SUMÁRIO:
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A isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea o) do Código do Imposto do Selo (doravante CIS) é estabelecida em função do sujeito, ou seja, incidindo sobre os atos, contrato e operações em que o Banco Europeu de Investimentos (doravante BEI) seja interveniente ou destinatário, atuando por conseguinte, em uma ou em outra qualidade, ou em ambas.
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O BEI é beneficiário/destinatário das garantias prestadas ao abrigo do “Aditamento ao Contrato das Garantias”, em análise, como é interveniente naquele “Aditamento”, ou seja, é também parte no contrato através do qual foram prestadas tais garantias.
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O artigo 7.º, n.º 1, alínea o) do CIS, ao isentar "os actos, contratos e operações em que as instituições comunitárias ou o BEI sejam intervenientes ou destinatários", não consente as discriminações em que assenta o entendimento da AT, e não legitima a anulação parcial a que esta procedeu.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Fernando Araújo (Presidente), Alexandra Iglésias (Vogal e Relatora) e Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., s/n, freguesia de ... e ..., ...-..., ..., Vila Real (doravante Requerente) vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante RJAT), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral coletivo com vista à pronúncia de decisão arbitral.
O pedido apresentado no CAAD tem por objeto (i) imediato a anulação da decisão na parte em que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa n.º ...2023... e (ii) mediato a anulação da liquidação de Imposto do Selo por referência ao valor de € 300.240,00 (trezentos mil duzentos e quarenta euros), com a consequente restituição do montante em causa pago pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), em 11-03-2024.
O Requerente optou por não designar Árbitros.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 24-04-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo, foi constituído em 15-05-2024.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT; e em 18-06-2024 a AT apresentou a Resposta, tendo juntando o Processo Administrativo (doravante PA), em 19-06-2024.
Por despacho de 24-06-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e facultar às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas, o que apenas a Requerente efetuou, em 09-07-2024.
II. Síntese da posição das Partes:
1. Da Requerente
Os argumentos apresentados no PPA, bem como em alegações escritas, sublinham o seguinte:
Na cláusula 8 do Aditamento ao Security Agreement ficou estabelecido que as novas garantias então criadas a favor das “Partes Financeiras” (entre as quais se encontra o BEI, com um papel de especial destaque) estão interligadas entre si e com as garantias originalmente criadas ao abrigo do Security Agreement, constituindo um pacote de garantias único, que tem como valor máximo garantido € 75.788.161,75 (“Pacote de Garantias”). Este terá sido o valor que serviu de base à liquidação de IS que constitui o objeto mediato do presente pedido arbitral.
De acordo com a Requerente e para efeitos da celebração do referido contrato, o valor máximo garantido de € 75.788.161,75 foi calculado tendo por base a soma (i) do montante em dívida ao Banco Europeu de Investimento (“BEI”) à data da celebração do Aditamento ao Contrato de Garantias (i.e., € 25.748.161,75 por referência a 15 de dezembro de 2022, conforme comprovativos de reembolsos efetuados pela Requerente emitidos pelo BEI e (ii) do valor agregado dos compromissos financeiros assumidos face às restantes entidades financeiras do contrato: o Novo Banco, a Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, SA (“CEMG”) e o Banco de Empresas Montepio (“BEM”) (i.e., € 50.040.000,00).
Assinala a Requerente que, ainda que o valor máximo garantido pelo “Pacote de Garantias” (também ele único e indivisível) tenha sido determinado tendo por base os valores em dívida para com cada uma das “Partes Financeiras”, nos termos previstos no Aditamento ao Security Agreement, o referido valor máximo garantido era único, beneficiando de igual forma cada uma das “Partes Financeiras”, não existindo qualquer sublimite ao valor máximo garantido aplicável a cada uma da “Partes Financeiras”. Ou seja, em caso de incumprimento pela Requerente face a qualquer uma das “Partes Financeiras”, a Parte Financeira afetada (incluindo o BEI) poderá acionar o Pacote de Garantias, para satisfazer o valor do crédito que então tiver, tendo como limite máximo garantido € 75.788.161,75. 23.º. Terá sido neste contexto que, no dia 15 de dezembro de 2022, foi outorgado o termo de autenticação do Aditamento Security Agreement junto, tendo sido liquidado e cobrado à Requerente, pelo Cartório Notarial da Dra. B..., IS no valor de € 454.453,71 (=75.788.161,75*0,6%), o qual foi nessa data integralmente pago pela Requerente.
Mais refere que no dia 5 de janeiro de 2023, foi submetida pelo Cartório Notarial da Dra. B..., declaração mensal de IS através da qual foi entregue ao Estado o imposto liquidado pelo cartório e pago Requerente (€ 454.453,17) - cfr. Declaração Mensal de IS n.º 188163 (período 2022-12).
Sublinha a Requerente que após o pagamento do IS liquidado pelo Cartório Notarial da Dra. B..., terá verificado que o pacote uno de garantias em análise não deveria ter sido objeto de tributação em IS por estar abrangido pela isenção expressa constante da alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o qual estabelece que os atos e contratos em que o BEI seja interveniente ou destinatário (como sucede no caso em análise em que o BEI é não só interveniente como também destinatário), estão isentos de IS.
Neste seguimento, a Requerente apresentou, no dia 14 de abril de 2023, reclamação graciosa contra a referida liquidação de IS com vista a contestar a sua legalidade e a obter a anulação total da mesma, no valor de € 454.728,97, e o respetivo reembolso do imposto indevidamente pago.
Segundo a Requerente, a reclamação graciosa apresentada: (i) demonstrou a verificação de todos os pressupostos legais de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, al. o) do CIS ao “Pacote de Garantias” em análise; e (ii) solicitou a anulação total da Liquidação Contestada, com todas as consequências legais.
Após a junção da documentação adicional solicitada e da prestação dos esclarecimentos adicionais, a Direção de Finanças de Vila Real, mediante o ofício n.º ... de 2 de novembro de 2023, notificou a Requerente do projeto de decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada.
No referido projeto de decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, a Direção de Finanças de Vila Real começou por fazer um breve enquadramento da factualidade relevante e dos principais argumentos utilizados pela Requerente para sustentar a ilegalidade da Liquidação Contestada, tendo seguidamente chamado à colação a posição adotada pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do IS, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (em diante “DSIMT”):
“Dispõe esta alínea que estão isentos de Imposto do Selo «os actos, contratos e operações em que as instituições comunitárias ou o Banco Europeu de Investimentos sejam intervenientes ou destinatários».
Afirma a Requerente que, da leitura da norma em causa, resulta que estamos perante uma isenção de dupla natureza, objetiva e subjetiva, que para operar necessita da verificação cumulativa destes dois pressupostos.
Concluindo que, para que a isenção opere, a lei exige que estejamos perante atos, contratos e operações sujeitos a Imposto do Selo (elemento objetivo) em que instituições comunitárias ou o BEI sejam, em alternativa, intervenientes ou destinatários dos mesmos (elemento subjetivo).
Ou seja, relativamente a esta alternatividade, basta que as instituições comunitárias ou o BEI intervenham nos atos, contratos ou operações sujeitas a Imposto do Selo ou que, em alternativa, sejam destinatárias dos efeitos jurídicos desses mesmos atos, contratos ou operações para que a isenção de Imposto do Selo tenha aplicação. Sendo que, verificados estes pressupostos, quaisquer atos, contratos e operações sujeitos a Imposto do Selo em que tenham intervindo ou tenham como destinatários as instituições comunitárias ou o BEI, ficarão isentos de Imposto do Selo, independentemente de quem seja o titular do seu encargo, defende a Requerente.
Ora, considera a Requerente, analisando o «First Amendment to the Security Agreement” (Primeira Alteração do Contrato de Garantias”)», ser compreensível que o BEI não só interveio como parte do mesmo como também é beneficiário (destinatário) deste acordo de garantia, celebrado em conjunto com as outras partes financeiras (Novo Banco, CEMG e BEM).
Afigurando-se-nos medianamente claro, de acordo com a Requerente, que o BEI, no «First Amendment to the Security Agreement» (Primeira Alteração do Contrato de Garantias”)», tanto aparece como interveniente e como destinatário da garantia, não pode deixar de se concluir pela aplicação da isenção prevista na alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.”
Não obstante se ter reconhecido no projeto de decisão a aplicação da isenção de IS no caso em análise – reconhecendo-se, assim, razão à Requerente –, a DSIMT veio afirmar que, apesar de o elemento literal parecer apontar em sentido diverso, a isenção de IS estabelecida no artigo 7.º, alínea o), do CIS, apenas poderá aplicar-se parcialmente, nos termos que se seguem: “Não se ignora que a letra da lei ao estabelecer que beneficiam da isenção “os contratos em que o BEI seja interveniente” parece apontar para que a isenção proteja da tributação todas as garantias que emergem do «First Amendment to the Security Agreement» (Primeira Alteração do Contrato de Garantias), dado que constam do mesmo título formal. Contudo, neste caso concreto, essa não se nos afigura ser a interpretação mais correta da norma de isenção, apesar do disposto na referida cláusula 8.ª do «First Amendment to the Security Agreement» (Primeira Alteração do Contrato de Garantias). Com efeito, e por um lado, razões de coerência justificam o nosso entendimento, dado que como vimos resulta claro do «First Amendment to the Security Agreement» (Primeira Alteração do Contrato de Garantias) que o BEI só é beneficiário de parte das garantias constituídas, isto é, as individualmente e exclusivamente constituídas em seu favor, sendo que só sobre estas, enquanto interveniente no contrato, pode fazer valer os seus direitos em caso de incumprimento da Reclamante.”
Por outro lado, acrescenta a AT, “(…) a referida cláusula 8.ª deve ser interpretada em conjunto com o resto das cláusulas (nomeadamente a 2.3 e 2.4) e não de forma isolada, não sendo pelo facto de se estabelecer um montante máximo conjunto (das obrigações garantidas perante o BEI e dos bancos comerciais) ou de se estabelecer que as garantias estão interligadas para permitir que em caso de execução das mesmas as mutuantes recebam o respetivo produto em proporção à exposição de cada mutuário (v. nomeadamente a cláusula 18.2) que se deixam de identificar feixes de obrigações/garantias individualizados. Numa interpretação concatenada com o restante clausulado do contrato, nomeadamente o acima citado e referido, é seguro afirmar que a cláusula 8.ª em nada altera a natureza individual ou sequer condiciona a autonomia e distinção das garantias emitidas em favor do BEI em relação às emitidas em favor dos restantes bancos comerciais.
Acresce que, não nos parece que estivesse de todo no espírito do legislador estender a isenção às restantes garantias constituídas pelo «First Amendment to the Security Agreement» (Primeira Alteração do Contrato de Garantias), que de comum com as do que o BEI beneficia só têm o facto, meramente formal, de terem sido constituídas no mesmo contrato. Na verdade, entendimento diferente equivale a dizer que todas as outras garantias, que em nada beneficiam o BEI, mas sim, e exclusivamente, cada uma das restantes partes financeiras, seriam protegidas da tributação pela isenção da alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que como benefício fiscal que é deve ser aplicado com todo rigor na medida em que constitui uma exceção à tributação-regra.”
A DSMIT concluiu, assim, que: “(...) deve a liquidação reclamada ser parcialmente anulada, expurgando-se da mesma a parte correspondente às garantias conexas com o financiamento concedido pelo BEI.”
Descreve a Requerente que, após reproduzir a posição adotada pela DSIMT no projeto de decisão, a Direção de Finanças de Vila Real manifestou a sua adesão a tal posição e decidiu julgar a reclamação graciosa parcialmente procedente, nos seguintes termos: “Será de atender parcialmente o pedido de anulação da liquidação, uma vez que, a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não se deve aplicar à totalidade do Imposto do Selo suportado pela celebração do contrato de garantia, mas sim, e apenas, ao proporcional correspondente à parte referente ao BEI (pois só aqui é que se encontram verificados os pressupostos para beneficiar daquela isenção), daqui resultando que a liquidação contestada deverá ser parcialmente anulada pelo montante de € 154.488,97 [€ 25.748.161,75 x 0,6% (tx. da verba 10.3 da TGIS)], mantendo-se quanto ao restante.” Tal projeto de decisão veio a converter-se em decisão definitiva de indeferimento parcial da reclamação.
Ora, defende a Requerente que estamos perante um pacote uno de garantias, com um valor único garantido, pelo que não é possível cindir a liquidação de imposto e aplicar a isenção de IS apenas em parte, não sendo verídico que, ao contrário do referido pela AT, que o “BEI apenas é beneficiário de parte das garantias constituídas, isto é, as individualmente e exclusivamente constituídas em seu favor, sendo que só sobre estas, enquanto interveniente no contrato, pode fazer valer os seus direitos em caso de incumprimento da Reclamante”. Tal como não é verdade, segundo afirma, que existam no Pacote de Garantias “outras garantias, que em nada beneficiam o BEI, mas sim, e exclusivamente, cada uma das restantes partes financeiras”. Segundo a Requerente, todas as garantias previstas do Pacote de Garantias beneficiam todas as Partes Financeiras, até ao valor máximo garantido.
Para além do exposto, como a própria DSMIT acaba por assumir, refere a Requerente, a interpretação da norma constante do artigo 7.º, n.º 1, alínea o), do CIS que foi adotada por aquela entidade não tem a mínima correspondência na letra de lei e, por conseguinte, assenta em erro grosseiro na aplicação do direito, sendo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve sempre presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Em jeito de conclusão, afirma que com vista a garantir a coerência do sistema fiscal, a interpretação lógica que sobra à Requerente do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea o), do CIS aponta inelutavelmente no sentido por si propugnado e que se lhe afigura como consentâneo com o postulado da coerência do ordenamento jurídico: a isenção de Imposto do Selo em análise aplica-se inequivocamente ao valor máximo garantido de um Pacote de Garantias como o que ora se analisa, e determina a isenção integral do mesmo independentemente da intensidade da intervenção do BEI.
Mais acrescentando a Requerente que “se o legislador se bastou com o facto de o BEI ser interveniente num contrato para que o mesmo esteja isento de Imposto do Selo, não exigindo sequer que seja destinatário/beneficiário do mesmo, não tem qualquer sentido lógico admitir que o legislador tenha querido que a isenção se aplicasse apenas à parte do contrato que tenha como destinatário/beneficiário exclusivo o BEI. Com efeito, a ser assim, a isenção nunca se aplicaria/seria de aplicação impossível aos contratos que tenham o BEI como interveniente, mas não como destinatário/beneficiário, o que contrariaria de forma manifesta a letra da lei. Tratando-se inequivocamente de um benefício fiscal de aplicação automática, basta que se mostrem verificados os requisitos ou pressupostos expressamente previstos na norma (i.e., o BEI e as demais instituições comunitárias devem ser intervenientes ou destinatários dos atos, contratos e operações) para que a isenção de Imposto do Selo deva ser automaticamente aplicada. (…) A AT está vinculada àquilo que determina o legislador, podendo interpretar as normas dentro do sentido que o próprio legislador cria, mas sem nunca pôr em causa os princípios basilares ou estender, de forma arbitrária e inadmissível, o sentido normativo, criando novas normas e reduzindo o âmbito de aplicação de normas de isenção em sentido desfavorável aos sujeitos passivos ou contribuintes.
2. Da Requerida
Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:
No entendimento da AT, a questão que no essencial importa responder consiste em saber ao contrato de garantia denominado de “First Amendment to the Security Agreemenf”, outorgado em 15 de dezembro de 2022, é aplicável na totalidade a isenção de Imposto do Selo prevista na alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que, na redação à data dos factos tributários sob apreço, estabelecia o seguinte: «Artigo 7.º - Outras isenções 1 - São também isentos do imposto: ….. o) Os actos, contratos e operações em que as instituições comunitárias ou o Banco Europeu de Investimentos sejam intervenientes ou destinatários.». Todavia, contrariamente à pretensão da Requerente, a Requerida entende que a isenção não se deve aplicar à totalidade do Imposto do Selo suportado pela celebração do contrato de garantia, mas sim, e apenas, ao proporcional correspondente à parte referente ao BEI, como aliás foi decidido na reclamação graciosa sob contestação.
Pese embora o «First Amendment to the Security Agreemenf» constitua um único contrato, que a Requerente qualifica unicamente com base na sua cláusula 8.ª, como “um Pacote de Garantias uno e indivisível, com um valor máximo garantido único (base da liquidação de IS aqui em crise), que aproveita a todas as “Partes Financeiras”, incluindo, em particular e com relevância no presente pedido arbitral, ao BEI,”, na ótica da AT, estamos perante um conjunto garantias distintas, individualmente conexas com as entidades financeiras garantidas, também elas distintas e independentes entre si, que visam dar cobertura a financiamentos também eles distintos e independentes entre si, não deixando as partes financeiras nele individualmente intervenientes (BEI, Novo Banco, CEMG e BEM) de ter e poder exercer os direitos que emergem deste Aditamento com plena autonomia.
Segundo a Requerida “basta ler algumas das disposições do «First Amendment to the Security Agreement », bem como do «Security Agreement Restated Version», onde algumas daquelas foram enxertadas, para chegar a essa conclusão, como por exemplo, e entre outras, as seguintes: «"FIRST AMENDMENT TO THE SECURITY AGREEMENT (” PRIMEIRA ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE GARANTIAS”)»: « (…) CONSIDERANDO QUE: (…) C. A Mutuária, a C... e as Partes Financeiras convencionaram criar as Garantias previstas no Contrato de Garantias celebrado em 30 de março de 2022 a favor das Partes Financeiras ("Contrato de Garantias"), a título de garantia das suas obrigações nos termos dos Contratos de Empréstimo. A este respeito e para evitar dúvidas, (i) as Obrigações Garantidas do BEI são garantidas, entre outras, pelas garantias concedidas pela Mutuária e pela C... nos termos do Contrato de Penhor de Ações do BEI, na redação em vigor, do Contrato de Penhor da Conta Restringida do BEI, na redação em vigor, nos termos da Cláusula 25 do Contrato de Garantias (ii) e as Obrigações Garantidas dos Bancos Comerciais são garantidas, entre outras, pelas garantias concedidas pela Mutuária e pela C... nos termos do Contrato de Garantias. (…)”.
Defende que “(…) para além destas existem outras disposições que figuram no contrato de garantia – nomeadamente as relativas à data e forma em que foram celebrados os contratos de financiamento que estas novas garantias visam proteger, contas penhoras/caucionadas (“Lock-up accounts”, outros penhores financeiros, penhores mercantis, a promessas de constituição de penhor sobre novas participações socias, para as quais é conferida individualmente e a cada parte financeira uma procuração irrevogável. (vide entre outros Considerandos do «"Security Agreement Restated Version"», Considerandos e cls. 14-ª A e 14.ª F, do «"First Amendment to the Security Agreemenf'», enxertadas no ««"Security Agreement Restated Version"» –, e que confirmam cabalmente que estamos perante um conjunto garantias distintas, individualmente conexas com as entidades financeiras garantidas também elas distintas e independentes entre si, que visam dar cobertura a financiamentos também eles distintos e independentes entre si, não deixando as partes financeiras (BEI, Novo Banco, CEMG e BEM) de ter e poder exercer os direitos que emergem desta “Alteração” com plena autonomia.”
E acrescenta a Requerida, para além das considerações acima tecidas que “Ora, como é bom de ver, resulta da interpretação concatenada das disposições citadas que o BEI intervém e beneficia como garantido apenas de parte das garantias constituídas (a sua parte) e não da sua totalidade”, e bem assim, que o desejado “efeito “contágio” não pode colher porque colocaria em causa os princípios da atribuição dos benefícios fiscais que como se diz no n.º 1 do artigo 2.º do EBF são “as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.”. “(…) Portanto, contrariamente ao que a Requerente afirma, não basta que o BEI esteja presente ou seja destinatário de determinado atos, contrato ou operação para que a isenção prevista na alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS opere. Pelo contrario, há que analisar casuisticamente cada contrato e deles extrair com critério em que medida e com que intensidade o BEI neles intervém ou é destinatário dos seus efeitos, sob pena de assim não for estar a ofender as regras interpretativas que devem nortear o intérprete na aplicação das normas que instituem benefícios fiscais. Estando cabalmente demonstrado que o BEI intervém apenas como beneficiário de parte das garantias constituídas no «"First Amendment to the Security Agreemenf' », consideramos que andou bem a AT ao decidir na reclamação graciosa que “será de atender parcialmente o pedido de anulação da liquidação, uma vez que, a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não se deve aplicar à totalidade do Imposto do Selo suportado pela celebração do contrato de garantia, mas sim, e apenas, ao proporcional correspondente à parte referente ao BEI (pois só aqui é que se encontram verificados os pressupostos para beneficiar daquela isenção), daqui resultando que a liquidação contestada deverá ser parcialmente anulada pelo montante de € 154.488,97 [€ 25.748.161,75 x 0,6% (tx. da verba 10.3 da TGIS)], mantendo-se quanto ao restante.”.
Concluindo que “face a todo o exposto, deve o pedido da Requerente improceder, não padecendo de qualquer ilegalidade a parte da liquidação aqui contestada, no valor de € 300 240,00, e, bem assim, a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa que a manteve na ordem jurídica. Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios”.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Inexiste qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
A. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na produção de ar propanado e implementação e dinamização da sua distribuição, bem como na distribuição de outros gases combustíveis canalizados, assegurando a oportuna utilização das redes pelo gás natural e bem assim outras atividades relacionadas com o objeto principal.
B. No dia 15 de dezembro de 2022, foi outorgado termo de autenticação do documento denominado “First Amendment to the Security Agreement” (“Aditamento ao Security Agreement” ou “Aditamento ao Contrato de Garantias”), que configura o primeiro aditamento ao contrato de constituição de garantias (“Security Agreement”), celebrado em 30 de Março de 2022 entre: a) a Requerente; b) a C..., SGPS, S.A. (doravante “C...”); c) o Banco Europeu de Investimentos (doravante BEI); d) o Novo Banco, S.A. (doravante Novo Banco); e) o Banco Montepio Investimento, S.A. (doravante BEM); e f) a Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A. (doravante CEMG) em conjunto com o BEI, o Novo Banco e o BEM designadas por “Partes Financeiras”).
C. O Aditamento ao Security Agreement teve como partes, para além das entidades que já haviam sido partes do Security Agreement (Requerente, C..., BEI, Novo Banco, BEM e CEMG), as seguintes:
a) a D..., S.A. (doravante “D...”);
b) a E..., LTD. (doravante “E...”);
c) a F..., LDA. (doravante “F...” ou “cessionária”);
d) a G..., LTD. (doravante a “G...”); e
e) H... (doravante “H...”) e I....
D. Do referido aditamento resultaram, entre outras alterações ao Security Agreement, a constituição de novas garantias a favor das “Partes Financeiras” (entre as quais se encontra o BEI).
E. Na sequência das diversas alterações introduzidas pelo Aditamento ao Security Agreement, as partes incluiram em anexo ao mesmo (Anexo 6), uma versão consolidada do Security Agreement, na qual refletiram as referidas alterações (“Restated Security Agreement”).
F. Foi outorgado termo de autenticação do Aditamento ao Security Agreement, em 15 de dezembro de 2022, emitida fatura/recibo n.º FR 0/20248, em 16 de dezembro de 2022, pelo Cartório Notarial e efetuado o pagamento do IS sobre as garantias prestadas.
G. Conforme resulta do referido Aditamento ao Security Agreement, cujo termo de autenticação está na origem da liquidação de IS, foi celebrado, no dia de 30 junho de 2017, um contrato de crédito entre o BEI, na qualidade de entidade mutuante/credora, e a ora Requerente, na qualidade de entidade mutuária/devedora, no qual a “C...” participou na qualidade de acionista da Requerente (doravante “Contrato de Crédito BEI”) - cfr. pág. 6 do Restated Security Agreement junto.
H. Ao abrigo do referido Contrato de Crédito BEI, a Requerente teve a acesso a uma linha crédito de até € 29.000.000,00 junto do BEI, sendo que, até 30 de março de 2022, o montante utilizado era de € 26.636.029,40, excluindo quaisquer juros vencidos que, naquela data, ascendiam a € 142.510,00 - cfr. pág. 6 do Restated Security Agreement junto.
I. Como garantia das obrigações assumidas perante o BEI:
(i) a “C...”, acionista da Requerente, celebrou, no dia 30 de junho de 2017, um contrato de penhor com o BEI (“Penhor de Ações - BEI”), nos termos do qual foi constituído a favor do BEI: a. Um penhor financeiro de primeiro grau sobre 412.545 ações representativas de 51,57% do capital social e dos direitos de voto da Requerente; e b. Um penhor financeiro de quarto grau sobre 307.109 ações representativas de 38.39% do capital social e dos direitos de voto da Requerente.
(ii) A Requerente celebrou um contrato de penhor com o BEI, nos termos do qual foi constituído, a favor do BEI, um penhor financeiro de primeiro grau sobre os saldos da conta bancária n.º ... aberta no Novo Banco, definida como “Lock-Up Account” (“Penhor de Conta Bancária - BEI”) - cfr. pág. 6 do Restated Security Agreement junto.
J. Os referidos penhores foram, assim, constituídos pela “C...” e pela Requerente com vista a garantir as obrigações assumidas perante o BEI, pelo que era este o destinatário único das garantias então prestadas - cfr. pág. 6 do Restated Security Agreement, junto.
K. Posteriormente, em 26 de novembro de 2020, a Requerente e o BEI assinaram uma carta, na qual estabeleceram as possíveis opções com vista a uma eventual divisão do “Penhor de Ações – BEI”, entre o BEI e outros mutuantes/beneficiários, a fim de permitir à Requerente a prossecução do seu projeto com recurso a financiamentos adicionais a obter junto do Novo Banco, da CEMG e do BEM, conforme consta da pág. 6, considerando F, do Restated Security Agreement, junto.
L. No dia 30 de março de 2022, foi assinado um aditamento com vista à implementação da divisão da promessa de penhor financeiro sobre quaisquer novas ações da Requerente, bem como do “Penhor de Conta Bancária – BEI”, conforme consta da pág. 6, Considerando G, do Restated Security Agreement. junto.
M. Na referida data (30 de março de 2022), a Requerente, na qualidade de entidade mutuária/devedora, e a “C...”, na qualidade de entidade acionista/garante, celebraram dois contratos de abertura de crédito:
(i) um com o Novo Banco, na qualidade de entidade mutuante/credora, no valor de até € 25.020.000,00; e,
(ii) outro com a CEMG e o BEM, na qualidade de entidades mutuantes/credoras, no mesmo valor de até € 25.020.000,00 (em conjunto com o “Contrato de Crédito BEI”, todos designados de “Contratos de Crédito”), conforme consta da pág. 7, Considerando H, do Restated Security Agreement junto.
N. Ainda na mesma data, foi também assinado entre a Requerente, a “C...”, na qualidade de acionista da Requerente e garante, e as Partes Financeiras (BEI, Novo Banco, CEMG e BEM), o Security Agreement, no qual foi acordada a criação de um conjunto de novas garantias a favor de todas as Partes Financeiras (incluindo o BEI), e que implicou alterações ao “Penhor de Ações – BEI” e ao “Penhor de Conta Bancária – BEI”, conforme consta da pág. 7, Considerando J, do Restated Security Agreement, junto.
O. Em cumprimento da cláusula 4 do “Security Agreement”, a “C...” adquiriu entretanto ações representativas de 9,72% do capital social da Requerente (doravante “Novas Ações”), relativamente às quais existia uma obrigação de criação de um novo penhor financeiro para garantia das obrigações garantidas ao abrigo do Security Agreement (ou seja, das obrigações da Requerente face às “Partes Financeiras”, decorrentes dos “Contratos de Crédito”, doravante “Obrigações Garantidas”).
P. Adicionalmente, em face da projetada venda pela “C...” à “F...” das ações representativas do capital social da Requerente, no dia 22 de agosto de 2022 a Requerente e a “C...” apresentaram junto das “Partes Financeiras”, incluindo o BEI, um pedido de:
(i) renúncia aos direitos atribuídos no Security Agreement a cada uma das “Partes Financeiras” no caso de haver um evento de alteração de controlo do referido capital social;
(ii) autorização da cedência pela “C...” à “F...” da sua posição de garante nos “Contratos de Crédito”;
(iii) a constituição do penhor financeiro sobre as “Novas Ações”;
(iv) a substituição das procurações irrevogáveis emitidas pela “C...” a favor das “Partes Financeiras” e das letras com aval prestado pela “C...” igualmente a favor das “Partes Financeiras” por garantias similares prestadas pela “F...”; e,
(v) a manutenção das restantes garantias prestadas ao abrigo do Security Agreement para garantir as “Obrigações Garantidas”, conforme consta da pág. 3, Considerando F, do Aditamento ao Security Agreement, junto.
Q. O pedido apresentado foi objeto de aceitação total pelas “Partes Financeiras”, tendo ficado acordado que:
(i) os documentos financeiros relevantes teriam de ser atualizados para refletir as referidas alterações e,
(ii) seriam constituídas garantias adicionais a favor das “Partes Financeiras” (incluindo o BEI), o que foi feito através do Aditamento ao Security Agreement (conforme consta do respetivo Considerando G).
R. Sumariamente, ao abrigo do Aditamento ao Security Agreement, junto ao presente pedido arbitral como Doc. 4, foram prestadas às “Partes Financeiras” as seguintes novas garantias:
(i) Penhores financeiros de primeiro e segundo graus sobre as “Novas Ações” (cfr. cláusula 2. do Aditamento ao Security Agreement);
(ii) Penhor financeiro sobre as ações da “D...”, constituído pela “E...” (cfr. cláusula 3. do Aditamento ao Security Agreement; e,
(iii) Penhor mercantil de primeiro grau com pacto marciano sobre as quotas detidas na “F...” pela “D...” e a “G...” e sobre as quotas detidas na “G...” por “H...” (cf. cláusula 4, do Aditamento ao Security Agreement).
S. Na cláusula 8 do Aditamento ao Security Agreement ficou ainda estabelecido que as novas garantias então criadas a favor das “Partes Financeiras” (entre as quais se encontra o BEI), estão interligadas entre si e com as garantias originalmente criadas ao abrigo do Security Agreement, constituindo um pacote de garantias único, que tem como valor máximo garantido € 75.788.161,75 (“Pacote de Garantias”), e que foi o valor que serviu de base à liquidação de IS que constitui o objeto mediato do presente pedido arbitral.
T. Para efeitos da celebração do referido contrato, o valor máximo garantido de € 75.788.161,75 foi calculado tendo por base a soma (i) do montante em dívida ao BEI à data da celebração do Aditamento ao “Contrato de Garantias” (i.e., € 25.748.161,75, por referência a 15 de dezembro de 2022, conforme comprovativos de reembolsos efetuados pela Requerente emitidos pelo BEI acompanhados de tradução livre dos mesmos que se juntam) e (ii) do valor agregado dos compromissos financeiros assumidos face às restantes entidades financeiras do contrato: o Novo Banco, a Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, SA (CEMG) e o Banco de Empresas Montepio (BEM) (i.e., € 50.040.000,00) (cfr. páginas 20, 21, 25 e 26 do “Comprovativo bancário emitido pelo Banco de Portugal” que se junta).
U. Em caso de incumprimento pela Requerente face a qualquer uma das “Partes Financeiras”, a Parte Financeira afetada (incluindo o BEI) poderá acionar o “Pacote de Garantias”, para satisfazer o valor do crédito que então tiver, tendo como limite máximo garantido € 75.788.161,75.
V. No dia 15 de dezembro de 2022, foi outorgado o termo de autenticação do Aditamento Security Agreement, junto, tendo sido liquidado e cobrado à Requerente, pelo Cartório Notarial da Dra. B..., IS no valor de € 454.453,71 (=75.788.161,75*0,6%), o qual foi nessa data integralmente pago pela Requerente.
W. No dia 5 de janeiro de 2023, foi submetida pelo Cartório Notarial da Dra. B..., declaração mensal de IS através da qual foi entregue ao Estado o imposto liquidado pelo cartório e pago Requerente (€ 454.453,17) - cf. Declaração Mensal de IS n.º ... (período 2022-12) junto ao presente pedido arbitral.
X. A Requerente apresentou, no dia 14 de abril de 2023, reclamação graciosa n.º ...2023... contra a referida liquidação de IS, com vista a contestar a respetiva legalidade e a obter a anulação total da mesma, no valor de € 454.728,97, e o respetivo reembolso do imposto indevidamente pago.
Z. Após a junção da documentação adicional solicitada e da prestação dos esclarecimentos adicionais, a Direção de Finanças de Vila Real, mediante o Ofício n.º ... de 2 de novembro de 2023, notificou a Requerente do projeto de decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada.
IV. 2. Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.
IV. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
V. DO DIREITO
A questão a decidir:
Em síntese, a Requerente entende que o Imposto do Selo liquidado, em 15-12-2022, nos termos da verba 10.3 da TGIS, pelo Cartório Notarial da Dra. B..., não deveria ter sido objeto de tributação por estar abrangido pela isenção constante da alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que estabelece que os atos e contratos em que o BEI seja interveniente ou destinatário estão isentos de Imposto do Selo.
Cumpre apreciar e decidir.
Do probatório estabelecido no decorrer da leitura dos contratos sob análise forçoso é concluir, designadamente, que:
O BEI é beneficiário/destinatário das garantias prestadas ao abrigo do Aditamento ao Contrato das Garantias, como é interveniente naquele Aditamento, ou seja, é também parte no contrato através do qual foram prestadas tais garantias;
Na cláusula 8 do Aditamento ao Security Agreement ficou estabelecido que as novas garantias então criadas a favor das “Partes Financeiras” (entre as quais se encontra o BEI), estão interligadas entre si e com as garantias originalmente criadas ao abrigo do Security Agreement, constituindo um pacote de garantias único, que tem como valor máximo garantido € 75.788.161,75 (“Pacote de Garantias”), que foi o valor que serviu de base à liquidação de IS que constitui o objeto mediato do presente pedido arbitral;
Em caso de incumprimento pela Requerente face a qualquer uma das “Partes Financeiras”, a Parte Financeira afetada (incluindo o BEI) poderá acionar o “Pacote de Garantias”, para satisfazer o valor do crédito que então tiver, tendo como limite máximo garantido € 75.788.161,75;
As garantias encontram-se, pois, genética e funcionalmente ligadas.
Parece claro que o artigo 7.º, n.º 1, alínea o) do CIS, ao isentar "os actos, contratos e operações em que as instituições comunitárias ou o BEI sejam intervenientes ou destinatários", não consente as discriminações em que assenta o entendimento da AT, e não legitima a anulação parcial a que esta procedeu.
De alguma maneira, a AT entende, ou sugere, que só há isenção quando o BEI seja beneficiário ou único interveniente – o que não tem correspondência com o estatuído na norma.
E retira daí a possibilidade de aplicar uma regra de "proporcionalidade de isenção" (o "proporcional correspondente à parte referente ao BEI" a que se refere o artigo 51.º da Resposta), deixando de fora da isenção algumas situações em que o BEI é manifestamente interveniente, embora não seja o único, e ainda que não seja o beneficiário das garantias.
Nos artigos 61.º e 64.º a 66.º da Resposta a AT coloca ênfase no facto de o BEI não ser beneficiário de todas as garantias, e de, no seu entendimento, não poder haver "efeito de contágio" aos beneficiários pela simples presença do BEI; o que é revelador da sua leitura truncada da norma aplicável: "não basta que o BEI esteja presente ou seja destinatário de determinado atos, contrato ou operação para que a isenção prevista na alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS opere", lê-se no artigo 65.º da Resposta.
E, cada vez mais longe da letra da lei, conclui a AT: "há que analisar casuisticamente cada contrato e deles extrair com critério em que medida e com que intensidade o BEI neles intervém ou é destinatário dos seus efeitos" (artigo 66.º da Resposta). Ou seja, introduz-se um critério de graduação (equitativa?) que não tem qualquer suporte legal.
Ora, na ótica deste Tribunal, a alínea o) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não admite uma leitura que legitime a adoção de um critério de ponderação criado ad hoc pela AT com base numa análise casuística baseada em alegados elementos de justiça.
Começando pelo argumento literal, a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea o) do Código do Imposto do Selo (doravante CIS) é estabelecida em função do sujeito, ou seja, incidindo sobre os atos, contratos e operações em que, para o caso particular que aqui nos ocupa, o Banco Europeu de Investimentos (BEI) seja interveniente ou destinatário, atuando por conseguinte, em uma ou em outra qualidade, ou em ambas.
Conclui-se, inequivocamente, que não é único pressuposto da isenção o BEI ser destinatário dos efeitos jurídicos desses mesmos atos, contratos, ou operações, surgindo no caso presente como beneficiário de todas as garantias, bastando que este intervenha nos atos, contratos ou operações sujeitas a imposto do selo. Caso contrário, a expressão “intervenientes”, nada acrescentaria à norma, já que a isenção dependeria sempre e só do BEI se constituir como beneficiário dos efeitos jurídicos desses mesmos atos ou contratos.
Ora, se a interpretação da norma se deve realizar a partir do texto lei, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil (doravante CC), impõe-se reconstituir o pensamento legislativo, através dos elementos de interpretação como o elemento histórico, sistemático e teleológico (cfr. o artigo 9.º, n.º 1 e 3 do CC), presumindo o intérprete que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Basta revisitar o elemento histórico, para confirmar que as leis antecedentes (v.g o artigo 31.º, n.º 2 da Lei n.º 2/92, de 9 de Março e artigo 26.º, n.º 6 da Lei n.º 30-C/92 de 28 de Dezembro) já referiam expressamente «O Banco Europeu de Investimento (BEI), designadamente em relação a actos, contratos e operações em que o mesmo seja interveniente ou destinatário.»
Pelo que não se vê nenhum fundamento para este entendimento da AT, que, insiste-se, face àquela que é a factualidade subjacente, não tem o mínimo de correspondência verbal na norma em análise, pugnando-se pela anulação total da liquidação de IS.
Procede, pois, a posição da Requerente, no sentido de que, quer o elemento literal, quer o elemento sistemático, demonstram que a intenção do legislador foi a de isentar os atos, contratos e operações em que o BEI seja beneficiário/destinatário ou interveniente/parte nos contratos, sem criar qualquer critério adicional – para o qual não existe base legal – nomeadamente em relação à delimitação do montante, proporção ou percentagem da base tributável à qual deveria aplicar-se a isenção, o que reforçamos acrescentando o argumento histórico e teleológico, seguindo neste último caso a intenção de facilitar as operações do BEI tendo em conta o regime normativo especial que se lhe aplica em termos fiscais.
Por tudo o que vem exposto e em conclusão, procede o pedido arbitral, determinando-se a anulação do ato tributário impugnado por erro manifesto nos pressupostos de direito, com a consequente devolução do imposto retido.
Tendo em conta que a Requerente obtém, nesta medida, a satisfação da respetiva pretensão, julga-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
VI. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O Requerente formula pedido mediato de anulação da liquidação de IS por referência ao valor de € 300.240,00 (trezentos mil duzentos e quarenta euros), com a consequente restituição do montante em causa pago pelo Requerente, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Por seu turno, a Requerida entende que não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios porquanto, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT fazê-lo, concluindo que tal facto só pode assacar-se à Requerente ou à entidade a quem competiu a liquidação, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do Imposto do Selo (doravante CIS).
O artigo 23.º do CIS, no seu n.º 1 determina que a liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 2.º, pelo que a competência aqui cabia ao Cartório Notarial, sujeito passivo de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIS.
Vejamos.
De acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Uma vez que a Requerida podia e devia ter reparado a ilegalidade, aquando da apreciação do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente, não o tendo feito, incorreu em erro dos serviços.
O erro passa a ser imputável à AT desde do indeferimento expresso, ainda que parcial, do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do artigo 43.º, n.ºs1 e 3, da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VII. DECISÃO
Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral coletivo julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e em consequência:
a) Declarar a ilegalidade do ato de indeferimento parcial do pedido de reclamação graciosa apresentada;
b) Declarar a ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo por referência ao valor de € 300.240,00 (trezentos mil duzentos e quarenta euros);
c) Condenar a Requerida a reembolsar o Requerente do montante do valor indevidamente pago (€ 300.240,00);
d) Condenar a Requerida a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, calculados às taxas legais, contados desde a data do indeferimento parcial da reclamação graciosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VIII. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 300.240,00 (trezentos mil duzentos e quarenta euros), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;
IX. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 5.508,00 (cinco mil quinhentos e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de outubro de 2024
Os Árbitros
(Fernando Araújo - Presidente)
(Alexandra Iglésias – Vogal e Relatora)
(Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz - Vogal)
Texto elaborado em computador. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.