Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2024-T
Data da decisão: 2024-10-16   Outros 
Valor do pedido: € 76.023,29
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o setor bancário; igualdade e capacidade contributiva. contributiva. Direito da União Europeia
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SUMÁRIO

 

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Pedro Guerra Alves e Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., Piso ..., ...-..., Paço de Arcos, (doravante designado por “A...”, ou “Requerente”), estando abrangido pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Oeiras ..., vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, veio requerer a  Constituição de Tribunal Arbitral, sendo os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral  o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o acto de autoliquidação de ASSB do A... relativo ao exercício de 2020 (Doc. n.º 1), por ilegalidade.

2.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 24 de maio de 2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

3-A fundamentar o pedido alega o Requerente, entre o mais:

  1. Depois de breve referência ao regime jurídico e enquadramento do ASSB nos impostos o Requerente alega que, como todos os impostos, visa fins gerais, desligadamente de qualquer contraprestação específica para quem o suporta;
  2. Pelo que a discriminação de um pequeno grupo de contribuintes (as instituições de crédito) como sujeitos passivos exclusivos de mais este imposto, sem apresentação de justificação válida alguma, viola o princípio da igualdade (é triplamente falsa a tentativa de justificar o ASSB como uma compensação pela isenção técnica do IVA no sector financeiro, como se viu supra). Ao que acresce também a violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio.
  3. A sustentar esta tese o Requerente invoca numerosa jurisprudência, em especial a decisão arbitral de 21 de março de 2023, proferida no processo n.º 598/2022-T, que reproduz. Para o Requerente, esta decisão arbitral analisa criticamente a sua alegada justificação especial/sectorial (compensar alegada vantagem fiscal em sede de IVA, e vantagem que alegadamente estaria por contrabalançar via outro imposto), concluindo que é uma falácia a justificação apresentada, porquanto a isenção de IVA nas operações financeiras a jusante tem por contrapartida que as instituições de crédito têm o ónus de pagar IVA nas suas aquisições como um consumidor final Página 19 de 68 (afastamento do direito à dedução), e porquanto o imposto do selo está legalmente articulado justamente para onerar as operações financeiras a jusante em substituição do IVA (e desacompanhado de reposição alguma da vantagem do direito à dedução do IVA nas aquisições a montante!);
  4. “Contrasta esta decisão arbitral de seguida este imposto subjectivamente sectorial (instituições de crédito), a sua ausência de justificação material para a discriminação negativa do grupo circunscrito de sujeitos passivos a que se dirige, e a sua finalidade geral (financiar a Segurança Social), com o princípio da igualdade, concluindo que é desrespeitado, concluindo que é arbitrário o desenho subjectivamente sectorial deste imposto;
  5. “E mais analisa ainda este imposto à luz do princípio da capacidade contributiva concluindo, sem hesitações aqui também, que a eleição do passivo como critério de medida da tributação dos seus sujeitos passivos do ASSB não é critério de capacidade contributiva materialmente justificável para um imposto que tem por objectivo, não criar almofada financeira para acudir a riscos sistémicos do sector em causa (como faz a CSB), mas fins gerais de angariação de receita fiscal para reforço do financiamento geral (e não apenas sectorial), da Segurança Social.  “Donde a conclusão de que “as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária” e de que em consequência “os atos de liquidação de ASSB relativos aos períodos de tributação de 2020 e 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, são ilegais”;
  6. O Requerente invoca, no mesmo sentido, as restantes decisões arbitrais, designadamente a de 29 de Junho de 2023 proferida no processo n.º 21/2023-T, a de 11 de Outubro de 2023 proferida no processo n.º 582/2022-T, a de 14 de Novembro de 2023, proferida no processo n.º 104/2023-T, a de 16 de Outubro de 2023 proferida no processo n.º 324/2023-T, a de 5 de Dezembro de 2023 proferida no processo n.º 327/2023-T, e a de 18 de Dezembro de 2023 proferida no processo n.º 379/2023;
  7. Quanto à questão prévia sobre a linha divisória entre acção administrativa de um lado, e impugnação judicial e arbitragem do outro, defende o Requerente que para a actual jurisprudência do STA é irrelevante saber se o pedido de revisão oficiosa apreciou ou não a legalidade das liquidações. O que releva, diz o STA, é, unicamente, saber se a petição do contribuinte tem por objecto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto, sendo que em caso afirmativo, o meio processual de reacção a indeferimento pela AT nunca é a acção administrativa, mas a impugnação judicial (ou a arbitragem tributária, meio alternativo à impugnação judicial).Neste sentido invoca o Acórdão do STA de 18 de Novembro de 2020, proferido no processo n.º 0608/13.4BEALM 0245/18 e o Acórdão do STA de 13 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 0129/18.9BEAVR.

 

4- A Requerida começou por se defender por exceção alegando que:

  1. Ao contrário do invocado pelo Requerente, a decisão que recaiu sobre o seu pedido não foi de indeferimento, mas sim de rejeição liminar com fundamento em intempestividade, não tendo havido qualquer pronúncia quanto ao mérito do pedido;
  2. Conclui-se em sede de revisão oficiosa que, tendo o pedido de revisão sido apresentado fora do prazo legal de 2 anos previsto no art.º 131.º do CPPT para as reclamações graciosas de atos de autoliquidação de imposto, o mesmo é intempestivo, não estando preenchidos os pressupostos do art.º 78.º da LGT atinentes à sua admissibilidade depois daquele prazo;
  3. Mais, o centro de arbitragem é materialmente incompetente para apreciar atos em matéria tributária que, sem apreciar a legalidade da autoliquidação, se limitem a rejeitar o pedido da Requerente com fundamento em intempestividade, como vem a ser o caso dos presentes autos;
  4. O meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice não é a presente arbitragem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, disposição legal que legitima a impugnação de atos de liquidação e subsequentes indeferimentos sobre os meios de reação administrativa eventualmente acionados sobre eles, mas antes a ação administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA;
  5. Tendo o Requerente espoletado o pedido de revisão oficiosa fora do prazo da mesma apenas poderia sustentar a sua pretensão com base em erro imputável ao serviço, o que não se verifica no caso;
  6. Não estão em causa liquidações emitidas pela Requerida, mas sim de autoliquidações, nas quais os serviços da Requerida não tiveram qualquer intervenção;
  7. E se os serviços da Requerida não tiveram intervenção, direta ou indiretamente, na autoliquidação, objetivamente os mesmos não praticaram qualquer erro. Se algum erro foi praticado foi pelo Requerente e não pela Requerida;
  8. Quanto ao mérito, a Requerida, depois de caracterizar o contexto da criação e enquadramento jurídico do ASSB, realçando o facto de a criação do ASSB estar indissociavelmente relacionada com o contexto histórico da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, tendo sido uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária, dedica-se a discordar do Requerente quanto às ilegalidades /inconstitucionalidades suscitadas;
  9. Para a Requerida não há retroatividade, porquanto nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do regime do ASSB, a base de incidência é «calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte, pelo que o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»;
  10. Neste sentido, que a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas, aponta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2019, proferido no Processo n.º 02340/13/0BELRS (0683/17), que embora tenha como objeto a Contribuição sobre o Setor Bancário, é inteiramente transponível para o ASSB que com esta partilha a base de incidência;
  11. Segundo a Requerida o ASSB também não enferma das inconstitucionalidades apontadas baseando-se no voto de vencido aposto à decisão arbitral proferida no processo n.º 325/2023-T. 

 

5-Em exercício de contraditório, quanto à matéria de exceção, veio o Requerente defender a improcedência das exceções suscitadas destacando-se a parte em que refere: “(…) impondo a lei ao próprio contribuinte o encargo de se autoliquidar o imposto, é patentemente iníquo, e inconstitucional, por cima disso reduzir ainda ao contribuinte cumpridor tempo de reação contra eventuais erros dessas liquidações (não se lhe aplicaria o prazo de quatro anos para as revisões oficiosas previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, na tese da AT), por comparação com as situações em que, v.g. no caso dos contribuinte relapsos, tem de ser a própria AT a liquidar o imposto (liquidações oficiosas, que ninguém disputa podem ser revistas no prazo de quatro anos).

“36. Tudo isto, e as várias dimensões em que as normas relevantes assim lidas, como as lê a AT, são inconstitucionais, está profusa e desenvolvidamente tratado na PI, sendo redundante repeti-lo aqui, para lá se remetendo (artigos 104º e segs., do PPA).”

 

6-Por despacho do tribunal, de 7 de julho de 2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foi ordenada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, sucessivas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho e foi designado o dia 24 de novembro de 2024 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

7-Apenas o SP apresentou alegações.

 

II-SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT, sem prejuízo da apreciação em matéria de exceção.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

A Requerida suscitou matéria de exceção quanto à intempestividade do pedido e da incompetência material do Tribunal Arbitral, que cumpre apreciar.

 

§1.º Sobre a Incompetência Material

 

A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que, independentemente da ordem de arguição das questões prévias, impõe-se a apreciação daquela previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Importa, para este efeito, ter presente o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, que é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreendendo, exclusivamente, a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Este recorte da jurisdição arbitral em razão da matéria corresponde, de um modo geral, às pretensões que são sindicáveis nos Tribunais Tributários por via da impugnação judicial, conforme resulta do disposto no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.

Neste âmbito, a Requerida invoca duas razões para suscitar a incompetência deste Tribunal.

A primeira prende-se com o facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido rejeitado liminarmente por intempestividade, o que, a seu ver, implica que a decisão que recaiu sobre o mesmo não tenha apreciado a legalidade dos atos de liquidação, e, em consequência, que tais atos não sejam sindicáveis por via de impugnação judicial e, portanto, também pela sucedânea ação arbitral.

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 678/2021-T, que passamos a seguir, pode ler-se:

“(…)”

Acontece que “a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo se pronuncia no sentido de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, qualquer que seja a razão ou o vício que conduziram à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, como se retira do seguinte excerto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, no processo n.º 0129/18.9BEAVR:

“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).

Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.

Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).

[…]

Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.”

“Deste modo, o facto de a AT ter considerado intempestivo o pedido de revisão oficiosa não impede ou compromete a apreciação do objeto mediato da presente ação, identificado no petitório pela Requerente, a saber: a ilegalidade e consequente anulação dos cinco atos tributários de (auto)liquidação de Imposto do Selo supra identificados.

 Tendo a Requerente erigido em pedido principal a declaração de ilegalidade dos atos de (auto)liquidação de Imposto do Selo, de acordo com a jurisprudência citada é indiferente o teor – formal ou material – da decisão dos atos administrativos (em matéria tributária) de segundo (ou de terceiro) grau. Se é pedida pronúncia sobre a legalidade do ato de liquidação estamos no domínio do meio processual da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade do ato tributário – v., sobre questão análoga, a decisão no processo arbitral n.º 832/202-T, de 15 de setembro de 2022.”

 No caso em apreço não restam dúvidas  que, nas palavras do Requerente, “ Os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o acto de autoliquidação de ASSB do A... relativo ao exercício de 2020, por ilegalidade do mesmo (…), pretendendo-se submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento do pedido de revisão oficiosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade da citada autoliquidação de ASSB relativa ao exercício de 2020 e, bem assim, (ii) a legalidade de tal autoliquidação de ASSB referente ao exercício de 2020 da requerente, que ascende ao montante de € 76.023,29.”

 Termos em que se conclui pelo indeferimento da excepção da incompetência material invocada, pois estamos perante matéria que cabe a este Tribunal Arbitral.

 

§2.º Da Intempestividade (Caducidade do Direito de Ação)

 

A Requerida invoca  a exceção de intempestividade da ação arbitral com fundamento no artigo 10.º do RJAT, suportada no facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado fora de prazo, tendo em conta que considera inaplicável o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT por não se verificar qualquer “erro imputável aos serviços”. Neste contexto suscita também a inimpugnabilidade da autoliquidação.

Defende a Requerida que, “quando o pedido de revisão a oficiosa é apresentado DENTRO do prazo de Reclamação Graciosa, ele poderá ter como fundamento qualquer ilegalidade, podendo ser invocados os mesmos vícios que poderiam ser em sede reclamação e impugnação” (artigo 39.º da Resposta ).

Diferentemente, quando o pedido de revisão a oficiosa é apresentado ou espoletado FORA do prazo de Reclamação Graciosa, o sujeito passivo já não poderá invocar qualquer ilegalidade, mas apenas e só os seguintes fundamentos:

 · O erro imputável aos serviços (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT);

 · A injustiça grave ou notória (n.º 4 do art.º 78.º da LGT);ou

 · A duplicação de coleta (n.º 6 do art.º 78.º da LGT ( artigo 40.º da Resposta)

“Portanto, tendo o Requerente (d)espoletado o pedido de revisão a oficiosa assumidamente FORA do prazo de Reclamação Graciosa, ela apenas poderia sustentar a sua pretensão com base em (verdadeiro) erro imputável aos serviços da Requerida (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT) (artigo 42.º da Resposta)”.

Para a Requerida, no caso vertente é assumido que estamos perante autoliquidação de ASSB, ou seja, liquidações emitidas pela Requerente. Donde os serviços da Requerida ao não terem tido qualquer intervenção direta ou indireta na autoliquidação, são totalmente alheios ao procedimento de autoliquidação, não podendo haver lugar a qualquer erro imputável aos serviços.   

No processo instrutor sobre a intempestividade pode ler-se:

“A Requerente sustenta que o pedido de revisão em menção se circunscreve na aplicação do artigo 78.° da LGT, para efeitos de revisão do ato tributário.

“15. Para uma melhor tangibilidade da fundamentação transcreve-se o n.° 1 do artigo 78.° da LGT: «A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»

“16. Esta disposição abre a possibilidade de o contribuinte poder por sua iniciativa rever o ato tributário de liquidação de imposto no prazo da reclamação que poderá ser, por remissão, para o artigo 70.° do CPPT e artigo 131.° do CPPT, de 120 dias ou dois anos.

“17. Assim, e com interesse consigna o n.° 1 do artigo 131.° do CPPT, que “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração”.

“18. Quer isto significar que o prazo para sindicar o ato em causa de liquidação do ASSB, se fixa em dois anos.

“19. Da análise aos documentos constantes dos autos e dos registos informáticos destes serviços infere-se que o Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, em 11 de dezembro de 2020.

“ 20. Com efeito, regista-se que volveram mais de dois anos desde a data de liquidação do ASSB e apresentação da revisão oficiosa em crise, que se revela intempestiva.”

No requerimento de resposta às exceções, o Requerente defende, em suma, a aplicação do prazo de quatro anos para a “revisão oficiosa de liquidações efetuadas pelos contribuintes, designadamente quando se invoque violação por parte da lei em que assentam, de legislação em plano hierárquico superior como é o caso do direito da UE, e é também o caso da Constituição” e que “a jurisprudência subsume no erro dos serviços uma violação de direito da União Europeia ou, em geral, de norma de grau hierárquico superior, incluindo a Constituição”, e que  o “erro não carece de ter em concreto origem nos serviços e muito menos em qualquer funcionário dos serviços.”.

Entende o Tribunal que não assiste razão à Requerida.

A revogação, pela Lei do Orçamento de Estado de 2016 (v. artigo 215.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), do n.º 2 do artigo 78.º da LGT não implica a impossibilidade de enquadramento das autoliquidações no regime de “erro imputável aos serviços”.

Com efeito, a noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS).

O artigo 78.º, n.º 1 da LGT continua a ser aplicável a atos de autoliquidação, apesar da revogação do n.º 2 deste preceito, que estabelecia uma presunção de “erro imputável aos serviços” para essas situações.

Este entendimento deriva, desde logo, da equiparação entre a autoliquidação, em que o contribuinte atua no lugar dos serviços da AT, e a liquidação administrativa.

Como bem refere PAULO MARQUES, na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços». (“A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF, Ano 9, N.º 1, Primavera, pp. 209 a 229).

Ou seja, apesar da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objeto do procedimento de revisão, uma vez que a revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, de forma expressa, à determinação legal que considerava sempre imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, introduzindo-se agora uma maior paridade entre o sujeito passivo e a AT.

Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efetuada pelo próprio contribuinte e a liquidação administrativa, pelo que ambas poderão continuar a ser sindicadas mediante a revisão do ato tributário.

Neste contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido o conceito de erro imputável aos serviços de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à AT (vide o Acórdão de 28-11-2007, proferido no âmbito do processo 0532/07, o Acórdão de 12-12-2002, proferido âmbito do processo 26.233, e, mais recentemente o Acórdão de 09-11-2022, proferido no âmbito do processo 087/33.5 BEAVR).

E, no caso dos autos, o erro da autoliquidação em questão não é imputável a qualquer conduta negligente do sujeito passivo, ativa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efetuada. 

Neste mesmo sentido se pronunciou o STA, a propósito de atos de retenção na fonte, por Acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 087/22.5BEAVR, de que se transcreve o ilustrativo sumário: 

“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.

“II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.

“III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.

“IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].

“V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

“VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

“VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.”

No mesmo sentido, a decisão arbitral do CAAD, de 15/04/2024, proferida no âmbito do processo 560/2023-T.

Por fim, na decisão interlocutória sobre exceções proferida no âmbito do Processo n.º 357/2023-T, anexa à decisão de 25/03/2024, em que foi Presidente o Professor Doutor Victor Calvete e árbitros adjuntos os dois árbitros adjuntos nestes autos, foi decidido o seguinte:

“Como se viu, o pedido de revisão oficiosa permitiu à AT reapreciar as autoliquidações da Requerente – e até concluir que elas eram conformes com o seu entendimento da correcta aplicação do Direito. Se o não tivesse feito, a sua recusa em o fazer teria necessariamente o mesmo efeito (como o tem, segundo jurisprudência constante, o mero indeferimento tácito). A questão agora é saber se, em autoliquidações, o contribuinte podia invocar “erro dos serviços” para poder valer-se do prazo alargado previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º (epigrafado “Revisão dos actos tributários”) da Lei Geral Tributária (“A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”).

Até à revogação do n.º 2 desse artigo (“Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”), operada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a questão não tinha discussão, mas para o que ora importa, que ocorre depois de tal revogação, não parece que também a suscite. (…), (n)ão há qualquer dúvida sobre a posição da AT em relação às liquidações feitas por aquela: tem-as por correctas. Ora, se a AT entende que é esse o entendimento que o contribuinte devia ter adoptado, seria um manifesto contra-senso pretender que o erro é do contribuinte (…) se este actuou como a AT pretendia que ele actuasse.

Conclui-se, portanto que o erro nas autoliquidações não decorre de qualquer lapso do Requerente, mas da sua conformação com o entendimento da AT – e é esse entendimento que, bem ou mal, o legislador quis que os órgãos jurisdicionais aferissem na sequência da reapreciação solicitada à AT nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.”

Assim sendo, não resultando dos autos que o ato de autoliquidação de ASSB tenha tido origem em erro, de direito ou de facto, do Requerente, não pode o mesmo deixar de ser imputável à AT, pelo que a sua revisão cabe na previsão do artigo 78.º, n.º 1, II parte, da LGT, com a consequente aplicação do prazo de quatro anos aí previsto.

E, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, podia a Requerente pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Nestes termos, verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 7 de dezembro de 2023 e reporta-se a ato de autoliquidação de ASSB de 11 de dezembro de 2020, no momento da apresentação do pedido de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.°, n.° 1, da LGT.

Tendo sido apresentado o pedido arbitral em 11 de março de 2024, dentro do prazo de 90 dias após a notificação da decisão de 16 de janeiro de 2024 de indeferimento pedido de revisão oficiosa, o pedido arbitral é igualmente tempestivo.

Não se verifica, por conseguinte, a caducidade do direito de ação, pelo que se decide pelo indeferimento da exceção de intempestividade invocada.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III-FUNDAMENTOS

 

III-1-MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Factos dados como provados

 

  1. Em 11 de Dezembro de 2020, o ora Requerente procedeu à apresentação da declaração, com autoliquidação, do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB doravante) referente ao seu exercício de 2020, conforme Doc. n.º 1;
  2. O requerimento de revisão do ato tributário foi apresentado em 7 de dezembro de 2023, com fundamento no artigo 78. ° , n.º 1, da LGT (cfr. processo instrutor);
  3. Na sequência da apresentação de pedido de revisão oficiosa contra a referida autoliquidação de ASSB respeitante ao exercício de 2020, foi o Requerente, com data de registo de 16 de janeiro de 2024, notificada em 19 de janeiro de 2024 do seu indeferimento, tendo em conta a dilação legal de três dias (cfr. o artigo 39.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT” -, e o Doc. n.º 2 que aqui se junta;
  4. O pedido de revisão oficiosa foi objeto de expressa rejeição liminar por intempestividade, uma vez que as autoliquidações estão sujeitas a reclamação graciosa prévia no prazo de 2 anos, nos termos do art.º 131.º do CPPT (cfr. processo instrutor);
  5. Os serviços da Requerida não tiveram qualquer intervenção direta ou indireta na autoliquidação em causa.

 

§2.º Factos dados como não provados

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto  

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes, entendendo-se que os factos não oferecem controvérsia entre as Partes.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base nos documentos juntos ao Pedido e no processo administrativo junto pela Autoridade tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

 

III-2- MATÉRIA DE DIREITO

 

O Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, respeitantes ao regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e constante do Anexo VI a essa Lei:

Nestes termos, e atentas as posições assumidas pelas Partes pelos argumentos apresentados e a matéria de facto dada como assente, identificam-se em concreto as questões a decidir:

  1. Qualificação jurídica-tributária do ASSB como um imposto;
  2.  Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Dispõe assim o artigo 124.º do CPPT (“Ordem de conhecimento dos vícios na sentença”) que:

«1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.»

Segundo o princípio enunciado no supracitado artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, a tutela mais eficaz e estável dos interesses ofendidos impõe que sejam conhecidas em primeiro lugar as ilegalidades com fundamento em inconstitucionalidades.

Previamente impõe-se tecer algumas considerações teóricas sobre o enquadramento jurídico constitucional do ASSB.

Vejamos.

 

III-2-1-Enquadramento jurídico e constitucional do ASSB

 

O ASSB foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que procede à segunda alteração à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) e à alteração de diversos diplomas. O regime jurídico do ASSB consta do Anexo VI à supramencionada Lei (Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Na determinação do objeto do referido regime jurídico, estabelece-se que o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, fundamentado a partir da ideia de «compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras», aproximando assim a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2). Definem-se como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).

Estabelece o regime jurídico do ASSB (cf. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), que este tem como âmbito de incidência objetiva «o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º».

Neste âmbito, o artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho esclarece os termos de quantificação da base de incidência. No seu n.º 1, define assim como passivo o «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”. O mesmo normativo prevê ainda as exceções constantes nas suas diversas alíneas, e, como instrumento financeiro derivado, o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3).

Segundo o n.º 4 deste normativo, «a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.»

A lei define ainda as taxas aplicáveis e os procedimentos de liquidação e cobrança (cf. artigos 5.º a 8.º, todos do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), consignando integralmente a receita do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Com referência ao regime jurídico do ASSB, cumpre assim apreciar.

 

III-2-2-Qualificação jurídica-tributária do ASSB e vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva

 

A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB foi já objeto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD[1], mas seguimos de perto em toda a sua extensão o consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 14/2024-T, por ter em comum o mesmo juiz presidente.  

Refere-se ainda que, esta questão não oferece especial controvérsia entre as Partes, devendo aqui considerar-se o entendimento do Requerente, segundo o qual o ASSB apresenta caraterísticas de um verdadeiro imposto sobre o setor bancário e não de uma contribuição ou de um “adicional” da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), relativamente ao qual esclarece a AT que, não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, explicitando apenas que se trata de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. Neste sentido, veja-se o ponto 15 da Resposta junta aos presentes autos que aqui se replica: «Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras

“Neste âmbito, importa, no entanto, ter presente a classificação dos tributos existentes no sistema fiscal nacional. Dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da LGT que: «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias, criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». “Cabendo igualmente atender aos pressupostos materiais respeitantes aos diferentes tributos, constantes do artigo 4.º da LGT. 

“Ensina a doutrina que o imposto consiste numa prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receita, assentando essencialmente no princípio da capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização (consumo) e do património. SALDANHA SANCHES referiu-se à figura do imposto como «uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas.[2]» Já a Taxa, na sua essência, é uma figura jurídica-tributária caracterizada enquanto prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, de tal forma que «a sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de Taxa somente existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais»[3]. “Por outras palavras, a Taxa constitui, qualitativamente, uma prestação tributária que pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, constituída por uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um sujeito tributário ativo tendo por objeto a utilização privativa um bem do domínio público (taxa de utilização), a prestação de um serviço público (taxa por prestação de serviços públicos), ou a outorga de um título habilitador por motivos de eficiente regulação de um mercado (taxa por emissão de licenças ou autorizações).

“Este entendimento é pacífico, e como se referiu, a questão não é divergente para as Partes nos presentes autos.

“Sobre a figura das contribuições (e sem que aqui se exponham as diferenças entre as contribuições especiais e financeiras), explica SÉRGIO VASQUES que «(…) que as contribuições constituem uma categoria intermédia de tributos públicos, a meio caminho entre a taxa e o imposto, distinguindo-se, quer pelo seu pressuposto, quer pela sua finalidade[4] “Importará ter em conta que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos. Assim, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Referindo-se a este tipo de figuras tributárias, ensinava SALDANHA SANCHES que, apresentam como particular distinção, o facto de se encontrarem «afectas ao financiamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos políticos»[5]. Acrescenta ainda o referido autor que «enquanto os impostos comuns integram o “sistema fiscal (…) que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”, estas contribuições, que podemos considerar como tributos especiais, por serem tributos com finalidades financeiras específicas (Sonderagbage), são receitas consignadas à satisfação de fins concretos»[6].

“Desta forma, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que «aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas».[7]

“Ora, como referido (vd. enquadramento jurídico) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Desta forma, o seu objetivo e propósito difere do que caracteriza a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira.[8] No caso do «ASSB não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo. Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.»[9] (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).»

“De resto, e como se disse, a própria AT na Resposta considera o ASSB como um imposto indireto que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.

“Considerando a sua qualificação jurídica-tributária como um imposto, entende o Requerente que é manifesta a violação do princípio da igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva, já que o ASSB se assume como um imposto discriminatório incidente sobre o setor bancário com clara discriminação deste setor em relação aos restantes setores da sociedade e, por isso, violador do princípio da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio, do respeito pela capacidade contributiva, da proporcionalidade e do arbítrio.

“Também sobre esta questão acompanhamos a jurisprudência que antecede, no qual, citando CASALTA NABAIS se afirma que: «o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155). (…)”.

“O princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da (in)admissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem expressão na ideia, afirmada, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, da necessária «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo». O Tribunal Constitucional tem vindo a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos, sem descurar a proibição do arbítrio como um elemento relevante para aferir da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. Seguindo este raciocínio, o princípio da igualdade tributária concretiza-se pela generalidade e uniformidade da lei de imposto (destinada a ser aplicada a todos sem exceção), tratando de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva. Por último, o princípio da igualdade exprime a proibição do arbítrio, e nesse sentido proíbe qualquer discriminação entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

“A este propósito e a respeito do ASSB, decidiu-se no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2022 – T, de 25.04.2023, pela violação do princípio da igualdade, com a fundamentação que a seguir se transcreve e à qual se adere: «Da leitura da norma de incidência pessoal (subjetiva) deste imposto, resulta claro que apenas as instituições de crédito, ou seja, apenas um sector das empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos, são sujeitos passivos deste imposto. Mais, o carácter sectorial da incidência subjetiva deste imposto não oferece dúvidas, pois é expressamente afirmado pelo legislador: O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artº 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).

Em nosso entender, a expressa previsão, pela revisão constitucional de 1987, da figura das contribuições financeiras decorreu do reconhecimento da necessidade da existência de tributos sectoriais que, antes, estariam feridos de inconstitucionalidade, pois este tipo de tributos não preenche nem as caraterísticas próprias das taxas nem as dos impostos. O mesmo é dizer que entendemos que, à luz da nossa Constituição, os únicos tributos sectoriais admissíveis são as contribuições financeiras.

O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].

No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.

Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].

Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária.

Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.»

“Com integral relevância para a matéria em apreço, cita ainda este Tribunal o entendimento e consequente decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, tendo este decido julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Refere este Tribunal (Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho) que:

«2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019: “[…]

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a
socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16). […]”. [nosso sublinhado]

Refere ainda o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, em citação que:

«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:” […] [nosso sublinhado]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. [nosso sublinhado]

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em ttps://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

“[…]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor. […]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado). […]”.

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo. [nosso sublinhado]

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária. [nosso sublinhado]

“Acrescenta ainda o Tribunal Constitucional que,

«As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva. […]

Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023. [nosso sublinhado] […]

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostosassentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. […]

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos.  […]

Em suma: como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido à violação do princípio da capacidade contributiva. [nosso sublinhado]

“Manifesta assim este Tribunal a sua concordância com o entendimento acima exposto, salientado igualmente o sentido da decisão proferida no Processo n.º 325/2023-T, com a qual se concorda:

«Já o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, carateriza-se como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro, e, nessa medida, discriminatório e atentatório do princípio da igualdade, nas vertentes já referidas.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. A criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.».

Neste sentido, refere-se ainda a decisão proferida no Processo n.º 329/2023-T: «Pelo que que há que concluir que o ASSB viola, efetivamente, o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de generalidade da lei do imposto, que decorre do art.º 13º da CRP.»

Pela análise que se expõe, reiterando este Tribunal a sua concordância com a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho conclui-se que as normas conjugadas contidas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

III-2-3-Vícios de conhecimento prejudicado

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, tendo o Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício apreciado em razão da ordem disposta nos termos do artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aqueles cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – artigo 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

 

III-3-Juros indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos a seguir mencionados.

No entanto, no caso refira-se, ainda, a título de exemplo, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, acima referido, onde se decidiu:“(…) examinemos a questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa.

Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano (cfr. v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec.51/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.5/19.8BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB).”.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da citada jurisprudência.

Como vimos, a Requerida alega inexistir direito a juros indemnizatórios por não haver erro imputável aos serviços e suscita diversas inconstitucionalidades designadamente da norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), por violação do princípio da proporcionalidade.  Alega a Requerida, no essencial, que não lhe cabe apreciar as questões de inconstitucionalidade nem de ilegalidade por violação do Direito da União, uma vez que o único parâmetro a que está vinculada é ao princípio da legalidade. Só os Tribunais estão vinculados a não aplicar normas cuja inconstitucionalidade seja suscitada ou qualquer norma que viole o Direito da União. No fundo ao ser condenada ao pagamento de juros tudo se passa como se estivesse a ser condenada por atuação culposa, quando não teve qualquer intervenção direta ou indireta na autoliquidação. Acontece que a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios não pode ser vista como uma sanção por atuação culposa da Requerida, mas como mera decorrência dos efeitos da decisão anulatória do tribunal.          

 

 

IV-DECISÃO

 

Termos em que se decide neste tribunal:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido arbitral e julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;
  3. Consequentemente, julgar ilegal e anular o ato tributário de indeferimento da revisão oficiosa da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao exercício de 2020;
  4. Condenar a Requerida a reembolsar ao Requerente o valor da quantia indevidamente paga acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra.

 

 

V-Valor da Causa

Fixa-se o valor do processo em € 76.023,29 (setenta e seis mil e vinte e três euros e vinte e nove cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

VI-CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Notifique-se.

Lisboa, 16 de outubro de 2024

 

                                                    O Tribunal Coletivo,

 

                                                   Fernanda Maçãs

                                       (Árbitro presidente), vencida nos termos seguintes:

No processo instrutor sobre a intempestividade pode ler-se:

“A Requerente sustenta que o pedido de revisão em menção se circunscreve na aplicação do artigo 78.° da LGT, para efeitos de revisão do ato tributário.

“15. Para uma melhor tangibilidade da fundamentação transcreve-se o n.° 1 do artigo 78.° da LGT: «A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»

“16. Esta disposição abre a possibilidade de o contribuinte poder por sua iniciativa rever o ato tributário de liquidação de imposto no prazo da reclamação que poderá ser, por remissão, para o artigo 70.° do CPPT e artigo 131.° do CPPT, de 120 dias ou dois anos.

“17. Assim, e com interesse consigna o n.° 1 do artigo 131.° do CPPT, que “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração”.

“18. Quer isto significar que o prazo para sindicar o ato em causa de liquidação do ASSB, se fixa em dois anos.

“19. Da análise aos documentos constantes dos autos e dos registos informáticos destes serviços infere-se que a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, em 11 de dezembro de 2020.

“ 20. Com efeito, regista-se que volveram mais de dois anos desde a data de liquidação do ASSB e apresentação da revisão oficiosa em crise, que se revela intempestiva.”

Afigura-se que aqui assiste razão à Requerida com fundamento no consignado na Decisão arbitral proferida, entre outros, no processo n.º 678/2021-T, que, a este propósito, refere  colocarem-se essencialmente dois problemas jurídicos com uma relação de precedência.

“O primeiro é o da potencial aplicabilidade do artigo 78.º, n.º 1 a atos de autoliquidação, na sequência da revogação do n.º 2 deste preceito[2], que estabelecia a presunção de “erro imputável aos serviços” para essas situações [de autoliquidação]. Esta questão tem, segundo entendemos, resposta positiva, dada a equiparação entre a autoliquidação, em que o contribuinte atua no lugar dos serviços da AT, e a liquidação administrativa.

 “Como assinala Paulo Marques[3], na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado-legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços».

Ou, dito de outro modo, pela eliminação do n.º 2, do artigo 78.º, da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objecto do procedimento de revisão.

A revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, expressamente, à determinação legal que considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, intro­duzindo-se agora uma maior paridade entre o contribuinte e o fisco. Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efectuada pelo próprio contribuinte e a liquidação admi­nistrativa. Ambas poderão assim ser sindicadas mediante a revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) […]”.

“ Idêntica posição adota a decisão do processo arbitral n.º 9/2021-T, de 13 de setembro de 2021, sobre o mesmo problema.

 “Nestes termos, a conclusão a retirar é a de que a segunda parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, que prevê a revisão no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, é aplicável a qualquer liquidação – seja autoliquidação (pelo contribuinte) ou heteroliquidação (por via administrativa). Contudo, o seu fundamento não é qualquer ilegalidade, como previsto para a revisão deduzida no prazo de reclamação administrativa. Para que o prazo de quatro anos seja convocável, o legislador foi mais restritivo e exigiu a ocorrência de um “erro imputável aos serviços”. A revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT simplesmente removeu a regra de inversão do ónus probatório de que beneficiavam os atos de autoliquidação, que passam, assim, a estar sujeitos às regras gerais (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil).

“O segundo problema que se suscita é o da aferição, no caso concreto, do “erro imputável aos serviços”, não perdendo de vista que estamos perante atos de liquidação materialmente realizados pelos sujeitos passivos ou pelos seus substitutos tributários e que, como acima dito, o ónus da sua demonstração compete à Requerente.

“Observa Jorge Lopes de Sousa que “sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correção ou em que o contribuinte incorreu em erros, segundo instruções, gerais ou especiais, que aquela lhe forneceu.”[4]

“Todavia, nem da prova produzida pela Requerente, nem do adquirido processual resulta que a Autoridade Tributária tenha dado instruções gerais (nomeadamente através de Circulares ou Ofícios-Circulados), ou especiais (v.g. por via de informações vinculativas prestadas à Requerente) no sentido de ser liquidado Imposto do Selo nas operações de recompra de obrigações, venda de ações (B...) e OPA (C...), bem como nas formalidades conexas a tais operações.

 “(…)”.

“Não se diverge que o erro imputável aos serviços possa consistir quer num erro sobre os pressupostos de facto, quer num erro de direito, compreendendo-se neste último também a violação do Direito da União Europeia. Todavia, como declara a decisão arbitral no processo n.º 9/2021-T, para que seja aplicável o prazo de 4 anos previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a ilegalidade não pode ser imputável ao contribuinte, mas tem de o ser à AT.

“Só que, como acima salientado, no caso em exame a Requerente não fez prova de circunstâncias passíveis de atribuir a liquidação de Imposto do Selo por si efetuada a um erro que seja imputável à AT[5], motivo que impede o enquadramento no prazo alargado de quatro anos, mantendo-se aplicável o de dois anos, que resulta da conjugação do disposto nos artigos 131.º, n.º 1 do CPPT e 78.º, n.º 1 da LGT. Respeitando as liquidações a períodos temporais entre dezembro de 2016 a junho de 2018 e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 14 de janeiro de 2021 já se encontrava nesse momento esgotado o prazo de dois anos para aceder ao procedimento de revisão oficiosa e/ou de reclamação graciosa.

“À face do exposto, conclui-se que, na situação concreta, a Requerente não satisfez o ónus que sobre si impendia de demonstrar factos constitutivos de que as (auto)liquidações de Imposto do Selo controvertidas derivaram de erro imputável aos serviços. Por essa razão, não podia a revisão ter lugar no prazo mais alargado de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, por não estarem reunidos os correspondentes pressupostos. Por outro lado, estando esgotado o prazo de reclamação administrativa, a revisão com fundamento em qualquer ilegalidade já não era admissível. Assim, conclui-se que andou bem a Requerida ao rejeitar o pedido de revisão oficiosa por extemporaneidade.

 “O reflexo da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, não é, porém, a subsequente intempestividade da ação arbitral, que só se verifica se o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos elencados no artigo 102.º do CPPT [no caso, a notificação do pedido de revisão oficiosa], não for respeitado, o que não sucedeu no presente caso. Nestas circunstâncias, a extemporaneidade do pedido de revisão impede o Tribunal Arbitral de conhecer do mérito por haver “caso decidido ou caso resolvido”. Os atos de liquidação de Imposto do Selo consolidaram-se na ordem jurídica, verificando-se a exceção de inimpugnabilidade dos mesmos, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 “Veja-se a respeito da impugnação judicial, em que se coloca questão idêntica, o entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, processo n.º 0937/02.2BTLRS 0318/15, que se pronuncia nos seguintes termos:

“Se a reclamação graciosa é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresentada, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica.

Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).”

Transpondo o exposto para a situação dos autos, caracterizada por uma autoliquidação da responsabilidade integral do SP, afigura-se claro que o Requerente não satisfaz o ónus de prova que sobre o mesmo impendia quanto à existência de erro imputável aos serviços. 

O Requerente limita-se a tecer considerações de direito a propósito da alegada discriminação legal entre o facto de a Requerida poder fiscalizar e corrigir os contribuintes, entre quatro e cinco anos para trás, e o mesmo prazo não ser concedido ao particular para impugnar os atos tributários ilegais. Ora, na verdade, o regime do artigo 78.º, n.º1, da LGT, não corresponde ao regime geral de impugnabilidade dos atos tributários, antes constitui um meio de defesa acrescido oferecido pelo legislador, mas que tem de obedecer a pressupostos objetivos, e específicos previstos na lei. No essencial visa proteger os contribuintes através do alargamento do prazo para a AT corrigir os erros e ilegalidades cometidas.

A questão está em saber se por via jurisprudencial e em homenagem ao direito à tutela judicial efetiva o alcance deste preceito pode ser ampliado em termos que se afastam cada vez mais da sua letra e “ratio”. A seguir-se a tese do Requerente, no sentido da aplicabilidade do n.º 1 do artigo 78.º da LGT independentemente da prova do erro imputável os serviços, tal equivaleria a repor por via jurisprudencial o que o legislador quis eliminar da ordem jurídica ao revogar o n.º 2 daquele preceito que, recorde-se, considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação.

Ora, o direito à tutela judicial efetiva não pode ser encarado como um direito absoluto a ponto de justificar a subversão por via jurisprudencial da vontade claramente expressa do legislador, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

E nem se diga que o regime tem justificação nos casos de ilegalidades por violação da CRP ou do Direito da União porque, entre outra razões, plasmadas, por exemplo, na Decisão arbitral proferida no processo n.º 629/2021-T, deve o intérprete presumir que, ao revogar a norma em causa, o legislador teve presente essas situações e as ponderou e sopesou devidamente na consagração das melhores soluções, em conformidade com o princípio de hermenêutica segundo o qual Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).

Finalmente, sublinhe-se também que o Requerente lança mão de numerosa jurisprudência que versa situações de retenção na fonte e não casos de autoliquidação pura e simples como a dos autos, da sua exclusiva responsabilidade.   

Nestes termos, salvo o devido respeito, na minha modesta opinião procederia a exceção de inimpugnabilidade invocada pela Requerida (derivada da intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos tributários impugnados), que poria termo ao processo e impedia este Tribunal Arbitral de conhecer das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão do Requerente, importando a absolvição da instância.

 

Fernanda Maçãs

 

 

Pedro Guerra Alves (árbitro vogal )

 

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitro vogal)

 

 

 

 



[1]    Vd. entre outras: Acórdão arbitral proferido no processo n.º 598/2022 – T, de 21.03.2023; Acórdão arbitral proferido no processo n.º 325/2023 – T, de 26.02.2024; Decisão arbitral proferida no processo n.º 156/2018 - T, de 10.05.2019; Decisão arbitral proferida no processo n.º 21/2023-T de 29.06.2023; e Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2023-T de 25.04.2023.

[2]    Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2001), «Manual de Direito Fiscal», p. 22.

[3]      Cfr. J.J. TEIXEIRA RIBEIRO (1985), «Noção Jurídica de Taxa», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117.º, p. 291.

[4]    Cfr. VASQUES, Sérgio (2011), VASQUES, Sérgio, «Manual de Direito Fiscal», Almedina, p. 221.

[5]      Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), «Manual de Direito Fiscal», 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 58.

[6]      Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), Ob.cit., p. 59.

[7]    Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.

[8]    Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, in www.dgsi.pt.

[9]    Neste sentido, vd. Ac. Arbitral proferido no processo n.º 379/2023, de 18 de dezembro; Decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T.