Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 709/2023-T
Data da decisão: 2024-10-30  IVA  
Valor do pedido: € 284.559,30
Tema: IVA – Direito à dedução. Conexão entre os encargos suportados e a atividade económica.
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SUMÁRIO

  1. Resulta demostrado nas faturas referentes a “alimentação” e “alojamento” que este tipo de despesas são efetivamente despesas de clientes, decorrentes de atrasos nos voos, comprovadas através da menção ao nome dos passageiros, n.º de voo, data e serviços incluídos na concreta prestação de serviços. Neste sentido, as despesas em causa têm um nexo direto com a atividade exercida pela Requerente, sendo evidente que não se destinam a fins particulares, podendo deduzir-se a totalidade do IVA incorrido.
  2. Pelas regras da experiência, a promoção da imagem da Requerente em feiras e eventos não pode ser menos relevante do que a publicidade efetuada por qualquer outro meio. Neste sentido, considera-se ilidida a presunção consagrada no artigo 21.º do CIVA, porquanto estamos perante eventos que visam a divulgação da empresa, na medida em que assumem um nexo direto e imediato com a atividade da Requerente.
  3. Pelas regras da experiência, este tipo de serviços (de catering) não é dissociável da operação de transporte aéreo de passageiros, contribuindo para a realização de operações tributáveis. Não existe sequer suporte fatual para determinar que estas despesas se realizaram para satisfazer interesses particulares ou para atender a interesses alheios ao escopo da empresa.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dr. Hélder Faustino (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20-12-2023, com respeito ao processo acima identificado, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

É Requerente a A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC..., com representação permanente/estabelecimento estável na ..., n.º ..., ..., com o código postal ...-..., Lisboa, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.

A Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT) em que peticiona a anulação do despacho de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa com o número ...2021..., que lhe foi notificado no dia 11 de julho de 2023, e consequente regularização do imposto por si suportado nos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, bem como à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e no pagamento das custas judiciais devidas.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada de Requerida ou AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a AT em 10-10-2023.

 

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou os ora signatários como Árbitros.

Em 29-11-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 20-12-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Em 09-02-2024, por despacho notificado às partes, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Mais se facultou às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho podendo a Requerente pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Requerida na Resposta.

A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações em 12-03-2024, tendo a Requerente igualmente apresentado a sua resposta quanto as exceções invocadas.

Em 17-06-2024, por despacho notificado às partes, não tendo a Requerida junto o Processo Administrativo, nos termos do artigo 110.º, n.º 5, do CPPT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ordenou que a Requerida remetesse o Processo Administrativo correspondente.

Em 28-08-2024, a Requerida junto aos autos o Processo Administrativo (incompleto).

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Argumentos das Partes
    1. Posição da Requerente

A Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação do despacho de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa com o número ...2021..., que lhe foi notificado no dia 11 de julho de 2023, e consequente regularização do imposto por si suportado nos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, bem como à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e no pagamento das custas judiciais devidas.

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

A Requerente é uma sucursal em Portugal de uma companhia aérea sediada em Espanha, B..., S.A., que dispõe de uma rede de voos em território português e tem como objeto social o “transporte aéreo nacional e internacional de passageiros, carga, correio regular e irregular, assim como qualquer outra atividade relacionada, dentro do âmbito do objeto social da empresa sujeita a legislação deste país e às normas aplicáveis às sucursais de sociedades com sede no estrangeiro”.

Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de tributação, de periodicidade mensal.

No contexto da prossecução da sua atividade em Portugal, nos últimos anos, a Requerente tem incorrido em despesas de natureza diversa, relativamente às quais, por erro de enquadramento, não deduziu IVA.

Efetivamente, as operações passivas consistiram na aquisição de bens e serviços, que se elencam: Alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de  catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis.

A Requerente apresentou o pedido de Revisão Oficiosa a 20 de abril de 2021 – meio adequado e tempestivo à correção do erro de direito incorrido pela Requerente na interpretação do direito à dedução previsto pelo artigo 20.º do Código do IVA.

Nesta senda, a Requerente solicitou que lhe fosse concedido o direito à dedução do IVA incorrido, nas despesas supramencionadas, no montante de total de Euro 284.559,30 (duzentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e trinta cêntimos) da seguinte forma pelos respetivos períodos:

2017: Euro 89.339,00 (oitenta e nove mil, trezentos e trinta e nove euros);

2018: Euro 55.253,25 (cinquenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros e vinte e cinco cêntimos);

2019: Euro 80.855,53 (oitenta mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos);

2020: Euro 59.111,52 (cinquenta e nove mil, cento e onze euros e cinquenta e dois cêntimos).

A Requerente não pode concordar com o indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa do ato tributário, uma vez que o mesmo não resulta de uma idónea aplicação e concretização da Lei, consubstanciando uma desvirtuação do seu propósito.

Sobre as despesas de alimentação e alojamento, de acordo com a AT, o imposto incorrido no montante de Euro 13.103,43 (treze mil, cento e três euros e quarenta e três cêntimos) em despesas de alimentação e alojamento não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA veda o direito à sua dedutibilidade.

Considera a Requerente que as restrições do direito à dedução, consagradas no artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA, são excecionais sendo que respeitam a casos determinados taxativamente pelo legislador.

A Requerente incorreu, em Portugal, em despesas de alimentação e alojamento de clientes, decorrentes de atrasos nos voos.

Estas despesas foram incorridas no contexto do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91.

A Requerente demostra nas faturas referentes a “alimentação” e “alojamento” que estes tipos de despesas de clientes, decorrentes de atrasos nos voos, se comprovam através da menção dos seus nomes, data e serviços a serem incluídos na concreta prestação de serviços.

Não permitir a dedução do IVA incorrido seria penalizar a Requerente para além do permitido pelo princípio da neutralidade e proporcionalidade.

Deste modo, tendo a Requerente incorrido em despesas de alimentação e alojamento por via de obrigação regulamentar, a não dedução do IVA de tais despesas seria violadora dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade.

Em face do exposto, entende a Requerente que estas despesas têm um nexo direto com a atividade exercida, sendo evidente que os mesmos não se destinam a fins particulares, podendo deduzir-se a totalidade do IVA.

Sobre as despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, sustenta a Requerente, que a AT alega ainda que o imposto incorrido no montante de Euro 1.552,82 (mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos) em despesas com a participação em feiras e eventos não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA veda o direito à sua dedutibilidade.

No que concerne às despesas incorridas com a participação em feiras e eventos, entende a Requerente ser o IVA suportado dedutível na proporção de 25%, nos termos do disposto na alínea e) do número 2 do artigo 21.º do Código do IVA.

Por outro lado, no que respeita às despesas incorridas com a organização de eventos, dispõe a alínea d) do número 2 do artigo 21.º do Código do IVA que, à exceção do tabaco, todas as despesas efetuadas para as necessidades diretas dos participantes, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços e que comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, o imposto é dedutível na proporção de 50%.

Tem o número 1 do artigo 21.º, nas situações de afastamento do direito à dedução, subjacente a presunção de que as despesas indicadas não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeita a IVA.

Não obstante, esta presunção poderá ser ilidida desde que se demonstre que a organização de eventos tem o propósito de promover a imagem da empresa, e que se destina a entidades comercialmente interessadas no setor e ao público em geral.

Nestes termos, conclui que se deverá considerar ilidida a presunção consagrada na alínea d) do número 2, do artigo 21.º do Código do IVA, quando se está perante a organização de eventos que visem a divulgação da empresa, uma vez que assumem um interesse relevante e um nexo direto e imediato com a atividade da empresa.

Sobre as despesas de catering, defende a Requerente, que a AT alega ainda que o imposto incorrido no montante de Euro 99,84 (noventa e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) em despesas com a participação em feiras e eventos não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA veda o direito à sua dedutibilidade.

Tendo em consideração as restantes despesas incorridas pela Requerente, na qual se poderão destacar os serviços de catering, poder-se-á constatar que estamos perante despesas gerais da atividade da Requerente.

As operações em causa são fornecidas por uma entidade cuja denominação é em si mesmo um argumento a favor da dedutibilidade do IVA – C..., SA.

Assim, considera a Requerente que as despesas gerais da atividade revestem um interesse relevante e estabelecem um nexo direto e imediato com a atividade da empresa, sendo notório que estas despesas não se realizaram para satisfazer interesses particulares ou para atender a interesses alheios ao escopo da empresa.

Neste caso, e atento o exposto, considera que o IVA incorrido nestas despesas é dedutível na totalidade, uma vez que estão em causa despesas gerais da atividade da Requerente e não se aplica nenhuma das exceções tipificadas no artigo 21.º do Código do IVA, sendo evidente que estas despesas não se realizam para satisfazer interesses alheios ao escopo da empresa ou para favorecer interesses particulares.

Conclui a Requerente peticionando que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente na sua totalidade, por  provado, e, em consequência, ser promovida a  anulação do despacho de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa e a regularização do imposto suportado pela requerente no montante de Euro 284.559,30 (duzentos e oitenta e quatro mil e  quinhentos e cinquenta e nove e trinta cêntimos), relativamente aos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade, e condenar ao pagamento de juros indemnizatórios e ao pagamento das custas judiciais devidas.

 

  1. Posição da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

A Requerida invoca a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, alegando que julgando-se não provado que o indeferimento liminar da Revisão Oficiosa tivesse comportado a apreciação das liquidações, salvo melhor opinião, verifica-se a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância. 

A Requerida, invoca igualmente a exceção do erro na forma do processo, sustentando, que atento o indeferimento liminar do pedido de Revisão Oficiosa, que não comportou a apreciação da legalidade das liquidações, de tal indeferimento não cabe a impugnação através da Ação de Impugnação, mas antes e sim, Ação Administrativa, com vista à anulação da decisão da Requerida de não apreciar o pedido de Revisão Oficiosa.

O erro na forma do processo, é um vício que obsta ao conhecimento do pedido e que, deve ser julgado verificado nos presentes autos, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância.

A Requerida, mais sustenta a exceção da caducidade do direito de ação, alegando que o presente pedido de pronúncia arbitral, foi deduzido extemporaneamente.

Invoca, que pelos motivos constantes da Informação n.º 2022..., de 2023-03-27, que esteve na base do projeto de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa,  relativamente aos períodos de imposto compreendidos entre 2017-01 e 2019-02 (inclusive), verificou-se a intempestividade do pedido de Revisão Oficiosa, pelo que, de igual forma se verifica nos presentes autos, a caducidade do direito  de ação, relativamente àqueles períodos, com todas as consequências  legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância.

Não restando outra solução que não pugnar pela caducidade do direito de ação, exceção que obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por outro lado, a Requerida defende-se por impugnação, sustentando, que os documentos apresentados no procedimento administrativo e no ppa não permitem, salvo lapso nosso, cumprir o referido ónus da prova legalmente exigido, sendo importante, recordar que este ónus está acometido à Requerente, sem que o possa subdelegar, por estarmos perante reclamação de uma autoliquidação e não perante um ato praticado pela AT.

Alega que o que está em causa nos autos, seja por referência ao seu objeto mediato ou imediato, a aferição da ilegalidade das autoliquidações da Requerente, e não uma liquidação da iniciativa da AT.

Pelo que é sobre a Requerente que impende o dever de comprovar o pressuposto de que depende a ilegalidade imputada a estes atos de autoliquidação, qual seja, a que não obstante a natureza das despesas em causa estas foram incorridas para suportar outputs da atividade tributada em IVA, sendo aliás, quem estará melhor posicionado para o fazer.

Relativamente à parte das despesas em apreço, o artigo 21.º do CIVA visa, precisamente, evitar a dedução de IVA suportado com despesas que, pelas suas características e natureza, facilmente, poderiam ser desviadas para consumos privados, ou, no todo ou em parte, a fins alheios aos empresariais ou profissionais de um sujeito passivo.

Efetivamente, a razão para a limitação da dedução do IVA imposta quanto a este tipo de encargos, decorre do facto de estarmos perante despesas de consumo, que apesar de poderem ter alguma relação com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, são de difícil controlo quanto ao seu enquadramento como encargos destinados a fins estritamente profissionais, com os consequentes riscos de fraude e evasão fiscal que daí podem decorrer.

Os elementos juntos pela Requerente não se mostram aptos a comprovar de forma completa e inequívoca o exigido nas normas do Código do IVA, entendimento este suportado na jurisprudência acima citada, não podendo a sua falta ser por isso suprida, porquanto desde logo a falta de prova de tais elementos, decorre antes de mais, da falta de alegação de factos que correspondam a tais elementos.

Muito menos, quando, não obstante o disposto no artigo 21.º do CIVA, a Requerente pretende, relativamente a parte das despesas em apreço, demonstrar que os encargos em análise foram suportados no exclusivo exercício da sua atividade, um ónus que lhe cabe atento o já referido artigo 74.º da LGT.

Pelo que, não provando, nem alegando a Requerente, factos que permitam estabelecer um nexo entre os serviço e bens adquiridos e, a realização de operações que conferem o direito à dedução, sem mais, deve o pedido desde logo improceder por não provado.

Resulta assim evidente que o artigo 21.º do CIVA não se encontra em oposição com o direito europeu, mesmo nos casos em que estejam em causa bens ou serviços com utilização predominantemente ou exclusivamente profissional. Mas para que dúvidas não existam, esclareça-se ainda que o artigo 21.º do CIVA não contém qualquer presunção passível de ser ilidida e que isso é conforme o direito comunitário mormente com os seus princípios da neutralidade e proporcionalidade.

Contrariamente ao que pretende a Requerente, no artigo 21.º do CIVA não estamos perante presunções tributárias suscetíveis de elisão, mas sim perante normas anti-abuso específicas que estipulam limitações ao exercício do direito à dedução do IVA suportado visando evitar a fraude e evasão fiscais.

Efetivamente as normas ínsitas no artigo 21.º do CIVA visam evitar a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução do IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, são suscetíveis de ser utilizados para fins alheios a uma atividade tributável.

Neste contexto, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos definidos no n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, fica afastado o direito à dedução do IVA, independentemente de qualquer circunstancialismo ou factos invocados.

Do mesmo modo, apenas se verificados os pressupostos objetivos previstos no n.º 2 e n.º 3 do artigo 21.º do CIVA, poderão as exclusões identificadas ser afastadas

Assim, contrariamente ao que pretende a Requerente com a contestação das suas autoliquidações, atendendo ao teor das alíneas a), b), c) e d) do número 1 do artigo 21.º do CIVA, conclui-se que o legislador nacional não consagrou, por qualquer meio, a faculdade do sujeito passivo afastar o aí determinado, como numa “presunção”, provando que as despesas em análise apresentam, afinal, “carácter estritamente profissional” e que isso não é contrário do direito comunitário.

Defende a Requerida, que devem, por isso, ser julgados inconstitucionais as alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, por violação dos princípios da legalidade (tipicidade e reserva de lei parlamentar) e da proteção jurídica e da confiança (n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º da CRP), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível, capaz de afastar a proibição do direito à dedução aí contida, sempre que seja possível a sua conexão com a atividade tributada em IVA.

Termina a Requerida que se julgue provadas verificadas as exceções de incompetência do tribunal em razão da matéria e, de erro na forma do processo, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância, ou assim não se entendendo, o que não se concede, mas por mero dever de cautela se equaciona julgue provada verificada a exceção de caducidade do direito de ação, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância, ou assim não se entendendo, o que não se concede, mas por mero dever de cautela se equaciona se determine a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo-se a Requerida dos pedidos, com todas as consequências legais

 

  1. Do Mérito
    1. Questões Decidendas

Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

i. Da incompetência do tribunal em razão da matéria;

ii. Do erro na forma do processo;

iii. Da caducidade do direito de ação;

iv. Da ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa com o número ...2021..., e consequente regularização do imposto suportado pela Requerente nos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020 em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado

v. Do direito da Requerente ao reembolso desse montante e a juros indemnizatórios.

 

  1. Fundamentação De Facto
    1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, assente nos factos e na prova documental constante do processo que não mereceu impugnação:

  1. A Requerente é uma sucursal em Portugal da companhia aérea sediada em Espanha, B..., S.A., que dispõe de uma rede de voos em território português e tem como objeto social o “transporte aéreo nacional e internacional de passageiros, carga, correio regular e irregular, assim como qualquer outra atividade relacionada, dentro do âmbito do objeto social da empresa sujeita a legislação deste país e às normas aplicáveis às sucursais de sociedades com sede no estrangeiro”; (cfr. PPA).
  2. Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de tributação, de periodicidade mensal;(cfr. PPA)
  3. A Requerente efetua operações passivas, que consistem na aquisição de bens e serviços, que se elencam: Alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis; (cfr. PPA).
  4. A Requerente apresentou o pedido de Revisão Oficiosa a 20 de abril de 2021, das autoliquidações de IVA dos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020 em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
  5. A Requerente solicitou no seu pedido de Revisão Oficiosa que lhe fosse concedido o direito à dedução do IVA incorrido, no montante de total de Euro 284.559,30 (duzentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e trinta cêntimos) da seguinte forma pelos  respetivos períodos: 2017: Euro 89.339,00 (oitenta e nove mil, trezentos e trinta e nove euros); 2018: Euro 55.253,25 (cinquenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros e vinte e cinco cêntimos); 2019: Euro 80.855,53 (oitenta mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos); 2020: Euro 59.111,52 (cinquenta e nove mil, cento e onze euros e cinquenta e dois cêntimos); (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
  6.  A Requerente nos exercícios mencionados adquiriu de bens e serviços, de: alimentação; Alojamento; Aluguer de viaturas; Combustível; Participação em feiras e workshops e organização de eventos; Comunicações; Arrendamento; Eletricidade; Serviços de catering; Serviços de marketing; Serviços do aeroporto; Serviços de contabilidade; Serviços de advocacia; Mobiliário de escritório, serviços de estafetas; Serviços de segurança privada; Serviços de limpeza; Serviços de papelaria; Serviços de transporte de mercadorias; Consertos; Bateria de telemóveis; (cfr. mapas excel juntos com o PPA e respetivas faturas constantes do PA).
  7. A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa no dia 11 de julho de 2023; (cfr. PPA).

 

  1. Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. Das Questões Prévias:
    1. Das exceções invocadas

Na resposta veio a Requerida alegar a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e erro na forma do processo, uma vez que o indeferimento liminar do pedido de Revisão Oficiosa, não comportou a apreciação da legalidade das liquidações, de tal indeferimento não cabe a impugnação através da Ação de Impugnação, mas antes e sim, Ação Administrativa, com vista à anulação da decisão da Requerida. Alegou igualmente a caducidade do direito de ação, relativamente aos períodos de imposto compreendidos entre 2017-01 e 2019-02 (inclusive), por intempestividade do pedido de Revisão Oficiosa.

A Requerente defendeu-se da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, por não se ter provado que o indeferimento da Revisão Oficiosa comportou a apreciação das liquidações, tendo sustentado que a jurisprudência arbitral e judicial é clara na consideração de que a jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os atos suscetíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objeto a tipologia de atos elencados no referido artigo 2.º do RJAT. E no presente caso, demonstra a Requerente que os fundamentos do indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa comportam, sem margem para dúvidas, a apreciação da legalidade do ato de autoliquidação. Assim, deverá ser dado como provado que o que foi requerido em sede de Revisão Oficiosa foi a revisão de um ato de autoliquidação de IVA e que a AT efetivamente apreciou a legalidade do mesmo.

Defendeu-se igualmente da intempestividade do pedido de Revisão Oficiosa relativamente aos períodos de imposto compreendidos entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2019, bem como a caducidade do direito de ação. E nesta sede, argumentou que o erro em causa no presente processo é um erro de direito que decorre de errónea interpretação do direito à dedução do imposto suportado, nos termos do artigo 20.º do CIVA. Ora, este erro de enquadramento jurídico-tributário – erro de direito – é imputável aos serviços atenta as posições publicamente assumidas por esta.

Exposta sumariamente as exceções que nos atém, cumpre apreciar.

 

  1. Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e erro na forma do processo

Constitui uma exceção dilatória, a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal Arbitral quanto à capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral, artigo 577.º  alínea a) do CPC e artigo 2.º do RJAT.

As questões de determinação da competência dos tribunais são de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 578.º do Código de Processo Civil (CPC) por aplicação subsidiária do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), importa assim face ao exposto apreciar a presente exceção dilatória.

A este respeito cumpre apreciar a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Assim, numa primeira linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, encontram-se limitados às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), de cujo n.º 1, alínea a) decorre deterem os tribunais arbitrais competência para a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e de autoliquidação de tributos.

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, é limitada pelos termos em que AT se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos», em cujo se postula a vinculação à jurisdição arbitral dos serviços - DGCI e DGAIEC - entidades fundidas na atual Autoridade Tributária e Aduaneira, com efeitos a 1.º de Janeiro de 2012”.

Deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub Júdice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no artigo 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (alínea p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial(cfr. o acórdão do STA de 25-6-2009, Proc. n.º 0194/09).

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

A referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete.

Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de  liquidação em sede), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.".

No caso em apreço, a Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa sobre os atos de autoliquidação de IVA dos periodos comprendidos entre os anos de 2018 a 2021.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se os pedidos da requerente, se incluiem nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao abrigo do disposto pelo artigo 2.º do RJAT.

Resulta do artigo 2.º, n.º1 do RJAT (Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável) : “1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, e retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Sobre a questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de Revisão Oficiosa, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo já se pronunciou em várias ocasiões, tendo decidido pela competência, nesse sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, Processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, Processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, Processo 147/17.4BCLSB; e de 13-12-2019, Processo n.º 111/18.6BCLSB.

Igualmente nesta senda, a questão da incompetência suscitada pela AT já foi submetida a apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu “não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11-05-2018, Processo n.º 636/17).

Neste sentido, veja-se igualmente as decisões do CAAD, que se pronunciaram sobre esta questão, na sequência do dito acórdão, proferidas nos Processos n.º 48/2012-T, n.º 617/2015, n.º 670/2015, n.º 122/2016, n.º 134/2017 e n.º 448/2021-T, não se concebendo, na medida em que a interpretação efetuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, máxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Similar entendimento foi sufragado no âmbito do processo n.º 617/2015-T, pelo Tribunal Arbitral no qual foi árbitro presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, nos termos do qual “nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.”

Concluindo a decisão arbitral em referência que o “(…) artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa. (…) Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos actos de autoliquidação”.

 

Assim, e face a todo o exposto, não assiste razão à Requerida nesta matéria, julga-se a exceção arguida pela Requerida desprovida de provimento, improcedendo-a.

 

  1. Questão da caducidade do direito de ação por intempestividade da apresentação do pedido de Revisão Oficiosa por não existir erro imputável aos serviços

A Requerida alega a caducidade do direito de ação, por entender que relativamente aos períodos de imposto compreendidos entre 2017-01 e 2019-02 (inclusive), verificou-se a intempestividade do pedido de Revisão Oficiosa.

A Requerente defendeu-se que o erro em causa no presente processo é um erro de direito que decorre de errónea interpretação do direito à dedução do imposto suportado, nos termos do artigo 20.º do CIVA. Ora, este erro de enquadramento jurídico-tributário – erro de direito – é imputável aos serviços atenta as posições publicamente assumidas por esta.

A questão que cumpre apreciar, uma vez que determinará o prosseguimento, ou não, da apreciação da questão de fundo que a Requerente coloca, é a tempestividade do pedido de Revisão Oficiosa (cuja decisão de indeferimento constitui objeto imediato do PPA), atentemos assim nesta matéria de exceção.

O objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade dos atos de indeferimento dos pedidos de Revisão Oficiosa, sendo a ilegalidade dos atos de autoliquidação o objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral, o que tem como consequência que a ilegalidade destes atos apenas pode ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa.

Impõe-se decidir se a Requerente incorreu um erro e qual, uma vez que poderá haver lugar à aplicação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, que remete para o artigo 78.º da LGT.

O erro que a Requerente invoca diz respeito a ter seguido as interpretações da AT – públicas e acessíveis – que configura erro sobre os pressupostos de direito pela errada interpretação ou de normas legais, decorrendo dessa errada interpretação uma restrição ao direito à dedução do IVA pela definição de um prazo de recuperação de IVA inferior àquele previsto na lei.

O CIVA transpôs para o direito interno português o regime ínsito nos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da DIVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, a), do CIVA, garantindo o direito à dedução do IVA.

O direito à dedução do IVA constitui a característica chave em que se alicerça todos os mecanismos do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua atividade económica, sob condição de tal atividade estar igualmente sujeita a IVA;

Na sua essência, o regime do direito à dedução do IVA é a concretização e manifestação do princípio da neutralidade fiscal do imposto.

As decisões do TJUE assumem nestes autos um papel relevante na medida em que se tem entendido que, e como corolário da obrigatoriedade de Reenvio Prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais dos Estados-Membros quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência, são unânimes em considerar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cujas normas, harmonizadas no conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, constam da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. É um imposto plurifásico que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (Cfr. Xavier Basto, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, Lisboa 1991, p. 41).

O direito à dedução designado como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs, devendo garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento, como é afirmado pelo no Acórdão S. Puffer, C-460/07, do TJUE de 23 de abril de 2009.

O direito à dedução é considerado como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante, como é mencionado nos Acórdãos do TJUE nos Acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12.

O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA tem por objetivo desonerar por completo o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA visa garantir, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA.

Nesta medida, a Requerente demonstrou ter incorrido num erro de direito e não num mero erro material, pelo que o pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 20 de abril de 2021 é tempestivo para as autoliquidações realizadas dentro do prazo de 4 anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.

Assim, e considerando que a Requerente é sujeito passivo de IVA enquadrado no regime de periocidade mensal, o pedido de revisão oficiosa só é tempestivo relativamente às autoliquidações de IVA realizadas a partir de 21 de abril de 2017.

Assim, decide este Tribunal Arbitral que o PPA é tempestivo relativamente a 49 das autoliquidações de IVA e intempestivo relativamente a 2, as submetidas antes de 21 de abril de 2017. Considerando que o Tribunal Arbitral não tem competência para proceder a esse cálculo é AT que em execução de sentença determinará o valor do IVA a regularizar.

 

  1. Matéria De Direito
    1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão que se coloca nos autos é a aplicabilidade, ou não, de restrições no direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação e alojamento incorridas pela Recorrente no âmbito do “Direito de Assistência” dos seus clientes / passageiros; a despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; a despesas de catering.

De referir que a AT não coloca qualquer entrave à dedução do IVA incorrido nas demais despesas, no valor de Euro 268.870,70, pelo que o Tribunal Arbitral irá focar-se nas faturas enquadráveis naquelas categorias.

A matéria de facto está fixada, importa agora proceder a subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão decidenda já enunciada.

Neste sentido, cumpre decidir.

O direito à dedução constitui um elemento essencial do funcionamento do imposto sobre o valor acrescentado e constitui o esteio fundamental deste imposto que se pretende neutral e sem qualquer efeito cumulativo indevido que se repercuta no preço final do consumidor.

Iniciamos, pela análise do regime fiscal aplicável.

Artigo 19.º

Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

Dispõe ainda o artigo 20.º do CIVA:

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

E, por fim, dispõe o artigo 21.º do CIVA:

Exclusões do direito à dedução

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com excepção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível:

i) Veículos pesados de passageiros;

ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;

iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados; (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;

v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg;

c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;

c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.

f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC;

g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 %.

3 - Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.”

As normas supra descritas constituem, assim, o quadro jurídico fundamental para a resolução das questões em apreço. Importa ter em conta que, em sede de IVA, as normas jurídicas que regulamentam o exercício do direito à dedução visam e devem garantir a neutralidade do imposto, assentando no método de crédito de imposto ou método subtrativo indireto, em conformidade com o princípio instituído pela Sexta Diretiva, subjacente ao disposto no artigo 19.º e seguintes do CIVA.

Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, constituindo pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da sua atividade.

Releva para a resolução do caso em apreço que nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pressuposto que se verifica no caso sub judice.

Apesar do que se deixa exposto, resulta do suprarreferido artigo 21.º do CIVA que, ainda que estejam em causa aquisições de bens ou serviços conexos com o exercício da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, a dedução do IVA suportado não é permitida se aqueles forem excluídos nos termos previstos neste normativo legal.

A regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais têm previsão legal no artigo 21.º do CIVA e estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.

Resultam previstas do n.º 2, do artigo 21.º do CIVA, um conjunto de circunstâncias nas quais o direito à dedução poderá não ser excluído. Sucede assim com as despesas previstas na alínea d), do n.º 2, do artigo 21.º do CIVA, em relação às quais o direito à dedução não fica excluído desde que se comprove que aquelas contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50%.

A norma do artigo 21.º do CIVA exclui o direito à dedução de certas despesas, que, pela sua natureza, permitem presumir que possam ser aproveitadas para satisfação de necessidades particulares.

A questão que se coloca nos autos é a aplicabilidade, ou não, de restrições ao direito à dedutibilidade do IVA suportado com despesas de alimentação e alojamento incorridas pela Recorrente no âmbito do “Direito a Assistência” dos seus clientes / passageiros; a despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; a despesas de catering.

 

Vejamos

 

As normas relativas ao direito a dedução de IVA têm como efeito o afastamento da incidência do imposto, pelo que se reconduzem a normas de delimitação negativa de incidência, devendo aplicar-se o regime do referido artigo 73.º da LGT às presunções nela contidas (ao contrário do defendido pela AT).

Subjacente às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas no artigo 21.º, n.º 1 e n.º 2, não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeitas a IVA, pois é essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários ao longo de todo o circuito económico.

Sempre se diga, de resto, que a AT não coloca em causa a veracidade das faturas, nem a comprovação das despesas incorridas pela Requerente, já que as mesmas se encontram devidamente contabilizadas e foram comunicadas à AT não sendo necessária prova adicional para suportar que as despesas incorridas estão diretamente relacionadas com o exercício da sua atividade.

A AT limita-se a referir genericamente tratar-se de “(...) aquisições de bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou que são facilmente utilizáveis em consumos particulares (...)”.

Quanto à prova apresentada pela Requerente, tendo as declarações sido submetidas tempestivamente e como as faturas em causa fazem parte integrante dessas declarações, é aplicável a presunção do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, não se verificando nenhuma das condições que permitem afastar a presunção.

Conforme nos diz a Decisão Arbitral do CAAD no processo n.º 442/2020-T:

Compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. Sobre as declarações do sujeito passivo existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT. O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75.º n.º 2 alínea a)) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).”.

Mais, importa referir que durante o procedimento de revisão, a Requerente não foi interpelada para a prestação de mais informações ou à disponibilização de documentos contabilísticos à AT, para o apuramento da verdade material.

Ademais, a própria AT tem em sua posse as declarações periódicas de IVA submetidas pela Requerente, bem como a Informação Empresarial Simplificada (IES) submetida anualmente.

 

Em todo o caso, vejamos,

 

Despesas de alimentação e alojamento

Segundo a AT, o imposto incorrido em despesas de alimentação e alojamento não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do CIVA veda o direito à sua dedutibilidade.

Recorde-se que as restrições do direito à dedução, consagradas no artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, são excecionais sendo que respeitam a casos determinados taxativamente pelo legislador.

Com efeito, a Requerente invoca ter incorrido, em Portugal, em despesas de alimentação e alojamento de clientes decorrentes de atrasos nos voos – cfr. Documento n.º 5 e respetivas faturas de suporte juntos aos autos – e que as mesmas resultam de uma obrigação regulamentar.

Ora, no contexto do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91 (Regulamento), nomeadamente, do artigo 6.º do Regulamento, na ocorrência de atrasos nos voos, deve a transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros:

  1. a assistência especificada na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 9.º, e
  2. quando a hora de partida razoavelmente prevista for, pelo menos, o dia após a hora de partida previamente anunciada, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º; e
  3. quando o atraso for de, pelo menos, cinco horas, a assistência especificada na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º.

Atendendo, ainda, ao mencionado no artigo 9.º do Regulamento, de epígrafe “Direito de Assistência”:

“1. Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros:

  1. Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera;

b)  Alojamento em hotel:

- caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou

- caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro;

c) Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).

2. Além disso, devem ser oferecidas aos passageiros, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio electrónico.

3. Ao aplicar o presente artigo, a transportadora aérea operadora deve prestar especial atenção às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida e de quaisquer acompanhantes seus, bem como às necessidades das crianças não acompanhadas.”.

No caso em apreço, resulta demostrado nas faturas referentes a “alimentação” e “alojamento” que este tipo de despesas são efetivamente despesas de clientes, decorrentes de atrasos nos voos, comprovadas através da menção ao nome dos passageiros, n.º de voo, data e serviços incluídos na concreta prestação de serviços (cfr., por todos, a título de exemplo, requisições de vouchers de refeição, fatura e reserva Hotel...– Documento n.º 5 e respetivas faturas de suporte juntos aos autos (Documento n.º 3 – 2017).

 

Neste sentido, entende este Tribunal Arbitral que as despesas em causa têm um nexo direto com a atividade exercida pela Requerente, sendo evidente que não se destinam a fins particulares, podendo deduzir-se a totalidade do IVA incorrido.

 

Despesas com a participação em feiras e eventos

A AT alega ainda que o imposto incorrido em despesas com a participação em feiras e eventos não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do CIVA veda o direito à sua dedutibilidade.

Conforme a posição sufragada no Processo n.º 238/2013-T, a organização de eventos tem “(...) potencialidade de divulgação e promoção da imagem da Requerente, deve considerar-se ilidida a presunção que justifica o afastamento da dedutibilidade do IVA, tanto mais que não é crível que uma empresa da dimensão da Requerente realize eventos deste género, tendo em vista a satisfação de interesses particulares (...)”.

Ora, pelas regras da experiência, a promoção da imagem da Requerente em feiras e eventos – Documento n.º 6 e respetivas faturas de suporte juntos aos autos – não pode ser menos relevante do que a publicidade efetuada por qualquer outro meio.

 

Neste sentido, entende este Tribunal Arbitral que se considera ilidida a presunção consagrada no artigo 21.º do CIVA, porquanto estamos perante eventos que visam a divulgação da empresa, na medida em que assumem um nexo direto e imediato com a atividade da Requerente.

 

Despesas com serviços de catering

Por último, a AT alega que o imposto incorrido em despesas com serviços de catering não pode ser deduzido, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA veda o direito à sua dedutibilidade.

Como faz notar a Requerente na documentação apresentada – Documento n.º 7 e respetivas faturas de suporte juntos aos autos –, os serviços em causa são fornecidos por uma entidade cuja denominação é em si mesmo um argumento a favor da dedutibilidade do IVA – a C..., S.A.

Em todo o caso, atente-se na Informação Vinculativa n.º 10.490, emitida por despacho de 12 de setembro de 2016, nos termos da qual “quando tais custos integram as despesas gerais da atividade do sujeito passivo efetuadas para as necessidades das respetivas atividades tributáveis (no caso, a venda dos seus produtos), o IVA que os tenha onerado confere direito à dedução nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA, com as limitações estabelecidas no art. 21.º do mesmo Código.”.

Ora, pelas regras da experiência, este tipo de serviços (de catering) não é dissociável da operação de transporte aéreo de passageiros, contribuindo para a realização de operações tributáveis.

Mais, não existe sequer suporte fatual para determinar que estas despesas se realizaram para satisfazer interesses particulares ou para atender a interesses alheios ao escopo da empresa.

Assim, entende este Tribunal Arbitral que o IVA incorrido nestas despesas é dedutível na totalidade, uma vez que estão em causa despesas gerais da atividade da Requerente, que estabelecem um nexo direto e imediato com a atividade da empresa e não se aplica nenhuma das exceções tipificadas no artigo 21.º do CIVA.

 

Em face do exposto o não reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado nas despesas de alimentação, alojamento, participação em feiras e workshops e organização de eventos e serviços de catering, é ilegal, por violação do artigo 21.º do CIVA, conjugada com o artigo 20.º n.º 1, do CIVA e o artigo 73.º da LGT, devendo a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa com o número ...2021... ser declarada ilegal, e regularizado o IVA suportado pela Requerente após 20 de abril de 2017 até o final do exercício de 2020.

 

  1. Pedido de Reenvio Prejudicial

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE, não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

A obrigatoriedade ou não de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional  tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: “Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).

Quando a legislação da União Europeia seja clara ou quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato claro) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14):

Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16).

Por isso, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE ou a suspensão dos presentes autos, pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do ato cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos atos, atualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Pelo exposto, em relação ao pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente, é desnecessário, em virtude da jurisprudência do Tribunal de Justiça citada que aclara de forma cabal as dúvidas interpretativas suscitadas sobre a eventual (des)conformidade ao direito da União Europeia.

Ademais, conforme referido acima na delimitação da questão decidenda, a questão em apreço prende-se com a ilisão da presunção prevista no artigo 21.º do CIVA, e não com a conformidade da exclusão do direito à dedução prevista na norma com o direito da União Europeia.

 

  1. Pedido de juros indemnizatórios

Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida de juros indemnizatórios, e a condenação da Requerida em custas de parte.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios depois de decorrido 1 ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa com o número ...2021..., e consequente regularização do imposto suportado pela Requerente nos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020 em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), contados desde 21-04-2022.

 

  1. Decisão

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e em consequência:

  1. Julgar improcedente as exceções da incompetência do Tribunal em razão da matéria e erro na forma do processo suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. Julgar improcedente a exceção da caducidade relativamente às autoliquidações de IVA realizadas pela Requerente após 21-04-2017 no valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a fazer a regularização do IVA;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com o número ...2021..., considerando nos termos
  4. Condenar a Requerida a regularizar o IVA suportado pela Requerente após 21-04-2017, no valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral;
  5. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios com termo inicial em 21-04-2022 sobre o IVA suportado após 21-04-2017 sobre o valor a determinar pela AT em execução da presente decisão arbitral
  6. Condenar a Requerida e a Requerente no pagamento das custas processuais  cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (96%) e o da Requerente (4%) na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo de, um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatório, (...)” (Cfr. Proc. n.º 0436/18.0BALSB de 30/01/2019).

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 284.559,30 nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em consonância com os artigos 296.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (96%) e o da Requerente (4%) na proporção do respetivo decaimento (considerando o número de autoliquidações), sem prejuízo de um ulterior acertamento por parte da AT, a realizar em execução de sentença.

Notifique-se

 

Lisboa, 30 de Outubro de 2024

 

Os Árbitros

 

 

__________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

 

______________________________

(Rita Guerra Alves – Adjunto)

 

 

_____________________________

(Hélder Faustino – Adjunto e Relator)

 

 

 

VOTO VENCIDO

Votei vencido quanto à questão do direito à dedutibilidade do IVA, que teria julgado improcedente, pelas razões que seguem:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão que se coloca nos autos é a compatibilidade do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA com o Direito da União Europeia, à luz do princípio da equivalência, por estabelecer exclusão total ou parcial do direito à dedutibilidade do IVA suportado com despesas de alimentação e alojamento incorridas pela Recorrente no âmbito do “Direito a Assistência” dos seus clientes/passageiros; a despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; a despesas de catering.

O direito à dedução constitui um elemento essencial do funcionamento do imposto sobre o valor acrescentado e constitui o esteio fundamental deste imposto que se pretende neutral e sem qualquer efeito cumulativo indevido que se repercuta no preço final do consumidor.

Da análise do regime fiscal aplicável, resultam os seguintes normativos:

Artigo 19.º

Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

Dispõe ainda o artigo 20.º do CIVA:

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

E, por fim, dispõe o artigo 21.º do CIVA:

Exclusões do direito à dedução

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com excepção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível:

i) Veículos pesados de passageiros;

ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;

iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados; (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;

v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg;

c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;

c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.

f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC;

g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 %.

3 - Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

As normas supra descritas constituem, o quadro jurídico fundamental para a resolução das questões em apreço, assim, importa ter em conta que, em sede de IVA, as normas jurídicas que regulamentam o exercício do direito à dedução visam e devem garantir a neutralidade do imposto, assentando no método de crédito de imposto ou método subtrativo indireto, em conformidade com o princípio instituído pela Sexta Diretiva, subjacente ao disposto no artigo 19.º e seguintes do CIVA.

Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos., constituindo pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da sua atividade.

Releva para a resolução do caso em apreço que nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Apesar do que se deixa exposto, resulta do supra referido artigo 21.º do CIVA que, ainda que estejam em causa aquisições de bens ou serviços conexos com o exercício da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, a dedução do IVA suportado não é permitida se aqueles forem excluídos nos termos previstos neste normativo legal.

A regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais têm previsão legal no artigo 21.º do CIVA e estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.

Resultam previstas do n.º 2, do artigo 21.º do CIVA, um conjunto de circunstâncias nas quais o direito à dedução poderá não ser excluído. Sucede assim com as despesas previstas na alínea d), do n.º 2, do artigo 21.º do CIVA, em relação às quais o direito à dedução não fica excluído desde que se comprove que aquelas contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50%.

A norma do artigo 21.º do CIVA exclui o direito à dedução de certas despesas, que, pela sua natureza, permitem presumir que possam ser aproveitadas para satisfação de necessidades particulares.

A questão que se coloca nos autos é compatibilidade do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA com o Direito da União Europeia, à luz do princípio da equivalência, por estabelecer exclusão total ou parcial do direito à dedutibilidade do IVA suportado com despesas de alimentação e alojamento incorridas pela Recorrente no âmbito do “Direito a Assistência” dos seus clientes/passageiros; a despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; a despesas de catering.

Compete agora fazer uma análise detalhada da jurisprudência existente, designadamente, temos o TJUE, que já se pronunciou sobre esta questão nos processos 513/2020-T e 425/2018-T, que para esse fim solicitaram o reenvio prejudicial, conforme de seguida, sumariamente, se elenca.

Efetivamente, no âmbito do processo 425/2018-T de 07-08-2019, os árbitros aí designados Juiz José Poças Falcão, Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr.ª Filipa Barros, identificaram a seguinte questão sujeita a decisão:

“(…) a apreciação da questão de saber se a Requerente tem direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering que subcontratou a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA.”

E solicitado o Reenvio Prejudicial para o TJEU, para apreciação da seguinte questão:

A correta interpretação da alínea a)  do artigo 168.º e  do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, e dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, permitem que o legislador português, na alínea d) do n.º1 e na alínea  d) do n.º2 do artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, limite em 50% o direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada?

Nesse seguimento, o TJUE entendeu, em síntese, o seguinte:

a) Vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, decidiu o TJUE proferir o seu entendimento por meio de despacho fundamentado de 26 de fevereiro de 2020, em conformidade com o artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, dispositivo que determina que quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidir pronunciar-se por meio de despacho fundamentado

b) Tal como se nota, o artigo 176. º da diretiva IVA prevê que “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.”

c) Prossegue o TJUE referindo que, tal como o artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill que prevê, nomeadamente, para os Estados que aderem à União, a manutenção das exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, que eram aplicáveis antes da data da respetiva adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo desse artigo 176. º, o que, até à data, o Conselho ainda não fez (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 30 e jurisprudência referida).

d) Como faz notar o TJUE, “27. Em terceiro lugar, a competência residual dos Estados-Membros para manter as exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, em aplicação do artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, porém, absoluta. Foi neste sentido que o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula de standstill não visa permitir a um novo Estado-Membro alterar a sua legislação interna por ocasião da sua adesão à União, cujo efeito consista em alargar o âmbito das exclusões existentes, num sentido que afaste essa legislação dos objetivos da Diretiva IVA, o que seria contrário ao próprio espírito dessa cláusula (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 31 e jurisprudência referida).

28. A situação já será diferente, como também declarou o Tribunal de Justiça no que respeita à interpretação do artigo 17. º, n. º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, quando, depois da entrada em vigor da referida diretiva, a regulamentação de um Estado-Membro reduza o âmbito das exclusões existentes, aproximando-se dessa forma do objetivo desta diretiva. Nessa situação, o Tribunal de Justiça admitiu que essa regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.º, n.º6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C-345/99, EU:C:2001:334, n.º 22, e de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C-538/08 e C-33/09, EU:C:2010:192, n.º 67).

29. Em conformidade com o que foi recordado no n. º 25 no presente despacho, uma vez que a jurisprudência relativa à interpretação do artigo 17. º, n. º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva é pertinente para a interpretação do artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, há, portanto, que considerar que uma regulamentação de um Estado-Membro que reduza o âmbito das exclusões que existiam em 1 de janeiro de 1979, ou, se esse Estado-Membro aderiu à União após essa data, na data da sua adesão, está abrangida pela derrogação  prevista  no  referido artigo.

30. Por outro lado, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado-Membro em causa e averiguar se essa legislação teve por efeito  alargar o âmbito de aplicação das  exclusões existentes após a adesão (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Gru pa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 33 e jurisprudência referida).

31. No caso em apreço, importa precisar, antes de mais, que, em conformidade com o artigo 395.º do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23), interpretado em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu às Comunidades Europeias em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a aplicação integral das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C-524/10, EU:C:2012:129, n.º 13).

32. Em seguida, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, à data da adesão da República Portuguesa, o artigo 21. º do Código do IVA excluía do direito à respetiva dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes à alimentação e que, na sequência de uma alteração do referido artigo, em 2005, o direito à dedução do IVA para este tipo de despesas foi admitido, em certas condições, até ao limite de 50 %.

33. Afigura-se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência da alteração do artigo 21. º do Código do IVA, despesas que estavam totalmente excluídas do direito à dedução do  IVA passaram a conferir, em certas condições, um direito à dedução parcial deste imposto. Por conseguinte, essa alteração, que reduz o âmbito das despesas excluídas deste direito à data da adesão da República Portuguesa à União, está abrangida pela cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C-345/99, EU:C:2001:334, n.ºs 23 e 24).

34. Por último, importa ainda apreciar, em conformidade com a jurisprudência, se a legislação nacional em causa prevê de maneira suficientemente precisa a natureza e o objeto dos bens ou dos serviços para os quais fica excluído o direito à dedução do IVA, a fim de garantir que a faculdade concedida aos  Estados-Membros não sirva para prever exclusões gerais a esse regime (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 40 e jurisprudência referida).”

e) Termos em que o TJUE conclui que, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C-225/18, EU:C:2019:349), no processo principal, a categoria das despesas relativas à alimentação prevista no artigo 21.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea d), do Código do IVA parece estar definida de forma suficientemente precisa na perspetiva das exigências estabelecidas pela jurisprudência, salientando que “…importa recordar que a circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afetas ao exercício das suas atividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.” (cfr. n.º 38 do Despacho).

f) Neste contexto, o TJUE vem decidir que “O artigo 168.º, alínea a), e o artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado-Membro em  causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.”

E concluiu-se na Decisão Arbitral proferida nesse processo, o seguinte: “Como vimos, feito o reenvio prejudicial veio o TJUE entender, realizada que foi uma digressão pela jurisprudência do TJUE bem como uma incursão temporal pelas regras do nosso CIVA nos termos enunciados supra, que o artigo 168.º, alínea a), e o artigo 176.º  da  Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado-Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.”

Igualmente, no âmbito do processo 513/2020-T de 2021-07-08, os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa, Dr. Jorge Carita e Prof.ª Doutora Nina Aguiar, a questão sujeita a apreciação consistiu: “(…) questão da compatibilidade do artigo 21.º 1, n.º 1, do CIVA com o Direito da União Europeia, à luz do princípio da equivalência, por estabelecer exclusão total ou parcial do direito à dedutibilidade do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, em situações em que se admite maior relevância dessas despesas como gastos em sede de IRC, directamente ou através de tributações autónomas.”

foi solicitado o Reenvio Prejudicial, sobre a seguinte questão:

O princípio da equivalência opõe-se a uma regulamentação nacional em sede de IVA como a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), mantida ao abrigo da cláusula stand still, que prevê exclusão total ou em 50% do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, relativamente às quais se admite, em sede de imposto sobre o rendimento, a relevância total como gastos (sem prejuízo de controle a posteriori e sujeição a condições) ou, através de imposição de tributações autónomas, se admite uma dedutibilidade real como gastos em percentagem maior do que 50%?

O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre a questão colocada por despacho de 09-12-2022, proferido no seu processo C-459/21, declarando o seguinte:

O princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

O TJUE decidiu que aquele artigo 21.º, n.º 1, do CIVA não é incompatível com o princípio da equivalência.

Na fundamentação deste Acórdão, processo C‑459/21, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

24 As requerentes no processo principal alegam que tais despesas beneficiam de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional, a saber, o IRC. A este respeito, consideram que o legislador nacional deveria alinhar o mecanismo do direito à dedução vigente em matéria de IVA com o previsto para a dedutibilidade de despesas em sede de IRC, sob pena de violação do princípio da equivalência.

25 Não se pode deixar de observar que esta argumentação assenta numa compreensão errada do alcance do princípio da equivalência.

26 Com efeito, por um lado, o alcance do direito à dedução do IVA suportado a montante é, como o Governo português e a Comissão salientaram com razão nas suas observações escritas, uma questão de ordem material. Não se trata de uma modalidade processual de uma ação destinada a assegurar a salvaguarda de direitos conferidos às requerentes no processo principal pelo direito da União.

27 A este respeito, a interpretação do princípio da equivalência sugerida pelas requerentes no processo principal teria por efeito desvirtuar o alcance deste princípio. Com efeito, se tal interpretação fosse acolhida, haveria o risco de o âmbito de aplicação do referido princípio ser alargado a qualquer questão de ordem material como, em matéria fiscal, a fixação da taxa de IVA. Ora, essa extensão iria além da finalidade prosseguida pelo mesmo princípio, a saber, o enquadramento da autonomia processual dos Estados-Membros.

28 Por outro lado, contrariamente ao que defendem, em substância, as requerentes no processo principal, o mecanismo do direito à dedução do IVA e o regime de dedutibilidade de despesas em sede de um imposto direto, como o IRC, não são comparáveis para efeitos da aplicação do princípio da equivalência.

29 Com efeito, um imposto indireto como o IVA e um imposto direto como o IRC revestem uma natureza fundamentalmente diferente.

30 Além disso, o mecanismo de dedutibilidade, nestas duas formas de imposto, não é comparável e não tem um objeto e uma causa de pedir semelhantes na aceção da jurisprudência recordada no n.º 20 do presente despacho. Com efeito, embora seja certo que o mecanismo instituído pelo artigo 168.° da Diretiva IVA assenta na dedução do imposto suportado a montante com as despesas referidas nesta disposição, a dedutibilidade em sede de imposto direto pressupõe a dedução dessas despesas, enquanto tais, para efeitos do cálculo do lucro tributável.

31 Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

Do que se deixa exposto, e por força do preceituado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o direito da União Europeia prevalece sobre o Direito Nacional.

Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE e do CAAD, conclui-se que as liquidações impugnadas, ao aplicarem limitações do direito à dedução do IVA previstas no artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, suportado com as despesas relacionadas com o “Direito a Assistência” dos seus clientes/passageiros; a despesas incorridas com a participação em feiras e eventos; a despesas de catering, não são incompatíveis com o princípio da equivalência.

Pelo exposto, entendo que as liquidações impugnadas não enfermam do vício que a Requerente lhes imputa.

A Arbitra,

 

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Rita Guerra Alves