SUMÁRIO:
1 - A alienação de imóveis com afetação empresarial não pode beneficiar da exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS, a sua alienação está sujeita a tributação como mais-valias, por força do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 3º do CIRS, e deverá ser declarada no Anexo B da respetiva declaração modelo 3 de IRS.
2 - Inexiste violação do princípio da capacidade contributiva sempre que não tenha sido demonstrado que o imposto em causa tenha ferido a “capacidade para pagar” e que tenham sido aplicadas as normas legais ao tempo em vigor, de harmonia com o artigo 12º da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Víctor Calvete (árbitro-presidente), Dr. Fernando Marques Simões (Vogal) e Dr. Arlindo José Francisco (Vogal - Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-04-2024, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
A..., (sujeito passivo A), NIF ..., e B..., (sujeito passivo B), NIF..., casados entre si, ambos com domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificados do despacho proferido pelo Diretor da Direção de Finanças de Lisboa, através do qual foi indeferida a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2023..., referente a 2019, da qual resultou imposto a entregar ao Estado no montante de € 146.608,97, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em matéria tributária e pedir a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e consequentemente a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do IRS nº 2023..., de 2023-05-06, montante de € 146.608,97.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 17/04/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu artigo 11.º n.º 1, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 01 de julho de 2024, sendo Presidente o Professor Doutor Victor Calvete e (Vogais) Dr. Fernando Marques Simões, e Dr. Arlindo José Francisco (Relator), proferindo despacho, em 08/07/2024, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, a notificar a Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo .
Os Requerentes, em síntese, suportam o pedido no facto de, em seu entender, os atos tributários em causa sofrerem de erro quanto aos pressupostos de fato e de direito em que se basearam, porque partem de proposições erradas e insuscetíveis de justificar as conclusões retiradas pela AT, havendo desta uma visão e interpretação incorreta dos factos, sem qualquer correspondência com a realidade económica e, consequentemente, tributária dos Requerentes. E entendem também que a liquidação efetuada pela AT, além de ilegal por erro nos pressupostos de fato e de direito, também viola o princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva.
Por sua vez a AT, também em síntese, vem dizer na sua resposta que da consulta às declarações de rendimentos mod.3 relativas aos anos de 2015 e 2016 submetidas pelo requerente A..., verifica-se que no ano de 2015 afetou o imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, artigo ... (sito na Rua ..., nº ...), à sua atividade empresarial com o CAE 55201 – alojamento mobilado para turistas, e, no ano de 2016, afetou o imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, artigo..., fração F (sito na Rua ... nº...), à mesma atividade e que apesar do requerente ter indicado, em 2018-03-09, o imóvel sito na Rua ... nº ... esqº como seu domicilio fiscal, nenhum destes imóveis, na altura da sua alienação, tinham sido desafetados da atividade empresarial do Requerente, nem este tinha cessado a sua atividade, o que obsta que possam beneficiar da exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS. Refere ainda que a liquidação em causa foi feita de acordo com as normas legais ao tempo em vigor pelo que não viola o princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva.
II - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III- FUNDAMENTAÇÃO
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As questões a dirimir são as seguintes:
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Se o ato de indeferimento da reclamação graciosa dirigida contra a liquidação IRS n.º 2023..., referente a 2019, da qual resultou imposto a entregar ao Estado no montante de € 146.608,97, deverá ser revogado nos termos requeridos, com a consequente anulação da referida liquidação, ou, se pelo contrário, deverá ser mantido na ordem jurídica o despacho de Indeferimento da reclamação e consequentemente a respetiva liquidação.
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Se haverá ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, conforme requerido.
2 – Matéria de facto
2.1 Factos provados
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O Requerente A..., adquiriu no dia 14/07/2015, (à data solteiro e não residente em território nacional), um imóvel em Portugal, sito na Rua ..., pelo valor de € 100.000,00.
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No dia 12/01/2016, procedeu à compra de um segundo imóvel, sito na Rua ..., pelo valor de € 540.000,00.
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Enquanto ainda residia no Brasil, o aqui requerente A..., decidiu arrendar os imóveis anteriormente identificados, através do portal do Airbnb, tendo o imóvel na Rua ... (*Brand New in the Heart ...) tenha estado arrendado em algumas datas, entre o período de 26/12/2015 a 17/06/2018, e o imóvel na Rua ... (*Just Renovated at Best Location Ever) foi arrendado em algumas datas dentro do período de 21/05/2016 a 19/02/2017.
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Na declaração de IRS referente ao exercício de 2015 consta a afetação do imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, artigo ..., fração A (sito na Rua ..., nº...), à sua atividade empresarial com o CAE 55201 – alojamento mobilado para turistas, e, na declaração de IRS referente ao exercício de 2016, afetou o imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, artigo..., fração F (sito na Rua ... nº ...-...), à mesma atividade.
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Quando em 2019 o Requerente alienou os dois prédios referidos anteriormente, os mesmos não tinham sido desafetados do âmbito da sua atividade empresarial, como se alcança dos respetivos quadros dos Anexos B das respetivas declarações modelo 3 de IRS até aí apresentadas.
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Também nos referido anexos B das declarações modelo 3 de IRS referidas nunca foi declarada a cessação da atividade.
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Em 15/08/2016, o Requerente A... contraiu casamento, no Brasil, com a aqui Requerente B..., no regime da separação de bens.
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No ano de 2017, o aqui requerente A... alterou a sua morada para Portugal, com produção de efeitos a 31 de julho de 2017.
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Em 26/02/2018, foi apresentado o pedido para reconhecimento do Estatuto dos Residentes não Habituais, tendo o mesmo sido deferido, com produção de efeitos para o período de 2018 a 2027, tendo sido indicado como domicilio fiscal o imóvel sito na Rua ..., quando pretendiam que fosse declarado o domicílio fiscal na Rua ..., o que foi corrigido posteriormente no cadastro.
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Em 31/10/2018, o Requerente A... procedeu à aquisição de um terceiro imóvel, sito na Rua ..., pelo valor de € 1.075.000,00.
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Em 04/04/2019, procedeu à venda do imóvel sito na Rua ..., pelo valor de € 225.000,00 e em 04/07/2019, procedeu à venda do imóvel sito na Rua ..., pelo valor de € 745 000,00.
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Em 21/03/2023, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, constituída pelo respetivo rosto, um anexo G e um anexo J, declarando a sua qualidade de residentes não habituais e o sujeito passivo declarou as vendas dos imóveis no anexo G, com opção pelo reinvestimento do valor de realização pela venda do imóvel na Rua ..., que era a sua habitação própria e permanente.
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No anexo G à declaração de IRS do ano de 2019, foram declarados os valores a seguir indicados no quadro anexo
Campo
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Data da realização
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Valor da realização
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Data da Aquisição
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Valor da Aquisição
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Despesas e encargos
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4001
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07/2019
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745000,00
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01/2016
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540000,00
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45817,50
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4002
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04/2019
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225000,00
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07/2015
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100000,00
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51377,50
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Totais
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970000,00
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640000,00
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97195,00
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No Quadro 5 do referido anexo, fez constar o reinvestimento no campo 5006 o valor de 745 000,00 correspondente ao valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente e no campo 5007 o valor da realização reinvestido 745 000,00, que ocorreu no momento da aquisição do imóvel sito na Rua ..., que passou a ser a sua habitação própria e permanente, sem recurso a empréstimos bancários.
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Através do ofício n.º..., de 03-04-2023, a AT notificou os Requerentes da existência de divergências no anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2019, tendo estes, em sede de direito de audição, enviado toda a documentação de que dispunham, tendo a AT mantido as correções, imputando-as a rendimentos de categoria B.
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Deste procedimento resultou a liquidação adicional n.º 2023 ..., de 2023-05-06 e a respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023 ..., de 2023-05-11, tendo sido apurado um valor a pagar de € 146.608,97.
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Oportunamente os Requerentes deduziram reclamação graciosa contra aquela liquidação, a qual mereceu despacho de indeferimento total, tendo o presente pedido de pronúncia por objeto imediato a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e por objeto mediato a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do IRS já identificada.
2.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convição do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.
3. MATÉRIA DE DIREITO
Considerando a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo a decidir com vista à composição do litígio está em saber se os imóveis em questão aquando da sua alienação em 2019, deverão ser considerados afetos à esfera pessoal do Requerente, como este pretende ou à sua esfera empresarial como entende a AT. O Tribunal irá fazer a análise do litígio seguindo os itens da petição, ou seja, erro nos pressupostos de facto e de direito e violação do princípio da capacidade contributiva.
3.1 Erro nos pressupostos de facto e de direito
Consideram os Requerentes que a AT, erroneamente, entende que, no momento da alienação dos imóveis, estes ainda se encontravam afetos à atividade de alojamento local aquando das respetivas vendas, o que na perspetiva dos Requerentes não corresponde à realidade, dado que, o sujeito passivo A teve como habitação própria e permanente o imóvel sito na Rua ..., conforme se constata nos documentos juntos aos autos.
Apesar de por lapso, não ter procedido à desafetação deste imóvel da esfera empresarial da categoria B para a esfera pessoal, dado que a última data de afetação ao alojamento local remonta a 19 de fevereiro de 2017, pelo que seria neste exercício que deveria ter ocorrido a desafetação daquele imóvel à atividade empresarial.
Quanto ao imóvel sito na rua ... deixou de estar afeto ao alojamento local em 2018, pelo que seria neste exercício deveria ter ocorrido a desafetação daquele imóvel à atividade empresarial.
No entender dos Requerentes, relativamente à transferência do imóvel sito na Rua ... da esfera empresarial para a esfera pessoal, ocorrida em 2017, a AT deveria ter exigido a prestação tributária através de liquidação a efetuar no ano seguinte e quanto ao imóvel sito na rua ..., a transferência do imóvel da esfera empresarial para a esfera pessoal ocorreu no ano de 2018, pelo que seria no ano de 2019 a exigência da prestação tributária através da respetiva liquidação.
Tendo em conta que em 2019 ocorreu a alienação dos dois imóveis, factos tributários que deram origem a mais-valias deverão ser apuradas e tributadas pela Categoria G, tal como indicado pelo sujeito passivo na declaração Modelo 3 de IRS de 2019, ao contrário do que defende a AT.
A Requerida entende que da consulta às declarações de rendimentos mod. 3 relativas aos anos de 2015 e 2016 submetidas pelo requerente A..., verifica-se que no ano de 2015 afetou o imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, ..., fração A, sito na Rua ... a, nº..., à sua atividade empresarial com o CAE 55201 – alojamento mobilado para turistas, e, no ano de 2016, afetou o imóvel identificado por freguesia ..., tipo urbano, artigo ..., fração F sito na Rua ... nº..., à mesma atividade.
Ao alienar os dois prédios em 2019 os mesmos continuavam afetos à aludida atividade empresarial, apesar do Requerente ter indicado o imóvel sito na Rua ... nº ...- ... como seu domicílio fiscal em 2018-03-09.
Tendo em conta que os prédios alienados estavam afetos à atividade empresarial do Requerente, dado nunca terem sido desafetados da mesma e que o Requerente não cessou atividade, a sua alienação está sujeita a tributação como mais-valias, por força do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 3º do CIRS, e deveria ter sido declarada no Anexo B, quadro 4, campo 407 (saldo positivo das mais valias imobiliárias afetas à atividade empresarial).
Vista a posição das partes o Tribunal considerando a matéria de facto dada como provada e que por elas não é contestada, dá como assente que o Requerente nunca declarou a desafetação dos imóveis da sua atividade empresarial nem nunca declarou a cessação da atividade nos itens próprios dos anexos B das respetivas declarações anuais de IRS pelo menos até ao exercício de 2019, inclusive.
Apesar de ter indicado que o imóvel sito na Rua ... nº ... esqº, como seu domicílio fiscal em 2018-03-09, este facto, por si só, não invalida a afetação empresarial a que o mesmo estava adstrito nem as declarações prestadas nos respetivos anexos B das declarações modelo 3 de IRS nas quais sempre fez constar a afetação empresarial dos aludidos imóveis até à sua alienação em 2019. Tendo em conta que as declarações dos contribuintes gozam da presunção de verdade e boa-fé, de acordo com o artigo 75º da LGT, nunca a AT considerou haver motivos, nos exercícios anteriores a 2019, para ilidir tal presunção de verdade e boa-fé do declarado pelo sujeito passivo nos respetivos anexos B das declarações anuais de rendimentos.
Ocorrendo a sua alienação no exercício de 2019 e estando os mesmos afetos à atividade empresarial que se mantinha potencialmente ativa, a sua alienação ficou sujeita à tributação de mais-valias, por força do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 3º do CIRS, e deveria ter sido declarada no Anexo B, quadro 4, campo 407.
Resulta claro que os Requerentes ao declararem a alienação dos imóveis no anexo G incumpriram as disposições legais antes referidas e não poderão beneficiar da exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS, atendendo à sua afetação empresarial, improcedendo nesta parte o pedido.
3.2 Violação do princípio da capacidade contributiva
No entender dos Requerentes a liquidação sob escrutínio é ilegal por violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, ínsito no nº 1 do artigo 4º da LGT, não se vislumbrando que a afetação e desafetação dos imóveis a diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo seja suscetível de demonstrar qualquer acréscimo da capacidade contributiva. Acontece que, como o Requerente não procedeu à declaração de tais transferências, elas não foram conhecidas da AT e, portanto, nunca foram tributadas. Bem ao contrário: do que o Requerente se queixa não é dessa tributação – que a AT não lhe exigiu, nem podia ter exigido[1] – mas sim da que a AT lhe aplicou por ela nunca ter existido.
O Tribunal fez a apreciação da posição das partes no que respeita à eventual violação do princípio da capacidade contributiva, considerando que o mesmo tem na sua génese a repartição do encargo do imposto de acordo com a possibilidade que cada um tem para o suportar, conforme decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da CRP “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.
Diferentes Tribunais do CAAD se tem debruçado sobre o tema da “capacidade contributiva”, entre eles, o ainda recente Acórdão no âmbito do Pº 14/2024-T, que citando CASALTA NABAIS, refere que «…o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)…»
Nesta linha ver os ensinamentos de Sérgio Vasques ao considerar, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).
Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional, se tem pronunciado sobre o princípio da capacidade contributiva, transcrevendo-se, com a devida vénia e a título exemplificativo, parte do seu Acórdão 142/2004:
“… O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.
Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)…”.
Os fins da tributação previstos no artigo 5º da LGT, visam desde logo a satisfação das necessidades financeiras do Estado, ao mesmo tempo que com ela deve promover a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, cabendo à AT executar tal missão aplicando as Leis tributárias em vigor ao tempo em que ocorram os factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou os que de forma diferente tenha conhecimento.
Da matéria de facto dada como provada os Requerentes sempre mantiveram nas suas declarações de rendimentos a afetação dos imóveis à sua atividade empresarial ao mesmo tempo que poderiam ter cessado a atividade, o que não fizeram. Mas, nem o facto de ter sido indicado como domicílio fiscal o imóvel sito na Rua ..., quando pretendiam que fosse declarado o domicílio fiscal na Rua ..., o que foi corrigido posteriormente no cadastro, levou a que os Requerentes tivessem optado por desafetar da atividade empresarial, pelo menos o imóvel onde tinham o domicílio declarado, mantendo assim a potencialidade empresarial de ambos os imóveis.
Destarte, quando em 2019, os Requerentes, declararam a alienação dos imóveis, a AT limitou-se a aplicar as normas legais ao tempo em vigor, sem por em causa as declarações dos Requerentes, no que respeita a situações e valores e fazendo delas o enquadramento legal que não merece qualquer reparo, ao mesmo tempo que da matéria de facto dada como provada não foi demonstrado que o imposto em questão tenha ferido a “capacidade para pagar” dos Requerentes, antes pelo contrário, nem que situações idênticas tenham sofrido tratamento fiscal diferenciado, concluindo-se assim pela inexistência de violação do princípio da capacidade contributiva, improcedendo também este argumento.
4 Juros Indemnizatórios
Tendo em conta o anteriormente concluído não se vê necessidade de apreciação desta questão.
IV – DECISÃO
Face ao exposto o Tribunal acorda o seguinte:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na Ordem Jurídica o Despacho de Indeferimento da Reclamação graciosa nº ...2023... e consequentemente a liquidação 2023..., referente a 2019, no montante de € 146.608,97, contra a qual a mesma se dirigia;
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Fixar o valor do Processo em € 146.608,97 (cento e quarenta e seis mil seiscentos e oito euros e sessenta e noventa e sete cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária; e
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Fixar as custas em € 3060,00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo dos Requerentes.
Notifique.
Lisboa, 18 de outubro de 2024
O Presidente
Professor Doutor Victor Calvete
O Vogal,
Dr. Fernando Marques Simões
O Vogal-Relator,
Dr. Arlindo José Francisco
[1] Não só o cenário alternativo da tributação da transição de imóveis entre a esfera pessoal e empresarial nunca ocorreu (nem chegou a ser referida na fundamentação do indeferimento da Reclamação Graciosa), nem podia ter acontecido, uma vez que a redação da al. b) do nº 3 do artigo 10º, que dispunha que
“Nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas, exceto no caso de restituição ao património particular de imóvel habitacional que seja afeto à obtenção de rendimentos da categoria F, mantendo-se o diferimento da tributação do ganho enquanto o imóvel mantiver aquela afetação;”
foi introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, ou seja, posteriormente à afetação de ambos os imóveis em causa à atividade empresarial do Requerente.
Antes dessa alteração legislativa, a redacção da norma era a seguinte:
"b) Nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas;".
Ou seja: a norma aplicável seria praticamente igual à atualmente vigente.