Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 632/2024-T
Data da decisão: 2024-10-11  Selo  
Valor do pedido: € 278.746,10
Tema: Imposto do Selo. Cash-pooling. Isenção. Ónus da prova. Violação do Direito da União Europeia.
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Decisão Arbitral

 

 

           Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e
Dr. Jorge Carita  (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-07-2024, acordam no seguinte:

          

           1. Relatório

 

    A..., LDA., anteriormente designada B..., Unipessoal, Lda., C..., S.A. e D..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “A...”), e

    E..., S.A., anteriormente designada F..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, e integrada no âmbito de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante designada como “E...”),

apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista:

– a declaração da ilegalidade e anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2023... (em relação à Requerente A...) e ...2022... (em relação à Requerente E...);

– a declaração da ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto do Selo (IS) no montante total de € 278.746,10, sendo € 268.670,38 relativos à Requerente A... e € 10.075,72 à Requerente E..., efetuados pelas Requerentes no período compreendido entre outubro de 2020 e julho de 2022 nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;

– ser determinado o reembolso às Requerentes da prestação tributária indevidamente liquidada e entregue ao Estado a título de IS, no montante total de € 278.746,10, sendo € 268.670,38 relativos à Requerente A... e € 10.075,72  relativos à Requerente E..., acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, pelo menos desde a data de indeferimento das reclamações graciosas até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-05-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-06-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16-07-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 30-09-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e o Tribunal é competente.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente A... é uma sociedade de direito português que começou por ser uma sociedade anónima e, em agosto de 2021, foi transformada em sociedade por quotas com o capital social de € 16.526.000,00, sendo 95,5% do mesmo detido pela sociedade espanhola G..., S.L., entretanto redenominada para H..., S.L., titular do número de identificação fiscal..., e os restantes 4,5% pela sociedade neerlandesa I... B.V.;
  2. Em fevereiro de 2022, as quotas representativas da totalidade do capital social da Requerente A... passaram a ser detidas pela sociedade espanhola H..., S.L, que detém também a J..., S.L.U.;
  3. A H..., S.L. (anterior G..., S.L.), por sua vez, é detida em 75% pela sociedade de direito espanhol K..., S.L., a qual, por seu turno, é totalmente detida (100%) pela sociedade de direito espanhol L..., S.A., como se reflecte no seguinte organograma:

 

(artigo 5.º do pedido de pronúncia arbitral e § 4 da informação que fundamenta a decisão de indeferimento junta como Documento n.º 1)

  1. A Requerente A... faz parte do Grupo L..., com sede em Espanha, que em Portugal opera sob a designação H...– até há pouco tempo, G...;
  2. Em 1 de abril de 2017, a Requerente A... celebrou um contrato de crédito em conta-corrente (denominado “Contrato de Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor”) até ao limite de € 20.000.000,00 com a sociedade espanhola K..., S.L., com termo em 1 de janeiro de 2018 e renovável por períodos sucessivos de 1 (um) ano, no âmbito do qual as empresas podiam transferir os excedentes de tesouraria apurados na conta bancária local para uma conta de cash pooling (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e § 9 da Informação que consta do documento n.º 1);
  3. Em 20 de abril de 2020, a Requerente A..., a K..., S.L. e a sociedade espanhola então designada M..., S.L. (redenominada para J..., S.L.) assinaram o documento intitulado “Acuerdo de Novación de Contrato de Crédito en Cuenta Corriente”, no âmbito do qual, entre outros aspetos, a K..., S.L. cedeu a sua posição no contrato celebrado em 1 de abril de 2017 à M..., S.L. (atual J..., S.L.) e foi acordado um aumento do limite máximo do crédito em conta-corrente para € 25.000.000,00 (Documento n.º 3);
  4. Em 8 de novembro de 2021, a Requerente A... e a M..., S.L. (redenominada para J..., S.L.) assinaram uma adenda ao contrato, denominada “Adenda al Contrato de Crédito en Cuenta Corriente suscrito entre M..., S.L. y A..., S.A.”, no âmbito da qual foi acordado um novo aumento do montante máximo do crédito em conta-corrente, desta feita para € 60.000.000,00 (Documento n.º 3);
  5. Entre outubro de 2020 e julho de 2022 a Requerente A... procedeu à liquidação e entrega ao Estado de IS no montante total de € 268.670,38, de harmonia com o quadro que segue:

 

 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 17 de novembro de 2022 a Requerente A... apresentou reclamação graciosa a solicitar a anulação integral daqueles atos tributários e, em consequência disso, a restituição do montante total de € 268.670,38, com fundamento em ser aplicável a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS, na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março (processo administrativo);
  2. A reclamação graciosa apresentada pela A... foi indeferida por despacho de 31-03-2023, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes;
  3. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela A... remete para a fundamentação de uma informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte: 

A Reclamante integra o Grupo Económico N..., sendo a casa-mãe do Grupo a " L..., S.A.", sociedade residente para efeitos fiscais em Espanha (Bilbao), que detém a 100% a sociedade "K... S.L.", também residente em Espanha {Madrid) que detêm em 75% a sociedade "H..., S.L.", que por sua vez detém a 100% duas empresas, sendo que uma é a própria Reclamante e a outra a "J..., S.L.U.".

(...)

Questão a resolver,

28. Saber se o imposto de selo que, é devido pelas operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash-pooling, pode vir a ser exigido pela AT à entidade beneficiária do financiamento, neste caso a Reclamante.

29. Para reconhecimento do benefício fiscal, é necessário o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o mesmo por parte da Reclamante, nos termos do disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1, n.° 2 e n.º 3 do artigo 7.° do CIS.

(...)

31. O acordo de gestão centralizada de tesouraria - Cash Pooling, tem enquadramento na Isenção da alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, desde que a as operações financeiras realizadas pela Reclamante concretizem o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o direito ao beneficio fiscal.

32. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na medida em que são como tal qualificadas nos termos do CIS e da respetiva TGIS, estas operações de tesouraria, traduzidas em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação jurídica estabelecida entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo.

33. Deste modo, os fluxos da conta bancária individual da Reclamante para a conta bancária da entidade centralizadora (detida pela "M..., S.L.", por referência aos períodos em análise), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do n.° 1 do artigo 1.° do CIS.

34. Alega a Reclamante, que o contrato de cash pooling prevê a transferência, numa base diária, de excessos de liquidez da conta bancária da Reclamante, para uma conta bancária centralizadora ou transferência, também numa base diária, de liquidez da conta bancária centralizadora para a conta da Reclamante para compensar saldos negativos (descobertos), nesta última conta (zero Balancing).

35. Também não há dúvidas quanto à identificação do sujeito passivo neste tipo de operações financeiras, que é a entidade concedente do crédito (cf. alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° do CIS), ou a entidade mutuária se a operação não for intermediada por uma instituição de crédito ou sociedade financeira (cf. alínea d) do n.° 1 do artigo 2.° do CIS); considerando-se as operações realizadas em território nacional (cf. n.º 1 e alínea b) do n.° 2 do artigo 4.° do CIS) mesmo quando a sociedade credora seja uma entidade não residente em território português.

36. Por conseguinte, caberá à Reclamante a responsabilidade pela liquidação, cobrança e entrega do imposto nos cofres do Estado, quer esteja na posição de concedente de crédito, quer esteja na posição de utilizadora de crédito, conforme estabelecem os artigos 23.°, 41.° e 43.° do CIS.

37. Relativamente ao encargo do imposto, o mesmo é suportado pela entidade utilizadora dos fundos transferidos (cf. alínea f) do n.°3 do artigo 3.° do CIS), pelo que, incumbirá à Reclamante efetuar a repercussão do montante do imposto liquidado (mencionado redébito).

38. Quanto à forma de apuramento do valor tributável e do imposto, o sistema de cash pooling a que a Reclamante aderiu, pressupõe a abertura e existência de uma conta corrente financeira da Reclamante e a conta bancária da entidade centralizadora, na qual serão registadas todas as transferências efetuadas de e para a Reclamante, pelo que será aplicável a verba 17.1.4 da TGIS, pois a utilização do crédito será feita sob a forma de conta corrente.

39. Quanto aos juros, credores e devedores, apenas estarão sujeitos a imposto do selo se decorrerem de operações que sejam realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, conforme estipula a verba 17.3.1 da TGIS.

40. Determina a alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS que "[o]s empréstimos, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo'; ficam isentos do pagamento de imposto do selo.

41. Consta do Relatório do Orçamento do Estado de 2020, que foi intenção do legislador "como forma de apoio à tesouraria das empresas", isentar "de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling).

42. O reconhecimento e concessão da isenção está condicionado à observância do disposto no novo n.º 8  do mesmo artigo que determina que [s]em prejuízo do estabelecido nos n.ºs 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.° 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.”

43. Relevam ainda sobre esta matéria o disposto nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo, na medida em que concorrem para a delimitação do elemento espacial de aplicação daquela norma de isenção, pelo que importa ter presente a sua redação onde se estabelece que "[o]disposto nas alíneas g) eh), do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h), do n.° 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional"(n.%2); e que "[o]disposto nas alíneas g), h) e i) do n.°1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças"(n.°3).

44. Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos citados, conclui-se que o beneficio da isenção depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:

(i) do prazo da operação financeira, isto é, do prazo de concessão e utilização dos fundos transferidos, que não deve ser superior a um ano: e,

(Ii) da relação entre as sociedades intervenientes nos fluxos financeiros que se estabelecem entre elas.

45. Quanto às relações financeiras estabelecidas entre a Reclamante e a entidade centralizadora “M..., S.L.", por referência aos períodos em análise (de outubro de 2020 a julho de 2022), e de acordo com o organigrama do Grupo, que constitui um anexo do pedido, como documento n.º 3 (fls. 45 dos autos), constatamos tratar-se de duas empresas detidas a 100% pela mesma empresa "H..., S.L.", sem que detenham capital social uma da outra.

46. Por sua vez, o sujeito passivo é uma entidade não residente, in casu, a entidade centralizadora "H..., S.L.", para os períodos em análise, e a norma exige para que a isenção funcione que os  empréstimos de curto prazo, efetuados no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), sejam "concedidos por sociedades (...) a favor de sociedades com a qual estejam em  relação de domínio ou de grupo"

47. No que toca à relação de domínio ou de grupo, perante a ausência de definição do que se deve entender por relação de domínio ou de grupo, tanto no regime jurídico das SGPS (Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de dezembro), como no Código de Imposto do Selo, socorremo-nos da definição doutrinária simplista de que um grupo de sociedades configura um conjunto de sociedades juridicamente independentes, mas submetido a uma direção unitária.

48. Assim a Reclamante e a entidade centralizadora, à luz do artigo 482.° do Código das Sociedades Comerciais, consideram-se entidades coligadas e dado que integram o mesmo grupo económico, acham-se portanto, numa relação de grupo à luz do supra citado preceito legal.

49. No regime de cash pooling, as sociedades que integram o grupo implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, o que significa que os saldos de tesouraria das diferentes contas bancárias das empresas do grupo são consolidados (de forma efetiva e não meramente virtual) numa única conta centralizadora. Estas operações traduzem-se, na prática, numa forma de concessão ou obtenção de créditos entre as várias empresas do grupo.

50. Este sistema é objeto de tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, por se tratar de um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por30".

51. A liquidez do Grupo é, assim, utilizada de forma dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano), e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria, com o objetivo estratégico de minorar a dependência desta última de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam, recorrendo para a sua cobertura a recursos próprios do Grupo.

52. Em conformidade com o n.° 1 do art. 1,° do CIS, o imposto do selo "(..) incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral(...)", ou seja, a incidência objetiva do IS é estabelecida por referência a um conjunto de factos e operações constantes da Tabela anexa ao Código.

53. Por sua vez, a Tabela Geral do Imposto do Selo define na verba "17. Operações Financeiras: 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer titulo, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato -sobre o respetivo valor, em função do prazo: (...) 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30-0,04%".

54. Sem prejuízo do que a AT tem vindo a considerar como "nova concessão de crédito" e tendo por base  a Circular n° 15/2000, de 05.07.2000 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, não é qualquer utilização de crédito que despoleta a aplicação do imposto.

55. É de facto necessário que haja um encontro de vontades dirigido à concessão de crédito (com utilização do mesmo) ou então de outro modo, não se verifica o facto tributário, não havendo lugar à incidência do imposto.

56. Resumidamente, o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, nas quais comummente se incluem a "abertura de crédito, empréstimos, cessão de créditos, factoring e operações de tesouraria", considerando-se ainda, como nova operação financeira, por exemplo a prorrogação, seja ela automática ou não.

57. Atendendo ao princípio de que o encargo do imposto (conforme alínea f) do n.° 3 do artigo 3.do CIS) se reflete sobre a entidade utilizadora daquela concessão, uma vez que é sob esta última que reside o respetivo interesse económico, por outro lado e conforme se demonstrará, a regra geral de incidência no que concerne a estas operações, é a de que as entidades concedentes de crédito têm a obrigação de promover a liquidação do imposto e respetivo pagamento, conforme resulta aliás da letra da alínea b) do artigo 2.º do CIS. Quando tal não acontece, como é o caso dos autos, deverá ser a entidade utilizadora do crédito a promovera liquidação do Imposto do selo.

58. Assume particular relevância, definir o que se entende como crédito de forma a poder delimitar corretamente os contornos das operações em análise e respetivo enquadramento fiscal em sede deste imposto.

(...)

64. Neste seguimento, não podemos senão concluir que estes fluxos financeiros entre as empresas de um mesmo grupo económico configuram movimentos de concessão e obtenção de crédito, por forma a que no grupo se permita haver uma gestão de necessidades de fundos, verificando-se uma compensação diária com os excedentes e assim evita-se a necessidade de socorrerem de outro método para satisfazer as necessidades de tesouraria do grupo e, consequentemente, suportar os respetivos custos de financiamento externo.

(...)

72. Adequando à informação prestada na IVE n.º 18431 ao caso subjudice, mesmo quando se encontrassem preenchidos todos os pressupostos da isenção, o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela entidade centralizadora, por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do art. 74º da LGT.

73. Concluímos, pois, que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes no contrato (os quais são alocados às necessidades de tesouraria das empresas que se verifiquem a cada momento), poderão aproveitar da isenção prevista na al.) h) do n.º 1 do artº 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê, bem corno deve ser realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de

financiamentos externos.

 

Sobre a prova apresentada

 

74. Sobre o anexo, que constitui o documento n.º 4 junto aos autos, não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza benefício fiscal.

75. Nos termos do disposto no n.° 1  do art. 74.º da Lei Geral Tributária, "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

76. A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova.

77. Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos.

78. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo n.º 0211/11), do qual consta no Sumário "I -- Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (...)"-citado no Sumário do Acórdão do STA, processo n% 060/13, de 03-04-2013.

79. Não estando preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do benefício fiscal, é forçoso concluir que a Reclamante não pode usufruir do mesmo.

 

Sobre a questão da incompatibilidade do regime do artigo 7.º com o direito da União Europeia

 

80. A Reclamante defende que deve ser aplicada a isenção prevista na alínea g) eh) do n.º 1 do artigo 7.° do CIS, por, em suma, o afastamento da sua aplicação nas situações em que o devedor tem sede ou direção efetiva num Estado Membro da União Europeia não poder ser aplicado, por ser incompatível com os artigos 63.° e 65.° do Tribunal de Justiça da União Europeia (TFUE) e ser discriminatório, no que respeita à redação em vigor até à publicação da Lei do Orçamento de Estado para 2022.

81. O artigo 8.º, n.º  4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis  na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

82. Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efetua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.° da LGT), está-se perante, situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador dó crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3 alínea f) do artigo 3.° do.IS. Aliás, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido diretamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.° 2244/12.3BEPRT 0898/17.

 

83. Assim, o afastamento da isenção nas situações em que devedor tenha sede ou direção efetiva num Estado Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65,º do mesmo diploma.

84. Na alínea a) do n.° 1 do artigo 65.° do TFUE, permite-se aos Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido»

85. Na interpretação deste artigo 65.° o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.° C-575/17 - Sofina SA: «Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado Membro onde invistam

os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.11 1 «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada a livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUEJ» (Acórdão de 17de setembro de 2015, MiIjoen e o., e 10/14, C

14114 e 17/14, EU:C:2015.608, n.°63).»

«Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n. 0o 3, TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral(Acórdão de 17de setembro de 2015, Miljoen e 0., C 10/14, C 14/14 e 17114, EU:C:2015:608, n.º 64).

86. Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes (desde que sejam residentes em um Estado Membro da EU), para efeitos da isenção-em causa, em contratos do tipo do dos autos, quando reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos de que depende o benefício fiscal.

87. De facto, tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) eh) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante, com sede em Portugal, surgir como credor e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS não ser aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer

participação da Reclamante na entidade centralizadora, os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas.

88. Assim concluímos que é devido imposto de selo pelas operações de gestão centralizada de tesouraria realizadas pela Reclamante, em que o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito, tendo em conta o exposto, pelo que consideramos o pedido como improcedente.

89. Perante o exposto, somos a concluir peia improcedência dos argumentos da Reclamante, mantendo-se por isso válidas na ordem jurídica as liquidações de IS elencadas no Quadro II, por referência aos períodos de outubro de 2020 a julho de 2022, no montante de € 268.670,38, uma vez que a Reclamante não logrou provar o preenchimento dos pressupostos da respetiva isenção, previstos nas  alíneas g), h) e l) do n.° 1 do art.° 7.° do CIS.

 

  1. A Requerente E... é uma sociedade anónima de direito português que até finais 2020 adotou a designação F..., S.A. e que, à data dos factos, se dedicava, entre outras atividades, à comercialização de veículos automóveis ligeiros;
  2. A Requerente E... integra o Grupo N..., com sede em Espanha, que em Portugal opera sob a designação H... – até há pouco tempo, G...:
  3. Entre outubro de 2020 e julho de 2022, o capital social da Requerente E... era detido na totalidade pela O..., SGPS, Unipessoal, Lda., titular do número de identificação fiscal..., anteriormente designada O..., SGPS, Lda. e antes disso P..., SGPS, Lda.;
  4. A atualmente designada O..., SGPS, Unipessoal, Lda. (à data, Q..., GPS, Lda.) era detida, entre outubro de 2020 e julho de 2022, em 99,9% pela sociedade espanhola H..., S.L. (anterior G..., S.L.), que, por sua vez, é detida em 75% pela sociedade de direito espanhol K..., S.L., a qual é totalmente detida (100%) pela sociedade de direito espanhol L..., S.A., de acordo com o organograma que segue:

 

  1. Em 1 de abril de 2017, a Requerente E..., à data ainda designada F..., S.A., celebrou um contrato de crédito em conta-corrente (denominado “Contrato de  Crédito en Cuenta Corriente en Euros a Interés Variable en Función del Euribor”) até ao limite de € 15.000.000,00 com a sociedade espanhola K..., S.L., com termo em 1 de janeiro de 2018 e renovável por períodos sucessivos de 1 (um) ano, no âmbito do qual as empresas podiam transferir os excedentes de tesouraria apurados na conta bancária local para uma conta de cash pooling (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 20 de abril de 2020, a Requerente E..., a K..., S.L. e a sociedade espanhola então designada M.., S.L. (redenominada para J..., S.L.) assinaram o documento intitulado “Acuerdo de Novación de Contrato de Crédito en Cuenta Corriente”, no âmbito do qual, entre outros aspetos, a K..., S.L. cedeu a sua posição no contrato celebrado em 1 de abril de 2017 à M..., S.L. (atual J..., S.L.) e foi acordado um aumento do limite máximo do crédito em conta-corrente para € 25.000.000,00 (Documento n.º 6);
  3. Em virtude da celebração do contrato pela Requerente E... e de as operações realizadas no âmbito do mesmo se reconduzirem à concessão e utilização de crédito, entre outubro de 2020 e julho de 2022 procedeu, à liquidação e entrega de IS no montante total de € 10.075,72 (declarações de retenções na fonte IRS/IRC e IS e declarações mensais de IS que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) que se sintetizam no quadro  que segue:

 

 

  1. Os empréstimos realizados ao abrigo do contrato celebrado pela Requerente E... foram reembolsados num prazo inferior a um ano (Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 18 de novembro de 2022, a Requerente E... apresentou reclamação graciosa a solicitar a anulação integral daqueles atos tributários e, em consequência disso, a restituição do montante total de € 10.075,72 (processo administrativo);
  3. A reclamação graciosa apresentada pela Requerente E... foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC de 16 de abril de 2024 (Documento n.º  junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Na informação para cuja fundamentação remete a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente E..., para além de d« fundamentos semelhantes aos utilizados na decisão a reclamação graciosa apresentada pela A..., refere-se, além do mais, o seguinte:

2. Deste modo, os fluxos da conta bancária individual da Reclamante para a conta bancária da entidade centralizadora (detida pela "M..., S.L.", por referência aos períodos em análise), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do n.° 1 do artigo 1.do CIS.

(...)

44. Quanto às relações financeiras estabelecidas entre a Reclamante e a entidade centralizadora "M..., S.L.", por referência aos períodos em análise (de outubro de 2020 a julho de 2022), e de acordo com o organigrama do Grupo, que constitui um anexo do pedido, como documento n.3 (fls. 48 dos autos), constatamos tratar-se de duas empresas detidas a 100% pela mesma empresa "H..., S.L.", sem que detenham capital social uma da outra.

45. Por sua vez, o sujeito passivo é uma entidade não residente, in casu, a entidade centralizadora "H..., S.L.", para os períodos em análise, e a norma exige para que a isenção funcione que os empréstimos de curto prazo, efetuados no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), sejam "concedidos por sociedades (...) a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo".

(...)

47. Assim a Reclamante e a entidade centralizadora, à luz do artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais, consideram-se entidades coligadas e dado que integram o mesmo grupo económico, acham-se portanto, numa relação de grupo à luz do supra citado preceito legal.

48. No regime de cash pooling, as sociedades que integram o grupo implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, o que significa que os saldos de tesouraria das diferentes contas bancárias das empresas do grupo são consolidados (de forma efetiva e não meramente virtual) numa única conta centralizadora. Estas operações traduzem-se, na prática, numa forma de concessão ou obtenção de créditos entre as várias empresas do grupo.

49. Este sistema é objeto de tributação pela verba 17.1.4 da TGJS, por se tratar de um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30".

50. A liquidez do Grupo é, assim, utilizada de forma dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano), e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria, com o objetivo estratégico de minorar a dependência desta última de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam, recorrendo para a sua cobertura a recursos próprios do Grupo.

(...)

71. Adequando à informação prestada na IVE n° 18431 ao caso subjudice, mesmo quando se encontrassem preenchidos todos os pressupostos da isenção, o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela entidade centralizadora, por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do art. 74° da LGT.

72. Concluímos, pois, que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes no contrato (os quais são alocados às necessidades de tesouraria das empresas que se verifiquem a cada momento), poderão aproveitar da isenção prevista na al. h) do n.º 1 do artª 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê, bem como deve ser realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja, não provêm de

financiamentos externos.

 

Sobre a prova apresentada

73. Sobre os dois documentos apresentados, mais concretamente, sobre o contrato de cash pooling, está redigido em língua estrangeira. Porém, essa prova carece de tradução para a língua portuguesa, conforme dispõem os art.s. 133° e 134° do Código do Processo Civil, aplicável por remição da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

74, Como no organograma não consta a cabal identificação da Reclamante também não ficou esclarecido qual a posição da mesma dentro do Grupo, à data dos factos contestados (outubro de 2020 a julho de 2022).

75. Sobre o anexo, que constitui o documento n.º 4 junto aos autos, não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza benefício fiscal.

76. De facto, para provar a existência de excedentes de liquidez e o fluxo das operações financeiras subjacentes à liquidação do IS contestado, e se realizadas por prazo inferior a um ano, poderia por exemplo, ter sido junto aos autos, um extrato de conta corrente que refletisse os movimentos referentes ao contrato de cash pooling, bem como, um balancete mensal que evidenciasse o saldo mensal da respetiva conta.

77. Atendendo à situação aqui em apreciação e aos períodos de referência (outubro de 2020 a julho de 2022), e à insuficiência de prova quanto aos fluxos financeiros realizados entre a Reclamante e a entidade centralizadora, que justifiquem a posição de credor da Reclamante, como concedente do crédito, cuja sede se situa em Portugal, conclui-se que nos termos do n.º 2 do artigo 7.° do CIS, não se encontram verificados todos os pressupostos das isenções previstas nas alíneas g) e h) do n.° 1 do mesmo artigo.

78. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.° 74.° da Lei Geral Tributária, "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".

79. A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova,

80. Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos.

81. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo nº 0211/11), do qual consta no Sumário "I - Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos  pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (...)"-citado no Sumário do Acórdão do STA, processo n.º" 060/13, de 03-04-2013.

82. Não estando preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do benefício fiscal, é forçoso concluir que a Reclamante não pode usufruir do mesmo.

 

(...)

VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui, somos de propor que o pedido de reclamação graciosa formulado nos presentes autos seja Indeferido, com todas as consequências legais.

 

  1. Todos os empréstimos efetuados no âmbito dos contratos de cash-pooling foram reembolsados dentro do prazo de um ano (documentos n.ºs 5 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. A notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa à A..., na pessoa do seu mandatário, foi efectuada por carta registada enviada em 07-02-2024 (processo administrativo);
  3. A notificação do despacho de indeferimento à E... foi efectuada por carta registada enviada em 16-04-2024 (processo administrativo);
  4. Em 06-05-2024, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

 

2.2.2. Não se provou que os valores disponibilizados pela A... e pela E... no âmbito dos contratos de cash-pooling tivessem por base excedentes de tesouraria nem que estas não tivessem previamente realizado os financiamentos através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

As Requerentes A... e E... não apresentaram nem consta dos autos qualquer elemento de prova quanto à origem dos montantes disponibilizados no âmbito dos contratos de cash-pooling.

 

2.2.3. Relativamente à duração dos empréstimos ser inferior a um ano, é o que resulta dos documentos n.ºs 5 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não tendo sido apresentada qualquer prova que os contrarie.

De resto, nas decisões das reclamações graciosas, perante documentos idênticos com cada uma delas junto como documento n.º 4, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que os empréstimos tivessem duração inferior a um ano, nem aludiu a falta de prova desse requisito da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na descrição do funcionamento do cash-pooling até refere que ele se traduz em concessão de crédito por prazo inferior a um ano (§§ 51 e 50, respectivamente, das informações em que se basearam as decisões de indeferimento das reclamações graciosas:

 A liquidez do Grupo é, assim, utilizada de forma dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo (i.e., por prazo inferior a um ano), e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria, com o objetivo estratégico de minorar a dependência desta última de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam, recorrendo para a sua cobertura a recursos próprios do Grupo.

 

 De qualquer modo, a título de obiter dictum, é de referir que perante os dados fornecidos pelas Requerentes nos documentos n.ºs 5 e 8, em que são indicados os montantes de empréstimos concedidos e reembolsados em cada um dos meses, era possível a Autoridade Tributária e Aduaneira diligenciar no sentido de verificar se o aí referido correspondia ou não à realidade, inclusivamente por exame à escrita das Requerentes. que se insere nos seus poderes/deveres de fiscalização. 

Por outro lado, as regras do ónus da prova, invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas decisões das reclamações graciosas e no presente processo, não significam que, nos casos em que esse ónus recai sobre o contribuinte, a Autoridade Tributária e Aduaneira esteja  dispensada de tal tarefa, pois, por força do princípio do inquisitório, a Administração Tributária nunca está dispensada de, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

              O princípio do inquisitório, enunciado neste artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

 

 

3. Matéria de direito

 

           O artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo (CIS) estabelece uma isenção de Imposto do Selo para

h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo; (redacção da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março);

 

O n.º 2 do mesmo artigo 7.º, na redacção anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, limitava esta isenção nos seguintes termos :

 

   2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

          

3.1. Posições das Partes

 

           No âmbito dos contratos celebrados pelas Requerentes foram realizados empréstimos entre sociedades dos grupos em que cada uma das Requerentes se integrava.

           Relativamente à reclamação graciosa apresentada pela Requerente E... a Autoridade Tributária e Aduaneira ainda questionou que se integrasse no grupo N..., por não ser indicada no organograma e no organograma reproduzido no artigo 27.º do pedido de pronúncia arbitral, mas ela está aí incluída sob a sua anterior denominação de F..., S.A., como resulta da consulta da «Publicação de Atos Societários»,

           Não foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que  os contratos no âmbito dos quais foram realizadas as operações pelas quais foi liquidado Imposto do Selo pelas Requerentes nos períodos de Outubro de 2020 a Julho de 2022, são contratos de gestão centralizada de tesouraria, abrangidos pela alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

           Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em ambas as decisões das reclamações graciosas, que:

– que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes no contrato (os quais são alocados às necessidades de tesouraria das empresas que se verifiquem a cada momento), poderão aproveitar da isenção prevista na al. h) do n.º 1 do artº 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê, bem corno deve ser realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos;

– não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza benefício fiscal;

– não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos;

– o artigo 7.º, n.º 2, do CIS, na redacção anterior a Lei n. 12/2022, de 27 de  Junho, não é incompatível com o Direito da União Europeia e afasta a aplicação da isenção quando o devedor não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional:

– a inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado.

 

           Na decisão da reclamação graciosa apresentada pela E..., a Autoridade Tributária e Aduaneira diz ainda que, atendendo «à insuficiência de prova quanto aos fluxos financeiros realizados entre a Reclamante e a entidade centralizadora, que justifiquem a posição de credor da Reclamante, como concedente do crédito, cuja sede se situa em Portugal, conclui-se que nos termos do n.º 2 do artigo 7.° do CIS, não se encontram verificados todos os pressupostos das isenções previstas nas alíneas g) e h) do n.° 1 do mesmo artigo».

           As Requerentes defendem o seguinte, em suma:

   – é sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus da prova de que as operações não têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora;

– trata-se  de um facto negativo, em concreto, e a prova não pode exceder aquilo que é razoável e revestir uma onerosidade tal que se converta numa prova impossível ou “diabólica”, constituindo um instrumento de recusa ilegítima da aplicação do direito pela AT;

– a parte final do n.º 2 do artigo 7.º apenas é aplicável aos casos e  que o credor é um não residente em território português;

– a prova de que os fundos disponibilizados no âmbito do sistema de gestão centralizada de tesouraria não foram previamente obtidos pelo credor (não residente) com recurso a financiamento junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras no estrangeiro excede o que é razoável, sendo incompaginável com os  princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva contra atos administrativos atentatórios de direitos e interesses legalmente protegidos do contribuinte (cf. artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa);

– é incompatível com o direito da União Europeia da restrição da isenção de IS prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS às situações em que o credor, mas não o devedor dos empréstimos intragrupo, é não residente.

 

No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida nas decisões das reclamações graciosas, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– as partes contratantes denominaram os contratos de “Crédito en Cuenta Corriente”, e o clausulado apenas prevê que através daqueles foram concedidos, às  Requerentes, créditos renováveis (“revolving”), realizáveis via Cash Pooling, podendo as contas das Requerentes vir a apresentar saldos devedores a seu favor;

– o facto de existir uma cláusula que estabeleça que “la operativa de dicho crédito se realizará operativamente via Cash Pooling” não permite qualificar os contratos em apreço de outra forma que não seja enquanto contratos de mútuo em conta corrente;

– a caraterística definidora de um contrato de "cashpooling" se traduza no facto de a sociedade participante no sistema abdicar, cedendo e centralizando na sociedade centralizadora, da gestão da sua tesouraria, transferindo da sua conta bancária para a conta bancária da sociedade centralizadora, normalmente numa base diária, todos os excessos de tesouraria ou obtendo financiamento sempre que se apresente numa situação deficitária, circunstância essa que os contratos não espelham;

– não ficou demonstrado que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, ou sequer que os fluxos financeiros cumpriram os prazos previstos na norma de isenção;

– as Requerentes subsumiram a operação na previsão da Verba 17.1.4 da TGIS, aplicável ao “Crédito utilizado sob a forma de conta corrente”, sendo que a forma de regularização do crédito assumida pela Requerente se traduz numa compensação entre débitos e créditos das entidades intervenientes;

– que apenas são anexados os “Mapa A...” e “Mapa E...”, (i) as Requerentes não demonstram, tal como lhes competia, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da Lei Geral Tributária, que aqueles valores foram concedidos por um período de tempo inferior ao prazo de um ano indicado na norma como requisito para aproveitamento da isenção, (ii) nem pela natureza do crédito – conta-corrente – se pode dar como determinável o prazo de cada crédito, nem o contrato teve duração inferior a um ano (o crédito manteve se nos meses posteriores aos aqui em análise em número que excede largamente os 12 meses), o que torna virtualmente impossível dar como provada a verificação desse pressuposto da isenção neste crédito;

– o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária;

 

           3.2. Fundamentação relevante dos actos tributários    

 

           O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

           Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

           Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( [2] )  

           O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos da liquidação, a fundamentação da impugnação poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo a trazer ao processo poderiam ser diferentes.

           Por isso, o direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos do acto impugnado que o sujeito passivo não teve oportunidade  de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.

           Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG), em que se entendeu que:

      I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

      II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

  

 

           Nos casos em que uma decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de actos de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois os actos de retenção na fonte não têm fundamentação originária emitida pela Administração Tributária.

           Por isso, a manutenção em impugnação administrativa de um acto de autoliquidação gera uma situação de revogação por substituição, em que o acto impugnado subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dela consta, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [3] )

           Também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.

           Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade dos actos de autoliquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas são invocados no processo contencioso impugnatório.

 

           3.2.1. Questão da natureza dos contratos como sendo de gestão centralizada de tesouraria

 

           Sendo assim, constata-se que não pode ser considerado relevante como possível fundamento de não aplicação da isenção a eventual não qualificação dos contratos celebrados pelas Requerentes como contratos de gestão centralizada de tesouraria, como é aventado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na Resposta apresentada neste processo arbitral.

           Na verdade, nas decisões da reclamação graciosa não foi invocado como fundamento de indeferimento a eventualidade de os contratos em causa não serem de gestão centralizada de tesouraria  e, pelo contrário, a Autoridade Tributária e Aduaneira partiu do pressuposto de que se tratava de contratos desse tipo e os créditos foram concedidos com essa duração, ao identificar a «questão a resolver» como sendo a de «saber se o imposto de selo que é devido pelas operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash-pooling, pode vir a ser exigido pela AT à entidade beneficiária do financiamento, neste caso a Reclamante»  e ao justificar a aplicação da tributação prevista na verba 17.1.4. às operações realizadas no âmbito de contratos desse tipo, como se vê pelos seguintes excertos da decisão referente à A... (que também constam da decisão referente à E...):

31. O acordo de gestão centralizada de tesouraria - Cash Pooling, tem enquadramento na Isenção da alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, desde que a as operações financeiras realizadas pela Reclamante concretizem o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o direito ao beneficio fiscal.

32. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na medida em que são como tal qualificadas nos termos do CIS e da respetiva TGIS, estas operações de tesouraria, traduzidas em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação jurídica estabelecida entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo.

33. Deste modo, os fluxos da conta bancária individual da Reclamante para a conta bancária da entidade centralizadora (detida pela "M..., S.L.", por referência aos períodos em análise), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do n.° 1 do artigo 1.° do CIS.

34. Alega a Reclamante, que o contrato de cash pooling prevê a transferência, numa base diária, de excessos de liquidez da conta bancária da Reclamante, para uma conta bancária centralizadora ou transferência, também numa base diária, de liquidez da conta bancária centralizadora para a conta da Reclamante para compensar saldos negativos (descobertos), nesta última conta (zero Balancing).

35. Também não há dúvidas quanto à identificação do sujeito passivo neste tipo de operações financeiras, que é a entidade concedente do crédito (cf. alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° do CIS), ou a entidade mutuária se a operação não for intermediada por uma instituição de crédito ou sociedade financeira (cf. alínea d) do n.° 1 do artigo 2.° do CIS); considerando-se as operações realizadas em território nacional (cf. n.º 1 e alínea b) do n.° 2 do artigo 4.° do CIS) mesmo quando a sociedade credora seja uma entidade não residente em território português.

(...)

49. No regime de cash pooling, as sociedades que integram o grupo implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, o que significa que os saldos de tesouraria das diferentes contas bancárias das empresas do grupo são consolidados (de forma efetiva e não meramente virtual) numa única conta centralizadora. Estas operações traduzem-se, na prática, numa forma de concessão ou obtenção de créditos entre as várias empresas do grupo.

50. Este sistema é objeto de tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, por se tratar de um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30".

(...)

 

64. Neste seguimento, não podemos senão concluir que estes fluxos financeiros entre as empresas de um mesmo grupo económico configuram movimentos de concessão e obtenção de crédito, por forma a que no grupo se permita haver uma gestão de necessidades de fundos, verificando-se uma compensação diária com os excedentes e assim evita-se a necessidade de socorrerem de outro método para satisfazer as necessidades de tesouraria do grupo e, consequentemente, suportar os respetivos custos de financiamento externo.

 

Assim, não pode considerar-se fundamento para a manutenção das liquidações a hipotética não qualificação dos contratos em causa como sendo de gestão centralizada de tesouraria, em que interveio como entidade centralizadora, em cada um dos contratos, a "M..., S.L." (pontos 45 e 44 das informações em  que se basearam as decisões das reclamações graciosas).

 

3.2.2. Questão da duração dos empréstimos

 

Na Resposta apresentada neste processo arbitral a Autoridade Tributária e Aduaneira refere ainda, para contrariar as pretensões das Requerentes, que estas não provaram que os «valores foram concedidos por um período de tempo inferior ao prazo de um ano indicado na norma como requisito para aproveitamento da isenção, (ii) nem pela natureza do crédito – conta-corrente – se pode dar como determinável o prazo de cada crédito, nem o contrato teve duração inferior a um ano (o crédito manteve-se nos meses posteriores aos aqui em análise em número que excede largamente os 12 meses), o que torna virtualmente impossível dar como provada a verificação desse pressuposto da isenção neste crédito».

Constata-se, porém, que esse hipotético fundamento de indeferimento das reclamações graciosas não foi nelas invocado, designadamente a falta de prova da duração dos empréstimos.

Na verdade, quanto à análise da prova apresentada, designadamente os documentos 4 das reclamações, que correspondem aos documentos n.ºs 5 e 8 juntos ao presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas fala de falta de prova quanto à origem dos valores das operações e não quanto à duração dos empréstimos, como se vê pelos §§ 74 e seguintes da informação subjacente à decisão da reclamação relativa à A... e §§ 75 e seguintes da informação subjacente à decisão da reclamação da E... em que se refere quanto à alegada deficiência de prova desses documentos n.º 4:

 

 Sobre o anexo, que constitui o documento n.º 4 junto aos autos, não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabiliza benefício fiscal.

 

Assim, a alegação de falta de prova de que a duração dos empréstimos é inferior a um ano, constitui fundamentação a posteriori, que é irrelevante, como se referiu.

 

3.2.3. Fundamentação relevante para apreciação da legalidade

 

De harmonia com o que se referiu, os fundamentos relevantes das decisões de indeferimento das reclamações graciosas, que são os das liquidações,  são a falta de prova de que as operações pelas quais foi autoliquidado Imposto do Selo têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora e o afastamento da isenção pelo n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redacção anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, nas situações em que o devedor não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional.

 

 

              3.3. Questão da origem dos valores transferidos pelas Requerentes no âmbito dos contratos de cash-pooling

 

              Decorre da fundamentação relevante das decisões de indeferimento das reclamações graciosas que as decisões se basearam no entendimento de que, para as Requerentes aproveitarem da isenção prevista na alínea  h) do n.º 1 do artº 7º do CIS, era necessária a comprovação «de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos» e que essa prova não foi feita.

              Da decisão a matéria de facto decorre que, efectivamente, essa prova não foi feita.

              As Requerentes defendem que se trata de prova de facto negativo  (a prova de que os fundos disponibilizados no âmbito do sistema de gestão centralizada de tesouraria não foram previamente obtidos pelo credor), mas não se afigura que seja inviável à Requerente demonstrar os factos positivos que são a origem das quantias transferidas para a entidade centralizadora, designadamente através da sua contabilidade e documentação bancária.

Assim, importa apurar se, como defendem as Requerentes, tal prova não é exigida nos casos em que o credor é residente fiscal em território nacional, como é o caso da A... e da E... .

Constata-se, desde logo, que a prova da origem dos valores dos empréstimos não é exigida pela alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º, pois prevê a aplicação da isenção aos «empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo».

              Assim, em princípio, basta que os empréstimos sejam concedidos no âmbito de um contrato de cash-pooling para se integrarem na hipótese normativa desta alínea h).

Mas,  a Autoridade Tributária e Aduaneira faz a exigência de que seja «realizada a prova de que os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos» com base na parte final do n.º 2 do artigo 7.º do CIS que, nos casos em que algum dos intervenientes tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, apenas mantém a isenção nas «situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal», «salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional».

              É manifesto que esta excepção prevista na parte final deste n.º 2 do artigo 7.º se reporta à regra estabelecida imediatamente antes, que é a de que subsiste a isenção quando o «credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal».

              Por isso, como no caso dos autos, os credores, que são as Requerentes A...  e E..., têm sede em Portugal, não tem aplicação nas situações dos autos a excepção prevista na  parte final do n.º 2 do artigo 7.º do CIS.

              Como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins ( [4] )

  «Sem prejuízo da intenção clara de manter a aplicação da isenção em operações em que o credor tenha residência na UE ou em jurisdição com CDT, o legislador previu também uma norma específica anti-abuso, de acordo com a qual a isenção continua a não se aplicar se o credor, mesmo sendo residente numa jurisdição naquelas condições, tiver obtido os fundos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro (ou com filiais ou sucur­sais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras Portuguesas).

Portanto, genericamente, esta norma veda a aplicação da isenção às operações em que o devedor seja não residente (não domiciliado) em Portugal e (ii) às operações em que o devedor, sendo residente (domiciliado) em Portugal, o credor não resida na UE ou em jurisdição com a qual vigore uma CDT com Portugal».

 

Na mesma linha, explicam J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, [5] que esta limitação "visa eventuais operações triangulares em que a intermediação do credor tem função, tão-somente, evitar o pagamento do imposto que seria devido se a entidade beneficiária tivesse obtido o crédito junto de uma entidade financeira não residente».

É evidente, assim, que a parte final do n.º 2 do artigo 7.º do CIS não em aplicação nos casos em apreço, em que os credores são residentes fiscais em Portugal.-

  Assim,  tem de se concluir que a falta de prova de que «os fluxos financeiros entre as sociedades do grupo provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo, ou seja não provêm de financiamentos externos» não tem potencialidade para obstar à aplicação da isenção.

Por isso, as decisões das reclamações graciosas e as autoliquidações que mantiveram enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito por erro de interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do CIS.

No entanto, destes erros não resulta necessariamente a anulação das decisões das reclamações graciosas e das autoliquidações que mantiveram, pois naquelas decisões invoca-se também como fundamento a não aplicação da isenção nos casos em que o devedor tem sede ou direção efectiva num Estado Membro da União Europeia e, a ser assim, estará justificada a não aplicação da isenção nos casos em apreço, pois os devedores são não residentes com sede num Estado da União Europeia.

 

 

 

3.4.2. Questão da incompatibilidade do regime do artigo 7.º do CIS com o Direito da União Europeia

 

A Requerente defende que deve ser aplicada a isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por, em suma, o afastamento da sua aplicação, pelo n.º 2 do mesmo artigo, nas situações em que o devedor tem sede ou direcção efectiva num Estado Membro da União Europeia não poder ser aplicado, por ser incompatível com os artigos 63.º e 65.º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TFUE) e ser discriminatório.

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ([6] ).

Os artigos 63.º e 65.º do TJUE estabelecem o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 1.  O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 a)  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

4. Na ausência de medidas ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adotar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objetivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.

 

  Os empréstimos de curto prazo são movimentos de capitais, como resulta da Directiva n.º 88/361/CEE, do Conselho de 24-06-1988, o que não é objecto de controvérsia.

A questão em apreço, foi objecto de várias decisões arbitrais que, na sequência da decisão arbitral de 06-10-2020, proferida no processo n.º 277/2020-T, concluíram pela incompatibilidade daquele n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redacção anterior à Lei n.º  12/2022, de 27 de Junho, com o artigo 63.º, n.º 1, conjugado com o artigo 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

O TJUE, no acórdão 14-10-1999, proferido no processo n.º C-439/97, Sandoz GmbH, o seguinte (com actualização dos números dos artigos), em suma:

– a proibição do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anteriores artigo 73.º-B, n.º 1, e 56.º do Tratado CE) abrange quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros (n.º 18);

–  uma legislação que priva os residentes num Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do território nacional, é uma medida de molde a dissuadi-los de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros (n.º 19 daquele acórdão, citando o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.º 10).

– tal legislação constitui por isso uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE (anteriores artigos 73.º-B, e 56.º) (n.º 20).

 

É precisamente uma situação deste tipo que gera o afastamento da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Na verdade, à face deste regime, os residentes num Estado-Membro são privados da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do seu território nacional.

O facto de o sujeito passivo do imposto ser o credor (as Requerentes) e não o devedor não afasta esta conclusão.

Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante uma situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea f), do artigo 3.º do CIS.

Aliás, nestas situações de substituição fiscal imprópria, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido directamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17. ( [7] )

Por isso, este regime legal reconduz-se a que, na perspectiva legislativa, é sempre o utilizador do crédito que acaba por pagar o Imposto do Selo, seja por ele lhe ser repercutido pela entidade concedente, seja por ele lhe ser directamente exigido.

Assim, o afastamento da isenção nas situações em que devedor tenha sede ou direcção efectiva num Estado Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65.º do mesmo diploma.

Na alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, permite-se aos Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido».

Na interpretação deste artigo 65.º o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º C-575/17 - Sofina SA:

45. Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.o, n. o 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.º 63).»

46. Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n. 3, TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n. o  64).

 

3.4.2.1. Comparabilidade das situações

 

No caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada acto de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência  ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes.

Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos. 

Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na acepção do Tratado, por não existir qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar tratamento diferenciado.

Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva.

 

3.4.2.2. Razões imperiosas de interesse geral

 

A alínea b) do n.º 1 deste artigo 65.º do TFUE admite que os Estrados Membros tomem «todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública».

Como se vê pelo n.º 46 do citado acórdão proferido no processo n.º C-575/17, o TJUE entende que, relativamente a situações comparáveis, a diferença de tratamento só pode ser justificada «por uma razão imperativa de interesse geral».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesto que não existe qualquer razão de interesse geral que possa justificar a referida discriminação, o que nem sequer é aventado pela Administração Tributária.

Na verdade, está-se perante uma situação em que não há dificuldades de eficaz controlo fiscal, pois há possibilidade de a Administração Tributária fazer uso das trocas de informações previstas na generalidade das Convenções para evitar Dupla Tributação ([8] ).

Por outro lado, não se vislumbra qualquer outra razão de interesse público que possa justificar o tratamento discriminatório referido, designadamente uma hipotética intenção legislativa de evitar fraudes e abusos no âmbito das operações de tesouraria de curto prazo entre empresas do mesmo grupo, pois a intenção geral que está ínsita na atribuição dos benefícios fiscais previstos nas alíneas g) a i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não pode ser a de «impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é beneficiar indevidamente de uma vantagem fiscal», que podem justificam restrições à livre circulação de capitais (Acórdãos do TJUE de 05-07-2012, SIAT, processo C-318/16, EU:C:2017:415, n.º 40; de 07-09-2017, Eqiom e Enka, processo C-6/16, EU:C:2017:641, n.º 30; e de 20-09-2018, EV, processo C-685/16, n.º 95), mas, será, pelo contrário, de admitir ou mesmo incentivar esses comportamentos, concedendo benefícios fiscais.

Pelo exposto, conclui-se que o afastamento da aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que se prevê no n.º 2 do mesmo artigo, na redacção anterior à Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, nas situações em que o devedor não tem sede ou direcção efectiva em Portugal, mas a tem num Estado Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que esta restrição não pode ser aplicada, por forma do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

 

3.4.2.3. Desnecessidade de reenvio prejudicial

 

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei europeia seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

Como se refere no n.º 33 do acórdão do TJUE de 22-11-2018, MEO, processo C-295/17, «Segundo jurisprudência constante do TJUE, «no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.º TFUE, o juiz nacional,  a  quem  foi  submetido  o  litígio  e  que  deve  assumir  a  responsabilidade  pela  decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência  das  questões  que  submete  ao  Tribunal.  Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n. o 42 e jurisprudência referida)».

No caso em apreço, para além de a citada jurisprudência anterior do TJUE permitir dar uma resposta segura às questões de Direito da União Europeia que se suscitam no processo, constata-se, recentemente, o TJUE pronunciou-se especificamente no sentido da compatibilidade daquele n.º 2 do artigo 7.º do CIS,  na redacção anterior a Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, no acórdão de 20-06-2024, processo n.º C-420/23, em que se decidiu:

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado-Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado-Membro.      

 

Na fundamentação desta decisão, refere-se no acórdão do TJUE, além do mais, o seguinte:

Quanto à livre circulação de capitais

 21  O artigo 63.º, n.º 1, TFUE proíbe, de maneira geral, os entraves aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros. As medidas proibidas por esta disposição, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investir noutros Estados (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C-537/20, EU:C:2023:339, n.º 42 e jurisprudência referida).

 22  No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o CIS prévia, em caso de concessão de empréstimos por um residente português, regras de tributação diferentes consoante o mutuário residisse ou não em Portugal, estando prevista uma isenção do imposto do selo unicamente no primeiro caso.

 23  Tal diferença de tratamento é suscetível de tornar menos atrativos, para os residentes portugueses, investimentos como a concessão de empréstimos, realizados no estrangeiro, em relação aos investimentos realizados no território português. Esta diferença de tratamento produz também um efeito restritivo em relação aos mutuários não residentes, uma vez que constitui um obstáculo à recolha de capitais em Portugal que os mutuários residentes não encontram.

 24  Neste contexto, é irrelevante o facto de, segundo a legislação portuguesa em causa no processo principal, o sujeito passivo do imposto do selo ser o mutuante estabelecido em Portugal e não o mutuário estabelecido noutro Estado-Membro. Com efeito, o facto de o exercício da livre circulação de capitais se tornar menos atrativo devido a uma regulamentação fiscal nacional que trata diferentemente uma situação interna e uma situação transfronteiriça basta, por si só, para demonstrar a existência de uma restrição.

 25  Além disso, também não é suscetível de demonstrar a inexistência de uma restrição à livre circulação de capitais o argumento do Governo Português segundo o qual o imposto do selo não constitui um encargo fiscal para o mutuante, uma vez que são os mutuários que suportam efetivamente o imposto, embora, regra geral, tenham a possibilidade de deduzir o seu montante no âmbito do imposto sobre os lucros.

 26  É certo que, como indicou a própria recorrente no processo principal nas suas observações escritas, pode acontecer que o mutuário suporte o imposto do selo, quer porque o mutuante lhe imputa um montante correspondente, quer porque o imposto lhe é diretamente exigido em caso de não pagamento desse imposto pelo sujeito passivo. Todavia, por um lado, esta conclusão em nada altera o facto de, por força da legislação nacional em causa no processo principal, ser o mutuante que é sujeito passivo do imposto do selo. Por outro lado, em todo o caso, como foi salientado no n.º 23 do presente acórdão, esta legislação produz um efeito restritivo não só em relação aos mutuantes residentes, mas também em relação aos mutuários não residentes.

 27  Como tal, uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.

 28  Posto isto, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 29  Resulta de jurisprudência constante que o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, uma vez que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que toda a legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residem ou do Estado em que investem os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais-valias sobre transmissões de participações sociais), C-472/22, EU:C:2023:880, n.º 27 e jurisprudência referida].

 30  Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.º 3 deste artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que semelhantes diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais-valias sobre transmissões de participações sociais), C-472/22, EU:C:2023:880, n.º 28 e jurisprudência referida].

 31  Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado-Membro deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas. Apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença objetiva entre as situações [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais-valias sobre transmissões de participações sociais), C-472/22, EU:C:2023:880, n.º 29 e jurisprudência referida].

 32  A este respeito, por um lado, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português especificaram o objetivo prosseguido pela isenção parcial do imposto do selo resultante da legislação nacional em causa no processo principal.

 33  Por outro lado, o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal baseia-se no local de residência do mutuário, uma vez que as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando envolvam duas entidades estabelecidas em Portugal ou quando o mutuário esteja estabelecido nesse Estado-Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado-Membro.

 34  No entanto, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, no que respeita ao imposto do selo cobrado em Portugal, o caso de um empréstimo concedido a um mutuário residente afigura-se comparável à de um empréstimo concedido a um mutuário não residente, uma vez que esse imposto é calculado com base em cada operação individual e à qual se aplica uma taxa de imposto fixa, tendo em conta as circunstâncias particulares da operação.

 35  Assim, tendo em conta o objeto e o conteúdo da regulamentação nacional em causa no processo principal, a diferença de tratamento que dela resulta não parece assentar, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, numa diferença de situações objetiva.

 36  De resto, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português invocaram uma razão imperiosa de interesse geral que justifique a restrição gerada por essa regulamentação.

 37  Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado-Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado-Membro.

 

Pelo exposto, as autoliquidações de Imposto do Selo e as decisões das reclamações graciosas que as conformaram enfermam de vício de violação de lei, por erro de interpretação do artigo 7.º, n.ºs 1, alínea g), e 2 do artigo 7.º do CIS e violação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, o que justifica a anulação das autoliquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios           

 

As Requerentes pedem reembolso das quantias autoliquidadas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso

 

Na sequência da anulação das autoliquidações, as Requerentes têm direito a serem reembolsadas das quantias indevidamente autoliquidadas, o que é consequência da anulação.

Assim, tendo sido indevidamente autoliquidadas as quantias de € 268.670,38 pela A... e de € 10.075,72 pela E..., elas têm direito de serem reembolsadas das quantias que pagaram.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

           O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).             

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

           O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

              As ilegalidades das decisões das reclamações graciosas são imputáveis à Administração Tributária, que as indeferiu.

No entanto, os erros que afectam as autoliquidações são imputáveis às Requerentes, pois foi elas que procederam às autoliquidações.

Por outro lado, não é sequer aventado que existisse alguma orientação genérica da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do CIS.

Por isso, quanto aos actos de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente, direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com as decisões das reclamações graciosas, pois deveriam ter sido deferidas as pretensões das Requerentes.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [9] )

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 28-10-2009, proferido no processo n.º 601/09;

 – de 18-11-2020, proferido no processo n.º 2342/12.3BELRS;

 – de 28-04-2021, proferido no processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17;

 – de 09-12-2021, proferido no processo n.º 1098/16.5BELRS;

 – do Pleno de 29-06-2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB;

 – de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS.

 

Nesta linha , o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos do Pleno de 29-06-2022 e de 22-11-2023, processo n.º 125/23.4BALSB, uniformizou jurisprudência sobre juros indemnizatórios nos casos de retenção na fonte impugnados através de reclamação graciosa, nestes termos:

 

              Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.

 

Esta jurisprudência é transponível para os casos de reclamação graciosa de autoliquidação, quando esta não foi efectuada em sintonia com orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 No caso em apreço, a A... apresentou reclamação graciosa em 17-11-2022 e a E... apresentou reclamação graciosa em 18-11-2022.

 A reclamação graciosa da A... foi indeferida por despacho de 31-03-2023 e a da E... foi indeferida por despacho de 16-04-2024.

Em ambos os casos, foi excedido o prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que, de harmonia como n.º 5 do mesmo artigo, formaram-se indeferimentos tácitos em 17-03-2023, quanto à A..., e em 18-03-2023, quanto à E... .

Por isso, começam a contar-se juros indemnizatórios a partir de 18-03-2023, quanto à A..., e de 19-03-2023, quanto à E..., calculados com base nas quantias de € 268.670,38 e € 10.075,72, respectivamente.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

          

5. Decisão        

 

              De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as autoliquidações de Imposto do Selo efectuadas pela A... que se indicam no quadro que segue:

 

  1.   Anular as autoliquidações de Imposto do Selo efectuadas pela E... que se indicam no quadro que segue:

 

  1. Julgar procedente os pedidos de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente A... a quantia de € 268.670,38 e a pagar à E... a quantia de € 10.075,72;
  2. Julgar parcialmente procedente os pedidos de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4.2. deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 278.746,10, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 11-10-2024

 

  Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

 

 


(Paulo Ferreira Alves)

 

 

(Jorge Carita)

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP–DR de 12–4–2001, página 1207.

– de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em AP–DR de 10–2–2004, página 4289.

– de 09-10-2002, processo n.º 600/02.

– de 12-03-2003, processo n.º 1661/02;

– de 22–03–2018, processo nº 0208/17;

– de 30-01-2019, processo n.º 2176/15.3BEPRT 0915/17.

 

                  Em sentido idêntico, podem ver–se:

 –  MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

 –  MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes, mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

 

( [2] ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: de 11-2-93, do Pleno, processo n.º 26389, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 103; de 4-11-93, processo n.º 31798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6007; e de 3-2-94, processo n.º 32325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 791.     

No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-1999, processo n.º 23720; e 19-12-2007, recurso n.º 874/07.

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102; de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047; de 12-12-2002, processo n.º 047699; de 18-12-2002, processo n.º 048366; de 06-05-2020, processo n.º 512/10.8BEPRT.

[4] Impostos do Selo – Operações Financeiras e de garantia, 2020, Reimpressão, página 218.

[5] Os Impostos sobre o Património e o Imposto do Selo Anotados e Comentados, 1.ª edição, 2005, Engifisco, página 586.

[6] Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[7] Entendeu-se neste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que

 

I – Nas operações de cash pooling, dada a natureza puramente convencional das titularidades de sujeito passivo e de titular do interesse económico, resultante de, na prática, estas titularidades serem cambiantes em razão da própria natureza dinâmica das operações de crédito que lhe estão subjacentes, é de considerar que estamos perante uma situação jurídica equiparável a um mecanismo de substituição fiscal imprópria.

II – No âmbito desta substituição fiscal imprópria, o titular do interesse económico ainda integra a relação jurídica tributária, uma vez que o legislador visa constituir sobre ele (sobre a sua situação económica) o encargo do imposto, ainda que impropriamente, ou seja, por via da interposição do sujeito passivo.

III – Nestes casos de substituição fiscal imprópria, nada impede que, quando o sujeito passivo não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir, directamente, ao titular do interesse económico, o imposto em falta.

[8] No caso da França, tal troca de informações prevê-se no artigo 27.º da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Paris em 14 de Janeiro de 1971, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de Março.

( [9] )          ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».