Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 552/2024-T
Data da decisão: 2024-10-21   Outros 
Valor do pedido: € 1.138,41
Tema: Adicional solidariedade setor bancário (ASSB) – violação da igualdade e da capacidade contributiva.
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Sumário:

Segundo jurisprudência assente do Tribunal Constitucional (proc. 444/2024, 529/2024, 469/2024) são inconstitucionais os art. 1.º, n.º 2, art. 2.º e 3.º, al. a), do Regime que criou o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do Princípio da Igualdade.

 

Tomás Cantista Tavares, árbitro nomeado pelo CAAD, acorda em tribunal arbitral singular:

 

I – Relatório

 1. A..., SA (Sucursal em Portugal), com morada da representação na ..., ..., n.º .../..., ..., Sala..., ...-..., Porto, com sede em ..., ..., ..., ..., Espanha, com NIF Português ...

vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro,

para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) do ano de 2021, no valor de 1.138,41€, submetido por retenção na fonte em 14/12/2021

requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerente alega em suma, que sendo uma instituição bancária – suportou o referido ASSB de 2021, o qual sofreria de inúmeras ilegalidades, por violação (i) do Direito da União Europeia – por violação do direito de estabelecimento (art. 49.º e 54.º do TFUE); e (ii) por violações da Constituição fiscal, a saber: a) violação do princípio constitucional da Igualdade, da capacidade contributiva, proporcionalidade e legalidade, na vertente de proibição do excesso, adequação, e na incidência com ausência de quaisquer índices de capacidade contributiva constitucionalmente previstos.

Na resposta, a Autoridade Tributária refere, em suma, que o ASSB não viola a Constituição nem o Direito Europeu.

Não ocorre qualquer violação da Constituição da República. Considera a AT que a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, foi introduzida no sistema fiscal português com o intuito de compensar a isenção de IVA de que este atualmente aproveita, permitindo enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras. Acresce que a tributação indireta que em Portugal incide sobre o setor financeiro, através do Imposto do Selo, deixa de fora elementos relevantes da atividade das instituições de crédito, como as transações financeiras, sendo que as operações de financiamento das instituições de crédito no mercado interbancário estão também isentas do Imposto do Selo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, a AT contrapõe que o ASSB se enquadra na tipologia de imposto sobre atividades financeiras, assumindo assim a natureza de imposto indireto, sendo que a argumentação da Requerente não pode proceder. O ASSB tem como objetivo constituir um sucedâneo do IVA no setor financeiro, logo, a sua incidência dar-se-á sobre uma “manifestação mediata” de capacidade contributiva, que revela, indiretamente, a capacidade contributiva no estádio do consumo final. Alega, ainda, que o ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras, que, como se viu, também são em, em certos casos, desoneradas do imposto do selo.

Em suma, do ponto de vista da Requerida, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.

Entende, ainda, que não se verifica violação do princípio da igualdade, uma vez que a razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações. Tratando-se de isenções incompletas, “não permitem a dedução do IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços necessários à realização da atividade financeira”. Alega ainda que, quando o legislador decide atenuar ou eliminar uma delas, em particular quando tal isenção tem a sua razão de ser em limitações intrínsecas à mecânica do imposto (como é o caso da isenção de IVA nos serviços financeiros), o legislador está, na verdade, a repor igualdade.

Entende por último que não ocorre qualquer violação do Direito da União Europeia, mesmo após o Acórdão do TJUE C-340/222, e tendo por base a recente jurisprudência do STA (Ac. 090/21.2BELRS, de 31/5/2023).

 

 2. O árbitro foi designado pelo Conselho Deontológico; comunicou a aceitação em tempo, não tendo as partes manifestado vontade de o recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

3. O Tribunal foi constituído em 8/7/2024. A requerida foi notificada para apresentar resposta, que o fez em tempo; o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, atenta a clareza das peças processuais, ausência de testemunhas, na celeridade do processo e livre condução do processo; e concedeu prazo para alegações, que as partes efetuaram, em linha, no essencial, com o argumentado nos seus articulados anteriores.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

a) A requerente é a sucursal em Portugal do B..., instituição de crédito de direito de Espanha, com sede e efetiva administração nesse Estado da União Europeia.

b) Enquanto sucursal portuguesa do B..., o Requerente viu-se sujeita ao pagamento do ASSB, referente ao ano de 2021;

c) Em 14/12/2021, o Requerente procedeu à respetiva autoliquidação do ASSB do ano de 2021, no valor de 1.138,41€;

d) Por discordar da autoliquidação efetuada, o Requerente apresentou tempestiva reclamação graciosa, indeferida, de forma expressa, pela AT.

e) Inconformado, o requerente deduziu a presente ação arbitral, solicitando a anulação da liquidação do ASSB e do ato de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Factos não provados

 Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

            Matéria de direito

A. Comecemos pela ordem das questões a analisar – já que a requerente invoca substancialmente dois tipos de argumentos: a liquidação impugnada violaria o direito da União Europeia e a Constituição fiscal.

Na ordem das questões a analisar, segue-se o que dispõe o art. 124.º do CPPT: não se havendo suscitado questões que conduzam à nulidade, começar-se-á pela análise dos vícios cuja procedência, determine a mais eficaz e estável tutela dos interesses dos ofendidos; e só depois, os vícios apontados numa argumentação de subsidiariedade.

Nesse sentido, analisar-se-á primeiro o bloco de argumentos e tema sobre a violação da constituição fiscal, na dimensão da igualdade e capacidade contributiva, pois, perante recente jurisprudência assente do Tribunal Constitucional sobre esta exata matéria, assegura-se a mais eficaz e estável tutela dos interesses da requerente; sendo irrelevante, porque prejudicada, a análise da matéria sobre a eventual violação do Direito da União Europeia.

 

B. Várias sucursais bancárias em Portugal intentaram ações judiciais, muitas arbitrais, em que na contestação das liquidações de ASSB de que eram alvo invocavam, entre outros argumentos, a violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, na dimensão de proibição do excesso e adequação e ausência de qualquer índice de capacidade contributiva. Cada processo seguiu os seus termos e o que releva agora sublinhar, em 2024, é que existe recente jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional sobre este tema. O Tribunal arbitral deve obediência ao tribunal constitucional, não só pela clareza dos argumentos aí expostos, mas sobretudo porque no sistema judicial nacional, é o Tribunal Constitucional que tem a última decisão sobre questões de inconstitucionalidade, e em sede de fiscalização concreta sucessiva, os demais tribunais devem-lhe obediência e aceitação, para assegurar a uniformização de jurisprudência e garantias de segurança, compreensão e uniformização do sistema jurídico.

Com efeito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 444/2024, 529/2024 e 469/2024 debruçaram-se sobre a mesma matéria dos autos e concluíram “julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária”.

Assim, por obediência e aceitação e após a devida análise e ponderação, decide-se nesse mesmo sentido, seguindo de perto o Acórdão do Tribunal Constitucional 469/2024, e citam-se as passagens relevantes.

 

Início de citação

 

2.4. Relativamente às normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, o entendimento da decisão recorrida pode sintetizar-se nos seguintes pontos.

Quanto à violação do princípio da igualdade tributária: i) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português; ii) não obstante a similitude de incidência com a CSB, “[…] o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira”; iii) a justificação apresentada não colhe, tendo em conta a natureza e efeitos da isenção de IVA nas operações financeiras; iv) não é possível “[…] determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o setor bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação”; v) não tem justificação “[…] que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva e desconsidera-se o caráter obrigatório de várias deduções, que a isenção simples não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, bem que essa isenção já é contrabalançada pelo imposto do selo”; assim, vi) “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva: i) não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo […]”; ii) a ausência de correspondência entre o ASSB “[…] e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita”; e, por fim, iii) não se encontra “[…] qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Analisemos, pois, cada um dos referidos parâmetros, pela ordem indicada (a que foi seguida no acórdão recorrido e nas alegações), tendo presente que o recorrente (o Ministério Público) diverge da decisão recorrida quanto à violação do princípio da igualdade tributária e com ela converge quanto à violação do princípio da capacidade contributiva.

2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019:

 

“[…]

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16).

[…]”.

 

Ou, na formulação do Acórdão n.º 268/2021 (adotada também, por remissão, no Acórdão n.º 505/2021):

 

“[…]

A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio.

A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 590/2015, n.º 12).

[…]”.

 

2.4.2. O recorrente sustenta que não ocorre violação do princípio da igualdade tributária, enquanto proibição do arbítrio, em síntese, pelas seguintes razões, que levou às conclusões da motivação do recurso:

 

“[…]

25. Sobre a dimensão constitucional deste princípio, na sua dimensão da proibição do arbítrio legislativo, afigura-se-nos especialmente elucidativo o Acórdão n.º 227/2015, de 28 de abril, que conclui que:

17. De tudo quanto ficou dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais:

1.º O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações: todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações;

2.º Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária;

3.º A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo princípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada;

4.º O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injustificadas.

25. O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores – artigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

26. Este é o fundamento adiantado pelo legislador para o tratamento desigual dado ao setor financeiro, onerando-o com o pagamento deste tributo.

27. É certo que, como bem elenca Filipe de Vasconcelos Fernandes:

g) Tratando-se o IVA de imposto europeu, as isenções que vigoram para alguns serviços e operações financeiras são expressamente consentidas pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006;

h) Da mesma forma que vigoram isenções para a generalidade dos serviços e operações financeiras, também assim sucede para setores como os seguros, a saúde, a cultura, o ensino ou o imobiliário, sem que lhes tivesse sido imposta qualquer necessidade de compensação pela despesa fiscal associada às isenções que até ao momento vigoram;

i) Não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita deste último imposto que se encontra afeta ao FEFSS, o designado «IVA social» (receita de IVA resultante do aumento da taxa normal operado através do n.º 6 do art. 32.º, da Lei n.º 39-B/94 de 27.12;

j) A receita proveniente do designado «IVA social» encontra-se, nos termos do art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 02.11, consignada à realização da despesa com prestações sociais no âmbito do subsistema de proteção familiar;

k) A isenção que vigora para serviços e operações financeiras é uma isenção que não confere direito à renúncia, com a consequente não dedutibilidade do IVA suportado nos inputs;

l) A despesa fiscal associada à isenção de IVA que vigora para serviços e operações financeiras está intimamente relacionada com a respetiva sujeição a imposto de selo.

28. Porém, não deixa de ser um facto incontestável que os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozam de isenção de IVA.

29. Tal facto, inquestionável, afigura-se ser o fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa, por muitas críticas que essa opção legislativa possa merecer por parte da doutrina.

30. E aqui não podemos deixar de secundar a declaração voto de vencida da Exma. Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão supra identificado, ao afirmar:

No entanto, a densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatível – por razões que, creio, resultam bem claras da jurisprudência sedimentada do Tribunal relativamente ao que deva entender-se por proibição do arbítrio legislativo – com o recurso cumulativo a técnicas de ponderação. A ausência de racionalidade de uma qualquer distinção de regimes que seja estabelecida pelo legislador não se pondera. Verifica-se; e deixa de verificar-se a partir do momento em que, a fundar a diferença, se encontra um qualquer motivo que seja intersubjetivamente inteligível. E isto qualquer que seja o “peso” valorativo próprio que o Tribunal (que não sanciona o mérito das escolhas legislativas) reconheça ou deixe de reconhecer a esse mesmo motivo.

31. Assim, e face ao exposto, não entendemos que o regime que cria o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos lº, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, seja inconstitucional por violador do princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, previsto no art. 13.º da Constituição.

[…]”.

 

Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:

 

“[…]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

“[…]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.

[…]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

[…]”.

 

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.

2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.

Nos termos do artigo 3.º do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho:

 

Artigo 3.º

Incidência objetiva

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

 

Nos presentes autos, foi recusada a norma contida na alínea a) do referido artigo 3.º.

Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023:

 

“[…]

A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).

Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).

[…]”.

 

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):

 

“[…]

[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.

Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.

[…]

Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.

Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.

Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.

[…]”.

 

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.

2.5. Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça – TJ) no processo n.º C‑340/22 (acórdão de 21/12/2023).

Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):

 

“[…]

22. Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

23. Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

24. Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.º 113).

25. A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

26. Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

27. Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

[…]”.

 

Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.

Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[…] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios” (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cfr. https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/banco-..-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorre – no efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da União – para a eliminação do referido tratamento desigual.

2.6. Em face do exposto, prefiguram-se razões bastantes para fundar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, com a consequente improcedência do recurso, também nesta parte.

 

Fim de citação

 

D. Por todos estes motivos, a liquidação impugnada do ASSB é ilegal, por inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

  

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 E. A requerente solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios a seu favor, à taxa legal, desde a data de pagamento até devolução do imposto, por preenchimento dos requisitos do art. 43.º da LGT.

Sobre esta questão segue-se o decidido no Acórdão do STA de 22/3/2017, no proc. 0471/14.

No momento da emissão da liquidação (autoliquidação) ainda não havia qualquer decisão de inconstitucionalidade sobre estes casos do ASSB (nem concreta nem geral), emitida pelo Tribunal Constitucional, que só ocorreram em 2024 (proc. 529/2024, 469/2024). 

Assim, conforme esse Acórdão: não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da Administração Tributária, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do artº. 43 da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços.

Quer dizer, a requerente não tem direito a juros indemnizatórios, por não se verificar um dos requisitos de que dependem esses juros – não existe um erro imputável aos serviços.

 

 III - Decisão

Termos em que se decide:

a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular o ato de autoliquidação do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (“ASSB”), referente ao ano de 2021, no valor de 1.138,41€ - e reflexamente anular, também, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

b) Condenar a Requerida à devolução da quantia de imposto paga de 1.138,41€;

c) Não condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios do art. 43.º da LGT

 

Valor da causa

 A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.138,41€, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 306,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Compete à requerida o pagamento total das custas, por total decaimento do pedido principal – a anulação da liquidação de imposto; não tendo o pedido de juros autonomia própria nas ações arbitrais, mas apenas acessório do principal, que é a anulação da liquidação.

 

Notifique.

Porto, 21 de outubro de 2024,

  

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro singular)