquanto, havendo uma cessão temporária da exploração de um estabelecimento local, o cedente não deixa de ser titular tanto do imóvel como do estabelecimento, recebendo rendimentos das prestações de serviços imputáveis ao mesmo, que no caso em apreço são consubstanciados em rendas mensais e 25% da faturação cobrada trimestralmente, pelo que, nesta medida, os rendimentos auferidos pelo Requerente devem ser qualificados como provenientes de prestações de serviços de alojamento imputáveis a uma atividade empresarial.
Acresce que, segundo a requerida, estando em causa prestações de serviço de alojamento, as mesmas têm enquadramento na Tabela de Atividades a que se refere o art.º 151.º do CIRS, no seu número 15-Outras atividades exclusivamente de prestações de serviços, com o código 1519 - outros prestadores de serviços, pelo que, para a determinação do rendimento tributável, aplica-se o coeficiente 0.35 previsto na al. c) do nº 1 do art.º 31.º do CIRS, uma vez que estamos perante rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores.
Anota ainda a requerida que, quanto ao “contrato de cedência, gestão e exploração de imóvel” apresentado pelos ora Requerentes, verifica-se no seu objeto, que o mesmo é um contrato-promessa, em que o 1.º Requerente promete ceder a gestão e exploração do imóvel, completamente equipado e mobilado, bem como, a licença de alojamento local à C..., Ld.ª, e esta promete aceitar, ou seja, estamos perante um contrato-promessa e não perante um contrato definitivo.
Além disso, a cedência da exploração do estabelecimento de alojamento local terá que ser comunicada ao Balcão Único Eletrónico (BUE), mediante o preenchimento do formulário, passando a constar do registo o novo titular da exploração daquele estabelecimento de AL, nos termos do art.º 6.º, n.º 3, do RJAL, e, a cessão da exploração do estabelecimento de alojamento local é comunicada através do BUE no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência, nos termos do n.º 3 e n.º 4 do art.º 6.º do mesmo regulamento e do Registo Nacional de Alojamento Local. Verifica-se que os registos de alojamento local em causa têm como identificação do titular o ora Requerente, e não a sociedade que consta no contrato apresentado (C... LDA, NIPC...), o que significa que não houve cessão de exploração por parte do Requerente, pois caso tivesse havido, a mesma teria que ter sido comunicada através do Balcão Único Eletrónico no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência.
Alega ainda a requerida que, da consulta à aplicação do sistema informático “Visão Integrada do Contribuinte” – Informação Cadastral, tem como sócio gerente o ora Requerente, A..., contribuinte fiscal n.º ..., o que contradiz a afirmação do Requerente no art.º 6º do seu articulado, onde diz que “(…) depois de tomar conhecimento da logística necessária ao exercício dessa atividade, percebeu que não tinha disponibilidade para a exercer e optou por celebrar um contrato de cessão de gestão, administração e exploração daquelas frações a uma empresa(…)”.
Conclui não assistir razão aos requerentes e pelo que os actos ora impugnados devem manter-se na ordem jurídica.
Deste modo, entende a requerida que não há que proceder a qualquer devolução, muito menos com juros indemnizatórios, acrescentando que o direito de indemnização por prestação de garantia indevida apenas pode ser reconhecido nos casos em que tenha sido oferecida garantia bancária ou equivalente (seguro-caução), o que não sendo o caso dos autos, não pode a Requerida ser condenada no presente processo arbitral no pagamento da indemnização prevista no art.º 53.° da LGT e 171.° do CPPT[2].
2. Despacho saneador:
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que devam ser conhecidas, ainda que oficiosamente
3. Fundamentação de facto.
Considerando os articulados das partes, os documentos juntos, o processo administrativo, bem como os depoimentos das testemunhas são considerados provados os factos que a seguir se indicam.
3.1 - Factos provados:
a) Os requerentes são proprietários das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... de um edifício sito na Rua ... n°..., ...-... Lisboa. (provado pelo doc. 2 junto com o PPA, contrato de cedência, gestão e exploração de imóvel e acordo das partes).
b) O requerente cumpriu as formalidades e comunicações exigidas, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08 (Regime Jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local) para constituição do estabelecimento de alojamento local em seu nome. (provado por acordo das partes)
c) O 1.º Requerente apresentou declaração de início de atividade em 2017.05.15, na qual indicou que iria começar a exercer desde essa data a atividade com o CAE Principal 55201 alojamento mobilado para turistas que pretendia exercer nesse imóvel, ficando enquadrado no sistema de “regime simplificado” do IRS e no regime trimestral do IVA (provado pelo documento 1 junto com o PPA).
d) Em 7/8/2017 foi constituída a sociedade por quotas C... LDA, com o NIPC: ... e sede na Rua ..., nº. ..., ..., em Lisboa, levada ao registo nessa mesma data. (provado pela certidão permanente junta em 19/9/2024, que não foi objecto de qualquer impugnação).
e) Com a data nele aposta de 31/08/2017, o Requerente celebrou um contrato designado de cedência de exploração das fracções referidas na al. a) com a sociedade C... Lda., não se tendo determinado quem outorgou esse contrato em nome desta sociedade. (provado pelo documento 2 junto com o PPA).
f) O requerente é sócio-gerente (único gerente) da sociedade por quotas C..., LDA., com NIPC ..., desde a sua constituição, detendo uma quota correspondente a 50% do capital social, sendo que a sociedade mudou a sua sede em Novembro de 2020, da Rua ..., ..., ..., em Lisboa para a Rua ..., nº ..., também em Lisboa. (provado pelo documento de Certidão Permanente dessa sociedade junto em 19/9/2024, com as alegações dos requerentes).
g) Nos termos do referido contrato, o requerente “promete ceder a gestão, administração e exploração exclusiva do IMÓVEL completamente equipado e mobilado, bem como a sua Licença de Alojamento Local, à C..., que por sua vez promete aceitar, para que esta promova a sua exploração através da prestação de serviços de alojamento temporário e/ou arrendamento de curta ou longa duração a terceiros, contra o pagamento de uma retribuição”. (provado pela cláusula 1 do documento 2 junto com o PPA).
h) Esse contrato foi celebrado “por um período inicial de dois anos, a contar da data da assinatura do mesmo, renovável automaticamente por períodos de um ano, salvo denúncia, a qual deverá ser comunicada à contraparte com uma antecedência mínima de quinze dias em relação à data pretendida para a produção de efeitos, sempre sem prejuízo das reservas efectuadas até ao termo do contrato”. (provado pela cláusula 7.1 do documento 2 junto com o PPA).
i) Nos anos de 2018, 2019 e 2020, a sociedade C..., LDA promoveu as fracções cedidas pelo requerente, geriu as reservas, facturou aos clientes, pagou as comissões aos operadores turísticos, prestou os serviços de limpeza e manutenção dos apartamentos para que servissem para serviço de alojamento local e pagou as taxas municipais. (provado pelos depoimentos das testemunhas D... e E... prestados em inquirição, esclarecendo-se que a primeira, apesar de só ter começado a trabalhar na empresa em 9/3/2020, esteve em contacto com o anterior director do “hotel”, que lhe referiu que era assim que tudo se passava desde o início da actividade)
j) Pela cedência para exploração dos 7 apartamentos, o requerente receberia desde 1 de Outubro de 2017, da sociedade C..., LDA, os seguintes valores:
(a) 10.000,00€ (dez mil euros) mensais, IVA não incluído,
(b) 25% do valor da facturação, excluindo IVA, cobrada trimestralmente e abatendo o valor fixo definido no ponto anterior. (provado pelo contrato junto sob o nº. 2 com o PPA, cláusula 6.1)
k) Por força do contrato referido na al. c) destes factos provados, o referido contrato era celebrado em regime de exclusividade, que significava que o requerente não podia celebrar qualquer contrato cujo objecto coincidisse ou se assemelhasse ao objecto desse contrato, na medida em que inclua no respectivo âmbito a promoção e/ou a gestão da ocupação do imóvel do requerente. (provado pelo contrato junto sob o nº. 2 com o PPA, cláusula 6.3)
l) Conforme declarações de IRS do requerente, na respectiva Modelo 3, este recebeu no ano de 2018, a quantia de 195.500,00€, no ano de 2019, a quantia de 178.000,00€ e no ano de 2020, 55.000,00€, sendo todas estas quantias alegadamente recebidas a título de rendimentos profissionais, comerciais e industriais. (Provado pelo documento 3 junto com o PPA e acordo das partes)
m) De todos os montantes referidos na alínea anterior, o requerente emitiu as correspondentes facturas/recibos (os chamados “recibos verdes”) (provado por acordo das partes e documento 4 junto com o PPA)
n) Nas facturas/recibos referidas na alínea anterior, o requerente indica a sociedade C..., LDA como entidade pagadora, a actividade exercida como a de “alojamento local para turistas” e com a descrição “cedência de exploração – alojamento local” e o respectivo mês de pagamento (provado pelo documento constante a título de exemplo a fls. 43 (22) de cada um dos processos administrativos relativos a cada reclamação graciosa)
o) Em 18/10/2022, o requerente foi notificado pela AT de uma divergência naquelas declarações apresentadas (uma notificação para cada um dos anos em causa) com o seguinte teor:
“(Código D71 – coerência de Código de Atividade, cadastro e rendimentos declarados) segundo a qual, (diz a AT), constatou-se a existência de incorreções no preenchimento do Quadro 4 do anexo B, nomeadamente no preenchimento do Campo 414, quando deveria ser o Campo 417, uma vez que este é o campo específico para declarar rendimentos da atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas” por si exercida.” (provado pelo documento 5 junto com o PPA).
p) O requerente justificou a divergência, nos seguintes termos:
Depois de tomar conhecimento da logística necessária ao exercício dessa atividade (de alojamento local), percebeu (o requerente) que não tinha disponibilidade para a exercer e optou por celebrar um contrato de cessão da gestão, administração e exploração daquelas frações a uma empresa para promover a sua exploração através da prestação de serviços de alojamento temporário. Ou seja, o requerente não exerce a atividade de “Alojamento Mobilado para Turistas”. Quem exerce essa atividade é a empresa à qual a requerente cedeu a exploração das frações autónomas” (provado pelo processo administrativo).
q) Em 24 de Novembro de 2022, foi o Requerente notificado do indeferimento das suas audições prévias e da intenção de a AT proceder à correção do Anexo B, pela transferência para o campo 417 do quadro 4A do valor dos rendimentos inscritos no campo 414 do mesmo quadro, com a fundamentação de que “atendendo que todos os recibos verdes eletrónicos emitidos por V. Exª no Portal das Finanças no ano de (2018/2019/2020), mencionam como atividade exercida “prestação de serviços de Alojamento Local” e a atividade com que se encontra inscrito no cadastro da AT é “Alojamento Local para Turistas com o CAE 55201, informamos que se irá manter o respetivo projeto de decisão (…) alterando o valor inscrito no campo 414 do quadro 4 do Anexo B para o campo 417”. (acordo das partes e despacho de indeferimento das reclamações graciosas constante do processo administrativo).
r) Os valores considerados foram os constantes dos recibos emitidos pelo ora requerente no Portal das Finanças e que que ele havia declarado e constam já da al. j) destes factos provados. (provado pelo processo administrativo)
s) Em 22/11/2022, e com base naquela correção em cada uma das declarações, foram emitidas, em nome dos Requerentes as liquidações adicionais ora impugnadas. (acordo das partes e processo administrativo de cada uma das reclamações graciosas)
t) Contra essas liquidações foram deduzidas as reclamações graciosas nos termos previstos no artº 70 do CPPT, sendo uma para cada ano de 2018, 2019 e 2020. (acordo das partes e processo administrativo de cada uma das reclamações graciosas)
u) Essas três reclamações graciosas foram todas indeferidas, com a seguinte fundamentação:
“Consultados os elementos ao dispor dos serviços, verifica-se:
-o sujeito passivo encontra-se coletado pela atividade de “alojamento mobilado para turistas”;
- no ano de (2018/ 2019/ 2020) emitiu faturas-recibo pela atividade de “Alojamento mobilado para turistas” e descreveu o serviço prestado como “prestação de serviços de alojamento local”, conforme referido;
- o contrato apresentado configura ser um contrato de promessa de cedência, uma vez que no seu objeto refere “… o primeiro outorgante promete ceder…” e”… à C..., que por sua vez promete aceitar…);
- em 29/12/2022 foi entregue declaração de alterações, na qual o reclamante acrescentou com efeitos retroativos a 15/05/2017 a atividade de “outros prestadores de serviços”.
Face aos elementos atrás referidos afigura-se-nos que não existe qualquer evidência ou prova de que os rendimentos auferidos não o tenham sido no âmbito do exercício da atividade de alojamento local” (sublinhado nosso). (provado pelo doc. 7 junto com o PPA).
v) Em 29/12/2022 foi entregue pelo requerente uma declaração de alterações, na qual o requerente acrescentou, com efeitos retroativos a 15/05/2017, a actividade de “outros prestadores de serviços”. (acordo das partes e processo administrativo de cada uma das reclamações graciosas, a fls. 45 (23) de cada um deles).
x) Por ofícios datados de 9/10/2023, foram os ora requerentes notificados do indeferimento das reclamações graciosas. (processo administrativo de cada uma das reclamações graciosas).
y) Para evitar o prosseguimento dos processos executivos instaurados com base nas liquidações adicionais, os requerentes acordaram um plano prestacional de pagamento, tendo à data da apresentação do PPA pago já a importância total de € 13.887,00, sendo 6.813,00€ relativamente à liquidação do ano de 2018, 5.454,00€ de 2019 e 1.620,00€ de 2020. (provado pelo documento 10 junto com o PPA).
z) Por escritura de 24-1-2023, os requerentes constituíram hipoteca voluntária sobre o imóvel, sito na Rua ... n°... Frente, da freguesia de ... em Lisboa, que é propriedade dos Requerentes, para garantia do pagamento do plano prestacional referido na al. anterior, no que despenderam a quantia de € 1.225,15 em despesas notariais e de registo. (provado pelo documento 9 junto com o PPA)
aa) Os requerentes apresentaram a 9-1-2024, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.
3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo, que se desdobra em decisão comum às reclamações graciosas e os processos que a AT instaurou para cada reclamação graciosa relativamente às liquidações adicionais de 208, 2019 e 2020 e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta, bem como dos depoimentos testemunhais, em que as testemunhas ouvidas, no entender do tribunal, depuseram com isenção e respeito pela verdade.
4. Matéria de direito
4.1 - Questões a resolver:
Como questões a resolver, temos a questão de saber como determinar o rendimento tributável, mais exactamente qual o coeficiente a aplicar aos valores recebidos, dado que os requerentes adoptaram o regime simplificado de tributação e todos estão de acordo em que os rendimentos recebidos se inserem na Categoria B de IRS, embora aqui por aplicação de normas diferentes.
Para os requerentes, os seus rendimentos estão incluídos na Categoria B, por aplicação do artº. 3º., nº.2, al. e) do CIRS – importâncias relativas à cessão temporária da exploração do estabelecimento -, enquanto a AT os considera os considera como rendimentos de categoria B por aplicação do artº. 3º., nº. 1, al. b) do CIRS – rendimentos auferidos no exercício por conta própria de qualquer actividade de prestação de serviços -.
Previamente a essa determinação, há que determinar se é ou não válido e eficaz o contrato de cessão da exploração do alojamento local alegadamente celebrado entre o requerente e a sociedade por quotas C... LDA.
Por fim, no caso de proceder a pretensão dos requerentes, saber se a eventual restituição das quantias pagas por eles em cumprimento do plano prestacional, deve ou não ser acrescida de juros indemnizatórios e também se há lugar ao pagamento das despesas por eles suportadas com a constituição registo predial da hipoteca voluntária para garantia do pagamento desse plano prestacional.
4.2 – Da alegada invalidade do contrato de cessão de exploração.
Em sede de alegações, a requerida AT veio suscitar a questão da validade e/ou eficácia do contrato de cedência da exploração do estabelecimento de alojamento local sito na Rua ..., ..., em Lisboa.
Porém, essa questão não tem relevância nos presentes autos, pois como consta do processo administrativo, na parte relativa à reclamação graciosa da liquidação adicional de 2018, já consta um recibo emitido no Portal das Finanças em 1/6/2018 das quantias recebidas pelo requerente da sociedade C... Lda. relativamente a esse trimestre de 2018.
Acresce que a lei já não exige a forma solene de escritura pública para a realização e eficácia do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, pelo que também não existe qualquer invalidade formal.
Portanto, do ponto de vista fiscal, o contrato, independentemente da sua regularidade formal, estava em execução, estando apenas em dúvida a questão de saber como determinar o rendimento tributável.
4.3 – Da determinação do rendimento tributável:
1. Conforme já referimos, os requerentes optaram pelo regime simplificado em termos de tributação, estando as partes de acordo, que os rendimentos recebidos pelo requerente marido em 208, 2019 e 2020 são os que constam dos recibos emitidos pelo ora requerente no Portal das Finanças e que que ele havia declarado e foram dados como provados na al. j) destes factos provados. – cfr. facto p) dos factos provados.
Falta por isso, apenas determinar qual é o rendimento tributável em cada um daqueles anos, relativamente a estes rendimentos, divergindo os requerentes e a AT quanto aos coeficientes a aplicar.
Para os requerentes é o coeficiente de 0,10, constante da alínea f) do nº. 1 do artº. 31º. do CIRS, enquanto para a AT é o coeficiente 0,35 previsto na al. c) do nº. 1 desse mesmo artº. 31º., por estar em causa uma prestação de serviços do requerente.
2. O artº. 31º., nº. 1 do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12 e que vigorou nos anos de 2018, 2019 e 2020, a que se reportam as liquidações ora impugnadas, dispõe o seguinte:
1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento; (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
d) 0,95 aos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, aos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, ao resultado positivo de rendimentos prediais, ao saldo positivo das mais e menos-valias e aos restantes incrementos patrimoniais;
e) 0,30 aos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;
f) 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores;
g) (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuadas a:
i) Sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, de que o sujeito passivo seja sócio; ou
ii) Sociedades nas quais, durante mais de 183 dias do período de tributação:
1) O sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 5 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto;
2) O sujeito passivo, o cônjuge ou unido de facto e os ascendentes e descendentes destes detenham no seu conjunto, direta ou indiretamente, pelo menos 25 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto.
2 - Os sujeitos passivos que obtenham os rendimentos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, após aplicação dos coeficientes aí previstos, podem deduzir, até à concorrência do rendimento líquido assim obtido, os montantes comprovadamente suportados com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social, conexas com as atividades em causa, na parte em que excedam 10 % dos rendimentos brutos, quando não tenham sido deduzidas a outro título. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto; esta alteração tem caráter interpretativo)
Para os requerentes, a sua situação está abrangida pela previsão da al. f) do nº. 1 do artº. 31º., do CIRS em coerência com a qualificação que dão aos rendimentos percebidos, ou seja, que são rendimentos que estão incluídos na Categoria B, por aplicação do artº. 3º., nº.2, al. e) do CIRS, quais sejam importâncias relativas à cessão temporária da exploração do estabelecimento.
Porém, como a aplicação do coeficiente previsto na al. f) é por via residual, ou seja, no caso de rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores, começaremos por analisar a posição da AT.
3. A requerida começa por se centrar nos requisitos formais exigidos pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, com a alteração dada pela Lei n.º 62/2018, de 22/08 para a constituição e funcionamento de um estabelecimento de alojamento local, nomeadamente em sede de comunicação da referida cessão de exploração.
É que o ora Requerente apresentou declaração de início de atividade em 2017.05.15, na qual indicou que iria começar a exercer desde essa data a atividade com o CAE Principal 55201 ALOJAMENTO MOBILADO PARA TURISTAS e, além disso, a cedência da exploração do estabelecimento de alojamento local teria que ser comunicada ao Balcão Único Eletrónico (BUE), mediante o preenchimento do formulário, passando a constar do registo o novo titular da exploração daquele estabelecimento de AL, nos termos do art.º 6.º, n.º 3, do RJAL, e, a cessão da exploração do estabelecimento de alojamento local é comunicada através do BUE no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência, nos termos do n.º 3 e n.º 4 do art.º 6.º do mesmo regulamento, o que não sucedeu.
Por isso, da consulta ao Registo Nacional de Alojamento Local, verifica-se que os registos de alojamento local em causa têm como identificação do titular o ora Requerente, e não a sociedade que consta no contrato apresentado (C... LDA, NIPC ...), o que significa que não houve cessão de exploração por parte do Requerente, pois caso tivesse havido, a mesma teria que ter sido comunicada através do Balcão Único Eletrónico no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência.
Acrescenta ainda que a sociedade cessionário tem como como sócio gerente o ora Requerente, A... e o contrato de cessão invocado como “contrato de cedência, gestão e exploração de imóvel”, conforme se verifica no seu objeto, o mesmo é um contrato-promessa, em que o 1.º Requerente promete ceder a gestão e exploração do imóvel, completamente equipado e mobilado, bem como, a licença de alojamento local à C..., Ldª, e esta promete aceitar, ou seja, estamos perante um contrato-promessa e não perante um contrato definitivo.
4. Perante estes argumentos, começaremos por referir que não resulta da lei em geral e da Lei n.º 62/2018, de 22/08 para a constituição e funcionamento de um estabelecimento de alojamento local, em particular, que a falta de preenchimento dos requisitos formais sobre a comunicação da cedência de exploração determine qualquer invalidade do contrato de cedência invocado pelos requerentes, nem que impeça a eficácia desse contrato.
Além disso, o facto de as declarações das partes serem no sentido de haver uma promessa de cedência não nos permite concluir desde logo que se trate apenas de um contrato promessa, porquanto muitas vezes os contratos promessa são acompanhados da tradição do bem prometido transacionar.
De facto, não consta desse contrato designado de contrato de cedência, gestão e exploração de imóvel qualquer cláusula que indique como e quando se irá celebrar o contrato definitivo a que a eventual promessa eventualmente diga respeito, nomeadamente a fixação de prazos para o efeito e a quem compete a iniciativa para tal.
Depois desse contrato, constam uma série de cláusulas que demonstram que o contrato dito prometido era de execução imediata.
Assim, conjugando as cláusulas 3.2, onde se afirma “a total disponibilidade do IMÓVEL durante o período de duração do presente contrato é garantida pelo PRIMEIRO OUTORGANTE”, sendo que essa duração é fixada na cláusula 7.1, como sendo “por um período inicial de dois anos, a contar da data da assinatura do mesmo”, tendo nele sido aposta a data de 31/8/2017. Além disso, na cláusula 6.2 está acordado que os valores a pagar pela cedência “serão cobrados a partir do dia 1 de Outubro de 2017, gozando a C... até essa data um período de carência para adaptação do IMÓVEL às suas necessidades, não obstante poder iniciar durante este período a sua actividade de exploração”.
Por fim, os recibos passados pelo requerente, sem que haja qualquer outro contrato a definitivar a promessa acordada, durante os anos de 2018, 2019 e 2020 revelam que houve a imediata traditio do estabelecimento prometido ceder.
Portanto, podemos concluir com absoluta segurança que apesar das declarações negociais de prometer ceder e de prometer aceitar, respectivamente do cedente e da cessionária exaradas no contrato escrito, as partes procederam imediatamente à cedência, gestão e exploração de imóvel, que passou a ser exercida em pleno pela sociedade C... Lda.
5. Mesmo considerando a cedência, gestão e exploração de imóvel, entende a AT, com base na declaração de início de actividade e com base na falta de comunicação dessa cedência que os rendimentos provenientes da cessão de exploração devem ser tributados pelo coeficiente 0.35, nos termos previstos na al. c) do nº 1 do art.º 31.º do CIRS (na redação vigente à data dos factos), porquanto, nestas situações, o proprietário cede a exploração do imóvel a terceiros (sejam eles pessoas singulares ou coletivas) e são estes quem exploram o imóvel e são titulares do registo como alojamento local e a estes rendimentos aplica-se o coeficiente 0.35 previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 31.º do CIRS, e não o coeficiente 0.10 previsto na al. f) do n.º 1 do citado artigo, porquanto, havendo uma cessão temporária da exploração de um estabelecimento local, o cedente não deixa de ser titular tanto do imóvel como do estabelecimento, recebendo rendimentos das prestações de serviços imputáveis ao mesmo, que no caso em apreço são consubstanciados em rendas mensais e 25% da faturação cobrada trimestralmente, pelo que, nesta medida, os rendimentos auferidos pelo Requerente devem ser qualificados como provenientes de prestações de serviços de alojamento imputáveis a uma atividade empresarial.
Efetivamente, estando em causa prestações de serviço de alojamento, as mesmas têm enquadramento na Tabela de Atividades a que se refere o art.º 151.º do CIRS, no seu número 15-Outras atividades exclusivamente de prestações de serviços, com o código 1519 - outros prestadores de serviços, pelo que, para a determinação do rendimento tributável, aplica-se o coeficiente 0.35 previsto na al. c) do nº 1 do art.º 31.º do CIRS, uma vez que estamos perante rendimentos de prestações de serviços não previstos na alíneas anteriores. – cfr. artºs. 18, 19 e 20 da sua resposta.
É manifesta a sua falta de razão.
Com efeito, como resulta evidente da matéria de facto considerada provada, não é o requerente que explora o alojamento local, mas sim uma sociedade, de que ele é sócio e gerente, sociedade essa que, por se encontrar devidamente constituída e registada é a verdadeira titular da exploração do alojamento local, limitando-se o requerente a receber as rendas resultantes do contrato de cedência, gestão e exploração de imóvel que com ela celebrara.
Por isso, não presta o requerente quaisquer serviços de alojamento local, pelo que não é aplicável a al. c) do nº1 do artº. 31º. do CIRS, pelo menos com a fundamentação explanada pela requerida AT.
6. Será assim de concluir que têm razão os requerentes?
Da matéria de facto considerada provada, nomeadamente das facturas/recibo emitidas pelo requerente, resulta que o requerente emitiu esses documentos apondo neles que a sociedade C..., LDA é a entidade pagadora e que a actividade exercida é a de “alojamento local para turistas” e com a descrição “cedência de exploração – alojamento local” e o respectivo mês.
Como concluiu a requerida AT a soma desses recibos coincide com os valores declarados pelos requerentes na Modelo 3 do IRS nos anos de 2018, 2019 e 2020, como resulta da decisão das reclamações graciosas, onde se escreve que os requerentes “indicaram os seguintes valores: para o ano de 2018 – 195.000,00€; para o ano de 2019 – 178.000,00€; para o ano de 2020 – 55.000,00€; - O valor indicado para cada ano corresponde á contrapartida que anualmente, recebeu pelo contrato de cedência de exploração;”
Portanto, é sobre este valor que vai incidir o coeficiente de determinação do rendimento tributável previsto no artº. 31º. do CIRS.
E dúvidas não há que os requerentes não prestaram qualquer serviço, nem à sociedade C... Lda., nem aos clientes alojados no alojamento local sito na Rua ..., nº. ..., em Lisboa[3].
Por isso, não pode ser aplicado às quantias recebidas como contrapartida pelo contrato de cedência de exploração, o coeficiente previsto na al. c) do nº. 1 do artº. 31º. do CIRS, nem se podem os mesmos considerar rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do artº. 3º., nº. 1, al. b) do mesmo diploma legal.
Acresce que, analisadas as diferentes alíneas do artº. 31º., nº. 1 do CIRS, estes rendimentos não têm cabimento em qualquer deles, pelo que se teria de aplicar o coeficiente previsto na al. f), por se tratar de “rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.
7. À mesma conclusão se chegaria se ponderássemos a situação formal de incumprimento de comunicações previstas para o alojamento local, bem como o facto de o requerente ter declarado o início de actividade em 2017.05.15 e de só a ter rectificado em 29/12/2022 por declaração de alterações, com efeitos retroativos a 15/05/2017.
É que, em matéria fiscal existe o princípio da prevalência da substância sobre a forma, sendo que nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado.
Como se escreveu no ac. do TCASul de 23-02-2017, proferido no procº. 637/09.2BELRS, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca :
1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Verifica-se assim a coincidência entre acto tributário e facto tributário.
No mesmo sentido é ainda o Ac. do mesmo tribunal de 08-06-2017, proferido no processo 06112/12, também disponível em disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.
Deste modo, as formalidades legais referidas, cumpridas pelo requerente (declaração de início de actividade) ou não cumpridas (comunicação da cedência) são irrelevantes, pois a tributação faz-se tendo em conta a situação concreta.
E esta é a de que houve uma cessão da exploração de um estabelecimento de alojamento local por parte do requerente à sociedade C... Lda., estabelecimento esse que se situa na Rua ..., nº. ..., em Lisboa, estando amas as partes de acordo que todos os rendimentos percebidos pelo ora requerente e por ele declarados para efeitos de IRS nos anos de 2018, 2019 e 2020, provêm exclusivamente de rendas devidas por força dessa cessão de exploração.
Deste modo, o rendimento tributável do ora requerente e reflexamente dos requerentes, obtém-se pela aplicação do coeficiente previsto na al. f) do artº. 31º., nº. 1 do CIRS, ou seja, o coeficiente de 0,10 aos valores considerados provados e constantes da al. l) dos factos provados, ou seja, no ano de 2018, a quantia de 195.500,00€, no ano de 2019 178.000,00€ e no ano de 2020, 55.000,00€.
Face ao exposto, por erro sobre os pressupostos de facto, anulam-se as decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos requerentes contra as liquidações adicionais, bem como se anulam as liquidações adicionais ora impugnadas pelos ora requerente e relativas aos anos de 2018, 2029 e 2020.
4.4 – Da restituição das quantias pagas pelos requerentes em cumprimento do plano prestacional:
Face à anulação das liquidações impugnadas, deve a AT ser condenada a devolver aos requerentes as quantias por eles pagas em cumprimento de um programa prestacional em vigor no processo de execução das quantias liquidadas adicionalmente, quer a quantia já paga à data da apresentação do PPA, no montante total de € 13.887.00, sendo 6,813.00€ relativamente à liquidação do ano de 2018, 5.454.00€ de 2019 e 1.620,00€ de 2020 (al y) dos factos provados), quer a quantia relativa às outras prestações que se venceram posteriormente e foram pagas pelos ora requerentes.
Além disso, essa devolução deverá ser acompanhada do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento de cada uma das prestações do plano de pagamentos do imposto indevidamente liquidado e até à data em que vier a ser reembolsado aos requerentes o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o erro que afeta as liquidações impugnadas é exclusivamente imputável à requerida AT, pois que valorou erradamente os dados de facto que tinha em seu poder, como se alcança da decisão das reclamações graciosas, pois ficou demonstrado na factualidade que consta dessas decisões que a requerida tinha conhecimento da cessão de exploração e de que os rendimentos dos requerentes provinham exclusivamente de rendas pagas por essa cessão de exploração, como ela própria reconheceu, preferindo dar prevalência à análise formal das declarações de actividade do requerente e das omissões de comunicação da referida cessão, em detrimento do factos tributários que resultavam já dos documentos juntos com os requerimentos de reclamação graciosa, assim dando prevalência ao formal sobre o substancial, que a AT bem sabe ser contrário ao o critério de decisão dos tribunais, pelo que têm os ora requerentes direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder às liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares dos ora requerentes, que ora foram impugnadas e anuladas, pelo que deve pagar aos requerente, juntamente com as quantias indevidamente recebidas, juros indemnizatórios sobre essas, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.
Portanto, tem a ora requerente direito a ser reembolsada relativamente à parte que peticiona do que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizada por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
4.5 – Das despesas suportadas pelos requerentes com a hipoteca voluntária:
Ficou provado que, por escritura de 24-1-2023, os requerentes constituíram hipoteca voluntária sobre o imóvel, sito na Rua ..., da freguesia ... em Lisboa, que é propriedade dos Requerentes, para garantia do pagamento do plano prestacional referido na al. anterior, no que despenderam a quantia de 1225,15 em emolumentos notariais e despesas de registo, conforme documentos que anexam sob o nº. 9 com o PPA.
Invocam para esse efeito, o disposto no artigo 53.° da LGT em conjugação com o artigo 171 ° do CPPT.
Ora, dispõe o citado artº. 53º. da LGT:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Portanto, a questão desta indemnização resulta do facto de se considerar ou não como garantia equivalente a garantia bancária a constituição de uma hipoteca voluntária.
Ora, a resposta da nossa jurisprudência tem sido sempre negativa.
Com efeito, o Ac. do STA de 10-10-2018, proferido no processo 0469/14.6BELRS 033/18, publicitado em https://www.dgsi.pt/jsta, decidiu que:
I- No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53º nº 1 da LGT e 171º do CPPT.
II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.
III - É, no entanto, certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.
Escreveu-se no texto do citado acórdão e citando Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado volume III, 6ª edição 2011, a pág. 242 que:
“Ora, dando atenção ao probatório, supra destacado, somos levados a concordar que tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido).
Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal)”
E acrescenta o referido acórdão que:
“No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.”
Porque perfilhamos o mesmo entendimento, com os fundamentos expostos no Ac. citado do STA, que consideramos absolutamente correcto, decide-se julgar improcedente o pedido de indemnização reclamado pelos requerentes relativamente às despesas em que incorreram com a prestação de garantia para suspensão da execução por meio de hipoteca voluntária, por não terem invocado mais quaisquer outros prejuízos.
5. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
a) anular-se as decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos requerentes contra as liquidações adicionais, ora impugandas;
b) anular-se em consequência, as liquidações adicionais de IRS também ora impugnadas pelos requerentes e relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020.
c) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas em cumprimento de um programa prestacional em vigor no processo de execução das liquidações ora anuladas, quer as quantias já pagas à data da apresentação do PPA, no montante total de € 13.887.00, sendo 6,813.00€ relativamente à liquidação do ano de 2018, 5.454.00€ de 2019 e 1.620,00€ de 2020 (al y) dos factos provados), quer as outras prestações que se venceram posteriormente e foram pagas pelos ora requerentes, devolução essa acrescida de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento de cada prestação até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.
d) julgar improcedente o pedido de indemnização formulado pelos requerentes relativamente às despesas em que incorreram com a prestação de garantia para suspensão da execução por meio de hipoteca voluntária.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 52.326,98, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 2/10 a cargo dos requerentes e 8/10 a cargo da requerida.
Lisboa, 18-11-2024
O Árbitro
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Citando em seu favor, o Acórdão nº. 445/2008, proferido pelo Tribunal Constitucional no Procª. 546/08, o acórdão proferido no procº. n° 1942/07.8STBBNV.L1-l, em 13/12/2012, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no procº. nº. 1817/16.078VRL.G1., em 2018/09/27).
[2] Invoca a seu favor, o decidido pelo Ac. do STA de 24/10/2012, no procº. nº. 0528/12 e a decisão arbitral proferida no procº. 550/2023-T do CAAD.
[3] De anotar que, face à posição das partes e ao teor das facturas/recibo, temos de considerar que estes não incluem qualquer remuneração pelo exercício da gerência pelo requerente.