Consultar versão completa em PDF
SUMÁRIO
A tributação em imposto do selo, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões cobradas pela comercialização pelos bancos de unidades de participação nos fundos de pensões abertos geridos pela respetiva entidade gestora é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
Acórdão Arbitral
Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), os Drs. Paulo Ferreira Alaves e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa, adiante designada por “A...”, é sociedade gestora (e por conseguinte representante legal também) dos seguintes fundos de pensões abertos (colectivamente designados por “fundos”) aqui, juntamente com a A..., requerentes (colectivamente designados por “requerentes”, doravante): -B..., Fundo de Pensões Aberto de Poupança Reforma (anteriormente denominado B..., conforme artigo 1.º do regulamento de gestão junto), com o número de identificação fiscal...; - Fundo de Pensões C..., Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal ...; - Fundo de Pensões D..., Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal ...; - Fundo de Pensões E..., Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...; - Fundo de Pensões F..., Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal..., A..., e fundos aqueles pela A... geridos e representados, que vêm, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, com vista a submeter à apreciação do Tribunal Arbitral:
(i) da legalidade do indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo repercutido nos requerentes referentes a diversos períodos mensais de 2021 e 2022 supra identificados (por referência aos meses de realização da comercialização, Janeiro de 2021 a Dezembro de 2022), e, bem assim, (ii ) da legalidade de tais liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 263.747,94.
2.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 4 de junho de 2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
3-A fundamentar o pedido alega a requerente, entre o mais:
-
A A... e os organismos de investimento colectivo/fundos de pensões abertos geridos e representados por si, suportaram Imposto do Selo sobre comissões por comercialização de subscrições das unidades de participação (valores mobiliários) nestes fundos, imposto este previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com referência a diversos meses dos anos de 2021 e 2022;
-
As referidas liquidações de Imposto do Selo (IS também doravante), e operações financeiras de comercialização de subscrição de unidades de participação (UP doravante) nos fundos de pensões abertos, que as desencadearam, foram realizadas pelo G..., S.A. (G... doravante), pelo H..., S.A. (H... doravante), e pelo I..., S.A. (I... doravante). Isto é, foi pela A... repercutida nos fundos, na qualidade de clientes da operação financeira de comercialização de subscrições das suas UP levada a cabo pelos identificados bancos, as comissões de comercialização por estes cobradas à sociedades gestora (A...) por referência a subscrições de UPs em 2021 e 2022;
-
O TJUE confirmou já expressamente por referência às comissões de comercialização de unidades de subscrição em fundos de investimento, que a tributação das mesmas em sede de imposto do selo viola o direito comunitário, abrangendo quer comissões de comercialização e respectivo imposto do selo liquidados por redébito das sociedades gestoras aos fundos, quer comissões de comercialização e respectivo imposto do selo liquidados às sociedades gestoras pelos bancos comercializadores de subscrições de unidades de participação (Cfr processo n.º C-656/21, acórdão do TJUE de 22 de Dezembro de 2022);
-
(…) os serviços de colocação de emissões geradoras de reuniões de capital não podem ser tributados em sede de imposto do selo, porque fazem parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais, e é indiferente que se tenha optado por confiar essas operações a terceiros (bancos) em vez de o emitente as efetuar ele próprio;
-
No mesmo sentido invocam os requerente o decidido pelo TJUE nos acórdãos seguintes, de 19.07.2023, proferidos nos processos n.ºs C‑335/22 e C‑416/22, em ambos se proíbe que serviços que fazem parte integrante de uma operação global de reunião de capitais, cuja tributação indirecta está como tal proibida pelo artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7/CE (Directiva sobre reunião de capitais);
-
Jurisprudência que se aplica às reuniões de capitais em fundos de pensões, designadamente nas situações aqui em causa em que à semelhança dos fundos comuns de investimento há subscrição de unidades de participação (reunião de capitais) cujo titular das mesmas ganhará ou perderá conforme a evolução dos investimentos colectivamente levados a cabo pelo fundo;
-
Desde muito cedo o TJUE considerou abrangidas pela proibição de tributação indirecta prevista na Diretiva 2008/7 (anteriormente diretiva 69/335), os fundos ainda que de natureza meramente contratual, isto é, sem personalidade jurídica (acórdão proferido pelo TJUE no processo n.º 112/86;
-
(…) a decisão do TJUE não se cingiu a um tipo específico de fundo, v.g. o fundo comum de investimento, bastando-se à constatação de uma reunião de capitais para um património separado, para atingir um fim lucrativo, sendo irrelevante depois se esses lucros se destinam a prover à reforma, à educação ou (resgate antecipado com perda de benefícios fiscais) a uma emergência do titular da UP;
-
O que importa é que temos um fenómeno de um património separado (colectivo), tal como numa sociedade de capitais, com um propósito de crescimento do mesmo, com um propósito lucrativo, tal como numa sociedade de capitais, donde a sua equiparação a uma sociedade de capitais para efeitos da Directiva 69/335, por força do seu artigo 3.º, n.º 2 (actualmente Directiva 2008/7/CE do Conselho, artigo 2.º, n.º 2), que tem a seguinte redação: “Para efeitos da presente directiva, é equiparada às sociedades de capitais qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos”;
-
Esta norma tem sido, assim, interpretada pelo TJUE de forma muito ampla e visa abranger patrimónios autónomos sem personalidade jurídica, entre outras realidades, as proibições de tributação indirecta das reuniões de capitais, sendo o único requisito para a aplicação da Directiva sobre reunião de capitais é que se trate de um património separado que vise o seu incremento/lucro, como se viu supra;
-
Dúvida nenhuma, pois, que o património separado que é também o fundo de pensões, com fins lucrativos que é também o fundo de pensões, é equiparado às sociedades de capitais, à semelhança de um fundo comum de investimento, nos termos e para os efeitos das proibições de tributação em redor das reuniões de capitais previstas na Directiva 2008/7/CE, entre as quais a do seu artigo 5.º, n.º 2, alínea a);
-
Em suma, a norma nacional, constante da verba 17.3.4 da TGIS, entra em conflito, no que respeita à tipologia específica da situação que se reconduz à actividade financeira de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”, com a proibição de largo espectro de tributação de tudo o que se relacione com qualquer forma de tributação indirecta (“any form of indirect tax whatsoever”) da criação, emissão, colocação em circulação e negociação de valores mobiliários (títulos) representativos de dívida ou de participação num património colectivo resultante de uma reunião de capitais, consagrada no artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE, o que a torna ilegal, por violação de norma de valor superior;
-
Finalmente a requerente pede que, em caso de dúvida, deverá então ser dado cumprimento ao dever de reenvio prejudicial para o TJUE previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), não obstante invocar a seu favor o recente acórdão do TJUE, de 22.12.2022, proferido no processo n.º C-656/2021, sobre imposto do selo incidente sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento demais decisões arbitrais que se lhe seguiram proferidos nos processos n.ºs 88/2021-T, 87/2021-T e 493/2022-T, e depois da reiteração pelo TJUE do seu claro e inequívoco entendimento, agora com referência à matéria paralela da comercialização da colocação de obrigações, nos processos n.º C-335/22 e n.º C-416/22.
4- A requerida, depois de desenvolvidas considerações sobre os regulamentos de gestão dos fundos de pensões, alega, em suma:
-
Que a liquidação dos autos não viola a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) - 22 de dezembro de 2022 - no processo C 656/21 («Reenvio prejudicial — Diretiva 2008/7/CE — Artigo 5.°, n.° 2, alínea a) —Impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais — Imposto do selo que incide sobre os serviços de comercialização de participações de fundos comuns de investimento coletivo em valores mobiliários de capital variável.
-
No caso em apreço não se consegue verificar, face à documentação junta, que não identifica os instrumentos financeiros onde foi investido o património do Fundo, ou sequer, consegue discriminar as diversas comissões que parecem confundir-se, se a proteção jurídica tributária que se pretende para a reunião de capitais deve ou não ser acautelada.
-
De facto, o que é tributado é a remuneração de diferentes serviços financeiros, e dentre eles, o serviço de intermediação financeira, contratados pela Requerente em vista à transmissão de unidades de participação de Fundos cujo património foi investido em instrumentos financeiros de naturezas completamente distintas, não existindo, assim, fundamento algum para afastar o preenchimento dos pressupostos de incidência objetiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS.
-
Por último, com a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho de 2009 pretendeu o legislador proteger as reuniões de capitais feitas sobretudo em valores mobiliários e instrumentos do mercado monetário, desprezando aqueles investimentos feitos em valores imobiliários.
-
Ora, constatando-se que os regulamentos dos fundos em apreço, como é o caso dos Fundos “C...”, “E...”, “F...” e “B...” preveem expressamente o investimento no mercado imobiliário, devem, em consequência, considerar-se excluídos da previsão da Diretiva conforme a essa conclusão chega a jurisprudência constante do Acórdão do TJUE no processo C-656/21 (interpretação a contrario do ponto 32 do Acórdão do TJUE no processo C-656/21).
5- Por despacho, de 21/7/2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
No Pedido Arbitral, o SP, quanto a matéria de prova, refere que a mesma consiste na documentação junta, não havendo, “dado tratar-se no essencial de questões de direito, outros meios de prova a produzir” (artigo 167.º). Porém, a seguir acrescenta:” Não obstante, caso com respeito a algum ponto da matéria de facto relevante se venha a revelar útil obter outras confirmações, ou confirmações complementares, junto se indica ainda a seguinte testemunha (….)”.
Notificado para identificar os pontos da matéria de facto a submeter a prova testemunhal, veio indicar a “constantes dos artigos 2.º a 8.º, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º 37.º e 38.º do pedido arbitral, em especial a pertença das facturas dos bancos com liquidação de imposto do selo juntas aos autos, ao serviço de distribuição/comercialização de unidades de participação nos fundos”.
Vejamos.
A questão central a decidir nos autos traduz-se em averiguar se a remuneração cobrada pelos Bancos pelo serviço financeiro prestado à Requerente, a título das denominadas comissões de comercialização, pela venda das UP junto de investidores, dos Fundos geridos pela Requerente, estão ou não sujeitas a imposto do selo.
Assim recortada a questão, verifica-se que a mesma é essencialmente de direito e a prova a produzir é de natureza documental como, aliás, refere a Requerente no pedido, não havendo qualquer necessidade de prova complementar.
Mais, em concreto, verifica-se que os factos constantes dos artigos 2.º a 8.º, 31.º, 32.º, 34.º e 35.º, apenas são susceptíveis de prova documental, sendo que os factos alegados se apoiam em documentação junta aos autos. Por sua, vez as asserções constantes dos artigos 37.º e 38.º não correspondem propriamente a matéria factual, mas sim a definições sobre diversos tipos de fundos de pensões, definições que constam do respectivo regime legal. Quanto ao mais é questão de direito.
Nos termos do artigo 130.º do CPC está o tribunal proibido de praticar atos inúteis.
Assim sendo, porque no caso para decidir a questão da matéria de facto é irrelevante, porque, repete-se, a prova a produzir é de natureza documental, e a admissão da prova iria traduzir-se na prática de ato inútil, indefere-se o pedido de prova testemunhal, apresentado por requerimento de 18 de Julho.
Tanto não obsta, contudo, a que, quanto à matéria de facto, as partes juntem prova documental pertinente para a boa decisão da causa.
Notifique-se este despacho às partes.
Lisboa, 21 de Julho de 2024.
6-Por despacho do tribunal, de 27 de julho de 2024 (rectificado por despacho de 30 de julho de 2024), foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foi ordenada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias, podendo a Requerida juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. Também foi designado o dia 4 de dezembro como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
7-As partes produziram alegações.
II-SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III-FUNDAMENTOS
III-1-MATÉRIA DE FACTO
§1.º Factos dados como provados
-
A A... é uma sociedade gestora de fundos de pensões, isto é, uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo, que gere diversos fundos de pensões abertos cujo património é composto de ações, obrigações, unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e unidades de participação em fundos de investimento mobiliário [(cfr. os Relatórios e Contas da A... relativos aos exercícios aqui em causa de 2021 e 2022 -Doc. n.º 12 e Doc. n.º 13- bem como os regulamentos de gestão dos fundos de pensões por si geridos, a saber: - B..., Fundo de Pensões Aberto de Poupança Reforma (anteriormente denominado B..., conforme artigo 1.º do regulamento de gestão), Doc. n.º 14, artigos 3.º, 11.º, 12.º e 13.º; - Fundo de Pensões C..., Fundo de Pensões Aberto, Doc. n.º 15, artigos 3.º, 11.º, 12.º e 13.º; - Fundo de Pensões D..., Fundo de Pensões Aberto, Doc. n.º 16, 3.º, 11.º, 12.º e 13.º; - Fundo de Pensões E..., Fundo de Pensões Aberto, Doc. n.º 17, artigos Página 12 de 55 3.º, 11.º, 12.º e 13.º; - Fundo de Pensões F..., Fundo de Pensões Aberto, Doc. n.º 18, artigos 3.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º; 24º )];
-
O registo destes fundos e respetiva sociedade gestora pode também ser consultado como informação pública a este respeito publicada nos termos legais no sítio da ASF, Autoridade de supervisão;
-
A A... é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que possui uma atividade própria de comercialização insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos abertos cujo património é por si gerido;
-
A requerente socorre-se de instituições financeiras, maxime bancos com uma rede de balcões disseminada pelo país e com forte experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer ao público os seus fundos de pensões abertos (os seus produtos) e comercializar a subscrição de unidades de participação nos mesmos;
-
Nos meses de janeiro de 2021 a dezembro de 2022 foram comercializadas subscrições de unidades de participação nos fundos de pensões abertos geridos e representados pela A... realizadas pelo G..., S.A. (G...), pessoa coletiva n.º..., pelo H..., S.A. (H...), pessoa coletiva n.º..., e pelo I..., S.A. (I...), pessoa coletiva n.º...;
-
As instituições financeiras procederam à faturação desta comercialização de subscrições de unidades de participação nos fundos, não aos fundos em causa, mas à A..., a sua entidade gestora (cfr. as cópias das faturas atrás juntas como Doc. n.º 1, Doc. n.º 2 e Doc. n.º 3, e bem assim os Doc. n.º 4, Doc. n.º 5 e Doc. n.º 6, atrás juntos também).
-
Nas faturas emitidas aquelas instituições financeiras liquidaram imposto do selo invocando para tanto a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS doravante) - cfr. novamente as cópias das faturas atrás juntas como Doc. n.º 1, Doc. n.º 2 e Doc. n.º 3, e bem assim os Doc. n.º 4, Doc. n.º 5 e Doc. n.º 6;
-
A entidade gestora A..., por sua vez, repercutiu nos fundos estas comissões de comercialização, redebitando o valor destas faturações dos bancos, aos fundos a que diziam respeito as comercializações de subscrição de UP em causa, e liquidando, pela segunda vez, imposto selo sobre as mesmas (Doc. n.º 7 e Doc. n.º 8 atrás juntos também).
-
A Requerente procedeu a Liquidação Imposto Do Selo sobre comissões de comercialização de subscrições de Unidades de participação em fundos de pensões abertos meses de realização do serviço onerado com IS de janeiro de 2021 a dezembro De 2022, de acordo com a seguinte tabelas:
G...:
H...:
I...:
-
A Requerente procedeu à Liquidação de imposto do selo sobre comissões de comercialização de subscrições de Unidades de participação em fundos de pensões refacturadas aos fundos, de acordo com a seguinte tabela:
-
-
A Requerente juntou as faturas das comissões de comercialização, com liquidação de imposto do selo, dirigidas pelos G..., H... e I..., à A..., referentes a comercializações em 2021 e 2022 (Doc. n.º 1, Doc. n.º 2, e Doc. n.º 3, respetivamente) - que se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos;
-
Mais juntou declarações destes bancos a esse propósito incluindo, entre o mais, a identificação das guias de pagamento do imposto do selo incluído nessas faturações (Doc. n.º 4, Doc. n.º 5, e Doc. n.º 6, respetivamente) - que se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos;
-
Assim como juntou as faturas das comissões de gestão emitidas pela A... aos fundos por estas geridos (Doc. n.º 7) repercutindo nos fundos, na qualidade de clientes da operação financeira de comercialização de subscrições das suas UP levada a cabo pelos identificados bancos, as comissões de comercialização por estes cobradas à sociedade gestora (A...) por referência a subscrições de UPs em 2021 e 2022;
-
Bem como as guias de pagamento do imposto do selo pela A..., e respetivos comprovativos de pagamento, respeitantes a essas comissões de gestão e redébito das comissões de comercialização de subscrição de UP aí incluído (Doc. n.º 9 e Doc. n.º 10);
-
Na sequência da apresentação de reclamação graciosa contra aquelas identificadas liquidações de Imposto do Selo, foi a sociedade gestora A... notificada do seu indeferimento no dia 25.01.2024, tendo em conta a dilação de 15 dias prevista no artigo 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (cfr. o Doc. n.º 11);
-
A decisão de indeferimento do pedido apresenta os fundamentos que se passam a transcrever: “ (…)
“26. A questão “sub judice,”estará, portanto, em apreciar da legalidade da incidência objetiva de imposto de selo (verba 17.3.4) sobre as comissões de comercialização e se as mesmas se consideram desconformes com a lei, fruto da concatenação da referida verba da Tabela Geral de Imposto de selo, com o art.º 5 n.º 2 da alínea a) da Diretiva 2008/C/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, mormente da alegada não sujeição de qualquer imposto indireto, sobre as operações de reunião de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente da tributação indireta das comissões advenientes de serviços financeiros. (…).
“50. Ora a Reclamante, vem alegar que as comissões de comercialização, que respeitam à remuneração pelo exercício da atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de pensões, realizada pelas entidades comercializadoras, é incompatível com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 e identifica o processo C-656/21 que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, no âmbito do processo 88/2021-T. (…).
“61. Reitera-se que tal resulta de forma clara (sendo a única sujeição com interesse para o caso sub judice que se pode efetivamente retirar) do disposto no art.º 5 n.º 2 da Diretiva em questão, quando determina que os Estados- Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão das obrigações ou outros títulos negociáveis “independentemente de quem os emitiu (…)”.
“62. É justamente a parte final do art.º 5.º n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE que corrobora, este entendimento, quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do publico.
“63. No caso sub judice, como a ora reclamante refere, através de intermediários financeiros, nas operações de emissão de valores mobiliários tendo nesse âmbito, os depositários ou intermediários financeiros prestaram serviços de gestão, pelas quais cobrou comissões de comercialização e gestão e comissões de trail, e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido.
“64. A ser como é, não se poderá por isso considerar-se, que os encargos decorrentes dos contratos de comercialização, máxime as comissões cobradas pelos intermediários financeiros, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, uma vez que prestou o serviço e colocação, tendo por isso, cobrado comissões de comercialização e gestão.
“65. Pelo que se conclui, que os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, prestou o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de comercialização e de gestão, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1° do CIS.
“66. Com efeito, não existe paralelismo entre uma comissão de comercialização, que representa a remuneração pelo exercício de uma atividade de intermediação financeira, e operações de entradas de capital numa sociedade de capitais, de reestruturação ou emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva.
“67. Ou seja, nenhuma das realidades elencadas no artigo 5.º da Diretiva, nomeadamente as operações na alínea a) do seu n.º 2, têm aderência ao caso concreto, em análise. (…).
“78. E mais se acrescenta que, de acordo com a prova junta ao presente procedimento, não se verifica que as “comissões” cobradas pelos intermediários financeiros à ora Reclamante e esta por via das comissões de gestão aos fundos geridos pela ora Reclamante, se referem efetivamente a comissões de comercialização, não sendo possível afirmar que as “comissões”, no seu todo, apresentam “uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 7/2008, devendo ser considerada parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”, como faz o TJUE no caso C-656/21, no parágrafo 31 do acórdão e não incompatível com ela.
“79. Não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelos intermediários financeiros, impendendo sobre a Reclamante o ónus da prova quanto à identificação e individualização de tais serviços, para beneficiar da não sujeição, nos termos do art.º 74.º da LGT.
“80. E não conseguiu provar de forma cabal e inequívoca como lhe competia, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o pagamento do imposto por referência à situação concreta em discussão nos autos e à identificação das declarações mensais de imposto do selo ou declaração das respetivas entidades bancárias onde sejam as mesmas identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante. (…).
“84. Face ao exposto, concluímos pela improcedência do pedido, no montante total de € 263.747,94, com referência ao período de março de 2021 a dezembro de 2022, não se vislumbrando qualquer ilegalidade referente aos atos tributários de liquidação de imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS, suportados pela ora Reclamante e pelos fundos por si geridos”;
q)- No Doc. 9 - Guias de Pagamento -, em relação ao imposto do selo liquidado sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de pensões abertos –verba 17.3.4 - relativas aos meses de janeiro de 2021 a dezembro de 2022, confrontados os valores de IS constantes das faturas dos três Bancos com os entregues ao Estado e constantes das DMIS, há um período cujo IS declarado e entregue nos cofres do Estado é substancialmente menor que o da fatura: Sujeito passivo: H..., SA., DMIS N.º Período COMISSÃO 17.4 FATURA N.º VALOR AT9... 12/2021 329.887,10 € 13 195,348 ... 283,65€/11,34€. Verifica-se uma diferença de valores apontados no valor de 13.184,14 €, pois nesta parte a fatura comprova apenas que o serviço de intermediação financeira foi faturado, mas não comprova que o mesmo chegou a ser pago, nem tão pouco que o Imposto do Selo nela descrito foi recebido e efetivamente entregue nos cofres do Estado (facto confirmado pelos requerentes nas alegações, admitindo ter havido um lapso do H... na submissão da DMIS do período em causa);
r) A Requerida juntou as DMIS nºs. ... (1.ª declaração – Documento n.º 1 junto às contra-alegações) e ... (Declaração de Substituição - Documento n.º 2 junto às contra-alegações), apresentadas ambas pelo contabilista certificado com o NIF ..., respetivamente em 19.02.2022 e 20.02.2023, obtém-se a informação de que, no que respeita ao NIF n.º ..., sujeito que suporta o encargo, e verba 17.3.4 da TGIS, não há correção dos valores declarados;
s) Consultada a DMIS n.º ... (Documento n.º 3 junto às contra-alegações), apresentada no passado dia 13.09.2024, constata-se que nela não consta o NIF..., que corresponde ao sujeito identificado nas declarações anteriores como tendo suportado o imposto.
t) De acordo com os respetivos regulamentos, a adesão aos fundos é feita através da celebração de um contrato de adesão com a consequente subscrição de Unidades de Participação (ver Regulamentos de Gestão, juntos aos autos).
§2.º Factos dados como não provados
Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.
§3.º Fundamentação da matéria de facto
A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.
O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base no exame e análise crítica dos documentos juntos aos autos pela requerente e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Neste contexto, o Tribunal entende, com efeito, que, para além de outra documentação (como as declarações das entidades bancárias e os gráficos), na ausência de qualquer outro elemento em contrário e tendo em conta as regras da experiência comum, as faturas emitidas pelas entidades comercializadoras (cuja veracidade a Requerida não pôs em causa) permitem fundar suficientemente a inferência factual de que a Requerente suportou o encargo do Imposto do Selo referente às comissões de comercialização indicado nessas faturas e posteriormente repercutido sobre os fundos. Repare-se que os gráficos apresentados permitem à Requerida aquilatar e reconstituir as situações de Imposto do Selo retido a título de comissões de comercialização por parte das instituições financeiras em causa e posteriormente repercutido sobre os fundos ao mencionarem: o período, o montante da comissão de comercialização, montante do Imposto do Selo, o n.º da fatura e data e n.º da Guia/DMIS (com indicação do respetivo mês e ano).
Acresce, em consonância com o que se vem de assentar em termos de juízo de realidade reiterada de verificação comum a opção voluntária da Requerente, que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as unidades de participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito (sic) que, como é obvio e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o Imposto do Selo legalmente devido e que no caso em análise a Requerente subcontratou serviços de intermediação financeira com o objetivo de estas promoverem a venda das unidades de participação dos Fundos por si geridos.
Por outro lado, não faz sentido o alegado pelos serviços de inspeção quando referem que “70 Não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelos intermediários financeiros, impendendo sobre a Reclamante o ónus da prova quanto à identificação e individualização de tais serviços, para beneficiar da não sujeição, nos termos do art.º 74.º da LGT”, “80. E não conseguiu provar de forma cabal e inequívoca como lhe competia, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o pagamento do imposto por referência à situação concreta em discussão nos autos e à identificação das declarações mensais de imposto do selo ou declaração das respetivas entidades bancárias onde sejam as mesmas identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante.”
Com efeito, não tem pertinência, para os efeitos da presente impugnação arbitral, tal como deduzida pela Requerente, verificar se o imposto assim cobrado pela entidade comercializadora foi efetivamente entregue por esta nos cofres do Estado, como parecem pretender os serviços da requerida porque exigiria a junção aos autos das guias de retenção na fonte do imposto da entidade comercializadora ou de declaração desta onde sejam identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data de pagamento e montante. Esquecem os serviços que a Requerente, neste âmbito das comissões de comercialização, assume a posição de entidade que suporta o encargo do imposto por repercussão legal nos termos dos art. 3.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e do art. 18.º, n.º 4 da LGT, não lhe podendo ser exigível tal prova.
Por outro lado, a Requerida tem a possibilidade, através dos gráficos apresentados pela Requerente, de reconstituir as situações de Imposto do Selo retido e repercutido os gráficos apresentados
Quanto aos factos dados como provados nos pontos q), r) e s) resultam de a Requerente ter admitido nas alegações ter havido um lapso e o mesmo ter sido corrigido, sem alteração do valor da causa, mas a Requerida veio demonstrar nas contra-alegações não ter sido o referido lapso corrigido através da junção das respetivas DMIS nºs nºs. ... e ... .
III-2- MATÉRIA DE DIREITO
III-2-1-Questões a apreciar
Considerando a fundamentação que consta do indeferimento do pedido de reclamação graciosa, única a relevar para efeitos de apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação ora impugnados, são duas as questões que cumpre analisar:
- Se a situação dos autos está coberta pelo artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, nomeadamente se abrangida pelas operações na alínea a) do seu n.º 2;
- Se há ou não violação do ónus da prova.
§1.º Quanto à ilegalidade por violação do Direito Europeu
Dada a ordem de conhecimento indicada pela Requerente, importa começar por apreciar se a sujeição das comissões de comercialização a Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS implica ilegalidade por desconformidade com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
O art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estabelece que: “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”. Na Tabela Geral, a verba 17 da TGIS, sobre operações financeiras, prevê o seguinte:
“17.3 - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:
17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %”.
A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (doravante “Diretiva 2008/7 /CE”, ou simplesmente “Diretiva”), proíbe a tributação indirecta das reuniões de capital, e tributações de alguma forma conexas, instituindo as seguintes e adicionais proibições de tributação indirecta, no seu artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) (sublinhados nosso):
“2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:
-
A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.
Por sua vez, o artigo 2.º, n.º 2, da atual Diretiva 2008/7/CE do Conselho dispõe que “Para efeitos da presente directiva, é equiparada às sociedades de capitais qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos”.
Recordando, para a Requerida de acordo com a prova junta ao presente procedimento, não se verifica que as “comissões” cobradas pelos intermediários financeiros à ora Reclamante e esta por via das comissões de gestão aos fundos geridos pela ora Reclamante, se referem efetivamente a comissões de comercialização, não sendo possível afirmar que as “comissões”, no seu todo, apresentam “uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 7/2008, devendo ser considerada parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”, como faz o TJUE no caso C-656/21, no parágrafo 31 do acórdão e não incompatível com ela.
Por sua vez, defende a Requerente, no essencial, que as normas da Diretiva implicadas devem ser objeto de uma interpretação “muitíssimo mais ampla”, e visam alargar a patrimónios autónomos sem personalidade jurídica, entre outras realidades, as proibições de tributação indireta das reuniões de capitais, segundo aponta o artigo 2.º, n.º 2, da atual Diretiva 2008/7/CE do Conselho. O único requisito para a aplicação da diretiva sobre reunião de capitais é que se trate de um património separado que vise o seu incremento/lucro.
Desde já se adianta assistir razão à Requerente, o que é confirmado pela análise da Jurisprudência do TJUE.
Senão vejamos.
Sobre a legalidade da sujeição a imposto do selo das operações financeiras de comercialização de unidades de participação em fundos de investimento, em atenção ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), da referida Diretiva 2008/7/CE, importa ter em consideração o acórdão do TJUE de 22 de Dezembro de 2022, C-656/21, IM Gestão de Ativos, que foi proferido no reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral n.º 88/2021-T, dado o carácter vinculativo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem para os Tribunais nacionais no âmbito de questões pertinentes ao Direito da União Europeia (cfr. art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
Como se assinala nos n.ºs 25 e 26 do mencionado aresto, “um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva”, do que decorre que “fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7”.
Depois, quanto ao sentido do art. 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva, o acórdão (n.ºs 27 e 28) assinala que essa disposição “proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu” e que, dado o objetivo prosseguido pela Diretiva, o artigo 5.° “deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”.
Nesta decorrência, o Tribunal de Justiça observa, em relação à situação em causa, o seguinte (n.ºs 31 a 37):
- “uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”;
- “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.º, n.ºs 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.º da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.
Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.
Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.
A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (...).
Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7”.
- “Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa”.
Em consequência, como já acima transcrito (n.º 7), o Tribunal de Justiça, neste acórdão C-656/21, decidiu que:
“O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização”.
A Jurisprudência firmada para os “fundos comuns de investimento” é perfeitamente transponível para o caso dos autos (fundos de pensões abertos) incorrendo a Requerida em erro de direito quando defende não existir paralelismo entre “uma comissão de comercialização, que representa a remuneração pelo exercício de uma atividade de intermediação financeira, e operações de entradas de capital numa sociedade de capitais, de reestruturação ou emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva”.
Com efeito, como vimos, o TJUE defende uma interpretação ampla dos normativos da Diretiva aplicáveis, quer quanto ao conceito das reuniões de capital, quer no que concerne ao conceito de “sociedade de capitais” (neste sentido, cfr. a declaração de voto aposto na Decisão arbitral proferida no processo n.º 87/2021).
O n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva abrange qualquer forma de tributação indireta da criação, emissão colocação em circulação ou negociação de valores mobiliários ou títulos em geral sejam valores mobiliários representativos de dívida, como no caso das obrigações e títulos aparentados, ou participações num património coletivo e outras situações semelhantes como seja o caso de novas subscrições de Unidades de Participação em patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, como é o caso dos fundos de pensões abertos. O fundamental está na atividade de intermediação financeira, que se traduz em dar a conhecer, por terceiro, junto do público a existência de instrumentos de investimento, de modo a promover a subscrição de unidades de participação em fundos (comuns de investimento ou outros), não fazendo o TJUE qualquer distinção. Com efeito, segundo o TJUE essa constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos. Acresce que, segundo o TJUE para efeitos da aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, é indiferente que a entidade gestora tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros especializados, como são os bancos, em vez de as efetuar diretamente.
Em consequência, a atividade dos bancos ou de outras entidades financeiras que tem por fim a subscrição de novas unidades de participação nos fundos de pensões em causa por parte de investidores potenciais não pode deixar de cair no âmbito do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE e, por conseguinte, estar sujeita à proibição de qualquer forma de tributação indireta.
Termos em que as liquidações impugnadas relativas ao Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização em causa enfermam de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, o mesmo valendo para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quando as manteve na ordem jurídica.
§2.º Quanto ao não cumprimento do ónus da prova
Como ficou dito, para a Requerida não foi feita, nem invocada, prova individualizada dos serviços específicos prestados pelos intermediários financeiros, não tendo o SP conseguido provar de forma cabal e inequívoca como lhe competia, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o pagamento do imposto por referência à situação concreta em discussão nos autos e à identificação das declarações mensais de imposto do selo ou declaração das respetivas entidades bancárias onde sejam as mesmas identificadas com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante.
Nesta parte remete-se para a fundamentação constante do ponto III-1-§3.º, donde se pode concluir constituir a exigência de prova, por parte da Requerida, destituída de fundamento e, em qualquer caso, desproporcionada, uma vez que a liquidação de Imposto do Selo é efetuada pelas entidades responsáveis pela comercialização das unidades de participação dos fundos em causa, limitando-se a Requerida a repercutir os montantes sobre os respetivos fundos.
Em suma, por tudo o quanto vai exposto, os atos de liquidação de Imposto do Selo, ora impugnados, são ilegais o mesmo valendo para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quando manteve as liquidações ora impugnadas.
III-2-3-Vícios de conhecimento prejudicado
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, tendo o Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício apreciado em razão da ordem disposta nos termos do artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aqueles cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – artigo 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.
III- 3-Valor da causa
Na resposta veio a Requerida invocar que ao valor da causa indicado pela Requerente (€263 747, 94) deveria ser subtraído o valor de € 13 184 14, porque confrontados os valores de IS das faturas dos três Bancos com os entregues ao Estado e constantes das DMIS, verificamos que há um período cujo IS declarado e entregue nos cofres do Estado é substancialmente menor que o da fatura relativa ao Sujeito passivo H..., S.A. A fatura apenas comprova que o serviço de intermediação foi faturado, mas não que foi entregue ao Estado.
Nas alegações, veio a Requerente dizer que “Inquirido o H... a este respeito, o mesmo informou ter-se verificado um lapso aquando da submissão por si da DMIS do período em causa, na qual houve um erro na identificação do NIF da A... quanto a parte do montante de imposto do selo declarado que dizia respeito à mesma. (…) Ou seja, o montante de imposto do selo devido pelo H... com respeito à facturação emitida à A... foi corretamente pago mas houve uma troca na identificação de NIF’s dos clientes na DMIS submetida pelo H... . (…) Mais informou o H... a A... que já procedeu à rectificação desse lapso via substituição da DMIS referente ao período em causa, à qual foi atribuída o n.º ... .”
Neste seguimento, com vista à correta fixação do valor da causa foi a Requerida notificada para se pronunciar quanto ao alegado pela Requerente e se mantinha a sua posição quanto à redução do valor do pedido.
Nas alegações veio a Requerida dizer que “(…) depois de analisadas as DMIS nºs. ... (1.ª declaração – Documento n.º 1 junto ao presente requerimento) e ... (Declaração de Substituição - Documento n.º 2 junto ao presente requerimento), apresentadas ambas pelo contabilista certificado com o NIF ..., respetivamente em 19.02.2022 e 20.02.2023, obtém-se a informação de que, no que respeita ao NIF n.º ..., sujeito que suporta o encargo, e verba 17.3.4 da TGIS, não há correção dos valores declarados”.
Mais acrescenta: “Informa a Requerente que a correção foi efetuada através da DMIS n.º ... (Documento n.º 3 junto ao presente requerimento), no entanto, consultada esta declaração, apresentada no passado dia 13.09.2024, constata-se que nela não consta o NIF..., que corresponde ao sujeito identificado nas declarações anteriores como tendo suportado o imposto. Assim, inexistindo evidências que tal correção foi efetivamente levada a cabo e que o imposto de selo foi efetivamente pago, nada há a acrescentar ou a alterar à posição anteriormente assumida, designadamente que face à diferença de valores apontados deve o pedido ser reduzido naquele montante, ou seja, em € 13.184,14. “
Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com remissão para o artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo o pedido de pronúncia arbitral por objeto a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, o valor da causa é determinado em função do valor “cuja anulação se pretende” (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT).
A Requerente indica o valor de € 263.747,94, contestado pela Requerida, nos termos acima mencionados juntando prova documental recorrendo a cópias das respetivas DMIS, incluindo a que alegadamente, segundo a Requerente, havia sido objeto de correção.
Fixa-se, assim, oficiosamente, o valor do processo em € 250 573,80, em conformidade com a liquidação impugnada e objeto de anulação administrativa, em conformidade com o disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
III-4-Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia indevidamente paga.
De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados de Imposto do Selo tendo por referência janeiro de 2021 a dezembro de 2022, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
IV-DECISÃO
Termos em que se decide neste tribunal:
-
Julgar procedente o pedido, considerando ilegal o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência,
-
Anular os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados referentes a janeiro de 2021 a dezembro de 2022;
-
Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatório, em conformidade com a taxa e demais termos legais
V-Valor da Causa
Fixa-se o valor do processo em € 250.573, 80, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A,
n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VI-CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 4 896,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 26 outubro de 2024
O Tribunal Coletivo,
Fernanda Maçãs
(Árbitro presidente)
Paulo Ferreira Alves
(árbitro vogal)
José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora
(árbitro vogal)