Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 27/2015-T
Data da decisão: 2015-06-11  Selo  
Valor do pedido: € 3.398,16
Tema: IS - Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção
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CAAD – Centro de Arbitragem Tributária

PROCESSO ARBITRAL N.º 27/2015-T

Tema: Imposto do Selo. Verba 28.1 da TGIS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.    RELATÓRIO

A, pessoa coletiva com o NIPC …, com sede na …, vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 99.º, alínea a) e 102, n.º 1, alínea f) e n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 ...7, relativa ao prédio urbano da espécie “terrenos para construção”, inscrito sob o artigo ... da União das freguesias de ..., concelho do Porto, da quantia de € 3 398,16.

 

Cumulativamente, pede a Requerente a condenação da Requerida à restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios sobre a referida quantia.

A argumentação expendida pela Requerente é, resumidamente, a seguinte:

a) A liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 ...7, efetuada com base no artigo 1.º, do Código do Imposto do Selo, conjugado com a verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral e com o artigo 6.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, reporta-se ao ano de 2013 e foi oportunamente notificada à Requerente;

b) A tributação prevista nas normas citadas tem como objeto os prédios urbanos “com afetação habitacional”, dela ficando excluídos os “terrenos para construção” que, por natureza, não têm tal aptidão;

c) A consideração dos terrenos para construção como “prédios de afetação habitacional” é ilegal, por violação do disposto nos artigos 6.º, 41.º e 45.º, do Código do IMI;

d) A Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou a verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00;

e) (…) o tributo é liquidado anualmente pela AT (artigo 23.º, n.º 7), à taxa de 1% por prédio urbano com afetação habitacional, sendo sujeitos passivos e devedores do imposto os proprietários, usufrutuários ou superficiários a 31 de dezembro do ano a que o tributo respeita;

f) No que respeita à liquidação e pagamento do imposto em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos artigos 4.º, n.º 6, 5.º, n.º 1, alínea u), 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS e, em geral, por remissão do artigo 67.º, n.º 2, do mesmo Código, são aplicáveis subsidiariamente às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI;

 g) O conceito relevante de prédio urbano é o que consta do artigo 2.º, do CIMI (…); um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio – realidade física, patrimonialidade e valor económico;

h) (…) de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros – distinção que assume particular relevância para aplicação das regras de determinação do respetivo valor patrimonial tributário;

i) (…) são “terrenos para construção” os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou a equipamentos públicos (artigo 6.º, n.º 3, do CIMI);

j) (…) O conceito de terreno para construção (…) assenta em pressupostos de natureza objetiva e subjetiva: independentemente de estarem situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, são considerados terrenos para construção todos aqueles para que tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável;

k) (…) A verificação de qualquer dos elementos contidos no conceito de terreno para construção determina, de imediato, uma alteração da sua anterior classificação (…), determinando a consequente alteração da inscrição matricial (artigos 13.º, n.º 1, alínea b) e 37.º, do CIMI);

l) Esta alteração envolve não só a descrição do novo prédio, mas também a sua avaliação;

m) Concluídas as obras de edificação, é o prédio construído inscrito na matriz, sendo determinado o respetivo valor patrimonial tributário, de acordo com as regras previstas nos artigos 38.º e seguintes do CMI;

n) (…) O prédio classificado como terreno para construção deixa de existir autonomamente, sendo eliminada da matriz a correspondente inscrição (artigo 106.º, alínea h), do CIMI);

o) Para efeitos da Verba 28.1, da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor, detidos para efeitos habitacionais;

p) Não estabelecendo o conceito específico do que deva entender-se por prédio com afetação habitacional, o legislador remete para as normas do CIMI;

q) No tocante à classificação dos prédios urbanos, o artigo 6.º, n.º 1, do CIMI, estabelece uma clara distinção entre “prédios habitacionais” e “terrenos para construção”;

r) (…) O licenciamento para habitação, pela entidade competente, ou o uso normal de um prédio cujo destino seja a habitação, referem-se a prédios edificados;

s) Um terreno para construção, qualquer que seja o tipo ou a finalidade da edificação que nele possa ser erigida, não satisfaz, só por si, qualquer condição para se poder definir como prédio com afetação habitacional;

t) Referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que venha a ser edificado no terreno;

u) (…) da norma em causa não pode extrair-se, por interpretação, que (…) a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar “outras realidades para além das indicadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI”;

v) Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos nos artigos 9.º, do Código Civil e 11.º, da Lei Geral Tributária;

w) (…) se o legislador pretendesse abarcar no âmbito da incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação contida no artigo 6.º, do CIMI, tê-lo-ia dito expressamente; mas não o fez, antes remetendo em bloco para os conceitos e procedimentos previstos no CIMI.

Termina a Requerente, na sequência do anteriormente exposto, por formular os pedidos de declaração da ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo – Verba 28.1, da TGIS, do ano de 2013, relativo ao prédio identificado, a sua consequente anulação e a condenação da AT na restituição da quantia de € 3 398,16 indevidamente paga relativamente a essa liquidação, acrescida dos juros indemnizatórios devidos.

Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou atempadamente contestação, bem como requerimento em que vinha proposta a dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, por não ter suscitado a verificação de qualquer exceção que obstasse ao conhecimento do mérito da questão controvertida, sendo suficiente a prova documental oferecida pela Requerente.

Na resposta, em que diz entender não assistir razão à Requerente, vem a Requerida defender que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28, da TGIS, com os seguintes fundamentos:

a)      A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro de 2012, veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o Imposto do Selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00;

b)      O imposto do selo incidiria assim sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens;

c)      Na ausência de qualquer definição legal dos conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional em sede de Imposto do Selo, há que recorrer às disposições do Código do IMI, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, segundo o qual às matérias não reguladas neste Código, respeitantes à Verba 28, da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no Código do IMI;

d)     O n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção, isto é, “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…”;

e)      A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

f)       Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do artigo 45.º, n.º 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do CIMI;

g)      Neste sentido, veja-se a decisão proferida no Acórdão n.º 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul: “O regime de avaliação dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. Art. 6.º, n.º 3 do CIMI).

“Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no art. 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção”;

h)  Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação e de aplicação da verba 28 da TGIS, tendo em conta que:

a.         Na aplicação da lei aos casos concretos há que determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida (artigo

9.º, do CC, ex vi artigo 11.º, da LGT);

b.         O artigo 67.º, n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c.         A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação e determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção;

d. A verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI;

i) A AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, pois o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “afetação habitacional”, expressão mais ampla, cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI;

j) A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do artigo 45.º do CIMI que manda separar as suas partes do terreno – aquela onde vai ser implantado o edifício a construir e a área do terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efetivada;

k) O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano;

l) Salienta-se que o regime jurídico da urbanização e edificação tem como pressuposto as edificações já construídas, [mas] o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do artigo 77.º do RJUE;

m) O mesmo artigo 77.º do RJUE contém especificações obrigatórias para os alvarás de operações de loteamento ou de obras de urbanização, e para as obras de construção, assim como os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…) de organização espacial do território municipal;

n) Nestes termos, muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção;

o) A AT entende que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional, [pois] incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel, sendo uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito;

p) (…) A diferente aptidão dos imóveis (habitação, serviços, comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;

q) (…) encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;

r) (…) Termos em que (…) deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido.

 

O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 16 de janeiro de 2015, foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 19 de janeiro de 2015.

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1, do RJAT, foi a signatária designada pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, encargo que aceitou nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 25 de março de 2015.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Por despacho arbitral de 12 de maio de 2015, regularmente notificado às Partes, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, assim como a audição da testemunha arrolada pela Requerente, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, por 10 dias, com início nas alegações da Requerente.

No mesmo despacho foi a Requerente convidada a, se assim o entendesse e dentro do prazo para alegações, proceder ao aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido da melhor identificação do ato impugnado: (1). Se o ato de liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, emitida em 18 de março de 2014, pela quantia de € 10 194,50, ou (2). Se apenas a terceira prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, cujo prazo de pagamento voluntário decorreu no mês de novembro de 2014, no montante de € 3 398,16, conforme a nota de cobrança relativa à terceira prestação, com cópia junta à petição inicial. Ali foi ainda indicada a data de 11 de junho de 2015 para prolação da decisão arbitral.

 

Em requerimento de 12 de maio de 2015, veio a Requerente esclarecer que o ato objeto do pedido de pronúncia arbitral era apenas a terceira prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, efetuada em 18 de março de 2015, no montante de € 3 398,16, com prazo de pagamento voluntário em novembro de 2014, “sendo certo que foi já declarada no processo 599/2014-T, que correu termos no CAAD, a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 ...5, no montante de 3 398,18 € e 2014 ...6, no montante de 3 398,16 €, correspondentes às prestações vencidas em abril e julho de 2014”.

Notificada do requerimento identificado no parágrafo precedente, a AT não se pronunciou sobre o respetivo teor.

As Partes não produziram alegações.

 

2 MATÉRIA DE FACTO

2.1 Factos que se consideram provados:

2.1.1 De acordo com a caderneta predial urbana emitida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Porto 2, em 30 de julho de 2014, a Requerente era, àquela data, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da União de freguesias de ..., sob o artigo ..., classificado como “terreno para construção”;

2.1.2 O referido prédio urbano foi inscrito na matriz na sequência da apresentação da declaração modelo 1 de IMI n.º ..., em 10 de abril de 2013, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 1 019 450,00 (ficha de avaliação n.º 9588693, de 21 de maio de 2013);

2.1.3 A liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013 foi emitida pela AT, em 18 de março de 2014, nos termos da Verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o VPT de 1 019 450,00, pela quantia de € 10 194,50;

2.1.4 O pedido de pronúncia arbitral respeita exclusivamente à terceira prestação do imposto liquidado em 18 de março de 2014, no valor de € 3 398,16, com pagamento voluntário no mês de novembro de 2014, conforme a nota de cobrança n.º 2014 ...7, com cópia junta aos autos;

2.1.5 A mencionada nota de cobrança foi paga em 30 de novembro de 2014;

2.1.6 As 1.ª e 2.ª prestações da liquidação do Imposto do Selo do ano de 2013, referente ao prédio acima identificado, foram anuladas no âmbito do processo n.º 599/2014-T, que correu termos pelo CAAD e cuja decisão, de 24 de março de 2015, se encontra publicitada em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=599%2F2014-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=644.

 

2.2 Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, bem como da decisão arbitral invocada pela Requerente, identificada supra.

2.3 Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3 MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

De entre as questões de conhecimento oficioso constam “as questões processuais que possam determinar a absolvição da instância”, das quais a sentença deve conhecer prioritariamente (artigo 608.º, n.º 1, do CPC).

Tais questões processuais são, no processo tributário, as enunciadas no n.º 1 do artigo 98.º, do CPPT, que “podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final”, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, para além das que constam do artigo 89.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º,n.º 1, alínea c), do RJAT.

Admitindo a Requerente expressamente que a liquidação de Imposto do Selo, efetuada ao abrigo da verba 28.1, da TGIS, é anual (“sendo o imposto anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano” – cfr. pág. 4 de 13, da p. i.), caberá questionar sobre a possibilidade de anulação de apenas uma das prestações que integram a liquidação do imposto ou se, ainda que seja possível essa anulação, ela caberá no âmbito das competências atribuídas aos tribunais arbitrais, pelo RJAT.

 

3.1. Da (in)impugnabilidade autónoma da prestação de uma liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS):

Caso se possa aceitar a impugnação de uma das prestações de uma liquidação de Imposto de Selo (ao abrigo da verba 28.1 da TGIS), enquanto impugnação parcial do ato tributário de liquidação, haverá que averiguar se aquela liquidação configura um ato divisível.

Quanto à divisibilidade do ato tributário de liquidação, e consequente possibilidade da sua anulação parcial, tem a jurisprudência entendido que a liquidação é um ato divisível, quer por natureza, por respeitar à liquidação de uma obrigação de natureza pecuniária, quer por definição legal, uma vez que o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), fica obrigada “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

No entanto, para que haja anulação parcial do ato tributário, necessário se torna que a ilegalidade o afete apenas em parte (cfr., neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 10 de abril de 2013, no recurso n.º 0298/12, disponível em http://www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “Sumário: I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.” (Sublinhado nosso).

Casos de divisibilidade do ato tributário são, nomeadamente, aqueles em que se está perante um facto tributário complexo, em que houve excesso de quantificação da matéria tributável e não, como no caso dos presentes autos, em que tal quantificação ocorre autonomamente, através do ato de avaliação, e não se verifica excesso nessa quantificação, de que possa resultar a ilegalidade parcial da liquidação a que serviu de base.

Assim, nos casos em que o ao tributário é divisível, “se for pedida a anulação parcial de um ato tributário, o tribunal não poderá, em princípio, anulá-lo totalmente[1]; se for pedida a sua anulação integral e o ato for apenas parcialmente anulável, o pedido será parcialmente improcedente.

Porém, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, aplicáveis por remissão do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, resulta que, nas situações a que se refere a verba 28 da TGIS, é efetuada uma liquidação anual, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.

Sobre a questão da indivisibilidade de uma liquidação de Imposto do Selo (verba 28 da TGIS), já se pronunciou o CAAD, no processo n.º 205/2013-T (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/ ), conforme o extrato que se transcreve:

11. Vem ainda a Requerida impugnar o valor da causa considerando que o mesmo é de 8.940,94€ e não de 28.822,80€, conforme indicado pela requerente.

Sustenta a requerente que “o ato impugnado nestes autos é o ato de liquidação com o nº ...de 22/02/2013, referente à primeira prestação de imposto de selo, do ano de 2012, no montante de € 8.940,94, junta pelo requerente ao pedido de pronuncia arbitral como Doc. 1”.

Acontece, porém, que o valor da liquidação nº ... de 22/02/2013, como consta do referido documento é, na realidade, de 26.822,00 € e não de € 8.940,94.

Note-se que, não existe qualquer liquidação de € 8.940,94. Este valor é apenas a primeira prestação duma liquidação que foi desde logo efetuada e no valor indicado pela Requerente. Da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações (sublinhado nosso), não estando o sujeito passivo impedido de impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas.”.

As prestações de pagamento de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual, de acordo com a lição de Braz Teixeira:É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.”[2] (sublinhado nosso).

 

3.2 Da (in)competência do tribunal arbitral para a anulação de prestação de uma liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS):

O processo arbitral tributário foi concebido como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, de modo a constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

A competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD é fixada pelos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do RJAT, referindo o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que tal competência compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, enquanto a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º, estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal, “contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação

 autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Conclui-se, assim, que, tal como o processo de impugnação judicial, o processo arbitral tributário tem por objeto, mediato ou imediato, o ato tributário de liquidação, enquanto ato de determinação do quantitativo do imposto a pagar (coleta), por aplicação de uma taxa à matéria coletável.

Ora, nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação.

Sobre a incompetência do tribunal arbitral para anular uma prestação de uma liquidação de Imposto do Selo, se pronunciou recentemente o Tribunal Arbitral Coletivo constituído no processo n.º 442/2014-T, de que foi Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, conforme o excerto que, com a devida vénia, se transcreve (decisão disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=442%2F2014-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=625):

“ (…) a Requerente tem razão ao defender que o valor do processo deve ser o das liquidações cuja declaração de ilegalidade pede e não o valor da 1.ª prestação de cada um dos prédios referidos, pois é a ilegalidade das liquidações anuais que a Requerente pretende.

Aliás, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange pedidos de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e não das prestações através das quais se faz a cobrança das quantias liquidadas.” (sublinhado nosso).

 

 

4 DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se declarar a incompetência deste Tribunal Arbitral Singular para apreciação dos pedidos formulados pela Requerente, o que obsta ao prosseguimento do processo, bem como a apreciação de mérito da causa, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3 398,16 (três mil, trezentos e noventa e oito euros e cinquenta e dezasseis cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00, a cargo da Requerente.

Lisboa, 11 de junho de 2015.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” II

Volume, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011, pág. 319.

[2] TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1995,

págs. 243 e 244.