Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 514/2024-T
Data da decisão: 2024-10-30  IVA  
Valor do pedido: € 149.815,61
Tema: IVA – Caducidade da Liquidação
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

SUMÁRIO

  1. Sobre o ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
  2. De acordo com o disposto no artigo 45º nº 4 da LGT, o prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto ou o facto tributário¸ ou seja, in casu, tendo o facto ocorrido no decorrer do ano 2018, o prazo de 4 anos ter-se-ia iniciado em 1 de janeiro de 2019, e caducado em 31 de dezembro de 2022, pelo que o prazo de caducidade terminou antes do início da inspeção, que teve início em 27 de abril de 2023, conclui-se assim que caducou o direito de liquidação por parte da AT.

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Rita Guerra Alves e Marcolino Pisão Pedreiro (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 16-06-2024, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

Decisão Arbitral

  1. Relatório

É Requerente a A..., titular do NIPC..., com sede no ..., n.º ..., ..., ...-... ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 07-03-2023.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou comos Árbitros, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Rita Guerra Alves e Raquel Montes Fernandes (Árbitros Vogais).

Em 31-05-2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 16-06-2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e foi automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 25-09-2024 do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, a árbitra Dra. Raquel Montes Fernandes foi substituída pelo Dra. Marcolino Pisão Pedreiro, do que as Partes foram notificadas.

Em 16-10-2024, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, para inquirição da testemunha indicada pela Requerente. As Partes apresentaram alegações orais finais em sede da reunião aludida, e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IVA e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 (noventa) dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data limite de pagamento do imposto, fixada em 10 de janeiro de 2024, tendo a presente ação sido proposta em 4 de abril de 2024.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Argumentos Das Partes

A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante a Liquidação Adicional de IVA n.º 2023 ... e das Liquidações de Juros Compensatórios n.os 2023 ... e 2023..., quanto ao período de 2019.

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

  1. O ato constitutivo da Fundação pela Requerente foi atribuído por este uma dotação inicial àquela.
  2. De acordo ato de instituição da Fundação, a título de dotação inicial, a Fundação foi instituída com um fundo inicial de 831.826,07€ .
  3. Sendo que, desse valor global de dotação inicial, parte foi em numerário, no caso 247.000,00€, e parte em bens — descritos como «bens móveis – mobiliário, equipamento e mercadorias» — no valor de 584.826,07€.
  4. A12 de novembro 2018, a Fundação foi reconhecida pela Presidência do Conselho de Ministros, pelo Despacho n.º 10957/2018, que consta do documento extraído do Diário da República, 2.ª série, N.º 227, de 26 de novembro de 2018.
  5. Foi instituída uma fundação, pelas razões expostas, denominada Fundação B..., da qual o Instituto é cofundador e, nessa qualidade, foi chamado a aportar/dotar uma dotação inicial.
  6. No ato de instituição da Fundação em 2018, bem como noutros documentos, quer anteriores, quer posteriores ao ato de instituição, ficou definido que o Instituto contribuiu para o fundo inicial da Fundação, tendo efetuado uma doação de bens e equipamentos àquela num valor total de 584.826,07€, tratando-se tal doação de uma dotação inicial na Fundação.
  7. Desde a sua instituição, em 2018, e até à presente data, a Fundação vem exercendo a sua missão, prosseguindo as atividades para as quais foi criada.
  8. Sustenta que a AT considerou a dotação inicial feita pelo Instituto à Fundação como uma «doação enquadrada como uma operação assimilada a transmissão de bens».
  9. Aa motivação da AT para a correção em crise é a de que a dotação inicial efetuada, e que foi feita nos mesmos termos de todas as dotações iniciais de todas as fundações, é uma doação considerada como uma operação assimilada a transmissão de bens.
  10. A Requerente alega que a AT veio corrigir assumindo que a dotação inicial ocorreu em 2019 quando, como é evidente, ocorreu em 2018 aquando da sua instituição.
  11. Defende que a dotação inicial na Fundação ocorrido no ano de 2018, como assim o demonstram o ato de constituição da Fundação, o reconhecimento da Fundação pela Presidência do Conselho de Ministros, e mesmo as atas de Assembleia Geral e de Conselho de Administração do Instituto, não poderia sequer tal dotação inicial ter sido objeto do Relatório de Inspeção, que diz respeito apenas ao ano de 2019.
  12. Nenhum IVA é devido pela entrega da dotação inicial; o mesmo é dizer que não existe  qualquer incidência de IVA sobre este tipo de entrega, como é aliás, do conhecimento público e generalizado.
  13. Nessa medida, a Requerente não se conforma com os atos de Liquidação Adicional de IVA e respetivas Liquidações de Juros Compensatórios, considerando que estes enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito.
  14. A Requerente defende o vício de violação de lei por atuação fora do prazo de caducidade, alegando que, tendo a Fundação sido constituída no ano de 2018, ano em que ocorreu a dotação inicial na mesma, só existe dotação inicial aquando da instituição de uma fundação, como é natural, verifica-se que o direito de liquidar IVA e correspondentes Juros Compensatórios por referência a tal operação já teria caducado no momento da realização do procedimento inspetivo em crise.
  15. Tratando-se de uma Liquidação adicional de IVA, o prazo de caducidade de 4 anos conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu.
  16. Ora, a dotação inicial ocorreu em 28 de março de 2018.
  17. Assim, o prazo de caducidade de 4 anos começou a correr em 1 de janeiro de 2019, início do ano civil seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu.
  18. Tendo, por isso, terminado em 1 de janeiro de 2023.
  19. Sendo que o procedimento de inspeção tributária começou os seus termos a 27 de abril de 2023, com a assinatura da Ordem de Serviço n.º OI2022... por parte do Presidente do Conselho de Administração do Instituto, verifica-se que o direito de liquidar IVA relativamente a esta dotação inicial caducou em 1 de janeiro de 2023.
  20. Por outro lado, não houve qualquer causa de suspensão do prazo de caducidade, ou seja, causa de suspensão anterior a 1 de janeiro de 2023.
  21. Mas mais ainda, se a AT realiza um relatório a acusar a ora Requerente de ‘erro’ na sua interpretação das ‘transmissões’ a incluir dentro da incidência do IVA (sem conceder), então sempre deveria ter considerado o prazo de caducidade de 3 anos constante do n.º 2 do artigo 45.º da LGT.
  22. Mesmo que a AT considere que a forma é mais relevante que a substância e que, por isso, uma operação de 2018 deve ser adicionalmente tributada por referência aos factos ocorridos no ano fiscal de 2019, sempre se teria de considerar que o poder de emissão de liquidação adicional da AT terminou, novamente, a 1 de janeiro de 2023.
  23. Ou seja, nem considerando o ano de 2019 como a base legítima para a correção inspetiva da AT – o que está absolutamente errado, como anteriormente qualificado – facto é que nem com essa benesse temporal se poderia concluir pela tempestividade da liquidação adicional.
  24. Mais a mais num processo inspetivo que tem o seu início quatro meses após o fim do prazo de caducidade do tributo.
  25. Defende a Requerente, que a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um limite de atuação da AT, retirando-lhe o poder de realizar determinados atos.
  26. Ora, uma liquidação emitida após o decurso do prazo de caducidade é uma liquidação já de si viciada de ilegalidade, na medida em que consubstancia a prática, pela AT, de ato tributário que já não dispunha de poder para emitir, estando, assim, a sua atuação ferida de vício de violação de lei, nomeadamente do limite temporal disposto e traçado pelo artigo 45.º da LGT.
  27. A Requerente defende a não sujeição a tributação em sede de IVA por falta de incidência objetiva pela norma da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA, sustentando para o efeito que de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, estão sujeitas a IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
  28. Para que haja equiparação de uma atuação como seja, por exemplo, a doação, a uma transmissão de bens para efeitos de IVA e, consequentemente, tributação em sede de IVA, é necessário que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos cumulativos: a) Haver uma afetação permanente de bens da empresa, ou a sua transmissão gratuita; b) Essa afetação permanente ou transmissão gratuita de bens da empresa ser feita a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à empresa; e,

c) Ter havido dedução total ou parcial do imposto, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem

  1. Não poderia ter havido in casu qualquer afetação permanente de bens da empresa, ou qualquer transmissão gratuita de bens da empresa, uma vez que não se encontra em causa qualquer empresa; o Instituto constitui, ao invés, uma associação coletiva sem fins lucrativos que nem se encontra registada junto da Conservatória do Registo Comercial, mas antes junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
  2. Depois, também não poderia ter havido qualquer afetação permanente de bens ou transmissão gratuita de bens a uso próprio do seu titular, pois não existiu qualquer afetação ao património pessoal dos associados e dos sócios do Instituto.
  3. Tal como, também não houve uma afetação permanente de bens ou transmissão gratuita de bens a uso do pessoal.
  4. Nem houve, sem margem para dúvidas, uma afetação permanente de bens ou transmissão gratuita de bens a fins alheios à empresa, uma vez que, apesar de doados à Fundação, os bens e equipamento em questão continuaram a ser dedicados ao mesmo tipo de prática e atividades.
  5. Por outro lado, e relativamente ao último pressuposto de aplicação da norma da alínea f), não se compreende como é que a AT chega à conclusão de que houve dedução, total ou parcial, do IVA relativamente aos bens e equipamento que constituem a dotação inicial.
  6. Não só a AT assume que houve dedução do IVA na aquisição dos bens e equipamento, como também não faz qualquer prova disso. Visto que foi a AT a invocar tal facto constitutivo, cabe-lhe a si o ónus de provar que a Requerente deduziu o imposto suportado.
  7. Não tendo a AT logrado cumprir o ónus da prova, não se pode igualmente considerar verificado este requisito de aplicação da alínea f), pelo que a presente operação não encontra enquadramento nesta norma.
  8. Na verdade, muitos dos bens que fazem parte da dotação inicial na Fundação foram doados por terceiros ao próprio Instituto, pelo que, em relação a esses bens, não houve qualquer dedução do IVA porque não houve nenhuma aquisição.
  9. Existindo dúvidas por parte da AT em relação ao exercício ou não, pela Requerente, do direito à dedução do imposto suportado, e tendo o procedimento inspetivo durado mais de 6 meses, os princípios da colaboração e da boa-fé impunham que a AT questionasse o sujeito passivo acerca do tema, pedindo que este apresentasse documentos ou outros elementos que comprovassem a dedução ou não do imposto.
  10. No entanto, não houve qualquer pedido de esclarecimento por parte da AT em relação a este tópico, limitando-se a afirmações conclusivas no seu Relatório de Inspeção.
  11. Pelo que, não se encontrando preenchidos todos dos requisitos de que depende a aplicação da alínea f), não há sequer sujeição desta dotação inicial a tributação em sede de IVA.
  12. Mais defende a Requerida, que, in casu, deu-se a cessão da totalidade do património do Instituto, que constitui uma atividade autónoma e independente, na medida em que o objeto da transmissão consiste num conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade independente — e isto, apesar de se tratar de uma atividade não lucrativa, obviamente.
  13. Como já referido acima, os bens e equipamento entregues à Fundação passaram a ser utilizados por esta, mantendo a funcionalidade para a qual teriam sido adquiridos, tendo-se dado continuidade ao exercício da atividade autónoma levada a cabo pelo Instituto.
  14. Pelo que, considera-se ter havido uma entrega da totalidade do património do Instituto para a Fundação, que representa e é suscetível de constituir, por si só, um ramo de atividade autónomo.
  15. Quanto ao quarto e último pressuposto necessário para que a dotação inicial não seja considerada uma transmissão de bens para efeitos de sujeição a tributação em sede de IVA, a Fundação, ‘adquirente’ dos bens a título gratuito para estes efeitos, é sujeito passivo de imposto, que tem a intenção de utilizar o património entregue e, em consequência, dar continuidade ao exercício da atividade autónoma em causa.
  16. Sustenta a Requerente, que a dotação inicial do Instituto ao património inicial da Fundação, nos contornos explicados anteriormente, sempre se enquadraria na delimitação negativa da incidência objetiva a IVA, prevista no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, não havendo, por aplicação desta norma, qualquer sujeição a tributação em sede de IVA.
  17. O raciocínio da AT está inquinado de erro nos pressupostos de facto e de direito, não existindo qualquer norma de incidência objetiva na qual a presente operação se enquadre, pelo que deve a dotação inicial considerar-se não sujeita a tributação em sede de IVA.
  18. Conclui a Requerente que deve considerar-se os atos de Liquidação adicional de IVA e correspondentes Liquidações de Juros Compensatórios ilegais, determinando-se a sua anulação e condenando-se a AT no reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
  19. A Requerente peticiona ainda o direito a juros indemnizatórios, alegando, o montante de IVA e de Juros Compensatórios exigido pela AT com as Liquidações em crise foi voluntariamente pago pela Requerente em prazo, apesar de discordar com tais atos.
  20. Sendo o presente Pedido de Pronúncia Arbitral julgado procedente, a Requerente solicita igualmente que sejam pagos os respetivos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento das quantias até ao efetivo reembolso, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º e do artigo 100.º, ambos da LGT.

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

  1. Ora, se o decurso do prazo para a conclusão dos atos inspetivos não implica, “per se”, qualquer efeito invalidante sobre os atos de liquidação decorrentes das conclusões do procedimento de inspeção tributária, sempre se teria de concluir ser improcedente a alegação em sentido contrário.
  2. Os atos inspetivos tiveram início em 27 de abril de 2023, com a assinatura da referida ordem de serviço por parte do Presidente do Conselho de Administração.
  3. A notificação do relatório final de inspeção tributária, tal como consta da aplicação informática SECIN, tem data de 17 de novembro de 2023.
  4. Defende que o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção tributária, previsto no artigo 36.º, n.º 2 do RCPITA, foi devidamente observado.
  5. O procedimento de inspeção tributária decorreu dentro do prazo de seis meses legalmente estabelecido, sendo de desconsiderar o mês de agosto em que o referido prazo esteve suspenso.
  6. Ainda que tal não se verificasse, a única conclusão que daí se poderia retirar era não haver lugar à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, para efeitos do disposto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT.
  7. No caso vertente, e contrariamente ao que parece defender a Requerente, não se trata de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, dado que a situação considerada em falta apenas foi detetada tendo por base os elementos contabilísticos analisados pelos SIT.
  8. Por conseguinte, não tem aplicação ao caso o prazo de caducidade fixado no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, mas antes o previsto nos n.ºs 1 e 4 do mesmo artigo.
  9. As liquidações contestadas, referentes ao ano de 2019, foram emitidas com data de 21 de novembro de 2023e notificadas à ora Requerente em 12 de dezembro de 2023, tal como consta da aplicação informática SECIN.
  10. Assim sendo, independentemente da suspensão do prazo de caducidade, sempre se teria de concluir que a notificação dos atos tributários ocorreu dentro do prazo de caducidade, tal como vem previsto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
  11. A Requerente veio alegar que o facto tributário e a exigibilidade do imposto teriam ocorrido no ano de 2018, todavia, não só a contabilidade, como também os demais elementos analisados, o desmentem.
  12. Com efeito, está em causa a operação que a Requerente registou na sua contabilidade, com data de 31 de dezembro de 2019 (Diário 90, Num. Diário 120.023, Descrição “Afetação de Bens”) ..
  13. Somente no ano de 2019 se deu a afetação dos bens em causa a fins alheios à atividade tributada do sujeito passivo.
  14. Ou seja, ainda que a transmissão jurídica dos bens possa ter ocorrido em 2018, existe evidência que os bens transmitidos continuaram a ser utilizados para o exercício da sua atividade tributada e que somente a partir do ano de 2019, a ora Requerente passou a ter de pagar, para manter essa utilização, com 7.500,00 € mensais
  15. Por outro lado, impõe-se referir que, na aplicação informática Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), constam os seguintes dados:
    1. FUNDAÇÃO B..., NIF..., com “Natureza Jurídica (RNPC): FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO”, “Data de Cancelamento de Matrícula”, “2018-09-17”, e “Situação do Registo Face ao RNPC” “Registo eliminado”. Não consta qualquer registo ou atividade para efeitos de IVA, no ano de 2018; (ii) C..., NIF..., doravante Fundação C..., com data de início de atividade em 2019-01-01, constando como “Natureza Jurídica (RNPC)” “FUNDAÇÃO PRIVADA DO REGIME GERAL”, “Situação do Registo Face ao RNPC” “Registo definitivo” e como “Data de Constituição da Sociedade” “2018-11-12”.
  16. Ou seja, a Fundação C... apenas declarou o início de atividade para efeitos de IVA, partir de 1 de janeiro de 2019, desconhecendo-se a existência de quaisquer operações tributáveis ativas ou passivas no ano de 2018.
  17. Portanto, quer os elementos consultados, quer os dados existentes na base de dados da AT, atestam que os efeitos económicos da transmissão dos bens apenas se verificaram no ano de 2019, independentemente da data em que juridicamente tal se possa considerar verificado.
  18. Ademais, a considerar-se que a afetação de bens produziu os seus efeitos no ano de 2018, tal significaria que a contabilidade da Requerente, referente ao ano de 2018, padeceria de erro materialmente relevante, o que nunca foi alegado ou demonstrado.
  19. No que concerne ao enquadramento jurídico-tributário da operação designada pela Requerente, na sua contabilidade, como “afetação de bens”, importa ter presente que o Código do IVA, à semelhança da Diretiva IVA, assimila determinadas operações gratuitas a transmissões de bens, para efeitos deste imposto.
  20. No caso vertente, sendo certo que não existe desvio dos bens em causa para consumo privado, existe ainda assim uma transmissão gratuita e afetação a fins alheios à atividade tributada da Requerente, dado que tais bens foram alocados a outra finalidade, a atividade tributada de outro sujeito passivo que, embora sendo a Fundação C..., não deixa de ser uma pessoa coletiva distinta para efeitos jurídicos e fiscais.
  21. Ademais, como vimos, a partir de 2019, a Fundação C... passou a atuar como possuidora dos bens, auferindo uma comparticipação mensal de 7.500,00 €, a pagar pela Requerente, em virtude da cedência de exploração dos mesmos bens.
  22. Nesse sentido, a anulação do imposto que vem contestada daria origem, ao que tudo indica, à duplicação de deduções de imposto, na esfera da Requerente, relativamente a tais bens.
  23. Não colhem as alegações apresentadas para convencer de que, por se tratar de uma universalidade de bens, sempre constituiria um ramo de atividade independente e, como tal, não haveria sujeição a IVA, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 do Código do IVA.
  24. Os bens “in casu” são insuscetíveis de constituir um ramo de atividade independente, por apenas abrangerem mobiliário, equipamentos e mercadorias, como vem demonstrado.
  25. Sustenta a Requerida que a Requerente alega, mas não resulta demonstrado, por qualquer meio, que a totalidade do seu património tivesse constituído dotação da Fundação C... .
  26. Salvo prova em contrário que não foi apresentada, os bens transmitidos, tais como mobiliário, equipamentos e mercadorias, “per se”, não constituem a totalidade do património da Requerente, nem são suscetíveis de constituir um ramo de atividade independente.
  27. Assim sendo, não tem aplicação a não sujeição de imposto, que vem consignada no n.º 4 e 5 do artigo 3.º e artigo 4.º, n.º 5, do Código do IVA.
  28. Por outro lado, o adquirente (Fundação C...) encontra-se inscrito como sujeito passivo misto, com afetação real de todos os bens, pelo que, a ser aplicável a norma de exclusão tributária em apreço - o que não se concede -, sempre teria aplicação a doutrina fixada no ponto 6 do Ofício-Circulado n.º 134850/89, já referenciado.
  29. Quanto ao pressuposto da dedução de imposto, impõe-se assinalar que, embora a ora Requerente se encontre inscrito como sujeito passivo do tipo misto, não comunicou à AT a metodologia a utilizar, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IVA.
  30. Por outro lado, de acordo com os valores constantes das Declarações Periódicas (DP) que constam das bases de dados da AT, que se presumem verdadeiros e de boa-fé, nos termos do artigo 75.º da LGT, a ora Requerente tem-se comportado, quase sempre, como sujeito passivo com direito à dedução integral de IVA, tendo solicitado e recebido diversos reembolsos de IVA.
  31. Sustenta a Requerida que a ora Requerente quase sempre se comportou como sujeito passivo “integral”, deduzindo a totalidade do imposto suportado, sem prejuízo das regularizações efetuadas voluntariamente.
  32. Caberia à Requerente vir demonstrar que não deduziu, por qualquer motivo, o imposto suportado a montante, relativamente a qualquer dos bens transmitidos, que se sujeitaram a imposto, o que não logrou fazer.
  33. Ora, a Requerente alega ter recebido bens em doação, mas não o comprova por qualquer meio, nem que tais bens sejam os que foram transmitidos para a Fundação C... .
  34. Note-se que, como referem os SIT, as correções basearam-se no facto concretamente classificado na contabilidade da Requerente, como “afetação de bens”, qualificação que aqui não se discute.
  35. O facto de a afetação de bens em causa ter subjacente a dotação inicial da Fundação C..., não nos parece ser relevante para afastar a tributação em sede de IVA
  36. No caso em análise, a Requerente atua na qualidade de sujeito passivo, na esfera da sua atividade, utilizando os bens que comprou e afetou a essa mesma atividade, deduzindo o respetivo imposto, aquando da sua aquisição.
  37. Destarte, não há dúvida que se trata de uma transmissão de bens para efeitos de IVA, à luz do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA.
  38. A ausência de finalidade lucrativa de uma pessoa coletiva como a que demanda nos presentes autos não contende com os conceitos de empresa e/ou de estabelecimento comercial.
  39. Do mesmo modo que, o conceito de empresa não tem que ver com a forma jurídica dos seus titulares, nem com os objetivos que estes prosseguem.
  40. Ademais, o artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, sendo uma norma de incidência objetiva, não se atém à qualidade ou forma do sujeito passivo, nem à finalidade que este prossegue.
  41. De outro modo, sempre se teria de haver como contrário ao princípio da neutralidade do imposto e às finalidades da Diretiva IVA, o entendimento de que a norma de incidência do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA não se aplica a associações sem fins lucrativos.
  42. O facto de se tratar de uma associação sem fins lucrativos, “per se” não lhe confere, ao nível das normas de incidência do IVA, especiais prerrogativas.
  43. Ainda que a Requerente seja a “instituidora” ou “fundadora” da Fundação C..., que esteja em causa a afetação de um património para a criação dessa pessoa coletiva, com determinados objetivos de tipo social, ou que exista um “Protocolo de Cooperação Institucional”, não pode haver dúvidas de que se trata de entidades distintas para efeitos de IVA.
  44. A afetação dos bens em apreço consubstancia efetivamente uma transmissão gratuita e consequente afetação a fins alheios à atividade tributada da Requerente, pelo que, tendo havido, relativamente aos mesmos bens a dedução total ou parcial do imposto - facto que, contrariamente ao alegado, era do conhecimento dos SIT e da Requerente – é forçoso concluir que estão reunidos os pressupostos para a sujeição a IVA.
  45. Sustenta a Requerida que se afigura correta a qualificação da operação sub judice que a Requerente efetuou na sua contabilidade, como “afetação de bens”, bem como as conclusões dos SIT que nela se basearam, no sentido da sujeição a imposto, por força da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA.
  46. No que se refere ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, não sendo o pedido de pronúncia arbitral procedente, consequentemente também não será o respetivo pedido de juros indemnizatórios.
  47. Termina a Requerida peticionado, que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências

 

  1. Do Mérito
    1. Questões Decidendas

Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

  1. Ilegalidade da liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2023[1] ..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de € 130.628, 50 (cento e trinta mil, seiscentos e vinte e oito e cinquenta cêntimos).
  2. Direito da Requerente ao reembolso desse montante e a juros indemnizatórios;

 

  1. Fundamentação De Facto

Consideram-se provados os seguintes factos, assente nos factos e na prova documental constante do processo que não mereceu impugnação:

  1. A Requerente é uma associação coletiva de direito privado, sem fins lucrativos, visando fins de utilidade pública geral, fundada em 2007. Cfr. RIT.
  2. A Requerente exerce as atividades: de Alojamento mobilado para turistas (código de CAE 55201 REV3); Actividades de serviços de apoio à educação (código de CAE 85600  REV3);  Atividades dos museus (código de CAE 91020 REV3); e Investigação e desenvolvimento das ciências sociais e humanas (código de CAE 72200 REV3). Cfr. RIT.
  3. A Requerente tem por objeto investigar, implementar e promover ações de carácter científico, técnico, educativo, cultural, desportivo e empresarial, nos diversos domínios que promovam a cooperação e desenvolvimento. Conforme resulta dos Estatutos do Instituto. Cfr doc. 6 do PPA.
  4. Conforme declaração emitida pelo G..., Contabilista Certificado com o nº ... da Ordem dos Contabilistas Certificados, em dezembro de 2017, certificou que a listagem dos bens existentes nesta data (dezembro de 2017) na propriedade e/ou usufruto do A..., do qual resulta o Resumo de Valores: Mobiliário – no valor de 295.188.81€, de Equipamento – 268.537.22€, e de Mercadorias – 21.100.04 €. Cf. Doc 12 do PPA e RIT.
  5. Em 19 de fevereiro de 2018, na reunião da Assembleia Geral do Instituto, foi discutida a análise e decisão sobre a participação do A... na constituição de uma Fundação com a respetiva entrega de parte do seu património para a constituição da dotação patrimonial inicial daquela Fundação. Cf. Doc 7 - Ata n.º 18 da Assembleia Geral do A..., do PPA.
  6. No dia 26 de fevereiro de 2018, em reunião do Conselho de Administração do Instituto, discutiu-se a constituição da Fundação. Cf. Doc 8 - Ata n.º 5 da Assembleia Geral do A..., do PPA.
  7. Em 28 de março 2018, por meio de escritura publica foi instituída a Fundação B..., da escritura consta:

 

 cf. doc. n.º 9 – escritura publica de instituição da Fundação, de 28 de março de 2018, do PPA.

  1. De acordo com a escritura pública de 28 de março de 2018, ficou escrito que a título de dotação inicial, a Fundação foi instituída com um fundo inicial de 831.826,07€, e foi igualmente arquivado com a escritura os estatutos da sociedade e o relatório da avaliação dos bens móveis. cf. doc. n.º 9 do PPA.
  2. Foi realizada uma retificação da escritura de instituição da Fundação, por meio de escritura pública em 11 de setembro de 2018. Cfr. doc. n.º 10
  3. Em 14 de Janeiro de 2019, foi celebrado um protocolo de cooperação institucional, entre a B... e o A... para o desenvolvimento humano, qual ficou estabelecido na sua clausula 3.º o seguinte:

 

 

Cf. RIT.

  1. Do documento assinado pelo Presidente do Conselho de Administração intitulado ‘Dotação Patrimonial Inicial’, resulta o seguinte:

De acordo com a Escritura Pública de 28 de Março de 2018, a dotação inicial da Fundação B... é constituída por um total de 831.826,00€ (oitocentos e trinta e um mil oitocentos e vinte e seis euros), constantes da relação de capitais e bens descritos nos seus Estatutos, nomeadamente:

1. Capital de 200.000,00€ (duzentos mil euros), a transferir para a conta da Fundação até à data da sua escritura de constituição, afeto pelo fundador A..., com a identificação fiscal PT...;

2. Bens avaliados em 584.826,07€ (quinhentos e oitenta e quatro mil, oitocentos e vinte e seis euros e sete cêntimos) em Mobiliário, Equipamento e Mercadorias, conforme constante da avaliação independente em anexo, afeto pelo fundador A..., com a identificação fiscal PT....

3. Capital de 10.000€ (dez mil euros) afetos pelos Fundadores D... e E..., com a identificação fiscal PT... e PT...;

4. Capital de 10.000€ (dez mil euros) afetos pelo fundador F..., Lda., com a identificação fiscal PT...;

5. Capital de 27.000€ (vinte e sete mil euros) afetos pelo fundador A..., com a identificação fiscal... .

 cfr. Doc. 11 do PPA.

  1. Dos registos contabilísticos da Requerente, no extrato de conta 4112001, consta a data de afetação dos bens de 31 de dezembro de 2019. Cfr. RIT.
  2. A Requerente, por meio do seu contabilista certificado, procedeu a correção contabilística, e registou a dotação inicial no ano de 2018 na conta “6882 – Outros gastos e perdas” – Donativos’. cf. PPA e prova testemunhal.
  3. A Fundação foi reconhecida pela Presidência do Conselho de Ministros, em 12 de novembro, conforme Despacho n.º 10957/2018, que consta do documento extraído do Diário da República, 2.ª série, N.º 227, de 26 de novembro de 2018. doc. n.º 13, do PPA.
  4. Os atos inspetivos para o ano de 2019, tiveram início a 27 de abril de 2023, com a assinatura da Ordem de Serviço n.º OI2022... por parte do Presidente do Conselho de Administração do Instituto, e foram concluídos em 31 de outubro de 2023, com a notificação e respetivo envio da nota de diligência pela AT ao Instituto. Cf. RIT
  5. No dia 12 de novembro de 2023, o Instituto foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária referente ao ano de 2019. CF. PA.
  6. Do Relatório de Inspeção, consta o seguinte:

V- Em sede de IVA

V.1 - Falta de Liquidação de IVA

Da análise à contabilidade, constatamos que o sujeito passivo no ano de 2019, efetuou a afetação de bens da sua propriedade nomeadamente diverso mobiliário, equipamento e mercadorias no montante de € 584.826,07, conforme movimento contabilístico 2019-... 120023 e listagem em anexo, (anexo 2), à B..., NIF: ....

O nº 1 do artigo 3º do CIVA define como regra geral que as transferências onerosas de bens, em que exista alteração do exercício do direito de propriedade, são consideradas transmissões de bens para efeitos de IVA.

O artigo 1º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, no momento em que os bens são postos à disposição, conforme disposto no nº 1 do artigo 7º do mesmo Código.

Em complemento a esta regra geral, o nº 3 do artigo 3º do CIVA refere outras realidades jurídicas distintas das transferências onerosas como assimiladas a transmissão de bens, entre as quais se inclui "a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma,

bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto, de acordo com alínea f) desse artigo.

Assim, quando os sujeitos passivos não tenham deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante dos bens que vão ser objeto de doação, tais entregas, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, estão fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto tributadas em IVA.

Para além do referido na parte final da alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIVA, existe, ainda, uma outra exclusão à incidência de imposto relativamente à transmissão gratuita de bens, conforme referido na última parte do nº 7 do artigo 3º do CIVA, referentes a ofertas de reduzido valor.

Essas ofertas de bens, que tenham um valor unitário, por oferta, igual ou inferior a € 50, e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, não estão sujeitas à liquidação de imposto.

Atendendo a estas normas, se os donativos em causa não ultrapassarem o valor unitário de € 50, essa transmissão gratuita não deve ser tributada em IVA, pressupondo que o valor anual das ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior.

Não estando perante as duas situações descritas em cima, ou seja, a doação excede o valor unitário de €50 ou o seu valor anual exceda cinco por mil do volume de negócios do ano anterior, tendo o imposto suportado na aquisição desses bens sido deduzido, ainda que parcialmente, pela empresa, quando existir esse donativo de bens, essa entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, estando sujeita a tributação de IVA.

As transmissões de bens gratuitas, ainda que sujeitas a IVA, podem beneficiar de isenção desse imposto, quando essa doação seja efetuada a uma IPSS ou organização não-governamental sem fins lucrativos e os bens sejam destinados posterior distribuição a pessoas carenciadas, conforme previsto na alínea a) do nº 10 do artigo 15º do CIVA.

Se não for o caso, há que efetuar a autoliquidação do IVA referente à transmissão de bens a título gratuito.

O valor tributável desta operação é constituído pelo preço de aquisição dos bens ou de bens similares reportados ao momento das realizações das operações (alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA), sendo definido pelo preço que um adquirente, em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor independente, por um bem similar (custo de reposição), conforme o nº 4 do artigo 16º do CIVA.

Quando a doação for enquadrada como uma operação assimilada a transmissão de bens, sendo tributável em sede de IVA, a responsabilidade pela liquidação e entrega deste imposto é da empresa doadora do bem.

Assim, a transmissão dos referidos bens efetuados pelo Sujeito Passivo são operações tributadas à taxa normal de 23%, exceto os livros que são tributados à taxa reduzida de 6%, conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º e alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA.

Como tal, propõe-se a correção em sede de IVA no montante de €134.220,11, conforme demonstrado no quadro seguinte:

 

 

 

(…)

CONCLUSÕES

 

A conclusão dos atos inspetivos ocorreu em 31/10/2023, com a notificação e respetivo envio da nota de diligência ao sujeito passivo, por carta registada, sob registo n.º RH ...PT.

Foi elaborado documento de correção – anexo IVA, para o ano de 2019.

Para as infrações descritas no capítulo VIII do presente relatório foi levantado o correspondente auto de notícia por contraordenação.

  1. A Requerente foi notificada da Liquidação Adicional de IVA n.º 2023 ... com data de 21-11-2023, e das Liquidações de Juros Compensatórios n.os 2023 ... e 2023..., com data-limite de pagamento no dia 10 de janeiro de 2024. Cf. Doc 1 e 2 do PPA.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do valor da liquidação dentro do respetivo prazo – cfr. doc. n.º 16.

 

  1. Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas Partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental testemunhal e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em relação à prova testemunhal importa salientar o contributo trazido pelo depoimento do contabilista certificado da Requerente, o Sr. G..., testemunha demonstrou ter conhecimento direto e profundo da dotação inicial feita, quando foi feita, quais os elementos e valores monetários que incluíram essa dotação, e mais testemunhou que a mesma foi efetivamente realizada e concretizada no ano de 2018. Mais testemunhou que a dotação inicial foi por erro contabilizada no ano de 2019, e foi posteriormente corrigida e registada no ano de 2018, encontrando-se registada na contabilidade da Requerente, conta ‘6882 – Outros gastos e perdas – Donativos’.

 

  1. Matéria De Direito
    1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões jurídicas que importa solucionar, no que respeita à legalidade do ato tributário em apreciação, é a de saber:

  1. Do vício de violação de lei por atuação fora do prazo de caducidade;
  2. Não sujeição a tributação em sede de IVA por falta de incidência objetiva pela norma da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA

A matéria de facto está fixada, importa agora proceder a subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão decidendas já enunciada.

  1. Do vício de violação de lei por atuação fora do prazo de caducidade

Determina o art. 124º do CPPT que, na sentença, seja dada prioridade ao conhecimento dos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado, antes da consideração dos vícios invocados que conduzam à sua anulação (n.º 1), devendo conhecer-se em primeiro lugar os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (n.º 2, alínea a).

Porque a caducidade constitui vício que afeta a validade substancial dos actos tributários impugnados, e o decurso do respectivo prazo conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos, assim se assegurando uma estável e eficaz definição da situação tributária dos sujeitos passivos, impõe-se começar pela apreciação deste vício invocado pela Requerente. Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 23/06/2021, Proc. n.º 01866/05.3BEPRT 01448/13.

A Requerente alega a caducidade do direito de liquidação com base nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, relativamente ao facto tributário – dotação de valores para o Instituto – ter ocorrido no ano de 2018 e não no ano de 2019, como alegado pela AT e qual resulta a correção efetuada e deu lugar a liquidação adicional aqui em apreço.

A Requerida, contra-alegou, que a Requerente, no ano de 2019, efetuou a afetação de bens da sua propriedade nomeadamente diverso mobiliário, equipamento e mercadorias no montante de € 584.826,07, conforme movimento contabilístico de 31 de dezembro de 2019, sendo que o facto tributário e a exigibilidade do imposto teriam ocorrido no ano de 2019.

Ora, atendendo à posição das partes, o primeiro tema que compete ver analisado, pois afigura-se essencial para a apreciação do vicio de caducidade, é determinar quando é que ocorreu o facto tributário, que deu azo a liquidação adicional aqui em apreço, se ocorreu em 2018 ou em 2019.

Necessariamente, e conforme se irá demonstrar, tendo o facto tributário ocorrido em 2018, como alega a Requerente, o prazo de caducidade de 4 anos aplicável, teria iniciado em 1 de janeiro de 2019 e terminando em 1 de janeiro de 2023, antes do início do processo inspetivo que ocorreu em 27 de abril de 2023. Contrariamente, tendo o facto tributário ocorrido em 2019, conforme alega a Requerida, o referido prazo, iniciava-se em 1 de janeiro de 2020 e terminaria em 1 de janeiro de 2024, tendo o processo inspetivo e a respetiva liquidação sido emitida em tempo.

Neste sentido cumpre decidir.

Estamos perante duas posições contraditórias, deste modo, cumpre analisar primeiramente as regras do ónus da prova e da sua repartição.

A regra geral sobre a repartição do ónus da prova que com consta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015).

Nesse mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”

Impende sobre a Requerente, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado, especificamente, dos factos constantes na declaração de rendimentos apresentada.

Alias, conforme o referido acórdão, suprarreferido, (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-02-2021, no processo n.º 0416/09.7BECBR), compete à Requerente, o ónus da prova, que a dotação inicial foi concretizada em 2018 e compete à Requerida, comprovar que a dotação inicial foi concretizada em 2019.

Vejamos:

Conforme resulta da factualidade assente, que por meio de escritura pública datada de 28 de março de 2018 foi constituída a Instituição, na qual expressamente refere o valor da dotação inicial, o qual corresponde ao valor aqui em apreciação, e da referida escritura foi igualmente anexado o relatório da avaliação dos bens móveis. Igualmente, a Fundação foi reconhecida pela Presidência do Conselho de Ministros, em 12 de novembro, conforme Despacho n.º 10957/2018, que consta do documento extraído do Diário da República, 2.ª série, N.º 227, de 26 de novembro de 2018.

Ora, a Requerente, preenche o ónus de comprovação que lhe compete, demonstrando inequivocamente que a Fundação e a respetiva dotação foram constituídas e concretizadas em 2018.

Estando perante um documento dotado de fé publica, onde expressamente refere os valores da dotação inicial e contem um relatório da avaliação dos bens móveis, mais um despacho da Presidência do Conselho de Ministros, ambos datados de 2018, bem como, a demais factualidade dada como assente quanto a dotação inicial, facilmente se conclui, que o facto tributário ocorreu em 2018.

Em contraste, competia a Requerida, apresentar evidencia que a dotação inicial, respetivamente, que a Requerente efetuou a afetação de bens da sua propriedade nomeadamente diverso mobiliário, equipamento e mercadorias no montante de € 584.826,07, ocorreu em 2019. Para além do registo contabilístico, que foi corrigido pela Requerente, protocolo de cooperação institucional datado de 14 de janeiro de 2019, a Requerida não apresentou evidencia que suportasse a sua pretensão. Dessa forma, a pretensão apresentada pela Requerida não merece ser acolhida.

Perante o exposto, conclui-se que o facto tributário aqui em apreciação ocorreu no ano de 2018, consequentemente, e tendo isso em consideração iremos agora analisar a questão da caducidade.

Vejamos.

Em termos gerais, o direito à liquidação por parte do Estado tem algumas limitações temporais para ser exercido, tendo em conta razões de segurança jurídica que informam a determinação legal de limitação do período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

Em consequência, é necessário determinar qual o momento da exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

Sobre a caducidade do direito à liquidação, no que releva in casu, estabelece o artigo 45.º da LGT o seguinte:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

E estabelece o artigo 94º nº 1 do Código do IVA, o seguinte:

1 - Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária, com exceção do disposto no número seguinte.

Em termos gerais, como prevê o artigo 94º nº 1 do Código do IVA, só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT, sendo que o nº 1 daquele artigo 45º da LGT refere que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

De acordo com o disposto no artigo 45º nº 4 da LGT, no que a esta análise interessa, o prazo conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto ou o facto tributário¸ ou seja, in casu, tendo o facto ocorrido em 2018, o prazo conta-se a partir de 1 de janeiro de 2019.

No caso em apreço, ao contrário do que erradamente defende a Administração Aduaneira invocando o n.º 1 do artigo 7.º do CIVA, a exigibilidade do imposto não ocorreu com a transmissão dos bens nem na data do movimento contabilístico datado de 2019 (entretanto corrigido e passando a ser datado de 2018). Na verdade, estando-se perante uma situação enquadrável no artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIVA (o que não é objecto de controvérsia) a exigibilidade do imposto ocorre no momento em que a afectação de bens teve lugar, por força do expressamente preceituado no n.º 4 do mesmo artigo, que é uma norma especial em relação à norma do n.º 1 do artigo 7, e por isso, prevalece sobre esta no seu específico domínio de aplicação.

A afectação dos bens à fundação ocorreu com a escritura celebrada e retificada em 2018, em que se inclui a «relação de capitais e bens afetos pelos fundadores à Fundação», por isso, é neste ano que ocorreu a exigibilidade do imposto, por força do preceituado nos artigos 3.º, n.º 3, alínea f), e 7.º, n.º 4, do CIVA.

Com aplicação destas normas, o prazo de 4 anos iniciou-se em 1 de janeiro de 2019, e caducaria, em princípio, em 31 de dezembro de 2022. Mas, considerando o período de 87 dias de suspensão do prazo de caducidade decorrente do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com produção de efeitos a 09-03-2020, por força do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio,  que entrou em vigor em 03-06-2020, nos termos do seu artigo 10.º) o prazo de caducidade terminou em 29-03-2023.

Assim, considerando que o processo de inspeção teve início em 27 de abril de 2023 e a liquidação adicional de IVA foi emitida em 21 de novembro de 2023, conclui-se que caducou o direito de liquidação.

Procede, pelos motivos expostos, a exceção perentória da caducidade da liquidação de IVA quanto ao ano de 2019, o que constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Questões de Conhecimento Prejudicial

Alcançada, por este Tribunal Arbitral, a conclusão de que caducou o direito à liquidação, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas submetidas à apreciação deste Tribunal, nomeadamente a da violação por não sujeição a tributação em sede de IVA por falta de incidência objetiva pela norma da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA.

 

  1. Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente, no montante de 149.815,61€ (cento e quarenta e nove mil, oitocentos e quinze euros e sessenta e um cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios.

A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Na sequência da anulação do ato de liquidação de IVA, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga, no valor total de 149.815,61€, como consequência da anulação, e a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois o erro da liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido da Requerente.

  1. Decisão

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação, em sede Imposto sobre o Valor Acrescentado, respeitante a Liquidação Adicional de IVA n.º 2023 ... e das Liquidações de Juros Compensatórios n.os 2023 ... e 2023 ..., quanto ao período de 2019, objeto do processo, condenando-se a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, no montante de € 149.815,61(cento e quarenta e nove mil, oitocentos e quinze euros e sessenta e um cêntimos, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em 149.815,61€ (cento e quarenta e nove mil, oitocentos e quinze euros e sessenta e um cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 060.00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2024

 

 

____________________________

Conselheiro Jorge Lopes de Sousa - Árbitro Presidente

 

 

______________________________

Rita Guerra Alves – Árbitra Relatora

 

_______________________________

Marcolino Pisão Pedreiro – Árbitro  Adjunto

 

 



[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-11-07.