Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2024-T
Data da decisão: 2024-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 29.824,12
Tema: IRC — Art. 88.º, 3, 5, CIRC — tributação autónoma ­— encargos com portagens e estacionamentos.
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

            Sumário:

            Os encargos incorridos pelo SP com taxas de portagens e taxas ou preços de estacionamento são de qualificar como “relacionadas com” as viaturas ligeiras de passageiros em causa, no sentido e para os efeitos da tributação autónoma prevista nas disposições conjugadas do n.º 3, alíneas a) a c), e do n.º 5, ambos do artigo 88.º, CIRC.

 

            DECISÃO ARBITRAL

 

            O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

            I – RELATÓRIO

 

            A. Dinâmica processual

  1. A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), titular do NIPC ... com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Vila Nova de Gaia, apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado "RJAT"), para que sejam anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que correu termos sob o processo n.º ...2023..., de 26 de dezembro de 2023, relativamente às autoliquidações de IRC, por referência aos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022, decorrentes da submissão das declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, da qual resultou a respetiva demonstração de liquidação n.º 2023..., de 6 de fevereiro de 2023, demonstração de liquidação n.º 2022 ..., de 28 de julho de 2022, e a demonstração de liquidação n.º 2023..., de 29 de junho de 2023, todas na parte relativa a tributação autónoma, e efetuado o reembolso correspondente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
  2. No dia 11 de abril de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 3 de junho de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 24 de junho de 2024.
  6. No dia 10 de setembro de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação.
  7. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, a 13 de setembro de 2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 30 de outubro de 2024.

 

B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que apurou lucros tributáveis para os períodos de 2020, 2021 e 2022, tendo autoliquidado as tributações autónomas que eram devidas, sendo que, por prudência, tem submetido a este procedimento os encargos suportados com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, os quais ascenderam, em 2020, 2021 e 2022, a € 64.417,03, € 54.765,98 e € 74.568,51, respetivamente.

            Para ir de encontro aquilo que são várias decisões arbitrais e judiciais (que identifica), nas quais se retira que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no art. 88.º, 3, CIRC, apresentou reclamação graciosa, com vista à anulação das autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, e à emissão de liquidações corretivas, pois verifica-se um erro no apuramento, respetivamente, no valor de € 9.698,00, € 9.005,94 e € 11.120,17, pedindo, consequentemente, o reembolso do valor de € 29.824,12, a este título.

            Vendo indeferido o peticionado na reclamação graciosa, veio agora, junto do CAAD, insistir pela anulação das referidas autoliquidações, fazendo sua a posição defendida no âmbito da decisão prolatada no processo 138/2022 — T, de 10 outubro 2022, CAAD, no sentido de, ponto de vista histórico, os encargos com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não integrarem, nem poderem integrar, a hipótese legal contemplada no art. 88.º, 5, CIRC, pois, se assim fosse, certamente teria o legislador incluído no preceito em análise uma concreta menção a esse tipo de encargos ao longo das sucessivas reformas operadas ao regime, ampliando o seu elenco.

            Além disso, sob o ponto de vista literal e teleológico, e considerando igualmente o princípio da legalidade e as suas repercussões práticas na determinação da incidência dos impostos, não obstante o caráter aberto da norma ínsita no citado art. 88.º, 5, CIRC, a verdade é que a exemplificação dos encargos visa somente limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou a análoga natureza dos encargos exemplificativos.

            Depois, sendo o art. 88.º, 5, CIRC uma norma de incidência, encontra-se vedada a possibilidade de extrapolação da letra da lei por forma a nela se incluírem encargos não expressamente sujeitos a tributação.

            Daí que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionados com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no art. 88.º, 5, CIRC, pois os custos com portagens não constituem um encargo do veículo de per si, mas antes o pagamento de taxas para usufruir de bens públicos que são as autoestradas, ainda que sujeitas a concessão por parte do Estado.

            Do mesmo modo, os encargos com estacionamentos não constituem encargos intrínsecos às viaturas, constituindo, isso sim, a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada que presta um serviço.

            Não são estes encargos passíveis de subsunção à norma ínsita no art. 88.º, 5, CIRC. Desta forma, deve a Requerente ser reembolsada no valor total de €29.824,12, a titulo de tributação autónoma indevidamente liquidada sobre os encargos suportados com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento com veículos ligeiros de passageiros, por referência aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

            Daí que, não se conformando, apresentou junto do CAAD o presente PPA que ora se aprecia.

            Por sua vez, a AT defende-se alegando jurisprudência que sustenta posição contrária à defendida pela Requerente (v.g., acórdão do STA proferido a 24-03-2021 no âmbito do processo n.º 021/20.7BALSB), permitindo-lhe concluir que os encargos que envolvem a utilização de viaturas ligeiras de passageiros elencadas no n.º 3 do art.º 88.º, CIRC, mormente os relativos a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização daquelas viaturas, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), facilmente são desviadas para consumo privado, ou seja, tratam-se de encargos que podem ser propiciadores de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento. Esta tributação é a reação adequada por parte do legislador, por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr. artigo 103.º, 1, CRP).

            O art. 88.º, 5, CIRC, refere-se a um elenco meramente exemplificativo de matérias e que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado, abrangendo também as despesas em cima catalogadas.

            Daí que considera não merecer censura a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as autoliquidações de IRC (na parte referente a tributação autónoma). Do mesmo mod, não são devidos juros indemnizatórios.

            Assim, conclui a Requerida que é manifestamente infundada a pretensão de anulação das liquidações controvertidas.

 

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

 

            III FUNDAMENTAÇÃO

            A. MATÉRIA DE FACTO

            A.1. Factos dados como provados

A)   A Requerente é uma sociedade comercial anónima, que se dedica à produção e comercialização de produtos químicos para a indústria e construção.

B)   Por referência ao exercício de 2020, a Requerente procedeu à entrega, a 16 de julho de 2021, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o n.º de identificação ...

C)   Na sequência da aprovação, pela Agência Nacional de Inovação, S.A., da candidatura ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), por referência ao exercício de 2020, a Requerente entregou, a 27 de dezembro de 2022, a Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativamente à qual foi emitida a Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2023..., a 6 de fevereiro de 2023

D)   A Requerente apurou um montante de tributação autónoma de € 105.342,66, com o seguinte detalhe:

 

E)   No exercício de 2021, a Requerente apurou um montante de tributação autónoma de € 103.286,67, com o seguinte detalhe:

 

 

F)    No exercício de 2022, a Requerente apurou um montante de tributação autónoma de € 118.817,49, com o seguinte detalhe:

 

 

G)   A Requerente adotou como procedimento, por prudência, a sujeição a tributação autónoma dos encargos suportados com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, relativos a viaturas ligeiras de passageiros (VLP), os quais ascenderam, em 2020, 2021 e 2022, a € 64.417,03, € 54.765,98 e € 74.568,51, respetivamente.

H) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto resultante das autoliquidações identificadas.

I)     A Requerente apresentou tempestivamente reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2020, 2021 e 2022, a fim de solicitar a devida correção, a que foi atribuído o n.º ...2023... .

J)    A 13 de dezembro de 2023 foi proferida a decisão final da reclamação graciosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão, com a seguinte fundamentação:

 

 

K)   A Requerente apresentou no CAAD, em 9 de abril de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das referidas autoliquidações de IRC.

 

            A.2. Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

            A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

            B. DE DIREITO

 

            B.1 — Do mérito

            A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber se os encargos com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão sujeitos a tributação autónoma, nos termos do art. 88.º, 3, 5, CIRC.

            Confrontamo-nos com abundante jurisprudência sobre o assunto, tanto arbitral como judicial, em sentidos diametralmente opostos (no sentido de suportar a posição da Requerente, vg. processos n.º 138/2022-T, n.º 649/2023-T, CAAD, e acórdãos TCAN de 11 de março de 2021, de 29 de abril de 2021, de 17 de fevereiro de 2022 e de 31 de março 2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT, n.º 2113/08.1BEPRT e n.º 635/09; no sentido de fundamentar a posição da AT, vide os processos ns. 51/2023-T, 563/2023, 575/2023, 693/2023-T, 765/2023, 870/2023, 871/2023, 975/2023-T e 976/2023-T, todos CAAD, e ainda acórdão TCAN, 25 de fevereiro de 2021, processo n.º 00068/11.4BUPRT, e acórdão do STA proferido a 15 de maio de 2003, no âmbito do processo n.º 01802/02).

            Com efeito, surgiram algumas dúvidas sobre a legalidade e constitucionalidade do sistema das tributações autónomas, desde a sua implementação, tendo o Tribunal Constitucional assumido posição no acórdão n.º 197/2016, de 13 de abril de 2016, do qual resulta: “A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência […] de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.

            E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório. (…).”

  No âmbito doutrinal, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 407, sobre o sistema de tributação autónoma, refere que a introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificado por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respectivos beneficiários, visando-se assim combater a fraude e a evasão fiscais".

            Sobre o regime fiscal aplicável ao presente caso, à data dos factos (2020, 2021 e 2022), estabeleciam os ns. 3 e 5 do art. 88.º, CIRC, o seguinte:

Taxas de tributação autónoma

3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos

passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25000 e inferior a (euro) 35 000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35000.

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

          Nos presentes autos, a questão que se coloca, face ao normativo supra elencado, é a de saber se a expressão "nomeadamente", utilizada pelo legislador no citado n.º 5, deve ser interpretada para incluir ou não incluir as despesas de portagens, estacionamento e parques de estacionamento (para nós, para o que ora se analisa, estes dois últimos encargos são sinonímicos).

          Hoje em dia, não obstante as diferentes posições, parece-nos que o tema se encontra estabilizado com a pronúncia do acórdão do STA, 12/2024, de 23 de maio de 2024, no processo n.º 183/23.1BALSB, para uniformização de jurisprudência, que citamos:

            "Com interesse dispunha à data o artigo 88.º do CIRC, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”:

            3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

            a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25 000;

            b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 25 000 e inferior a € 35 000;

            c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35 000.

            [...]

            5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

            Da leitura atenta destas duas normas ressalta à evidência que a norma ínsita no n.º 3 estabelece o regime regra, trata-se de uma norma de incidência tributária, que determina, no essencial, que são tributados autonomamente os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, efetuados ou suportados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

            Trata-se não só de encargos efetivamente suportados, mas, além disso, que tenham uma relação com viaturas ligeiras de passageiros. Bastando que tenham essa dupla natureza para que possam ser reconduzidos à norma. Determinar se um encargo está ou não relacionado com uma viatura ligeira é, tão somente uma questão de interpretação da norma, de mera incidência, pelo que a discussão assentará unicamente na existência ou não de um nexo desse encargo com a viatura e, nunca, se o encargo tem ou não a ver com a atividade de natureza comercial, industrial, ou agrícola do sujeito passivo. Não se concebendo o afastamento de qualquer encargo, designadamente por ter uma relação comprovada com a atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, pois o legislador pretendeu abranger todos os encargos que tenham um nexo com a viatura ligeira. Desconsiderando o propósito desses encargos, como aliás acontece com a viatura relativamente à qual, por ser ligeira, é difícil determinar se o uso é pessoal ou profissional e, por consequência, está sempre sujeita, independentemente do uso que tenha, a tributação autónoma.

            O espírito é, portanto, precisamente o mesmo e abranger não só as viaturas ligeiras, mas todos os encargos com elas relacionados. Não havendo espaço para, com base numa pretensa presunção, se afastar a incidência sobre essas despesas, ainda que supostamente estejam relacionadas com a atividade empresarial; sendo, portanto, essa eventual relação irrelevante no âmbito da tributação autónoma.

            Sobre esta questão já se pronunciou este Supremo tribunal no sentido de que as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos ns. 3 e ... do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário, cf. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 24.03.2021, proferido no recurso n. 021/20.7BALSB.

            O nexo dos gastos com taxas de portagem e o preço pago pelo estacionamento com as viaturas ligeiras é linear no entender deste Tribunal e, portanto, claramente subsumível ao n.º 3 do artigo sob análise. Jamais podendo ser retirado do facto de o n.º 5 incluir exemplos de outros encargos que se consideram relacionados com viatura ligeiras, numa abordagem clarificadora e coadjuvante, que essa enumeração é taxativa, e, portanto, que visa excluir outros encargos que não os aí referidos. O uso do advérbio nomeadamente atesta isso mesmo. Como, aliás, ocorre noutros artigos do CIRC, designadamente no artigo 23.º que tem uma ligação estreita com o artigo 88.º, na medida em que é com base nele que é dada relevância fiscal aos encargos suportados pelos sujeitos passivos de IRC.

            Ora, a técnica legislativa no referido artigo 23.º é precisamente a mesma, sendo também usado o advérbio nomeadamente. Também aí, a enumeração dos gastos é meramente exemplificativa e não taxativa, como exige o contexto da atividade empresarial onde, tendo em contas as diferenças entre as diversas atividades seria, até por uma questão de praticabilidade, impossível identificar todos os encargos relevantes. No âmbito das tributações autónomas esta abertura do tipo justifica-se não só pelas mesmas razões de praticabilidade, mas também por razões de combate ao abuso — ideia muito presente na implementação das tributações autónomas. Se a lista fosse fechada, facilmente se criaria espaço para múltiplas despesas que, apesar de terem um nexo óbvio com as viaturas, por não estarem expressamente previstas, frustrariam a intenção do legislador ao criar a tributação autónoma, pois cairiam numa situação de não incidência.

            A própria doutrina tem admitido de forma mais ou menos pacífica que, não obstante se verificar um domínio da tipicidade nas matérias fiscais, esta não é necessariamente fechada, especialmente nas situações mais propensas ao abuso.

            Pode ser aventado ainda, que ao contrário do decidido no acórdão fundamento, os encargos enunciados no n.º 5 são os que assumem um carácter obrigatório para que possa ocorrer o uso do veículo por parte do contribuinte, quer os inerentes à sua disponibilidade, depreciações, rendas ou alugueres e impostos incidentes sobre a sua posse, quer os inerentes à sua utilização, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua utilização.

            Ou seja, como já foi afirmado, desta enumeração não resulta, não pode resultar, uma compressão do âmbito de abrangência da norma do n.º 3, uma vez que o legislador aí se referiu a encargos como sinónimo de custos, despesas, ou gastos, tanto mais que na norma do n.º 5 apenas são referidos os encargos com as viaturas ligeiras de passageiros que assumem o carácter de indispensabilidade tributária ou material para que a viatura possa ser utilizada com carácter de normalidade pelo contribuinte, tendo, por isso, uma enumeração meramente exemplificativa.

            Todos os outros encargos que ocorram por força da utilização da viatura e que sejam de natureza não indispensável ou resultem de uma opção do utilizador, resultante da sua liberdade de escolha, encontram-se abrangidos pelo disposto no n.º 3. Aliás não faria sentido que os encargos obrigatórios que permitem a circulação da viatura na via pública, como p. ex. os seguros, combustíveis e impostos, estejam abrangidos pela norma de incidência e as taxas de portagem e a taxa e o preço do estacionamento, que resultam de uma opção do utilizador, não estejam.

            Igualmente, o argumento de que os encargos previstos no n.º 5 encontram a sua justificação para efeitos de tributação autónoma por se reportarem difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo, em comparação com as taxas de portagem e a taxa ou o preço pago pelo estacionamento que estariam directamente relacionadas com utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, não aporta uma mais valia à discussão da questão, uma vez que, também nestes casos, apesar de se poder identificar em concreto uma deslocação no âmbito profissional, não é certo que tais custos não possam, ainda assim, abranger simultaneamente utilizações de diferente natureza.

            Esta interpretação contraria, até, a razão de ser da própria existência do instituto da tributação autónoma que tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal. O legislador tem em vista desincentivar a realização de certas despesas, admitindo a dedutibilidade do custo, mas reduzindo a vantagem fiscal por via da tributação autónoma, assim se compreendendo que a tributação incida não sobre a percepção de um rendimento mas sobre a realização de despesas, cf. acórdão anteriormente citado.

            Podemos, assim, concluir que a melhor interpretação das normas em apreço é aquela que foi feita na decisão recorrida ao incluir no âmbito da sua previsão os gastos com taxas de portagem e do preço pago pelo estacionamento dos veículos ligeiros de passageiros.

            Como resulta, a posição do STA conclui no sentido de os encargos incorridos pelo SP com taxas de portagens e taxas ou preços de estacionamento são de qualificar como “relacionadas com” as viaturas ligeiras de passageiros em causa, no sentido e para os efeitos da tributação autónoma prevista nas disposições conjugadas do n.º 3, alíneas a) a c), e do n.º 5, ambos do artigo 88.º, CIRC.

            Face ao exposto, e aplicando a lei ao caso concreto em conformidade com a jurisprudência supra referida, conclui-se pela improcedência do pedido formulado pela Requerente de anulação dos atos tributários na parte que respeita à tributação autónoma das despesas de portagens, estacionamento e parques de estacionamento relativas a 2020, 2021 e 2022, por se encontrarem abrangidas na previsão do art. 88.º, 3, 5, CIRC.

 

            B.2 — Do reembolso das quantias pagas e dos juros compensatórios e indemnizatório

 

            Peticiona ainda a Requerente o reembolso das quantias pagas e ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

            Ora, atendendo a improcedência do pedido principal, improcede igualmente o presente pedido.

 

 

* * *

 

            C. DECISÃO

            Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

            a) julgar improcedente o pedido arbitral formulado por não verificação dos vícios que lhe eram apontados, absolvendo a Requerida, mais mantendo a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela apresentada;

b) Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

            D. Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em € 29.824,12, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

            E. Custas

            Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

Bom Sucesso, 16 de outubro de 2024

 

O Árbitro Singular

 

(Ricardo Marques Candeias)